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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Equador: como destruir um pais, solapando a sua moeda

Caro leitor: você está tendo o privilégio (algo duvidoso) de assistir a história em tempo real. No Equador, o presidente se prepara, pela "enésima" vez na história econômica do país, para destruir a sua moeda, que aliás não é mais a do país, e sim o dólar.
Eu estava nos EUA, em 2000, quando, assolado por uma hiperinflação, e por diversas crises políticas -- no curso das quais vários presidentes, inclusive um louco de pedra, foram caçados do poder -- e incapaz de pagar suas dívidas, o Equador foi obrigado a declarar moratória. O sistema monetário estava destruído, e como havia pouca credibilidade para instituir nova moeda, tomou-se simplesmente a decisão de abolir a moeda nacional, e passar a trabalhar com o dólar, como tinha feito alguns anos antes El Salvador. O Panamá também trabalha com o dólar, mas devido a razões históricas, a despeito de ter sua própria moeda nacional, o balboa (do nome do aventureiro espanhol que explorou o istmo).
Ter uma moeda internacional como sua pode ser um expediente de desespero, ante a recusa da sociedade em aceitar uma moeda nacional conspurcada pelo governo, que sempre é o responsável pelos processos inflacionários, ao gastar muito.
Não é a melhor solução, mas pode ser uma tábua de salvação, em face de problemas ainda maiores.
Na mesma época, a Argentina ameaçava desvalorizar de vez, em face da flutuação brasileira, o que era em parte uma bravata, mas em parte seria a consagração de uma situação de fato: a população argentina já tem o dólar como sua moeda de referência absoluta, o que nunca foi o caso no Brasil.
Pois bem, agora o Equador, que tem um presidente formado em economia nos EUA -- o que não deixa de ser uma ironia -- se prepara para lançar uma moeda virtual. Não dou dois anos para que essa moeda seja aceita igualmente para fechar determinadas operações reais do governo, o que é um pequeno passo para a hiperinflação.
A origem é sempre uma só: governos irresponsáveis gastam muito mais do que poderiam e deveriam.
Estamos assistindo ao começo do fim de mais uma etapa da alucinante história monetária do Equador.
Paulo Roberto de Almeida 

Equador deve criar moeda virtual para gasto público
Por Nathan Gill
Valor Econômico, 11/08/2014

Após penhorar a maior parte do petróleo e do ouro do Equador para financiar gastos, o presidente Rafael Correa está planejando criar um dinheiro virtual para pagar as contas do país.
No mês passado, o Congresso aprovou leis para a criação de uma moeda digital que será utilizada junto com o dólar americano, a moeda oficial no Equador. Assim que as leis forem sancionadas, já em outubro, o país começará a utilizar a moeda, que ainda não tem nome. Será estabelecida uma autoridade monetária para regulamentar o dinheiro, que será garantido por "ativos líquidos".
Menos de seis anos depois de o Equador se recusar a pagar US$ 3,2 bilhões da sua dívida denominada em dólares, as reservas de petróleo do país estão diminuindo, os déficits de conta corrente drenam dólares da economia e a necessidade de financiamento está em nível recorde. Embora usar dinheiro virtual para pagar funcionários públicos e empreiteiros do governo possa ajudar a poupar dinheiro vivo, a moeda pode estimular Correa a elevar ainda mais os gastos e solapar a capacidade do país de pagar títulos no longo prazo, diz a Landesbank Berlin Investments.
"Normalmente, este é o começo da inflação e da desvalorização", diz Lutz Röhmeyer, que ajuda a gerenciar cerca de US$ 1,1 bilhão em ativos de mercados emergentes no Landesbank Berlin e que investe no Equador há mais de 15 anos. Ele previu os dois últimos calotes do país e quer reduzir sua exposição à dívida equatoriana. O banco tem parte dos US$ 2 bilhões em títulos vendidos pelo Equador em junho.
O Ministério de Políticas Econômicas do Equador não quis fazer comentários sobre a nova moeda e indicou o Banco Central para o envio de perguntas. A assessoria de imprensa do BC também não quis se pronunciar e remeteu a uma resolução de junho assinada pelo diretor-geral da instituição, Mateo Villalba. A resolução diz que a moeda eletrônica será lastreada por ativos líquidos e não poderá ser trocada por títulos do governo.
O Equador está criando a sua própria moeda eletrônica porque moedas digitais, como o bitcoin, vêm ganhando aceitação como meios de pagamento, substituindo o dinheiro tradicional. Ao contrário dos planos do Equador, a maioria das moedas virtuais foi desenvolvida como alternativa às moedas garantidas por governos.
O Equador teve déficit de conta corrente nos últimos quatro anos, o que vem drenando dólares da economia, que em 2000 desistiu do sucre e adotou em seu lugar a moeda americana. O governo prevê um déficit público de US$ 4,5 bilhões neste ano, depois que o gasto público mais do que triplicou desde a posse de Correa, em 2007.
Em maio, para evitar que a escassez de dólares restringisse o gasto público, o governo usou mais da metade de suas reservas de ouro como garantia para obter um empréstimo de US$ 400 milhões do Goldman Sachs. No mesmo mês, fechou um acordo com a China para tomar emprestados US$ 2 bilhões em troca de produção futura de petróleo. Depois, em junho, o governo vendeu US$ 2 bilhões em dívida, oferecendo a segunda maior taxa de juros para títulos semelhantes em dólares vendidos neste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Como Correa está ampliando o investimento em projetos de obras públicas e programas sociais para reduzir a pobreza, o Ministério das Finanças previu em novembro que o país teria de tomar emprestados cerca de US$ 35 bilhões até 2017.
A tentação de usar a nova moeda para pagar as contas aumentará à medida que o governo esgotar as suas atuais fontes de dólares, diz José Mieles, economista do centro de pesquisa Cordes, de Quito. Aliados de Correa no Congresso rejeitaram o pedido de associações empresariais de incluir na nova lei uma garantia que lastreasse a nova moeda com quantidade equivalente de dólares, dizendo que a medida era desnecessária.
"O problema vai ser se eles começarem a pagar credores locais" com a nova moeda, disse Mieles. "Eles poderiam utilizar esses recursos para obter liquidez imediata."
Analistas esperam para ver como o governo vai implementar o novo sistema, disse Juan Lorenzo Maldonado, economista do Credit Suisse Group. "Se eles acharem um modo de fazer uso eficiente da moeda eletrônica para certos tipos de pagamentos e tornarem alguns procedimentos mais fáceis e rápidos, e fizerem isso responsavelmente, pode ser uma coisa boa."
"Eu não gostaria ser convertido para uma nova moeda gerenciada por um banco central não testado", disse Steffen Reichold, economista da Stone Harbor Investment Partners, que gerencia US$ 65,3 bilhões em ativos de renda fixa. Criar uma moeda "não é simples, nem para um país com histórico impecável de gestão econômica bem-sucedida, e não acho que o Equador esteja nessa categoria".

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