Memorial Pragmático para a Reforma da Nação
Paulo Roberto de Almeida
A data de 17 de fevereiro
de 2016 marca o ducentésimo aniversário do nascimento do diplomata, homem
público e patrono da historiografia brasileira Francisco Adolfo de Varnhagen,
nascido nesse dia de 1816 em Sorocaba, SP. Filho de um engenheiro alemão, que
tinha vindo ao Brasil logo após a transferência da corte portuguesa para iniciar
a fundição de ferro no país, ele se formou em Portugal, onde concluiu o curso
de engenharia militar em 1834. Desde cedo, entretanto, inclinou-se para os
estudos de história; suas pesquisas na Torre do Tombo permitiram-lhe a
identificação de Gabriel Soares de Sousa como o autor do até então anônimo Roteiro do Brasil, a primeira descrição
dos domínios portugueses nas Américas, no século XVI, o que lhe valeu ser
aceito na Academia de Ciências de Lisboa, em 1838. Dois anos depois decidiu
voltar ao Brasil, tendo sido aceito no recém fundado Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Em 1841, por decreto imperial foi designado para
levantar documentos relativos aos tratados de limites da América Portuguesa,
nos arquivos coloniais portugueses e espanhóis.
Antes mesmo de concluir a
obra que o consagrou definitivamente, História
Geral do Brasil antes de sua separação e Independência de Portugal (Madri,
1854-1857), Varnhagen compôs e publicou, em 1849, na capital espanhola, um
opúsculo não assinado, “dado à luz por um amante do Brasil”, pomposamente
intitulado “Memorial orgânico que à consideração das assembleias Geral e
provinciais do Império apresenta um brasileiro”. Essa obra possui um enfoque
diferente dos livros que o identificaram como o grande historiador da nacionalidade
e da identidade do Brasil, mas ela apresenta as mesmas concepções: um
entranhado patriotismo, o engajamento no processo de reformas tendentes a
“civilizar” o Brasil e a consciência – a despeito de ser um liberal e
propugnador da iniciativa privada na área econômica – de que o Estado tinha um
papel a cumprir como promotor de grandes obras de organização nacional,
nomeadamente no terreno da infraestrutura e da defesa. O historiador Arno Wehling
resumiu as seis propostas de Varnhagen para a “reforma do Brasil” – inclusive a
da mudança da capital para um local central, como adotado cem anos depois – numa
tabela organizada segundo a mesma metodologia seguida pelo
historiador-estadista:
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Memorial Orgânico,
de Francisco Adolfo de Varnhagen (1849)
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Problemas
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Motivos
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Solução
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Limites por definir com nove países
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Indefinição das fronteiras
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Negociações bilaterais
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Capital litorânea
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Deslocada em relação ao país, sem boas
fortificações
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Capital no interior do país
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Escassez de comunicações e de mercado
interno
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Insuficiente ação provincial e
inexistência de ação nacional
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Articulação de comunicações e rotas
comerciais (ferrovias)
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Divisão de províncias do Império
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Desigualdades regionais, sem
desenvolvimento nas províncias do interior, tributação irracional
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Redivisão territorial, com critérios de
equilíbrio e equivalência (departamentos); reforma tributária
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Fragilidade da defesa do país
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Ausência de pensamento estratégico para a
defesa
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Maior alocação de recursos, identificação
de pontos cruciais, territórios militares
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Heterogeneidade da população
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Extensão da escravidão africana, forte
contingente de índios não aculturados
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Colonização indígena e europeia, proteção
no cruzamento de raças
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Fonte: Arno Wehling, “O conservadorismo reformador de um liberal:
Varnhagen, publicista e pensador político”, in: Lucia Maria Paschoal
Guimarães e Raquel Glezer (orgs.), Varnhagen
no Caleidoscópio (Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2013), p.
160-201, cf. p. 174.
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Inspirados no exemplo que Varnhagen
nos legou, com apenas 34 anos de idade, pode-se traçar um “memorial” para uma nova
reforma da nação, com base na mesma metodologia tripartite: uma primeira parte
de “enunciados” dos problemas, uma segunda de “justificativas” e uma terceira
de propostas de soluções ou de “remédios”:
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Memorial
Pragmático para a Reforma da Nação (2016)
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Problemas
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Motivos
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Solução
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Retrocesso econômico, desorganização
produtiva
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Desindustrialização, exportações de commodities
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Esforço concentrado em ganhos de
produtividade
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Descolamento dos mercados internacionais
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Perda de competitividade por excesso de
tributação
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Reforma tributária, redução da carga
fiscal, globalização
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Deficiências de infraestrutura
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Inexistência de ação estatal por inépcia
e falta de recursos
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Privatização extensiva em todas as áreas
de logística
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Desigualdades regionais persistentes
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Políticas de “desenvolvimento regional”
baseadas em induções equivocadas
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Atendimento das vantagens comparativas
ricardianas nas especializações regionais
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Fragilidade da defesa do país
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Inadequações do pensamento estratégico
para a defesa; autonomia sem base no PIB
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Maior alocação de recursos, mas busca de
sinergias na cooperação com aliados
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Heterogeneidade da população em termos de
capacitação profissional
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Deficiências graves na qualidade da
educação de base; professores ineptos
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Reforma radical do ensino público; acolhimento
de imigrantes
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Fonte: Paulo Roberto de Almeida, inspirado no “Memorial Orgânico” de
Varnhagen.
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Os problemas atuais do Brasil são quase os mesmos de
165 anos atrás; as soluções também muito se parecem. Faltam os estadistas...
[Anápolis, 26 de dezembro de 2015, 2 p.]
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