por Leandro Roque, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, sábado, 16 de junho de 2012
O artigo a seguir foi publicado no dia 26 de outubro de 2010. De lá pra cá, pelo visto, as coisas só pioraram.
Tudo indica que a bagunça e o loteamento de cargos nos Correios vierem pra ficar. A estatal foi totalmente loteada pelo PT, e a roubalheira instalada dentro da empresa, com centenas de milhões de reais sendo desviados para os mandantes do partido no governo federal, está prejudicando irreversivelmente seus consumidores cativos — ou seja, todos os brasileiros, que simplesmente estão proibidos de utilizar ou ofertar alguma concorrência.
Recentemente, perdi um casamento por causa dos Correios. A cerimônia estava marcada para o dia 16 de outubro. O convite me foi enviado (SP-BH) no dia 27 de setembro, mas chegou apenas no dia 19 de outubro, três dias após o evento para o qual fui convidado. Se o convite tivesse sido enviado no casco de um cágado, a entrega teria sido mais rápida.
Mas há outros exemplos ainda piores. Um parente meu, dono de um apartamento alugado em um prédio que está em reformas, terá de pagar multa por causa dos Correios. Como houve um acréscimo na taxa de condomínio por causa das reformas, e o boleto do condomínio não lhe foi entregue dentro do prazo de vencimento (a carta chegou com atraso de 10 dias), essa pessoa agora terá de pagar multa simplesmente pelo fato de os Correios terem entregado o boleto já vencido.
Vários outros casos de encomendas atrasadas, extraviadas e até mesmo violadas já foram relatados. Não obstante seus comerciais[1] demonstrando a cordialidade, a afabilidade e a presteza de seus funcionários, o fato é que os Correios, como toda estatal monopolista, existem não para atender a seus consumidores, mas sim para servir aos interesses de seu sindicato, do governo e de seus membros, principalmente daqueles que ali estão por indicação política.
O fetiche estatizante
Nacionalistas e estatistas em geral (ambos são praticamente sinônimos) dizem que, quando o governo é dono de uma empresa — ou de alguma jazida mineral ou petrolífera —, isso automaticamente faz com que "o povo" seja o proprietário dos recursos em questão. Isso significa que cada brasileiro é igualmente dono de uma fatia daquela empresa, e isso supostamente irá beneficiá-lo. Sendo assim, como existem 190 milhões de brasileiros, então cada brasileiro é "dono" de aproximadamente 1/190 milionésimo dos Correios.
E daí? Ser "dono" de uma ínfima fatia de um estatal não traz benefício algum ao cidadão médio. Ademais, a prerrogativa básica para que alguém se considere dono de algo é poder vender ou se desfazer desse bem quando quiser. Os brasileiros têm essa liberdade?
Uma empresa ser gerida pelo governo significa apenas que ela opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Sendo monopolista, a estatal não precisa de incentivos e não sofre a concorrência de nenhum tipo de livre iniciativa individual — estas são proibidas por lei, em um flagrante ato de agressão e violência da parte do governo contra a liberdade de empreender.
Os resultados desse arranjo serão sempre uma ineficiência grosseira, custos operacionais mais altos que os que ocorreriam em um ambiente competitivo, e serviços de baixa qualidade. O brasileiro médio está muito mais bem servido por empresas de telefonia celular e companhias aéreas privadas[2] do que pelos Correios ou por qualquer outra estatal blindada da concorrência do mercado. Mesmo que ele não tenha uma só ação dessas empresas privadas, ele está em muito melhor situação ao lidar com elas do que ao lidar com estatais, que supostamente são suas. E a explicação é simples: ao lidar com empresas privadas, o cidadão não apenas se beneficia do capital acumulado por essas empresas, como também se beneficia do fato de que elas empregam esse capital de modo a buscar o lucro e a evitar os prejuízos, sempre tentando ganhar eficiência sobre os produtos e serviços da concorrência.
Uma empresa que não é gerida privadamente, que não está sujeita a uma concorrência direta, nunca terá de enfrentar riscos genuínos e nunca terá de lidar com a possibilidade de prejuízos reais. No Brasil, para limitar os prejuízos, o governo proíbe que os Correios sofram a concorrência de importantes categorias: cartas — cujo conceito engloba cartas pessoais, contas de água, luz e telefone, boletos de cartões de crédito e qualquer outro documento que seja de interesse pessoal do destinatário —, cartões-postais e malotes só podem ser transportados pela estatal.
Outros tipos de correspondências, como jornais, revistas e encomendas podem ser entregues por empresas privadas, cujos preços são, em média, 30% inferiores aos dos Correios. Porém, é considerado crime uma empresa privada fazer entregas de cartas. Por isso, devemos glórias à invenção do e-mail, que possibilitou que as comunicações se mantivessem em níveis modernos. Sem ele — e com a proibição da concorrência aos Correios — ainda seríamos reféns de um serviço típico do mundo antigo, com sua arcaica prática de carregar sacos de um lado para o outro.
Monopólio X Desestatização
Um dos argumentos favoritos dos defensores do monopólio dos Correios para a entrega de cartas e malotes é o de que, se tirarem o monopólio da estatal, aquele morador lá do sertão do Piauí poderá ficar sem receber cartas, porque tal serviço não interessaria às empresas privadas. Ou seja, é com o monopólio que os Correios se mantêm, pois o que fatura nos grandes centros urbanos permite que o deficitário serviço de entrega de cartas no interior do país, que não tem lucratividade, seja mantido.[3]
Em primeiro lugar, vale lembrar que os Correios se recusam a fazer entregas em lugares perigosos, o que é um absurdo quando se considera sua posição monopolística. Porém, a questão mais premente é outra: por que um serviço de entrega de correspondências deve ter o mesmo preço, não importando o local da entrega? Em outras palavras, por que uma entrega no sertão do Piauí deveria custar o mesmo que uma entrega no centro de São Paulo? Os críticos da desestatização dos Correios dizem que a quebra do monopólio irá fazer com que as empresas privadas passem a cobrar mais por entregas em locais fora de mão vis-à-vis locais mais próximos do remetente.
