segunda-feira, 31 de março de 2014

Otaviano Canuto: o Brasil nao esta a beira de uma crise fiscal (revista Epoca)

Entrevista: Otaviano Canuto, conselheiro-sênior para economias dos BRICS do Banco Mundial

“O Brasil não está à beira de uma crise fiscal”

Por Luís Artur Nogueira
Revista Época, 2/03/2014

Há 11 anos trabalhando em Washington, o economista sergipano Otaviano Canuto, de 58 anos, já ocupou diversos cargos no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nesse período, teve o privilégio de acompanhar os desdobramentos econômicos no Brasil, sem se deixar contaminar pelo debate político-eleitoral. Além disso, conversa rotineiramente com empresários e investidores estrangeiros interessados em obter informações sobre o País. Em visita à Universidade de São Paulo, na quarta-feira 26, Canuto concedeu entrevista à DINHEIRO em meio às repercussões sobre o rebaixamento do Brasil pela Standard and Poor’s (S&P). 

Qual é a sua visão sobre a situação fiscal do Brasil?
Eu noto um certo descompasso entre a visão de fora, do Exterior, e a visão de dentro do País. Até porque a visão interna é um pouco impregnada por questões políticas, o que é normal numa democracia, ainda mais em ano de eleição. 

Mas a visão externa, da S&P, também não é boa...
O que as agências de classificação de risco fazem não é dizer se o Brasil é bom ou ruim, nem se é um bom lugar para investir ou não. O rating dessas instituições é uma tentativa de opinar sobre a probabilidade de pagamento dos países. O importante, no caso da Standard & Poor’s, é que a redução da nota brasileira não foi acompanhada de algum tipo de “olha, teve essa redução e pode ter mais”. Aí, sim, a coisa complicaria, porque o mercado se anteciparia a possíveis rebaixamentos, o que colocaria o País numa zona perigosa. 

Então, a perspectiva estável da nota traz tranquilidade ao País?
Sim, afinal de contas o País não está à beira de uma crise fiscal. E, não por acaso, o rebaixamento já estava meio “precificado” pelo mercado. O mais importante é que o Brasil continua sendo grau de investimento. Na hora de avaliar a relação dívida/PIB, é preciso levar em consideração o crescimento econômico, o tamanho do superávit primário e a visão do prêmio de risco que o mercado está exigindo. Dessas três variáveis, a única sobre a qual o governo tem poder imediato é o superávit. De fato, se nós compararmos o Brasil de hoje com o de quatro anos atrás, a dívida bruta piorou um pouco.

É um quadro preocupante? 
Não se trata de uma situação de deterioração fiscal que esteja prenunciando uma crise. Porém, a evolução desse quadro vai depender do que acontecerá com a dívida pública no futuro. Do lado do crescimento, tudo o mais permanecendo constante, o sinal é para cima. 

O que justifica, na sua avaliação, essa tendência de alta do PIB?
A mudança de postura do governo em relação a concessões, atraindo investimentos na área de infraestrutura. O que está segurando o crescimento no Brasil é a carência de investimentos em infraestrutura, que gera um ônus muito grande em vários setores da economia. O Banco Mundial fez um estudo, em 2006, que apontou uma perda de 30% na produção de soja por conta dos gargalos logísticos como armazenamento, transporte e portos. Eu duvido que esses problemas não se repitam em outros setores. O desperdício de recursos e os riscos associados à insegurança energética reduzem a produtividade da economia. Se o País conseguir deslanchar numa onda de investimentos em infraestrutura, os ganhos de produtividade serão generalizados. 

Que outros fatores podem ajudar o PIB?
Sem dúvida, o ambiente de negócios no Brasil. A estrutura jurídico-institucional impõe um desperdício de materiais humanos, sem a contrapartida de valor. O tempo que se requer no Brasil para uma licença de construção é um absurdo, e há problemas em todos os níveis de governo. Para não falar no óbvio, que é o numero de homens-hora que uma empresa gasta para pagar impostos. Não estamos falando de carga tributária, mas o quanto se gasta para conseguir cumprir todas as normas. Isso é desperdício de gente qualificada e de recursos humanos. Além disso, creio que há uma margem de ganho por maior eficiência no gasto público. 

De que forma?
Se o País adotasse uma maior transparência não apenas nas grandes obras, mas em todos os gastos, com licitações eletrônicas, certamente haveria menos desvios e mais competição, o que reduziria os gastos públicos. Essa agenda me parece tão óbvia que quem ganhar a eleição vai perceber o potencial de ganhos de produtividade que isso tem. 

Quando o Banco Mundial discute o Brasil, qual é o ponto mais exaltado?
A redução da pobreza, nos últimos anos. Esse, aliás, era o ponto que nos dava mais vergonha.

O Bolsa Família é um símbolo disso?
É um símbolo, mas a redução da pobreza é explicada também pela melhora nos índices de escolaridade da população. Há muito o que avançar na qualidade da educação, mas a simples mudança no nível educacional básico já tem feito uma diferença enorme. 

E o tema mais criticado?
O que me dá agonia é o ambiente de negócios, porque há coisas irracionais. 

Se um investidor estrangeiro chega para o senhor e diz que é difícil fazer negócios no Brasil...
Não tenho o que falar para ele. É inexplicável. Com medo, o investidor arranja um sócio brasileiro e já calcula o custo que terá para contratar um exército de advogados e contadores. No final, é claro, coloca tudo isso no preço. Isso é um impedimento para pequenos e médios empresários estrangeiros que gostariam muito de ter negócios no Brasil. Além disso, esses advogados e contadores poderiam estar fazendo coisas mais úteis dentro da empresa do que enxugar gelo. Essa reclamação eu escuto sempre dos estrangeiros. 

O Brasil precisa mudar a sua imagem no Exterior? 
Trabalhar a imagem ajuda, mas não sem antes mudar a realidade. As pessoas olham para o País com um potencial enorme, muita riqueza natural, instituições democráticas e uma cultura que é muito amigável ao investimento externo. Tanto que, a despeito de todos esses empecilhos, continua sendo um polo de atração de investimento direto estrangeiro. Só que poderia ser muito mais, com greenfields, novas unidades produtivas. 

Estamos comemorando 20 anos do Real. Por que a inflação ainda é manchete econômica no Brasil?
Porque ela está rodando acima do centro da meta. Acho que o ideal seria combinar a política monetária com uma política fiscal condizente. A política monetária é o instrumento principal, mas, evidentemente, sua eficácia seria maior se conseguisse convencer os agentes a alterar suas expectativas. Alterando expectativas, ela diminui o ritmo de repasses e, olhando para a frente, os ajustes de preços passam a ser menores. Mas isso precisa de uma sintonia com a política fiscal. A boa notícia é a clara percepção que o governo federal teve de ajustar a política fiscal, nesse contexto. No entanto, não se consegue isso da noite para o dia, porque parte dessa deterioração no problema fiscal diz respeito a gastos que são automáticos e que precisam de reformas estruturais para serem alterados. 

Colaborou: Carolina Oms

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