segunda-feira, 3 de junho de 2013

O futuro da industria no Brasil - Edmar Bacha (entrevista) - IstoÉ Dinheiro


"Desvalorizar o real e abrir mais o País dariam um rumo à indústria"
Entrevista: Edmar Bacha
Economista e ex-presidente do BNDES
Por Carla Jimenez
Revista IstoÉ Dinheiro, 2/06/2013

O economista Edmar Bacha, que integrou a equipe criadora do Plano Real em 1994, dirige hoje a Casa das Garças, uma espécie de think tank dedicado ao debate sobre a economia brasileira

O espaço está mais identificado com economistas tucanos, adeptos do neoliberalismo. Mesmo assim, Bacha tem fomentado uma discussão que, segundo ele próprio, deixou alguns amigos neoliberais “de cabelo em pé”. Preocupado com a perda da importância do setor industrial no País, Bacha propõe um projeto ousado, de longo prazo, de trabalhar com um câmbio desvalorizado por um determinado período, para fomentar exportações, ao mesmo tempo que se derrubam as tarifas de importação para ampliar a abertura comercial brasileira. “Mudar a lógica de proteção vai alterar tudo”, afirma Bacha. “A indústria toparia jogar.” Em outras palavras, aumentaria a taxa de investimento e de inovação, necessária para aumentar a produtividade.

DINHEIRO – O sr. tem defendido uma espécie de Plano Real para a indústria a fim de retomar a importância do setor no País. Por onde essa reindustrialização começaria?
EDMAR BACHA – Talvez a palavra mais correta seja reestruturação. Não tenho nenhuma concepção fechada, ou antevisão, de como vamos sair do lado de lá, ou seja, quais serão os setores que encabeçariam essa reindustrialização. A ideia é induzir investimentos a partir do que a indústria já faz hoje, trabalhando com o padrão atual. Trabalhar mudando a lógica de proteção, que vai alterar tudo. O que vai aparecer, não sei exatamente. Mas acredito que serão indústrias com características novas. Primeiro, porque terão de operar com muito mais utilização da tecnologia, pois serão capazes de acessar insumos e bens de capital de última geração mais baratos. Serão empresas que terão escala muito maior, não vão produzir só para 3% do PIB mundial, ou seja, para o mercado brasileiro, mas para 100% do PIB global. Trabalharão com tecnologia, escala e especialização. Não dá para ter só supermercado no Brasil.

DINHEIRO – Um dos pilares da sua proposta é a desvalorização do câmbio, em paralelo à redução do custo das tarifas de importação. Como essa equação funcionaria a favor da indústria?
BACHA – É preciso trabalhar uma proposta integrada. Seria a troca de uma tarifa de importação mais baixa pelo câmbio mais desvalorizado. Dessa forma, a proteção pela tarifa desaparece e, por outro lado, uma tarifa cambial, que é uma medida vertical e serve a todos os setores, beneficiaria as exportações. E aí estou disposto a encarar os meus amigos mais neoliberais que ficam com o cabelo em pé com a minha proposta. O Banco Central teria, nessa transição, uma taxa de referência para compensar essa queda das tarifas e as mudanças nas importações e exportações. Ele trabalharia com uma banda, para modular a maior ou menor oferta de dólares. E, eventualmente, aplicar medidas macroprudenciais. Nesse processo, imagino uma transformação estrutural, de grande monta. Ali na frente, haverá outra indústria.

DINHEIRO – Um câmbio a R$ 2,40, R$ 2,70?
BACHA – Não há um parâmetro específico. Já falei em R$ 2,40, hipoteticamente, mas haveria um valor como referência. O mercado teria de aprender (a encontrar a taxa ideal) a partir da forma com que o governo viesse a intervir. E o BC teria de aprender a trabalhar também dentro desse novo modelo, com o parâmetro das bandas. Ao longo da transição, na medida em que se conclui o processo de eliminar a parafernália do protecionismo, vou alargando os limites até o câmbio flutuar. Outra ponta dessa nova lógica seria investir em novos acordos comerciais. Pois, se vamos abrir o País, é preciso mudar de postura. Vamos voltar à Alca, à Aliança do Pacífico. De modo a assegurarmos uma contrapartida em termos de acesso a novos mercados.

DINHEIRO – Um real desvalorizado não corre o risco de viciar as empresas?
BACHA – Negociações são necessárias, barganhas, para acomodar situações específicas. Durante a implantação do Plano Real, nós fizemos isso. Pedimos aos empresários, em diversas reuniões: “Não aumentem os preços de forma alguma.” É possível fazer as coisas com suavidade. Uma taxa mais vantajosa com a abertura comercial daria um rumo à indústria.
DINHEIRO – Esse modelo ajudaria a aumentar o investimento produtivo da indústria, que anda muito baixo?
BACHA – Suponha que a carga tributária caia de 60% para 40%. Suponha que, em vez de bens de capital, as indústrias possam também importar componentes. Vamos abrir a economia e o câmbio vai se desvalorizar, indo para algo como R$ 2,40. Esse seria o mundo. Eu, que já tenho mercado interno, tenho a oferta de me integrar com o resto. Supondo que a infraestrutura vai finalmente ser resolvida, a indústria toparia jogar. Onde investir? Deixo para o empresário escolher. Claro que é preciso tomar alguns cuidados, olhar com cautela setores mais sensíveis, dar mais prazos para esta ou aquela cadeia.