Ora, mas é claro que tem de ser assim. Não há qualquer justificativa econômica para que serviços com custos tão díspares tenham o mesmo preço. É até bem possível que a concorrência entre as empresas privadas levasse, no final, a um preço único para todo tipo de entrega, assim como empresas telefônicas têm suas promoções para ligações de longa distância, cobrando uma tarifa única por minuto. Mas não necessariamente tem de ser assim. É natural que determinados percursos de entrega — para os quais as péssimas estradas estatais contribuem em muito para o aumento dos custos — exijam preços mais altos que os de outros percursos, mais simples e acessíveis.
Em todo caso, a decisão final seria do consumidor. Com a desestatização do Correios, e a subsequente concorrência gerada pela livre entrada de várias empresas, ninguém será obrigado a pagar nada para ninguém. Por que, afinal, seria mais justo termos um monopólio com um preço único (que varia de acordo com o peso e não com a localidade de entrega) e não uma livre concorrência com preços variáveis, inclusive mais baratos que o SEDEX? Essa regra do preço único por peso é tão ignara, que ilustra perfeitamente o problema do gerenciamento estatal: a empresa é administrada por burocratas acomodados e não por capitalistas em busca de lucro, eficiência e bons serviços prestados.
Como desestatizar
Um exemplo de desestatização dos serviços postais aconteceu na Nova Zelândia. Com a desregulamentação do setor, o que permitiu a livre entrada de empresas privadas no ramo, diferentes empresas agora podem instalar seus recipientes de coleta nas ruas das cidades, como mostra a foto ao lado.
Em um cenário como esse, de intensa concorrência, seria inconcebível que uma empresa atrasasse suas entregas em quase um mês, prejudicando seu cliente e até mesmo fazendo com que ele pagasse multas por estar inadimplente com alguma mensalidade não quitada dentro do prazo especificado.
O principal objetivo da desestatização dos Correios é criar concorrência. Mas uma genuína concorrência só pode ocorrer em um ambiente onde exista propriedade privada. É a instituição da propriedade privada que torna a concorrência e o mercado possíveis. E é a existência de mercado e de concorrência que possibilita a existência de preços. E é a existência de preços que possibilita qualquer tipo de cálculo econômico racional. Ao impedirem a existência de concorrência — isto é, ao impedirem que outras pessoas possam usar sua propriedade para concorrer com os Correios ou para escolher outras empresas concorrentes —, os Correios, assim como qualquer empresa estatal que opere sem concorrência, ficam sem essa ferramenta essencial para atuar como uma genuína empresa capitalista. Consequentemente, a estatal opera sem informações corretas de preços, o que impossibilita um cálculo racional de lucros e prejuízos, algo que afeta sua eficiência. Daí a necessidade de sua desestatização.
E a melhor maneira de transformar os Correios em uma empresa eficiente seria levando-a ao livre mercado. Seu capital seria aberto e empreendedores utilizariam seu próprio dinheiro para concorrer em um mercado competitivo, fornecendo serviços eficientes aos consumidores, sempre procurando métodos financeiramente viáveis para entregar correspondências e encomendas. Esses investidores se tornariam os donos de todas as agências dos correios, de seus caminhões e instalações, podendo inclusive utilizar aviões próprios, como faz a FedEx nos EUA. Ao mesmo tempo, todas as restrições à entrada no mercado seriam abolidas, permitindo que empresas estrangeiras, como DHL, UPS e TNT, além da própria FedEx, viessem competir livremente aqui dentro. Greves nos correios, algo que emperra toda a economia, virariam folclore e os preços entrariam em queda livre.
Conclusão
Quem disse que a iniciativa privada não pode entregar cartas? Quando vemos os incríveis avanços ocorridos na economia de mercado e comparamos ao que eram os bureaus soviéticos, é preciso ter uma enorme fé no planejamento central para crer que uma estatal monopolista como os Correios prestaria um serviço pior caso fosse desestatizada e submetida à livre concorrência.
Os consumidores já protestaram e a atual situação dos Correios, um mero cabide de empregos para burocratas e apadrinhados políticos, apenas confirma a realidade: a estatal é obsoleta e antiquada. Que ela tenha seu capital aberto e suas ações sejam vendidas integralmente para empreendedores. Ou que ela seja entregue para seus funcionários, que deverão batalhar para competir no livre mercado sem a muleta do estado. De um jeito ou de outro, se houver algo na estrutura que mereça ser mantido, deixemos para que empreendedores decidam.
O melhor método de privatização pode ser debatido, mas o fato é que ninguém pode alegar que a desestatização dos Correios — e a subsequente quebra do seu monopólio — não faria sentido econômico.
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Notas
[1] Por que uma estatal monopolista precisa gastar dinheiro com propaganda? Ela está concorrendo com quem?
[2] As quais desfrutam de um oligopólio garantido pelo estado, o que significa que elas, consequentemente, também oferecem serviços de baixa qualidade — embora melhores por se tratar de um mercado um pouco mais concorrencial.
[3] O mesmo argumento, curiosamente, é usado no oligopólio da telefonia celular, que obriga, por exemplo, que empresas que adquirem o privilégio de operar em São Paulo tenham de fornecer o serviço em outras regiões menos lucrativas.
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Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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