O governo cometerá mais um equívoco grosseiro, e mais uma vez fugirá do problema real, se romper o acordo automotivo com o México, deficitário do lado brasileiro a partir de 2009. Esse déficit, de cerca de US$ 1,7 bilhão, é apenas uma pequena fração do rombo total no comércio de produtos típicos da indústria de transformação, de US$ 48,7 bilhões no ano passado, segundo levantamento divulgado há poucos dias pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi). Diante das dificuldades crescentes no comércio de bens industriais, Brasília tem optado pelo fechamento da economia brasileira. A criação ou ampliação de barreiras protecionistas tem sido a resposta mais frequente, em geral disfarçada com o nome, obviamente impróprio, de política industrial.
Conhecida pela imprensa há poucos dias, a ameaça de anulação do acordo com o México vai na direção do protecionismo, como se o fechamento do mercado eliminasse os pontos fracos da produção nacional. Além de não resolver o problema, esse tipo de política vicia o organismo econômico e acaba sendo um fator de atraso. Perde o consumidor, tolhido em sua escolha, e a própria indústria, protegida como incapaz, deixa de se transformar, de crescer e de gerar mais e melhores oportunidades de trabalho. O Brasil já viveu essa experiência e com certeza nenhuma pessoa sensata e capaz de pensar no longo prazo deseja repeti-la.
Em vez de abandonar esse acordo, o Brasil deveria, juntamente com os parceiros do Mercosul, buscar a ampliação dos compromissos com o México até alcançar um pacto de livre comércio. Se o País se tornou deficitário nas trocas do setor automotivo, o razoável é identificar os problemas e tentar resolvê-los.
Se a raiz dos problemas estiver no México, o primeiro passo deve ser a busca de um entendimento, talvez de uma revisão do acordo. Mas é inútil gastar muito tempo com essa hipótese. Os grandes problemas estão mesmo no Brasil e afetam muito mais que o comércio de um tipo de produto - do setor automotivo - com um parceiro definido - neste caso, o México.
As dificuldades são conhecidas há muito tempo, mas é útil conhecer os trabalhos divulgados ultimamente pelo Iedi. Esses estudos acrescentam detalhes interessantes ao quadro geral das dificuldades da indústria para ocupar e até para manter espaços tanto no mercado externo quanto no interno.
Uma análise recente mostra como o déficit comercial se distribui entre segmentos industriais classificados segundo o grau de tecnológica. No nível mais alto, o déficit aumentou de US$ 26,2 bilhões em 2010 para US$ 30 bilhões no ano passado. Só uma classe de indústria desse grupo, a aeronáutica, obteve um pequeno superávit, de US$ 179 milhões. A maior parte do rombo ocorreu no comércio de eletrônicos e farmacêuticos.
O déficit chegou a US$ 52,4 bilhões no grupo dos produtos de média-alta tecnologia. As exportações da indústria automotiva aumentaram, assim como as dos setores de produtos químicos e de equipamentos, mas o crescimento das importações foi muito maior. O desempenho foi melhor nas faixas de média-baixa e baixa tecnologia, com déficit de US$ 9,3 bilhões na primeira e superávit de US$ 42,9 bilhões na segunda. Nesta se incluem, obviamente, as indústrias de alimentos e de bebidas, madeira, papel e celulose. As indústrias têxteis, de roupas e de calçados, incluídas no grupo de baixa tecnologia, foram deficitárias.
O superávit das empresas de baixa tecnologia, somado ao da agropecuária, foi muito mais que suficiente para compensar o rombo dos outros setores e garantir um saldo positivo final de US$ 29,8 bilhões.
O cenário é de "commoditização" do saldo comercial. Isso se deve principalmente às dificuldades de competição da indústria. O estudo do Iedi repete, sem se alongar, a lista conhecidíssima de fatores - câmbio desfavorável, capacidade ociosa na indústria asiática, deficiência de infraestrutura, tributação ruim, escassez de recursos humanos, etc.
Diante desse quadro, romper o acordo com o México é tão racional quanto espetar uma agulha num boneco de vodu. Pensamento mágico nunca produziu política econômica eficiente.
Um comentário:
Governo capitalista, de livre mercado? Desde quando? Mais socialistas que a China.
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