DINHEIRO – O País tem diversos fatores que desestimulam o investimento, atualmente, como o próprio custo Brasil. Mas a indústria não tem responsabilidade, também, por não fortalecer a oferta, diante de um mercado consumidor aquecido?
BACHA – Com esse câmbio atual e essa tarifa de importação, ouço empresários que dizem preferir não fazer investimentos. Outro ponto: quem entrou atuando dentro dessas regras do jogo, que é para produzir para o mercado interno, deixa as coisas como estão. Por isso, o Brasil vive, hoje, um déficit na balança comercial, a economia não tem produtividade, não vai para lado nenhum. Para exportar produto primário, não precisa inovar. Para o mercado interno, também não. Tudo é protegido. O ambiente econômico não é propício. Numa economia sem rumo, quem vai querer inovar?

DINHEIRO – Pela sua proposta, mudaria a configuração atual do parque industrial?
BACHA – Deixaríamos de importar alguns produtos ou de produzir outros. A indústria poderia se beneficiar da importação de insumos e bens de capital de última geração. Ao contrário da tendência atual de investir na densificação da cadeia. E haveria muito mais concorrência. O mesmo que acontece com a Embraer, um dos poucos exemplos de indústria bem-sucedida, capaz de competir em igualdade de condições com o Exterior.

DINHEIRO – Seria a hora de fazer escolhas?
BACHA – Hoje, o mundo é muito mais globalizado que antes. Muito mais integrado. E tem um personagem chamado China no meio do caminho, que desequilibra o mercado. Mas vai tirar a China do jogo? Não, tem de compatibilizar. Tem um bilhão de pessoas lá e agora temos a Índia, com outro bilhão! Nas décadas de 1970 e 1980, falava-se em substituir importações. Cabia naquela fase, mas não cabe agora. E não se pode repetir a história, já dizia Karl Marx...
DINHEIRO – O sr. tem se posicionado contrário à política de conteúdo nacional do atual governo. Durante o leilão de concessões da Petrobras, no entanto, os lances ofertados superaram o conteúdo mínimo exigido. Os empresários não estão endossando a proposta?
BACHA – Embora tenham ofertado mais que o mínimo, foi menos que a rodada anterior. Antes, as empresas queriam pagar para ver. Conferir se, de fato, a Agência Nacional de Petróleo ia multá-las por não seguir a obrigação. Agora, já estão saindo notícias apontando que a Petrobras vai construir uma sonda no Exterior. Há um ponto cego na questão do conteúdo nacional. Quando o produtor nacional precisa pagar sobrepreço sobre importado e tem uma tarifa estabelecida, de 35%, por exemplo, ele já sabe exatamente quanto tem que pagar a mais para importar: sairão 35% a mais do seu bolso. Quando se trata de conteúdo nacional, não sei quanto estou pagando. Qual grau de ineficiência admito para ter indústria nova? É algo muito restritivo, uma política que força a barra. E torna os custos da Petrobras mais elevados, fazendo com que ela perca valor. Isso é nacionalismo?

DINHEIRO – Mas economistas defendem que há uma curva de aprendizado que fica para o Brasil. O sr. não concorda?
BACHA – Curva de aprendizado era a mesma tese utilizada para a Lei de Informática (de 1984 a 1992, que encarecia os computadores estrangeiros). Nossa experiência não indica nada nesse sentido.

DINHEIRO – O Plano Real só foi possível quando houve consenso nacional, de alto a baixo, de que era necessário debelar a inflação. Uma proposta para a indústria já encontra apoio na sociedade?
BACHA – Deveremos ter consenso sobre um plano para a indústria em menos tempo do que foi necessário na época do Plano Real. Estou surpreso com a repercussão deste debate. A Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores têm citado minhas ideias. A Firjan está fazendo contato, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento In­dus­trial também está interessado. Chegou a hora, a evidência está muito forte de que a economia não vai para lugar nenhum com essa política atual. Ninguém chegou lá sem se integrar com o mundo.

DINHEIRO – Os economistas da Fiesp e da CNI disseram que esse clima de campanha eleitoral antecipada que se instalou no País retarda debates importantes do setor industrial. O sr. concorda?
BACHA - Partilho dessa opinião, é preciso separar uma coisa de outra. Não quero dar contexto partidário ao debate. Se a presidenta Dilma abraçar a ideia, maravilha. Isso é bom para o Brasil. Quem fizer isso vai ficar na história, como ficou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real. Se será ela, eu não sei. O importante é que se dê conta de que proteger o mercado é legítimo no curto prazo, mas não no longo prazo. Hoje há neoliberais e desenvolvimentistas prestando atenção nesse debate. Não interessa quem, o que importa é o que é bom para o País.

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