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quarta-feira, 15 de junho de 2011

A China ainda pode fracassar - Martin Wolf

Um século atrás, o Brasil tinha uma renda per capita que era aproximadamente 12% da renda per capita dos americanos, ao passo que os argentinos exibiam mais de 70% dessa proporção. Depois de termos alcançado cerca de um quarto daquela renda, na fase de maior crescimento, recuamos hoje para menos de 20%, enquanto os argentinos recuaram absoluta e relativamente, caindo para cerca de 30% da renda per capita dos americanos, ou seja, um fracasso rotundo, ao passo que nosso "sucesso" foi muito modesto.
Desde o século 18, a China passou de maior economia mundial (33% do PIB global, mas é verdade que pouco disso realizado no comércio internacional), para menos de 5% do PIB, no auge dos delírios econômicos maoistas, que aliás foram responsáveis por uma mortandade pavorosa de dezenas de milhões de pessoas.
A China cresce espetacularmente a cerca de 10% do PIB e mais de 8% per capita anual, desde os anos 1980, o que JAMAIS foi visto na história econômica mundial, e que jamais será visto novamente por qualquer outro país. Com isso, a China saiu de uma miséria execrável para uma pobreza aceitável, mas com muita desigualdade também: ilhas de abundância e de luxo, e muitos camponeses pobres, ainda. Em todo caso, ela parece ter conseguido fazer o seu "dever de casa", ainda que com traços autoritários que não merecem ser imitados por nenhum outro país, com desrespeito dos direitos humanos, censura total e autocracia política que, felizmente, evoluiu do totalitarismo comunista para um autoritarismo monopolístico sem muita ideologia aparente.
Desejamos sucesso aos chineses, e sobretudo que eles possam sair da autocracia do PCC para um regime aberto e pluralístico, com vigência total das liberdades democráticas.
Paulo Roberto de Almeida

Como a China ainda pode fracassar
Martin Wolf
Valor Econômico, 15/06/2011 (Financial Times)
Plano prevê desaceleração do crescimento para apenas 7% por ano.

Até 1990, o Japão era a grande economia mais bem-sucedida do mundo. Quase ninguém previa o que aconteceria ao país nas décadas seguintes. Hoje, as pessoas mostram-se ainda mais assombradas com os feitos da China. É concebível que esse colosso possa descobrir que êxitos espetaculares sejam precursores de fracassos surpreendentes? A resposta é "sim".

O Produto Interno Bruto (PIB) do Japão per capita (pela paridade do poder de compra), que em 1950 era de 20% do verificado nos Estados Unidos, saltou para 90% em 1990. Essa convergência espetacular, porém, passou a andar para trás: em 2010, o PIB per capita japonês havia caído para 76% do registrado nos EUA. O PIB per capita na China passou de 3% do americano em 1978, quando Deng Xiaoping iniciou a "reforma e abertura", para 20% do verificado nos EUA de hoje. Será que o país prosseguirá de forma tão impressionante nas próximas décadas ou será que a China, também, surpreenderá com uma queda?

É fácil apresentar argumentos otimistas. Primeiro, a China tem histórico comprovado de sucesso, com taxa de crescimento médio da economia de 10% entre 1979 e 2010. Segundo, a China está muito distante dos padrões de vida dos países de alta renda. Em relação aos EUA, seu PIB per capita está no ponto em que estava o do Japão em 1950, antes do que viria a ser um período de 25 anos de crescimento elevado. Se a China igualar o desempenho do Japão, seu PIB per capita será de 70% o dos EUA em 2035 e sua economia será maior que a dos EUA e União Europeia somadas.

Há, entretanto, contra-argumentos. Um é o de que o tamanho da China é uma desvantagem: em particular, torna sua ascensão muito mais dramática para a demanda por recursos do que qualquer coisa já vista antes. Outro é que os efeitos políticos decorrentes de tal transformação podem ser impactantes para um país comandado por um partido comunista. Também é possível propor argumentos puramente econômicos para a ideia de que o crescimento poderia desacelerar-se de forma mais abrupta do que a maioria presume.
É muito difícil para um país investindo metade do PIB desacelerar suavemente. A transição para uma expansão econômica mais lenta será um caminho bastante esburacado. O governo chinês é hábil. Mas não consegue andar sobre as águas.

Tais argumentos apoiam-se em duas características da situação chinesa. A primeira é que é um país de renda média. Economistas admitem, cada vez mais, a "armadilha da renda média". Portanto, é difícil sustentar fortes aumentos na produtividade e administrar grandes mudanças estruturais, à medida que a economia se torna mais sofisticada. Nos últimos 60 anos, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura foram praticamente as únicas economias a conseguir o feito nos últimos 60 anos.

