sábado, 11 de outubro de 2014

Eleicoes 2014: a ingenuidade, ou a inconsciencia, dos "sustentaveis" - Ricardo Velez-Rodriguez

ELEIÇÕES E VIRGINDADE POLÍTICA
A fundadora do movimento político Rede de Sustentabilidade, Marina Silva



O Movimento Rede de Sustentabilidade pronunciou-se repetindo o erro da Marina Silva nas passadas eleições: não sair do alto do muro, muito pelo contrário... Permanecer num estado de castidade total, sem se contaminar com as práticas políticas dos partidos. A nota da executiva do Movimento, publicada em 10 de Outubro, foi clara nessa indefinição: 

"Ser parte da polarização PT X PSDB é sepultar a luta por uma nova política. É também o sepultamento do projeto original da Rede Sustentabilidade, que nasceu com o propósito maior de estimular a emergência dos sujeitos autorais, dos indivíduos livres e conscientes, que não se dispõem a realizar suas mais legitimas aspirações e interesses no âmbito da velha, estagnada e conservadora política que tanto PT quanto PSDB representam e praticam".

Parte dos seguidores da Marina Silva, que aderiram a essa nota, voltam a praticar o mesmo erro da candidata nas eleições presidenciais de 2010. Como se fosse possível reformular a política sem entrar nela. Ora, o primeiro passo para alguém que se preocupa com a renovação da política, consiste em aderir a uma determinada sigla, ou em fundar um novo partido político, elaborar uma proposta que se contraponha à velha política e tentar atrair eleitores. Não adianta pretender se manter num estado de "virgindade política", como se definir interesses a serem defendidos pela sigla partidária fosse algo ignóbil. 

Na evolução política do Ocidente, sedimentaram-se, no contexto dos estudos sobre a realidade concreta, duas concepções de política. Em primeiro lugar, a tradicional, que foi formulada no século XIII por S. Tomás de Aquino e que é definida assim: "Administração desinteressada da res publica para o bem comum". 

Em segundo lugar, Nicolau Maquiavel, no século XVI, propôs a definição moderna de política, que reza assim: "Luta pelo poder, ou pela distribuição dos seus benefícios, entre Estados ou no interior de um Estado".

Max Weber, o maior estudioso da política ocidental no século XX, se perguntava se seria necessário escolher entre as duas concepções da política, ou se, pelo contrário, seria possível estabelecer um convívio entre as duas. O mestre alemão considerava que seria possível conciliar ambas as formas de entender a política. Só quem entrou na luta pelo poder e pela distribuição dos seus benefícios, conforme o receituário de Maquiavel, habilita-se para, se conquistado o governo, realizar o ideal tradicional da política de servir desinteressadamente aos concidadãos buscando o bem comum. De nada adianta ter idéias muito belas acerca da política, se não conseguirmos entrar nela para modificá-la. Como dizia, em termos um tanto chulos, lá pelos anos vinte do século passado, o general Setembrino de Carvalho, interventor Federal no Rio Grande do Sul para intermediar nas crônicas guerras civis entre pica-paus e maragatos: "político sem mandato é como puta sem cama".

Ora, na atual quadra da política brasileira nestas renhidas eleições, encontramos os dois posicionamentos identificados por Weber. O maquiavélico, ligado ao que os alemães chamam deRealpolitik e o tradicional, formulado por S. Tomás. 

O comportamento petista seria típico da atitude maquiavélica, que poderíamos sintetizar em poucas linhas com as palavras da minha amiga Maria Lúcia Victor Barbosa, que no seu mais recente artigo escreve assim: "No caso do PT, além de se orientar pelo seu marqueteiro que funciona com seu próprio modo de ser e sempre utilizou as seguintes táticas: a mentira, a intimidação, a repetição como mantras de certas ideias como aquelas que denigrem o oponente, a atribuição aos outros dos próprios erros, o incitamento ao ódio entre ricos e pobres e entre negros e brancos, o posicionamento petista como o único capaz de proteger e salvar os pobres e oprimidos. Enfim, petistas são maniqueístas: nós somos os bons, os demais são os ruins" (Maria Lúcia Victor Barbosa, "Deem ovos ao povo" – 10-10-14).

Já o grupo de Marina enquadra-se no contexto da visão tradicional de política, que a idealiza como algo que não pode ser realizado dentro de um determinado partido concreto, mas que será objeto da ação dos puros, que não se contaminaram com a sujeira da política cotidiana. Essa visão puramente ideal, angelical, diríamos, se conduzida aos últimos extremos, desaguará nos Comitês de Salvação Pública da Revolução Francesa, cortando cabeças de dissidentes e oponentes, como aconteceu na França ao longo da Revolução de 1789 e na década do denominado "Terror Jacobino". Cabeças rolaram na tentativa dos Jacobinos de fazer nascer o "homem novo", sem interesses materiais a defender. Consequência do receituário purista: a insegurança e o temor da morte violenta instalaram-se no seio da sociedade e os franceses só conseguiriam ver a paz, guiados pelo líder que os conduziu ao passado: o poder imperial de Napoleão Bonaparte, que instaurou um regime rigorosamente conservador, muito mais centralizador que a antiga monarquia, atualizando a definição de Luís XIV no século XVII: "L´Etat c´ést moi" (Eu sou o Estado), numa nova concepção unipessoal de poder em nome das massas. 

O PT, paradoxalmente, que pretendeu encarnar a nova política, termina, nos seus momentos de grande confronto, acenando com essa visão unipessoal e maniqueísta de que os seguidores de Marina - e ela própria, pelo menos enquanto não se decide pelo apoio a um partido concreto - pretendem ser os porta-vozes. Os "sujeitos autorais", os "indivíduos limpos da velha e estagnada política" parece que só participariam se eles fossem os chamados, sem ter de passar pela luta político-partidária. Como salvadores vindos do céu.

Seria mais salutar para o Brasil, se os cidadãos que se organizaram na Rede de Sustentabilidade tivessem a humildade de se juntarem aos partidos que, nestas eleições, querem se contrapor à práticas nada republicanas de petistas e aliados, que conquistaram o poder em eleições, ao longo dos últimos doze anos, mas que não souberam se abrir a uma visão patriótica, que os levasse a gerir a res publica para o bem comum. Os petistas e os seus aliados só pensaram neles próprios e nos negócios espúrios que lhes garantiriam a hegemonia partidária. É contra isso que Aécio, o seu partido, o PSDB e os partidos que a ele se vincularam, tentam reagir nesta campanha.





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