A
Venezuelização do Brasil?: uma campanha de ódio na eleições
Paulo Roberto de Almeida
Carmen Lícia Palazzo e eu estamos sempre ligados nas notícias, nas
informações e nos contatos, ela mais pelo lado do FaceBook e dos intercâmbios
com dezenas de pessoas, em diversos países, e em diversas regiões do Brasil, eu
mais ligado na rádio (diversas, com destaque para a CBN e a France Info), na
imprensa (ou seja, os jornalões do PIG, mas também da esquerda, mercenários ou
não, via internet), e em diversas outras fontes de informações, e costumamos
trocar matérias interessantes aqui e ali.
Pois bem, hoje, a três
dias do segundo turno da eleição presidencial, uma coisa nos chocou
particularmente, justamente nesse cruzamento de rádio, mensagens de amigos e
postagens aqui e ali, não que fosse inédita, pois havia o mesmo nas últimas
semanas.
O que nos chocou
especialmente foi a campanha do ódio, seja transmitido por iniciativa
individual, seja organizado pelo exército de mercenários, seja levado às ruas
pelos caminhões de som e caravanas e passeatas, com muitas bandeiras e muitos
slogans. Apenas uma amostra dessa campanha de ódio, que visa dividir o país,
garantir os desinformados, conquistar os indecisos, assustar os potenciais
preconceituosos e capturar votos de um modo odioso:
1) "Vamos acabar com essas elites", caminhão com bandeiras e
megafones, na rodoviária da capital da república, onde passam todos os dias
milhares de trabalhadores humildes, que vão e veem de ônibus e de metrô, para
suas casas e para o trabalho; imaginamos que o mesmo se reproduz em várias
outras capitais e grandes cidades, onde quer que haja aglomeração e trânsito de
milhares de "pessoas do povo", ou seja, gente que não é das
"elites"; este é o ódio social!
2) "Esses paulistas, esses sulistas, estão
pensando o quê?", em diversas cidades do Nordeste, mensagem veiculada
sob diversas formas, aliás até estimuladas pelo nordestino que se fez em São
Paulo e também ascendeu às "elites", numa inacreditável demonstração
que jogar uma região contra a outra pode ser um grande expediente
tático-eleitoral; este é o ódio regional!
3) "As elites brancas, os ricos são contra as
cotas, eles querem a volta da escravidão"; várias vezes escutado,
lido, ouvido, em diversos meios, para assegurar que nenhum negro, ou pardo, ou
afrodescendente, possa votar a favor de quem é supostamente representante das
elites brancas, que são contra as cotas e portanto contra a inclusão racial
(não importando aqui que as cotas sejam, no fundo, especificamente racistas);
esse é o ódio racial, na verdade racista!
4) "O candidato atacou a nossa candidata de
forma agressiva; chamou-a de mentirosa, não faria isso se fosse um homem";
intensificado tremendamente depois do segundo debate televisivo, quando o
candidato efetivamente disse que a candidata estava falando mentira, como se
isso tivesse alguma coisa a ver com o gênero, o sexo, até a cor do seu
oponente, a candidata continuista; os ataques se multiplicaram de várias
formas, até os mais grotescos, com fotomontagens mentirosas e alegações
fraudulentas; esse é o ódio por gênero, aliás ridículo!
5) "Eles vão acabar com o Bolsa Família, com o
Minha Casa, Minha Vida, vão reduzir o salário mínimo, provocar desemprego";
são as mentiras mais comuns, disseminadas das mais diversas formas, inclusive
fora da propaganda oficial, mas veiculadas oralmente, e até diretamente, em
contato com as pessoas mais humildes e mais sensíveis a tais programas; esse é
ódio mais virulento de todos, aquele que se baseia no coitadismo, e na
exploração da ignorância dos mais humildes e desinformados (sim,
desinformados); é um ódio político, partidário, de estilo nazista, já que
repetindo mentiras que tendem a se manter.
Todos esses exemplos, e
muitos outros mais, foram flagrados, identificados, ouvidos, lidos, recebidos
em mensagens, às dezenas, às centenas, por mim e por Carmen Lícia nos últimos
dias, hoje com uma intensidade tal que nos chocou.
É possível que, agindo assim,
os partidários da candidatura oficial consigam atingir seus objetivos, que é o
de assegurar, conquistar e manter um número suficiente de votos para obter a
vitória nas urnas. É possível, portanto, que a tática do ódio, do ódio de
classe, regional, de raça, de gênero, do ódio especificamente político, embora
doentio e mentiroso renda seus frutos no domingo 26 de outubro.
Essa tática já assistimos
durante muitos anos na Venezuela e todos podemos ver no que resultou: já nem
falo da deterioração completa da vida política, das estruturas econômicas, do
ambiente de negócios, mas contemplamos uma enorme emigração da classe média, os
quadros mais qualificados do país, partindo viver nos EUA, no Canadá, na
Espanha, em outros países, privando o país do melhor do seu capital humano.
Essa foi a tática dos peronistas, na fase de ascensão, antes de se converter em
uma força nacional dividida em diversas vertentes.
Essa foi e continua sendo
a tática empregada pelo principal líder do partido hegemônico, a quem ouvimos desfigurado
e apoplético, despejando xingamentos dos mais escabrosos contra o candidato
oposicionista.
Essa campanha do ódio tem
o poder de se inculcar na mente dos militantes mais fanáticos e das pessoas
mais humildes, e ela nos remete a esses outros tristes exemplos de mistificação
nazista e de massificação fascista.
O Brasil pode estar no
limiar de conhecer uma grande fragmentação nessas diversas linhas de divisão,
e, qualquer que seja o resultado eleitoral do dia 26, emergir no dia 27 como um
país profundamente dividido, como numa guerra civil virtual, que geralmente
divide famílias, irmãos, membros da mesma categoria profissional, pessoas de
diferentes regiões e de diversos estratos sociais ou ascendências étnicas.
Esse ódio será,
eventualmente, o legado mais terrível da atual campanha eleitoral.
Esse ódio, essa divisão
forçada, entre classes, raças, regiões, gêneros e afiliações políticas pode
estar nascendo aos nossos olhos.
O Brasil será o mesmo a
partir do dia 27, diverso mas unido culturalmente, multicolorido mas sem
Apartheid, regionalmente diverso mas unificado num mesmo projeto nacional,
inclusivo do ponto do gênero e tendencialmente conciliador e consensual no
plano político?
Tenho minhas dúvidas.
Muitas dúvidas.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 23 de outubro de
2014, 22:08hs.
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