O próprio primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, descreveu a economia como "instável, desequilibrada, descoordenada e, no fim das contas, insustentável". A natureza do desafio ficou evidente para mim durante as discussões do 12º plano quinquenal do país, no Fórum de Desenvolvimento da China 2011, realizado em Pequim, em março. O novo plano defende uma mudança profunda no ritmo e estrutura do crescimento econômico. Em particular, prevê-se desaceleração do crescimento para apenas 7% por ano. Mais importante, espera-se que a economia se reequilibre em relação ao forte peso dos investimentos, movendo-se mais em direção ao consumo e, em parte como resultado disso, da indústria para o setor de serviços.

Os investimentos de fato cresceram bem mais que o PIB. Entre 2000 e 2010, o crescimento médio da formação bruta de capital fixo, indicador dos investimentos, foi de 13,3%, enquanto o aumento médio do consumo privado foi de 7,8%. Ao longo do mesmo período, a participação do consumo privado no PIB caiu de 46% para menos 34%, enquanto a dos investimentos subiu de 34% para 46%.

O professor Michael Pettis, da Guanghua School of Management, da Universidade de Pequim argumenta que a supressão dos salários, a imensa expansão do crédito barato e taxa de câmbio reprimida foram formas de transferir renda das famílias para as empresas e, subsequentemente, do consumo ao investimento. Dwight Perkins, de Harvard, argumentou no Fórum de Desenvolvimento da China que o volume de capital necessário por unidade adicional do PIB (Icor, na sigla em inglês) subiu de uma relação de 3,7 para 1 na década de 90, a uma de 4,25 para 1 na de 2000. Isso também indica que os retornos vêm diminuindo.

Se o padrão de crescimento for revertido, como deseja o governo, a expansão dos investimentos precisa ser menor que a do PIB. É o que ocorreu no Japão nos anos 90, com resultados sombrios. A tese proposta pelo professor Pettis é que uma estratégia de investimentos forçados normalmente acabará com um golpe. A questão é quando. Na China, isso pode ocorrer antes, dentro do processo de crescimento, do que no Japão, porque os investimentos são altos demais. Grande parte dos investimentos agora em andamento será deficitária sem um suporte artificial, argumenta. Um indicador, sugere, é o forte crescimento do crédito. George Magnus, do UBS, também destacou no "Financial Times", em 3 de maio, que a intensidade de crédito no crescimento chinês aumentou acentuadamente. Isso também lembra o Japão do fim dos anos 80, quando a tentativa de sustentar o crescimento em uma demanda doméstica que era puxada pelos investimentos levou a uma expansão de crédito destrutiva.

À medida que o crescimento desacelerar, a demanda por investimentos certamente encolherá. Com uma expansão de 7%, a taxa necessária de investimentos poderia cair para até 15% do PIB. Mas a tentativa de transferir renda para as famílias poderia forçar a um declínio ainda maior. De motor de crescimento, o investimento poderia tornar-se fonte de estagnação.

A visão otimista é que o crescimento potencial da China é tão grande que o país pode administrar a transição planejada com tranquilidade. A visão pessimista é que é muito difícil para um país investindo metade do PIB desacelerar suavemente. Suponho que a transição para uma expansão econômica mais lenta e para uma maior dependência em relação ao consumo será um caminho bastante esburacado. O governo chinês é hábil. Mas não consegue andar sobre as águas. As águas pelas quais terá de andar na próxima década serão bem agitadas. Cuidado com as ondas.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante e coerente. Obrigado pelos posts, todos de alta qualidade.

Felipe disse...

A China em pauta, que país contraditório!
Falando acerca da possível hegemonização desse gigante oriental, não estou tão seguro que a ascensão Chinesa no ocidente será melhor para a gente daqui mais do que a atual potência Americana, falo isso sabendo que eles são xenófobos em demasia e se fazem o que fazem com os seus, imagine com os "outros"! Aqui no Brasil lembro-me de ler algo a respeito de que eles estavam ameaçando "bater retirada" se os trabalhadores brasileiros continuassem exigindo seus direitos e leis trabalhistas. Shame on them! Sem falar que eles são cruéis e não exitam em fazer o que acham melhor. Na opinião do Senhor o que a hegemonia Chinesa no Ocidente provocaria para nós?
Será mesmo que a China fracassará?
Ah! E espetacular seleção de textos que tenho lido aqui atualmente! Parabéns.