Interessante artigo do ex-diplomata Marcos Troyjo na FSP desta sexta-feira, consolidando os últimos dados sobre a exportação de capitais da China nos últimos anos.
Discordo, porém, fundamentalmente, da assertiva quanto a um Plano Marshall chinês. Isso não existe, e não há nada de equivalente entre o que fizeram os EUA entre 1947 e 1953 -- colaborando generosamente com a reconstrução europeia, e também japonesa em outro esquema -- e o que estão fazendo hoje os chineses, que nada mais fazem do que reproduzir o que fizeram europeus e americanos cem anos atrás em direção de toda a periferia integrada aos circuitos da divisão internacional do trabalho.
A China está cuidando dos seus interesses nacionais, com algumas prebendas aqui e ali, que se refletem na construção de hospitais e prédios públicos em países africanos (desde que feitos com mão de obra chinesa), para permitir o estabelecimento dos mesmos esquemas de extração de valor que faziam os "imperialistas ocidentais" no final do século 19 e início do 20.
A China está certa? Provavelmente.
Mas ela não está fazendo nenhum Plano Marshall, e isso precisa ficar muito claro.
Nunca existiu nada comparável aos dons generosos feitos pelos EUA, e mesmo antes do Plano Marshall. Os acordos de Lend-Lease (empréstimos e arrendamento), que permitiram a transferência de mais de 50 bilhões de dólares em equipamentos militares americanos para os britânicos, para os soviéticos e para outros aliados (inclusive o Brasil), foram absolutamente essenciais para resistir, desde 1940 no caso inglês, à máquina de guerra nazista, e vencer os monstros fascistas-militaristas da Segunda Guerra.
A China está longe, muito longe, de fazer qualquer Plano Marshall. Ela cuida dos seus interesses nacionais, o que certos países são incapazes de fazer.
O comércio bilateral Brasil-China, por exemplo, é bem mais "colonial" do que jamais o foi nossa relação diversificada com os "imperialismos" europeu e americano durante décadas.
O que acaba de fazer agora a Argentina abrindo-se aos capitais chineses senão submissão colonial?
Essa é a realidade.
Paulo Roberto de Almeida
Plano Marshall chinês?
Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo, Sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Os astutos chineses já encontraram fórmula para explicar como sua expansão representa oportunidades
Quando o Muro de Berlim caiu, Brasil e China ocupavam fatias iguais do PIB global -- cada uma representava 3% da economia mundial.
Hoje, a participação brasileira permanece essencialmente a mesma, ao passo que a China já é responsável por quase 17% da riqueza global.
A dramática ascensão chinesa é mais destoante quando comparada à imobilidade brasileira. Embora inerte, o Brasil de 2015 ainda é a segunda maior economia emergente.
Essa corrida chinesa rumo ao status de superpotência econômica se deveu sobretudo ao extraordinário sucesso na aplicação de uma estratégia de nação comerciante.
Isso gerou perceptível desproporção da presença chinesa em diferentes âmbitos das relações econômicas internacionais.
O gigantismo comercial da China, que há dois anos converteu-se na maior exportadora -- e importadora -- do mundo, não se fez acompanhar do papel do país como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos. Isso, porém, está mudando.
Uma comparação entre os perfis dos membros do "G2" (EUA e China) do mundo contemporâneo ilustra o ponto. A corrente de comércio exterior anual da China hoje é de US$ 4 trilhões. A dos EUA é de US$ 3,9 trilhões.
Já o estoque total de investimento no exterior demonstra grande disparidade. Na ponta receptora, a China ultrapassou os EUA em 2014 como principal destino mundial de investimento estrangeiro, (China US$ 127 bilhões, EUA US$ 86 bilhões). Na ponta emissora, a desproporção é brutal: EUA contabilizam US$ 6,5 trilhões e China menos de 10% disso, com US$ 614 bilhões.
Ainda assim, a tendência é de maior convergência. Nos últimos 10 anos os EUA aumentaram seu estoque de investimentos não-financeiros no exterior em "apenas" 75%, enquanto a China os multiplicou 12 vezes.
Será então, como questiona o economista Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, que a "China está comprando o mundo"?
À semelhança do Japão nos 1980, a China realiza crescentes aquisições de empresas e propriedade imobiliária no exterior. Investe pesadamente em energia e, onde lhe permitem, em terra, subsolo, agricultura. E o faz globalmente. Se os investimentos chineses são particularmente visíveis na África, em volume os quatro principais destinos na última década são EUA, Austrália, Canadá e Brasil.
A China sabe que seu perfil cada vez mais alto como investidora no exterior gera agudas preocupações. Empresariado local teme competição e desindustrialização. Governos sensibilizam-se com eventual perda de soberania sobre recursos naturais. Trabalhadores ressentem-se do estilo supostamente abrasivo com que os chineses administram suas empresas.
Mas os astutos chineses já encontraram fórmula sútil de explicar como a expansão de seu papel investidor representa oportunidades para o mundo em desenvolvimento.
Classificam plataformas lideradas por Pequim como o Banco dos Brics, o Banco de Investimentos em Estrutura na Ásia ou o Fundo da Rota da Seda, juntamente com o investimento estatal e privado no exterior, como equivalentes a um "Plano Marshall chinês".
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2015/02/1595596-plano-marshall-chines.shtml
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