Volto ao tema da desindustrialização que estaria ocorrendo no Brasil e que aparece com frequência na imprensa brasileira. Entende-se esse fenômeno como a redução estrutural da participação da indústria no PIB em função do crescimento das importações. O real forte seria o grande culpado segundo as lideranças empresariais e alguns membros do governo.
Em um primeiro momento o governo tentou enfraquecer o real via compras maciças de dólares no mercado de câmbio e a introdução de um IOF na entrada de recursos financeiros de curto prazo. Mais recentemente, atravessou uma fronteira perigosa - e que tinha sido evitada até agora - ao passar a cobrar o IOF nas operações de derivativos cambiais. Apesar de todas essas intervenções nossa moeda continua como uma das mais valorizadas no mundo emergente, o que tem provocado ranger de dentes em Brasília.
Na última quinta feira o governo resolveu ampliar sua intervenção e decretou um brutal aumento do imposto de importações de automóveis - mascarado por um novo IPI seletivo - na primeira medida direta para reduzir as pressões dos produtos importados. O primeiro alvo nesta nova escalada foi o setor automobilístico que sofre uma concorrência vigorosa de produtos importados. Certamente a influência política dos sindicatos dos metalúrgicos, principalmente do ABC, está por trás dessa escolha. Afinal eles conseguiram generosos aumentos na última rodada de dissídios coletivos e as empresas precisam de espaço para absorver, via preços, esse aumento de custo.
Sem um entendimento correto das causas de um problema nunca chegaremos a sua solução
Outros setores da indústria de transformação a partir de agora vão demandar tratamento semelhante e corremos o risco - principalmente o cidadão consumidor - de uma rodada importante de fechamento via impostos de nossa economia, revertendo a tendência dos anos Lula.
O leitor do Valor sabe que não concordo com a análise simplista de que os problemas que enfrentamos hoje são criados, majoritariamente, pelas importações. Como escrevi em coluna recente neste jornal as causas são mais profundas e complexas e estão associadas às questões micro econômicas internas, como sistema tributário, regras salariais e custos de logística. Mas a medida do aumento diferenciado do IPI mostra que o governo resolveu agir de acordo com suas convicções e caminhar firme na direção da restrição direta às importações. E elas se aproximam muito da política do regime militar, quando Delfim Netto era ministro todo poderoso do governo. Aliás, fala-se muito hoje de sua volta ao centro das decisões econômicas no governo Dilma.
Vou me valer de dois ensinamentos que trago dos meus tempos de estudante de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para continuar minhas reflexões sobre este tema. O primeiro deles, que aprendi com um professor de Física ainda no começo de meus estudos, diz que contra fatos concretos não há argumentos. Por isso, se entendemos a desindustrialização apenas como a redução da participação da atividade industrial no PIB brasileiro e, se olharmos para o passado longínquo do regime militar como período de referência, estamos diante de um fato inquestionável e assustador.
Nos estertores do regime militar a indústria chegou a representar, em termos nominais, 48% do PIB. Com o colapso do modelo da ditadura e a aceleração da inflação a partir da década dos oitenta do século passado a indústria chegou a 28% do PIB às vésperas do Plano Real. Com a estabilização da economia nos anos FHC tivemos uma pequena recuperação da indústria, que alcançou a marca de 30% do PIB na passagem do governo ao presidente Lula. Hoje essa relação voltou a cair e chegou a 26% do PIB no início do governo Dilma. Não por outra razão temos ainda saudosistas do período militar, quando as restrições draconianas às importações fizeram com que a indústria brasileira chegasse a representar quase metade do PIB. Esse número só foi atingido pela União Soviética na segunda metade do século passado, o que não me parece uma boa referência tanto econômica como política.
Mas a que custo foi conseguido esse resultado no Brasil? Quantos anos de sacrifício foram necessários para purgar os projetos industriais sem viabilidade que formaram a base desta estrutura industrial artificial? Vamos impor ao consumidor brasileiro novamente os custos de um sistema micro econômico ineficiente e impossível de ser mantido no mundo de hoje?
Por ter vivido intensamente esse período de ajustes - inclusive como diretor do Banco Central - é que me assustam esses movimentos recentes do governo. E trago aqui o segundo ensinamento dos meus anos de politécnico: "sem um entendimento correto das causas de um problema nunca chegaremos a sua solução".
E, no caso da perda de musculatura de nossa indústria, a forma como o governo e parte importante da liderança empresarial pretende enfrentar suas causas é um exemplo dessa armadilha. Restringir as importações pela imposição de novas barreiras tarifárias é não tratar das causas corretas além de interromper um caminho de integração de nossas cadeias produtivas que nos levam a uma economia mais eficiente.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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