Desabafos sobre filosofalhas e literatolices dos tempos em que vivemos
Carlos U Pozzobon
Que todos conhecem a desgraceira de nossa vida política, não é preciso comentar. O que precisamos entender é a relação de uma sociedade de corte estatal com a cultura, em que o mérito sempre esteve seriamente comprometido com as cotas destinadas à proteção dos tolos, dos despojados de energia intelectual, dos fraquinhos, dos frívolos inseridos no processo de produção cultural ― marca indelével de um país contaminado pela corrupção intelectual, que consiste no espírito de rebanho em aderir à onda produzida pelas calamidades elevadas ao pedestal da glória ― causa maior e mais aviltante do que a corrupção moral em que chafurdamos. Quando uma Academia de Letras homenageia Ronaldinho Gaúcho com uma medalha de mérito, quando universidades distribuem títulos de doutor honoris causa a um apedeuta, podemos entender por que tanta gente expressa suas preferências por autores com obras vazias de conteúdo estético e artístico.
São essas cotas de literatolice que transformam autores sem conteúdo em celebridades nacionais e internacionais, confundindo o leitor eventual que ainda não tem um gosto consolidado, ou que não dispõe das ferramentas de análise do crítico. Supostamente deve ser a principal razão para que a leitura seja afinal considerada um sofrimento pela maioria dos brasileiros, e por sua inclinação à brevidade do jornal e da revista em lugar do livro.
Escravo do “ouvir dizer”, da fama turbinada pelas editoras “do mercado” (espécie de “seguimento da deseducação geral do país”), e de colunas de revistas, o brasileiro lê com sofreguidão o que lhe dizem que é bom, e procura fugir como o diabo da cruz do próximo bestseller, até que, forçado pela necessidade de inserção social, volta a porejar o sacrifício da leitura, o que o impede de evoluir intelectualmente para apurar seu gosto para os refinamentos mais sutis das formas de expressão, para o deleite eriçante da beleza da linguagem, ou para a compreensão do sublime ou do paradoxal, do poético ou do assombro que só o escritor erudito e talentoso pode proporcionar.
Dependente do padrão alienígena, em uma sociedade cujos valores mais cultivados são a imitação do estrangeiro, cativo das opiniões de membros de instituições avacalhadas difundidas incansavelmente, o leitor comum nunca desenvolverá a sensibilidade para contestar aquilo que a maioria consagra como grande autor. E esta deformidade atravessa as décadas com a mesma constância e uniformidade de nossa imutável realidade social, acorrentada nas tradições desesperadoramente retrógradas.
Quem lê a avassaladora crítica de Sylvio Romero ao espírito limitado de José Veríssimo, em Zeverissimações Ineptas da Crítica – Repulsas e Desabafos, percebe claramente a diferença abissal entre o erudito e o convencional, e entende muito bem por que somos uma sociedade onde a mediocridade tem um lugar garantido no triunfo das corriolas paroquianas, da crítica sem profundidade, do aceito sem controvérsias, para vislumbrar a amorfia que causa a repulsa ao próprio gênio da brasilidade que as instituições têm por missão instigar, pois nem sequer sabem como fazê-lo. Nossa sociedade está tão aviltada intelectualmente que perdeu os sensores que emitem os sinais de alerta para a chegada do mais dotado, para a presença catalítica dos melhores. Vive o entorpecimento de seu próprio contexto de servidão institucional.
Leia o texto completo neste link:
http://ensaioseducativos.blogspot.com.br/2014/05/voce-e-aquilo-que-le.html
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