quinta-feira, 13 de maio de 2010

Encontrei a mao invisivel: ela funciona...

Bem, sei que os mais céticos (inclusive alguns que frequentam este blog e adoram render culto ao Estado corretor da anarquia dos mercados) não vão acreditar, mas acabo de encontrar a famosa mão invisível de Adam Smith.
Eu a vi em plena operação e posso dizer que funciona direitinho, trazendo riqueza e prosperidade para gregos e goianos, ou melhor, britânicos e chineses, residentes de Hong Kong e imigrantes, enfim todo tipo de gente.
Sim, refiro-me a Hong Kong, um exemplo perfeito de que a mão invisível funciona, cria riquezas e regula naturalmente os mercados, sem precisar de todos aqueles planos estatais e o intervencionismo estúpido de certos governos...
Hong Kong era uma ilha sem nenhuma importância, na frente de Macau, então um próspero centro de comércio na desembocadura do rio das Pérolas, onde os portugueses estavam instalados desde 1555, quando os ingleses resolveram se instalar e fazer como os portugueses.
Depois de muitos percalços, e de proibições do Imperador a que o comércio fosse feito ali (reservando apenas alguns portos para um comércio restrito com os estrangeiros), e de muito desequilíbrio no comércio bilateral (muito simples e parece hoje: os chineses tinham muita coisa para vender e quase nada queriam comprar dos ingleses), os ingleses resolveram corrigir o déficit à sua maneira: exportando ópio produzido na India para a China. Com a proibição e os desentendimentos, vieram as guerras do ópio e a humilhação da China (que já tinha humilhado pelo menos três enviados diplomáticos britânicos), que foi obrigada a ceder Hong Kong aos representantes de Sua Majestade.
O que era um simples entreposto e repouso de pescadores, prosperou até tornar-se uma vibrante cidade comercial.
Sofreu com a ocupação japonesa (1942 a 1945), não tinha água, sujeita a tornados, deslizamentos, afluxo maciço de refugiados do continente (fugindo do comunismo de Mao Tse-tung), e até com crises bancárias, mas soube se transformar e ficar rica, sempre tendo como base a liberdade de comércio e de empreendedorismo.
De implantação comercial, tornou-se um grande centro industrial -- para manufaturas leves -- e hoje praticamente não tem mais indústrias, que foram todas deslocadas para a China formalmente comunista (Shenzen, Guangzhou, antes conhecida como Cantão).
Vive de comércio, finanças e outras atividades ligadas aos intangíveis. Tem uma população altamente educada, e continua desregulada como sempre foi: quem quiser iniciar um novo negócio, é livre para fazê-lo, desde que siga regras muito simples.
Hong Kong já teve muitos cortiços, verdadeiras favelas brasileiras, penduradas nos morros, que eram devastadas com os deslizamentos de terras por ocasião de enxurradas, tornados e tempestades, ainda muito frequentes.
Hoje não se vê um único traço dessas habitações miseráveis, ainda visíveis no início dos anos 1960. Prédios altíssimos, muitos de luxo, estendem-se pelas vias expressas que serpenteiam entre os morros e enseadas. Metros moderníssimos por todo lado, ligando ilhas e o continente, ferries, teleféricos, ônibus estilo inglês (sim, se dirige do "lado errado" nesta ex-colônia britânica, assim que melhor olhar para os dois lados quando for atravessar uma rua), enfim, não faltam meios de transporte nesta geografia complicadissima que é Hong Kong.
De tudo o que se pode ver, não descobri uma empresa estatal, e o próprio dinheiro, dólar de Hong Kong, é emitido por um banco, o famoso Hong Kong and Shanghai Bank Corporation, atualmente presente no Brasil também.

Enfim, eu vi a mão invisível: ela não apenas está viva, como goza de excelente saúde, e promete continuar enriquecendo Hong Kong pelo futuro previsível, que os chineses não são idiotas de matar uma galinha com ovos de diamante, como é este conglomerado de seguidores naturais de Adam Smith.
Quem quer que diga que a mão invisível não existe ou que ela não funciona adequadamente, eu convido a fazer um passeio em Hong Kong. Se desejar, pode fazer um stop antes em Dubai, que funciona mais ou menos segundo os mesmos princípios.
Adam Smith deve ser cidadão honorário, nas duas cidades. Ele também deve piscar um olho de satisfação, onde quer que esteja
E ainda tem gente que não acredita na mão invisível...

