O texto de J. R. Guzzo, na Veja desta semana, merece atenta leitura. Há uma minoria das minorias, no Brasil, que é esquecida pelas políticos em geral. Ninguém cuida desse cidadão que não se apresenta como oprimido nem reivindica privilégios. Seu futuro, de fato, é incerto:
Digamos que o leitor desta página, que estará votando ou já votou nas eleições de 5 de outubro, não seja índio, não seja quilombola, nem pertença a nenhum outro grupo que se apresenta como oprimido. Há grandes chances, também, de que não seja Sem Terra, sem teto, nem invasor de propriedade alheia, rural ou urbana - e que não more numa "comunidade", favela, cortiço, debaixo de um viaduto, nem num abrigo para indigentes. É muito provável que não seja surdo, mudo, gago, anão nem portador de deficiências físicas. Não é beneficiado por cotas de nenhum tipo. Não cheira pó, não injeta droga na veia, não fuma crack nem vive nas cracolândias das cidades brasileiras. Não recebe o Bolsa Família nem se inscreve no MSTS para furar a fila do Minha Casa Minha Vida. Não toca fogo em ônibus e não interrompe avenidas com barreiras de pneus queimados para protestar contra algo que desaprova. Não é presidiário. Não está condenado por infração ao Código Penal nem fugindo de nenhuma ordem de captura, nacional ou da Interpol. Nunca tem problemas com a polícia nem queixas contra o comportamento de policiais. Não é "ativista", como se combinou chamar os delinquentes que saem à rua para expressar sua opinião com foguetes, pedradas ou coquetéis molotov. Não é black bloc. Não conhece Sininho.
Este cidadão, quando olha um pouco em volta de si, descobre que está sozinho. Foi obrigado a votar para Presidente da República, Governador de Estado e mais uma porção de gente que sustentará com seu dinheiro pelos próximos quatro anos. Milhares de candidatos pediram seu voto durante meses. Teve de aguentar o infame "horário eleitoral". Mas ninguém está pensando nele; sua existência, aliás, nem foi notada pelos políticos que querem governá-lo, todos eles obcecados em demonstrar que são os campeões de um Brasil do qual ele não faz parte. Como sempre ocorre, os candidatos e as caríssimas equipes de propaganda que contratam para decidir o que devem dizer em sua campanha escolheram nesta eleição, mais uma vez, ignorar os brasileiros que não consideram seus "clientes"- toda aquela parte da população que cuida da própria vida sem esperar ajuda do cofre público, paga imposto, cumpre a lei, não dá trabalho e não exige nenhuma atenção especial para si. Para agravar seu abandono, criou-se nos últimos doze anos a ficção segundo a qual esses brasileiros que vivem em silêncio são inimigos dos "pobres" e de tudo o que se chama de "causas populares", "movimentos sociais" e outras farinhas do mesmo saco. Na visão do atual governo e da esquerda nacional eles são "privilegiados" : representariam 1% da população, ou algum disparate estatístico parecido, e por isto não deveriam ter direito a nada. Seu bem-estar, maior ou menor, que foi conquistado unicamente por seu esforço individual e méritos próprios, é visto como infração grave. O evangelho do governo ensina que tudo aquilo que têm foi tirado dos pobres. Seu grande pecado é não serem miseráveis.
O problema não acaba aí. O provável leitor mencionado no início deste artigo também é culpado de não ser uma porção de outras coisas, além das que já foram citadas acima. Ele não é empreiteiro de obras públicas, nem dono de frigoríficos que respiram por aparelhos financeiros do governo - e que são capazes de doar mais de 100 milhões de reais aos candidatos à Presidência da República. Não está à procura de sua identidade sexual nem se considera vítima de alguma perseguição contra as minorias. Não recebe pensão do Erário por se julgar prejudicado durante o regime militar. Não anda de helicóptero, não viaja em jatinhos de empresários e não é fornecedor da refinaria Abreu e Lima. Não influi em nada na Petrobrás e jamais pôs os pés no seu edifício-sede. Não está entre os 20 000 novos milionários, ou perto disso, que o Brasil produz a cada ano. Não se trata em hospitais públicos nem põe seus filhos na rede escolar do Estado, embora pague os impostos que lhe dão direito a estes serviços. Não briga em campos de futebol e nunca chamou ninguém de "macaco". Passa a vida inteira sem ser recebido por uma autoridade pública.
Seria razoável que o cidadão aqui descrito, neste momento de escolher quem vai para a Presidência de seu país, perguntasse: "Quem cuida de mim?" Não receberia resposta alguma, é claro. Está na lista dos indesejáveis ou dos suspeitos da trindade Lula-Dilma-PT, e até agora pouco ou nada ouviu em sua defesa por parte dos candidatos da oposição - não em voz alta, nem à luz do sol. Seu futuro é incerto. (Grato pelo surrupio, Maria Canedo).
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