Sergio Leo
Valor Econômico, 16 Outubro 2011
Estranho paradoxo o do governo Dilma, que percorre as reuniões
internacionais clamando por maior coordenação e união no combate à crise
internacional e, ao mesmo tempo em que a presidente da República critica lá
fora o protecionismo, sua equipe no Brasil levanta barreiras comerciais sem
coordenação entre os ministérios. Há dez anos, foi criada a Câmara de Comércio
Exterior, para ordenar as ações dos órgãos do governo em temas comerciais. E em
seu aniversário, a Camex foi ignorada para que o país embarcasse no
protecionismo.
O Brasil parece, mais e mais, espelhar-se no exemplo da vizinha
Argentina, adepta das medidas informais de administração do comércio ou pouco
atenta aos compromissos com o sistema multilateral. O problema do exemplo é sua
ineficiência: as estatísticas da própria Argentina mostram perda crescente da
competitividade dos produtos manufaturados locais, para prejuízo da população e
do país.
São preocupantes as informações que saem, por exemplo, do Grupo de
Acompanhamento Conjuntural (GAC), criado para troca de impressões entre o
governo e o setor privado. Segundo relato dos próprios empresários, o ministro
da Fazenda, Guido Mantega, parece encantado com boa parte das sugestões
protecionistas levantadas nesse grupo, mesmo as que claramente rompem regras
internacionais e sujeitam o país a questionamentos na Organização Mundial do
Comércio (OMC).
Uma das últimas medidas postas em estudo por Mantega é a sugestão de
proibir o desembarque de certas mercadorias a não ser em portos especialmente
designados - uma maneira de dificultar a vida dos importadores. Se adotada a
proposta, portos como Santos e Paranaguá seriam fechados a determinados
manufaturados, criando uma barreira de custo e logística aos importados.
O Brasil não seria o único a contrariar as regras da OMC. Mas, como
país em desenvolvimento, pacífico, de tamanho ainda reduzido no comércio e no
mercado financeiro internacional, deveria ser um dos primeiros interessados em
fortalecer, não minar, o sistema de normas multilaterais, que, até agora, só
tem beneficiado os interesses brasileiros. Deflagrar conflitos comerciais com
violações explícitas às regras internacionais não parece uma estratégia
sensata, nem se ajusta ao discurso de Dilma Rousseff nos palcos internacionais.
Desde as ações contra barreiras à gasolina nos EUA e questionamento
dos subsídios à Embraer, pelo Canadá, o Brasil coleciona vitórias na OMC, a última
delas contra os subsídios ao algodão americano. A OMC serve para desencorajar o
mero uso da força bruta na proteção a mercados, estabelecer regras aceitáveis
para comercialização de mercadorias e arrancar de parceiros faltosos
compensações como o inédito financiamento dos EUA a pesquisas e tecnologia para
o algodão brasileiro.
O problema das decisões repentinas e voluntariosas, como a tomada em
setembro no Brasil, de aumentar em 30 pontos percentuais o imposto sobre
produtos industrializados dos automóveis, vai além de sua vulnerabilidade
jurídica, com liminares espalhadas para garantir importação sem IPI, no país, e
movimentação, no exterior, dos parceiros do Brasil para questionar a ação
protecionista. O exemplo das barreiras levantadas atabalhoadamente obriga a
diplomacia brasileira a defender chicanas protecionistas que podem, muito bem,
ser usadas contra o Brasil no futuro.
Além disso, desmoralizar a Camex como local de acerto de ponteiros dos
ministérios é abrir espaço para mais decisões capengas e indefensáveis que
exigem sucessivos retoques, como vem acontecendo com o aumento do IPI para
carros. Abriu-se uma exceção para importações do México e Argentina, porque
interessava às grandes montadoras instaladas no país. Por ordem de Dilma, a pedido
do amigo presidente uruguaio, José Mujica, abriu-se outra exceção para os 20
mil carros importados do Uruguai, majoritariamente chineses. Anuncia-se
discutir mudanças, caso a caso, para montadoras com planos de instalação no
país.
Discutindo na Camex, quem sabe os ministros teriam evitado essa
sucessão de casuísmos e adotado medidas mais sofisticadas e mais proveitosas
para o consumidor. Uma delas foi apontada à repórter Francine de Lorenzo, do
Valor, pela professora Vera Thorstensen, uma das maiores especialistas em
comércio internacional no país - que deplorou o amadorismo do imposto que
discrimina, contra a lei, entre produto nacional e produto importado já
internalizado no mercado nacional. O governo poderia ter criado um programa de
desenvolvimento tecnológico, que permitiria incentivos à indústria instalada no
país, aponta Thorstensen.
O programa cobraria investimento na melhoria do produto nacional, em
troca de proteção. Essa ideia foi levantada e abandonada no calor das conversas
com as montadoras. Agora, os países de origem dessas mesmas montadoras exigem
que o Brasil justifique na OMC o injustificável aumento seletivo de imposto.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
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