Mais recente trabalho publicado:
1080. “Renato de Mendonça: um intelectual na diplomacia”, Boletim ADB (ano XIX, n. 79,
outubro-novembro-dezembro 2012, p. 28-29). Relação de Originais n. 2446.
Renato Mendonça: um
intelectual na diplomacia
Paulo Roberto de Almeida
Boletim ADB
(ano XIX, n. 79, outubro-novembro-dezembro 2012, p.
28-29).
A Casa do Penedo, fundação
alagoana que homenageia Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o Barão do Penedo
– ministro do Brasil em Washington, em 1852, e em Londres, a partir de 1855,
até o final do Império –, organizou, em outubro de 2012, em Maceió, um
seminário acadêmico que festejou os cem anos de nascimento de Renato Firmino
Maia de Mendonça, diplomata das Alagoas, nascido em Pilar, em 23 de dezembro de
1912, autor da biografia de Carvalho Moreira, publicada em 1942.
Na ocasião, o presidente
da Funag, embaixador José Vicente Pimentel, lançou a quinta edição do primeiro
livro de Renato Mendonça, A Influência Africana
no Português do Brasil, publicado em 1933 (ver Prata da Casa), quando o
jovem autor de 21 anos ainda não tinha ingressado no serviço exterior. Ele o
fez em 1934, como “cônsul de 3a classe”, mediante concurso no qual
foi também admitido João Guimarães Rosa (nascido em 1908). Renato Mendonça se
aposentou no final de 1977, após 43 anos de serviços contínuos, e veio a
falecer no Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1990.
Ao conquistar, pelo
Colégio D. Pedro II, o título de bacharel em Ciências e Letras (1931) – tendo obtido,
em 1935, o de bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Rio
de Janeiro –, Renato Mendonça já destacava o impacto da cultura negro-africana na
formação social do Brasil. Publicou duas dezenas de obras, geralmente em temas
históricos e diplomáticos, com incursões na linguística e na antropologia. A
Funag planeja republicar sua História da
Política Exterior do Brasil (1500-1822):
do Período Colonial ao Reconhecimento do Império, cuja única edição ocorreu
no México, em 1945, pelo Instituto Pan-Americano de Geografia e História.
Logo após ingressar na
carreira consular, tendo vários anos de regência de português no Colégio Pedro
II, Renato Mendonça publicou, em 1936, O
Português do Brasil: Origens, Evolução, Tendências (premiado pela Academia
Brasileira de Letras), a que se seguiram diversos trabalhos sobre a cultura
africana do Brasil. Em 1937 organizou um volume dos Anais
do Itamaraty, com a documentação relativa à Guerra do Paraguai e um estudo
diplomático sobre a Missão Paranhos no Prata (1879-1870); esse trabalho sobre o
Visconde lhe permitiu introduzir a biografia que o Barão fez do primeiro Rio
Branco (Rio de Janeiro, 1944). A essa altura, ele já tinha voltado de seu
primeiro posto, a embaixada em Tóquio, e partido novamente para o México, onde
se encontrava quando foi publicado Um
Diplomata na Corte de Inglaterra (O Barão do Penedo e sua época), integrando
a prestigiosa coleção Brasiliana.
A biografia de Carvalho
Moreira constitui o magnum opus de Renato
Mendonça, hoje em terceira edição pelo Senado Federal (2006). O autor reconhece
que “talvez se tenha excedido em transcrições documentárias”, mas justifica o
fato pela existência de “correspondência vastíssima”, examinada ao longo de quatro
anos de manipulação de “mais de trezentos maços e pacotes” no Arquivo Penedo do
Itamaraty.
Na mesma época em que era
publicada essa obra, Renato Mendonça começou a dar aulas de Português e de Literatura
Brasileira na Universidade Nacional do México, fundando ali a Cátedra de
Literatura Brasileira. Aproveitou para publicar dois outros livros: um de sua
autoria exclusiva, sobre a história do Brasil – Pequeña Historia de Brasil (1944) – e um outro,
sobre a cultura brasileira, elaborado em coautoria com intelectuais mexicanos e
brasileiros. Ainda no México, vieram a público uma antologia em espanhol de
escritos de Ruy Barbosa e o já citado primeiro tomo do que seria uma trilogia
sobre história da política exterior do Brasil.
