Essa gente tem ódio a quem não pensa como eles. Eles tem ódio à democracia.
Gostam mesmo é de ditaduras assassinas.
Paulo Roberto de Almeida
Repressão de Maduro supera a de Chávez
Ativistas denunciam agressões, torturas e desaparecimentos sem precedentes
13 de março de 2014 | 23h 43
Oscar Medina, Caracas / Especial Para o Estado
CARACAS - O caso de Marvinia Jiménez é emblemático diante do que ocorre na Venezuela. É difícil esquecer as imagens que mostram quando uma robusta integrante uniformizada da Guarda do Povo - um componente militar subordinado à Guarda Nacional Bolivariana - a domina com violência, a arremessa no chão, monta nela e a golpeia seguidas vezes com o capacete.
Rafael Reyes/Notitarde
Gravada, agressão a Marvinia Jiménez tornou-se exemplo de abusos do chavismo
Difícil esquecer seu rosto deformado. Difícil imaginar o terror das horas durante as quais ela permaneceu algemada, trancada em uma cela, incomunicável, sem poder falar com a família, muito menos com um advogado. Marvinia - que tem problemas motores em metade do corpo - mora em La Isabelica, uma região pobre da cidade de Valência, no Estado de Carabobo, no centro do país. Ali, no dia 24, enquanto gravava com seu celular a investida da guarda contra um grupo de manifestantes, entre disparos e gases lacrimogêneos, ela foi agredida.
Um trecho da sua declaração ao jornal local El Carabobeño descreve o momento: "Um dos guardas quis arrancar o celular da minha mão, mas eu joguei o aparelho bem longe e não sei se alguém o encontrou. Neste momento, uma mulher que parecia um gorila avançou em mim. Enquanto ela me espancava, puxaram meus braços para trás e me algemaram. A mulher enlouquecida continuava batendo em mim. Parece que quebrou uma unha ao me jogar no chão e isso a enfureceu. Ela tirou o capacete e começou a me espancar com ele. Não lembro quantas pancadas recebi, achei que fosse desmaiar, porque, de nascença, tenho o lado esquerdo adormecido e minha mão estava ficando imóvel. Gritei para ela: ‘Tenho deficiência física, tenha dó de mim’. Ela não escutou - me arranhou, cuspiu em mim, me chutou, torceu o meu pescoço, me mordeu e me puxou os cabelos. Só a ouvi quando ela disse: ‘Maldita, você quebrou minha unha que era tão linda’. E me bateu com o capacete do lado esquerdo do rosto e na testa. Tenho hematomas no rosto, inflamações por toda parte, galos na cabeça. O que lembro deste momento é de um guarda que gritava: ‘Morena, bate mesmo nessa magricela suja’. Outro ainda gritou: ‘Larguem ela, que estão gravando’."
Defensores dos direitos humanos ouvidos por jornalistas concordaram em ressaltar o esquema comum: prisões arbitrárias, aplicação excessiva e desproporcional da força, uso ilegal de armas de fogo, torturas, maus-tratos e humilhações, incomunicabilidade dos detidos, violações do devido processo e restrição da liberdade. Também reclamaram de forma veemente da falta de ação da Defensoria Pública. Gabriela Ramírez, que chefia o organismo, declarou que no seu escritório não chegaram as denúncias de torturas de que se fala nos veículos de comunicação e nas redes sociais.
O Foro Penal Venezuelano, cujos advogados assistiram gratuitamente os presos, resumiu o que vem sendo denunciado ao longo dessas semanas em cinco páginas. Desde o dia 9, até as 18 horas do dia 26, constavam nos registros, "609 detenções, prisões ou retenções ilegais em todo o país". Desse grupo de pessoas, 162 haviam sido apresentadas aos tribunais "e para todas foi aberto um processo penal por sua participação das manifestações, acusando-as de delitos que vão desde supostos danos à propriedade pública e privada a terrorismo".
