Em todo caso, foi o que me veio à mente, viajando de ônibus de Anápolis a Brasília, e me preparando para sair do Brasil...
Paulo Roberto de Almeida
Uma breve estada na Bizarrolândia
Paulo Roberto de Almeida
Acabo de passar dez dias
num país profundamente anormal. Um país no qual as pessoas acreditam que
existam coisas, qualquer coisa, bem ou serviço, que podem ser adquiridas em
"dez vezes sem juros". A anormalidade é tão grande que as pessoas,
vendedores ou consumidores, nem percebem mais a anomalia econômica. Esse é o
preço final e está conversado, nem se discute e nem se contesta: ele está
registrado nos cartazes, nos sites, em todos os lugares. E se por acaso você
esquecer dessa particularidade, a mocinha do caixa se encarrega de lembrá-lo:
"Em quantas vezes o Sr. quer pagar?"
E não precisa ser algum
bem de maior valor, de consumo durável, que justifique algum financiamento
embutido, aliás nunca explicitado, seja no preço, seja no ato do pagamento.
Pode ser qualquer coisa, numa farmácia ou no supermercado: "Quer dividir?
Em quantas vezes?" E você, meio surpreso, esboça uma resposta: "Dá
para fazer em 55 vezes?" Não, em 55 vezes não dá, mas ela pode parcelar em
até cinco vezes, está bem assim?
Eu sinceramente me
pergunto quando começou o "dez vezes sem juros", mas sobretudo eu
gostaria de saber se as pessoas realmente acreditam que elas estão adquirindo
algum bem ou serviço em "dez vezes sem juros". Será possível isso?
Essas coisas são normais?
Eu começo a desconfiar da
capacidade de raciocínio de pessoas educadas, gente de classe média, com
dinheiro, já fazendo pós-graduação: "Fessor, a gente tá viajando pra
Flórida nas férias!" "Ah, tá bom, mas a alta do dólar não vai atrapalhar
um pouco?" "Não, a gente tá fazendo tudo em 10 vezes sem juros."
"Ah, tá bom então."
O que é que eu vou dizer?
Vou chamar o cidadão de idiota, ali na frente dos outros? Mas aí eu percebo que
o único anormal ali sou eu mesmo, que ainda me dou ao trabalho de questionar
essas coisas e de ver anormalidades numa situação que é considerada a mais
normal do mundo. Dez vezes sem juros, quem é que não gosta, quem é que não
quer? Como é que eu ouso contestar essa santa paz dos negócios, essa absoluta
normalidade do "Quer parcelar?"? E eu me pergunto se economistas
sensatos, ou normais, não alertam para o tremendo engodo incorporado a essa
mania -- ou seria já um hábito normal? -- do "dez vezes sem juros", e
não começam a avisar os incautos que eles estão pagando o dobro do valor real,
que eles estão pagando dois televisores e só levando um para casa, que eles
estão na verdade adquirindo um financiamento a 100%, não comprando um bem ou
serviço.
Mas essa não foi a única
anormalidade que eu encontrei em minha recente estada na Bizarrolândia.
Confesso que fiquei igualmente surpreso com o comportamento de uma tribo
especial de cidadãos, os políticos, ou representantes do povo, como são
chamados por aqui. Eles parecem se situar numa outra galáxia, não nesta onde
estão os que os elegeram. Eles são capazes de tudo, menos de mirar a situação
economicamente caótica que vive Bizarrolândia atualmente. Eles continuam a
aprovar aumento de gastos -- geralmente para eles mesmos ou em benefício dos
que lhes são caros -- na total indiferença em relação à inflação, ao
desemprego, ao descalabro das contas públicas. E se acusam mutuamente de
trapaças, de traições, até de roubalheira e de corrupção, vejam só.
Prepostos dos políticos
confessam candidamente que desviaram tantos e tantos milhões de uma estatal
qualquer, e que mandaram esses milhões para algum paraíso fiscal e já ninguém
mais se espanta! Pior: não acontece nada, nadinha. As coisas continuam como se
tudo fosse absolutamente normal. O cidadão, ou a cidadã, foi eleito com base em
dinheiro desviado, extorquido de empresas privadas e tudo segue adiante na mais
perfeita normalidade.
Mais estranho ainda, o que
eu fiquei sabendo nessa breve estada em Bizarrolândia, foi que os guardiões do
Tesouro, dos recursos duramente amealhados dos contribuintes, fraudaram
completamente as contas, despeitaram o orçamento, violaram as leis e a própria
Constituição de Bizarrolândia, e nada se passa: as coisas continuam fluindo na
mais perfeita (a)normalidade.
E não só os guardiões, mas
inacreditavelmente foi o principal responsável pelo respeito à lei e à
Constituição quem incorreu nesses crimes contra a moralidade ou ao simples
dever constitucional. Como é que pode?
Confesso que não sei. Não
sei como é que o povo de Bizarrolândia consegue conviver com essas coisas,
assim numa boa, como se tudo isso fosse absolutamente normal. Será que sou eu o
anormal?
Não sei. Só sei que estou
deixando Bizarrolândia por algum tempo, mas vou ficar observando de longe.
Confesso que gostaria de voltar. Encontrei um povo simpático e até brincalhão,
no meio do caos econômico e das esquisitices políticas. Mas gostaria de
encontrar algo mudado quando eu voltar.
Paulo
Roberto de Almeida
Em
viagem, Anápolis-Brasília, 16/07/2015
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