Dois meses depois de sua
promoção a primeiro secretário, em dezembro de 1945, era removido para o
Consulado no Porto: sua Pequena História
do Brasil foi então editada em Portugal. Mas já no segundo semestre de
1948, Renato Mendonça seguia para a Embaixada em Madri: em abril de 1950 foi
convidado para dar um curso de verão sobre o Brasil na Universidade de Santiago
de Compostela; três meses depois, foi eleito para a Real Academia de História,
uma das instituições de maior tradição e prestígio cultural na Espanha. Ao
mesmo tempo, era editado em Madri, em nova versão, sob o título de Breve historia del Brasil, o pequeno
manual publicado no México em 1944. Em 1951, integrou o jurado dos prêmios
“Cultura Hispânica” em Sociologia do Instituto de Cultura Hispânica.
De volta ao Brasil,
trabalhou, ao longo de 1954, em temas vinculados à Escola Superior de Guerra: daí
resultou seu último grande livro: Fronteira
em Marcha. O trabalho, enviado
anonimamente para um concurso promovido pelo Ministério da Guerra, combinava
diferentes vertentes da pesquisa acadêmica: a história diplomática, desde as
antigas lutas entre os impérios espanhol e português na América do Sul; a geopolítica
regional, com a problemática da abertura dos rios internacionais; e política
internacional, de forma mais conjuntural. A obra foi agraciada em 1955 com o
Prêmio Tasso Fragoso, tendo conhecido duas edições imediatas.
Fronteira em Marcha representava, segundo o autor, “a
concretização de vários anos de estudo em torno dos problemas da política
exterior do Brasil e da solução geopolítica, encontrada pelo Império durante o
período vital da formação brasileira”. Dividido em três partes, a obra cuida
primeiro das “origens”, ou seja da formação da América Portuguesa e da América
Espanhola, passando pela delimitação de 1750 (desfeita pouco tempo depois, mas
preservada na prática nas dimensões quase atuais do Brasil) e traçando um
paralelo entre os colonizadores espanhóis e lusitanos. A segunda parte trata da
projeção continental do Império do Brasil, de 1828 a 1853, e a terceira aborda
sobretudo questões de segurança estratégica, nos planos mundial e continental,
refletindo posturas da Guerra Fria, como o tradicional alinhamento com os EUA.
Foi em seguida para dois
postos na Europa: em Bruxelas (onde publicou, em 1959, Brésil, Pages
d’Histoire) e no consulado em Amsterdam, quando deu
início a uma coleção de mapas e de peças cartográficas de arte. Serviu ainda na
embaixada em Santiago e no consulado em Valparaíso.
No período final de sua
carreira serviu como embaixador na Índia (1965) e em Gana (de 1970 a 1971). Desde
1972, de retorno ao Brasil, foi colocado à disposição do Ministério da Educação
e Cultura, no Rio de Janeiro, onde continuou impulsionando projetos
educacionais e culturais. Aposentou-se em dezembro de 1977, na idade limite então
estabelecida para a compulsória: 65 anos; mas permaneceu como assessor especial
do MEC até 1978. Viveu seus últimos anos de vida em seu apartamento da Lagoa, cercado
de livros, vindo a falecer em 1990, aos 78 anos de idade.
Foi
membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, da Academia Carioca de
Letras, do Pen Club, sócio efetivo do Instituto História e Geográfico
Brasileiro, sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e
membro correspondente da Real Academia de História da Espanha, ademais de ter
sido agraciado com numerosas outras honrarias diplomáticas e intelectuais. Por todas
essas razões pode-se saudar, no ano de seu centenário de nascimento, a
personalidade de Renato Mendonça como um diplomata accompli, um dedicado homem de letras e um grande historiador self-learned, o que, no conceito de
muitos, poderia aproximá-lo daquela categoria de intelectuais que os ingleses
chamam de Renaissance man.
Paulo Roberto de
Almeida
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