Até hoje, já são mais de 1,6 mil processados segundo a própria Procuradoria-Geral da República, embora, no dia 7, houvesse 1,1 mil detidos da lista do tribunal. Finalmente, a corte apresentou à Defensoria Pública e à Promotoria 33 casos de tortura e "tratamento cruel, desumano e degradante" de presos.
Destino. Segundo ativistas, há um padrão de violações, embora com elementos que poderiam ser qualificados como "inovadores". "Não sei se podem ser chamados de ‘desaparecidos’, porque essa não é a categoria na definição de direitos humanos, mas temos uma grande quantidade de casos de pessoas incomunicáveis", explica Alfredo Romero, do Foro Penal Venezuelano. "Tornou-se algo normal."
"Em 2007, durante as manifestações pelo fechamento da Rádio Caracas Televisión (um canal privado ao qual Hugo Chávez negou a renovação da concessão), foram detidas 251 pessoas. Nós, advogados, fomos para os centros de reclusão e pudemos falar com os detidos. Hoje, não. E o pior é que alguns foram obrigados mediante espancamento a assinar documentos afirmando que tiveram acesso a um defensor", compara Romero.
Nizar Fakih, do Centro de Direitos Humanos da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), percorre os cárceres da cidade e confirma o relato de Romero: "A regra é não permitir que eles se comuniquem com gente de fora".
Falar com um advogado e com os parentes dos detidos não é uma concessão. O Artigo 44 da Constituição da República Bolivariana de Venezuela estabelece esse direito para todo detido. Ultimamente, ocorre o contrário: gente capturada pela Guarda Nacional ou algum corpo policial "some" durante horas. Em alguns casos, dias, sem que seus parentes tenham notícias além de um vago "eles o levaram". "Muitos passam de 4 a 6 horas sem ser localizados. E na região metropolitana de Caracas, tratamos de pelo menos dez casos em que tivemos contato com os detidos depois de 48 horas ou mais".
Advogados e defensores dos direitos humanos que descobriram o paradeiro de manifestantes detidos percorrendo delegacias de polícia, centros de reclusão e tribunais. "Nós nos mobilizamos e assim podemos encontrá-los", denuncia Fakih. "Os parentes ou os amigos nos dizem para onde eles foram levados e isso nos permite inferir o lugar de reclusão. Em muitos casos, não nos permitem vê-los nem na condição de advogados - e eu diria que em 98% dos casos o Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC), a Guarda Nacional e a Polícia Nacional não deixam que os parentes os vejam."
Marino Alvarado, da Provea, acrescenta um elemento: "Os advogados não só foram impedidos de visitar os detidos, como foram ameaçados por agentes policiais - e outros receberam ameaças até de juízes, por reclamar em tribunais pela violação dos direitos dessas pessoas".
Alvarado denuncia também a falta de informações exatas sobre os detidos: "É uma prática desumana. Muitas vezes obtemos os dados porque algum policial nos passa informalmente, por baixo do pano". E a falta de comunicação dificulta a ação da defesa: "Temos acesso aos detidos apenas cinco ou dez minutos antes que eles sejam apresentados aos tribunais", afirma Fakih. "E nesse breve espaço de tempo é que temos de preparar a defesa."
A Provea destaca um novo elemento na ação do Estado: "O que nos preocupa é a participação de grupos paramilitares na repressão", afirma Alvarado, sobre os grupos de motociclistas que agem durante as manifestações. "Esses grupos existem há muito tempo - e atuavam ocasionalmente - mas, desde o mês de fevereiro, sua ação se intensificou em coordenação com a Guarda Nacional, deixando pessoas assassinadas e feridas. Eles foram vistos até prendendo gente e destruindo casas."
Alvarado refere-se aos chamados "coletivos", bandos organizados de motociclistas ligados ao governo que agem como força de choque - até com o uso de armas - com a anuência dos corpos policiais e militares, que recebem respaldo do governo. No dia 7, a ministra da Defesa, Carmen Meléndez, condecorou 57 membros da Guarda Nacional que teriam sido feridos nos protestos.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.