A recaída da política externa brasileira | |
Editorial O Globo, 7/10/2011 | |
Dilma recua depois de acenar com o abandono da diplomacia companheira
No
caso da Síria, a política externa brasileira voltou a demonstrar
pruridos e cautelas excessivas diante da gravidade da situação. O que
está por trás disso é a volta à diplomacia companheira que predominou
nos dois mandatos do presidente Lula. O objetivo teórico dessa política é
dar ao Brasil um papel mais efetivo nas questões internacionais, mas
ela tem sérios problemas: isola e fragiliza a posição brasileira, como
no caso da tentativa de negociar diretamente com o regime do Irã, ao
arrepio de quase todo o resto dos países mais relevantes; mal disfarça
que a dissonância de Brasília visa a respaldar companheiros que marcham
com o pé trocado na cena mundial, como Venezuela e a própria Síria,
entre outros; e revela um viés antiamericano tão ultrapassado quanto
improdutivo.
A presidente Dilma Rousseff deu a
impressão de que a política externa estava entre os aspectos que
pretendia mudar, para melhor,em relação a Lula. Antes da posse, ela
disse ao “Washington Post” que trabalharia pela defesa dos direitos
humanos.Coerentemente, o Brasil votou,no Conselho de Segurança, pela
aplicação de sanções à Líbia e sua exclusão do Conselho de Direitos
Humanos da ONU. Mas essa rota foi abortada e houve o retorno à posição
anterior de aparente extrema cautela, mas que na verdade põe Brasília na
contramão do bom senso. Já na votação seguinte sobre a situação da
Líbia, em que um conjunto heterogêneo de forças luta para dar aos líbios
o que desejam — o fim do reinado de arbítrio e poder absoluto de
Kadafi —, o Brasil destoou: absteve-se de votar a resolução da ONU que
autorizou ataques aéreos da Otan contra as forças do ditador.
Situação
similar se repetiu agora no caso da Síria, onde a repressão metódica e
brutal comandada pelo ditador Bashar Assad foi responsável até agora,
segundo a ONU, pela morte de 2.900 pessoas que lutaram contra o regime.
O
dissenso entre os cinco com direito a voto no Conselho de Segurança foi
amplo — Rússia e China vetaram resolução apoiada por EUA e países
europeus que objetivava dar 30 dias para o regime sírio pôr fim à
violência. O Brasil se absteve, juntando-se aos demais Brics, além de
China e Rússia, atualmente no Conselho de Segurança: Índia e África do
Sul (o Líbano, compreensivelmente, também se absteve).
É
verdade que o Brasil vem acompanhando os Brics na evidente tentativa de
formar um novo bloco político global que tenta contrabalançar o peso da
única superpotência restante — os EUA. No caso da Síria, os Brics se
dividiram: China e Rússia vetaram, Brasil, Índia e África do Sul se
abstiveram. Para não ficar a reboque do bloco EUA/Europa, Brasília se
atrelou aos Brics, mas os interesses de China e Rússia, por exemplo,
podem muitas vezes nada ter a ver com os do Brasil, ou da Índia, ou da
África do Sul. Isso já aconteceu.
Nada contra o
país ter posições próprias em relação a este ou àquele bloco. Para isso,
melhor seria a política externa brasileira retomar o caminho que
começara a trilhar no início do governo Dilma, afinado com as tradições
de profissionalismo, bom senso e moderação de nossa diplomacia.
|
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.