Paulo Roberto de Almeida
(Hong Kong, 13 de maio de 2010)

4 comentários:

  1. Concordo 100%.
    Mas só pra informar, a erradicação dos cortiços (onde só moravam refugiados chineses) foi feita por investimento direto do governo (à época) colonial em habitação social.
    Normalmente os ingleses não ligavam muito para as condições de vida dos imigrantes, até porque os próprios chineses não queriam intervenção nos seus... hmmm... "modos de vida milenares"...
    Em 1953 houve um grande incêndio em uma favela que deixou milhares de desabrigados, e o Governador resolveu agir, à tapa.
    Já no fim do governo britânico, esta ação tinha erradicado as habitações improvisadas. Estavam já no período de demolição dos conjuntos dos anos 50/60/70 para construir coisas melhores.
    É um bom caso de estudo pra planificadores cariocas, e brasileiros.
    Não é uma apologia à intervenção estatal, mas um case de sucesso apenas no âmbito habitacional.

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  2. P. Genovese,
    Muito grato por seus comentarios, que se seguem a uma versao ligeiramente corrigida de meu texto.
    Agradeço pelos comentários, absolutamente pertinentes. Eu mesmo, visitando hoje o museu de história de Hong Kong, assisti a um filme e li informações sobre esse famoso incêndio de 1952, que deixou milhares de chineses habitantes dos tugurios (ou favelas) sem casa.
    De fato, o governo britânico alojou os "sem teto" em residências de fortuna (11 m2) para familias inteiras, vivendo, por vezes oito pessoas, em cubículos verdadeiramente apertados, com beliches e uma cama de acampamento que era retirada para que eles pudessem comer, sendo que a comida era preparada num reduzidissimo balcao, de alguns centimetros.
    Depois as condicoes foram melhorando.
    A mão invisível de Adam Smith não quer dizer que o Estado se retire de tudo e não exista, mas que ele faça tudo aquilo que apenas ele pode fazer, como é o caso de saúde pública, educação, defesa, e essas obras de infra-estrutura que demandam intervenção em larga escala no meio ambiente, como foi a realocação dos infelizes habitantes chineses das favelas para residências improvisadas e depois, paulatinamente, para espaços urbanizados em condições bem mais decentes.
    Tudo isso está muito bem explicado no museu de história, onde passei algumas horas, nesta quinta-feira 13 de maio, aprendendo sobre a história de Hong Kong, desde a pré-história, até a "devolução" para a China.
    Eu escrevi, num trabalho recente que ainda vai ser publicado, que HK tinha deixado de ser colônia britânica para ser "colônia" chinesa, mas apenas metaforicamente, pois a China, provavelmente, vai se moldar muito mais em Hong Kong, do que o contrário.
    Aliás, falando com os chineses de HK, o que eu faço sempre quando quando tenho oportunidade, constato que eles não se sentem exatamente chineses, e sim hong-konguianos, ou seja lá como se chamarem esses orgulhosos residentes de um dos paises mais avançados, mais capitalistas, e mais ricos do mundo.
    Thank you Mr. Smith...
    Aliás, refletindo (o que já fiz) sobre o título do último livro de Giovanni Arrighi -- Mr. Smitht goes to Beijing -- constatei que deveria ser totalmente o contrário: os chineses vão para a Escócia...
    Ele resolveu usar o título de um famoso filme americano -- Mr. Smith goes to Washington -- cujo tema não tem nada a ver com seu livro, mas ele deveria ter dito exatamente o inverso: são os chineses que se tornaram liberais, não Smith oriental...
    Viva a mão invisível.
    Paulo Roberto de Almeida

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  3. Realmente, PRA. Penso como você.

    Quanto à HK, acho interessante a tese de Frank Welsh. O título de seu livro sobre a história de HK, A Borrowed Place, já dá uma idéia de como a ilha sempre foi mais chinesa que inglesa.

    Mas ainda que a quase totalidade da população sempre tenha sido de origem chinesa, eram refugiados dos regimes e turbulências continentais. Ou seja, eram chineses, ma non troppo...

    Faz sentido esse sentimento de diferença em relação à China hoje em dia. Um pouco de free iniciative sempre faz bem...

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  4. Paulo,

    Esse museu ao qual te referiste tem endereço na internet?
    No mais, pobre Smith: nunca antes uma figura de linguagem (um é como se fosse...) gerou tanta incompreensão. Principalmente àqueles que atribuíram à expressão estatuto ontológico: uns chegaram a demonizar a mãe invisível, a tratá-la como serpente; outros perceberam, com relutância, que este animal era importação indevida da história de um outro Adão; sem, no entanto, apreender de todo a realidade complexa dos mercados. O fato é que mercados livres - ou "tendencialmente" livres - têm possibilitado a vida no "menos pior" dos mundos possíveis. E ponto.

    Abraços.

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