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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cuba, again: esperam-se comentarios de quem de direito...Cuba

O site da revista Carta Maior exibe o maior número de apoiadores da Cuba ditatorial por centímetro quadrado. Qualquer um deles, mas especialmente um deles, que já defendeu o fuzilamento de opositores da ditadura comunista poderia comentar este artigo...


Flores de Madeira
O Estado de S. Paulo, 5/02/2012


A cela do castigo é estreita, fria e não há nenhuma manta para o detento se cobrir. Pelo buraco que serve de latrina, de vez em quando, sai uma ratazana que olha com curiosidade o homem encolhido no canto. Fora, ouvem-se gritos e o barulho habitual da prisão de Aguadores, uma das mais temidas de Cuba.

A cena, comum em nosso sistema penitenciário, ocorreu em janeiro e teve como protagonista um jovem de 31 anos: Wilman Villar Mendoza. Ele foi preso em 14 de novembro, quando participava de um protesto contra o governo. Em imagens divulgadas após sua morte, ele é visto diante de um grupo com a bandeira de Cuba, enquanto os pedestres, atônitos, não sabem se devem aderir ou reprimir os manifestantes.

Provavelmente, as lembranças daquela manifestação voltaram à sua memória, enquanto ele tremia na cela. Ele saiu daquele lugar já moribundo e, depois, para o cemitério.

Villar, que morreu após uma greve de fome, ganhava a vida fazendo trabalhos de carpintaria e alvenaria. Sua especialidade eram as belas flores de grande caule, em madeira, que os turistas compram para levar como lembrança da ilha.

Um caule com seis pétalas, talhado com a paciência de quem sabe que o tempo, em Cuba, não vale muito e os minutos não o tornaram nem mais próspero nem mais feliz. Dava forma a um pedaço de cedro por horas, remoendo parte de sua frustração, maior entre os jovens do interior.

Em setembro, esse mesmo inconformismo o levou a participar do grupo de oposição União Patriótica de Cuba. Para a propaganda oficial, ele era um delinquente comum que espancava a mulher. Muitos depoimentos, porém, entre eles o da própria mulher, contradizem a versão.

Em Cuba, como diz um amigo, "ninguém sabe o passado que o aguarda". Os antecedentes penais dos cidadãos são determinados também por seu comportamento político. Como não existe separação de poderes, com o Judiciário independente do partido, a índole ideológica influi no prontuário criminal da pessoa.

Sabe-se de generais que dispararam contra suas amantes e ministros surpreendidos em desfalques milionários que jamais foram levados a um tribunal. Mas, quando se trata de um opositor do governo, basta ter comprado um litro de leite no mercado negro ou brigado com sua mulher para ser considerado culpado. O Código Penal não possui nenhum artigo contemplando o "delito político", de modo que os importunos são julgados por outras causas.

Foi exatamente o que ocorreu com Villar, que resistiu à prisão em 7 de julho depois de um incidente doméstico. Foi processado por isso apenas quatro meses depois, quando participou de uma manifestação contra o governo. Ao detê-lo, um policial gritou diante de testemunhas: "agora, sim, vamos fazê-lo desaparecer" - e assim o fizeram.

A prática de converter ativistas em criminosos não é nova. Em fevereiro de 2010, quando Orlando Zapata Tamayo morreu após 85 dias de greve de fome, Raul Castro declarou que ele era um delinquente comum. Esquecera que sete anos antes, no livro Os Dissidentes, feito por jornalistas simpatizantes do governo para justificar as detenções da Primavera Negra, havia uma referência a Tamayo, com foto, nome e sobrenome.

Reacomodar a história costuma causar essas contradições uma vez que nenhum governo jamais pode prever o “futuro que o aguarda”. Apresentar Villar como um marido enfurecido não esclarece a razão pela qual ele morreu. Acusá-lo de crime comum reforça a idéia maniqueísta de que, em Cuba, não há pessoas decentes e patriotas que estejam contra o governo.

Um editorial do Granma chegou a assegurar que a greve de fome nem mesmo existiu, mas não explicou como um indivíduo de 31 anos acabou rapidamente em dois meses de cárcere, a ponto de morrer num hospital por “falência múltipla de órgãos”.

Segundo Maritza Pelegrino, seu marido parou de comer em 24de novembro, quando foi condenado a quatro anos prisão. Interrompeu a greve em 23 de dezembro, pois os carcereiros disseram que ele estava na lista de presos que receberiam indulto. Mas voltou à greve seis dias depois, ao comprovar que era mentira. Amarrado e nu, foi colocado na cela do castigo, onde contraiu a pneumonia que o mataria.

Ele morreu por causa da tardia intervenção médica, mas o que acabou com sua vida foi um sistema que eliminou todos os caminhos pacíficos, Cívicos, e eleitorais para que os cidadãos tenham voz.

Villar foi convertido em cadáver por um sistema em que um opositor é considerado culpado de qualquer delito com poucas possibilidades de provar o contrário. A necessidade de usar o corpo como praça pública da indignação, em uma ilha onde protestar é proibido, foi determinante para o triste desenlace do dia 19 de janeiro.

Yoani Sánchez

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