Metrô para por falta de luz e diabéticos morrem sem insulina na Venezuela
O Estado de S. Paulo, 1/12/2017
Em dia caótico, apagões interrompem partida de beisebol,
escassez de combustível afeta transporte público, médicos reclamam de epidemia
de malária e de surto de doenças já erradicadas; OMS reconhece que país vive
crise humanitária
A Venezuela viveu ontem um dia caótico. Algumas estações
do metrô de Caracas fecharam por falta de luz. Houve queda de energia em várias
regiões. Em 17 Estados, a gasolina está no fim. Em Vargas, médicos anunciaram
que 24 diabéticos morreram nos últimos quatro meses por falta de insulina. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) admitiu, pela primeira vez, que o país passa
por uma crise humanitária.
“Nos últimos quatro meses, 24 pacientes diabéticos
morreram em razão da falta de insulina e amputamos cinco pessoas em um mês.” A
frase de Monica Conde, médica do Estado de Vargas, no norte da Venezuela, é um
retrato da crise. “Alguns tipos de insulina até chegam às farmácias
particulares, mas custam muito caro”, disse Monica ao jornal La Verdade de
Vargas.
“No hospital, não temos como tratar os pacientes e
estamos fazendo vaquinha para comprar alguns produtos básicos.”
Diante da escassez de remédios, a OMS admitiu ontem que
há uma crise humanitária no país. Desde 2014, faltam pelo menos 100 remédios
essenciais. Segundo a Federação Farmacêutica da Venezuela, 85% dos medicamentos
necessários à população sumiram das farmácias. Quando se trata de doenças
crônicas, como diabetes e câncer, a escassez é de 95%.
Doenças como a difteria, erradicada havia 24 anos,
reapareceram, assim como a tuberculose e o sarampo. A Venezuela enfrenta uma
epidemia de malária, com 200 mil casos até outubro, metade dos casos de todo o
continente americano.
A desnutrição em crianças menores de 5 anos aumentou de
54%, em abril, para 68% em agosto. Segundo um estudo da ONG Cáritas da
Venezuela, vinculada à Igreja Católica, 35,5% das crianças pobres do país, com
idade de 0 a 5 anos, estão desnutridas. A mortalidade infantil na Venezuela
aumentou 30,12% no ano passado, em relação a 2015, com 11.466 mortes de crianças
de 0 a 1 ano.
Não foram apenas os alimentos e os remédios que
desapareceram das prateleiras. A escassez de métodos contraceptivos e de
preservativos causou um aumento drástico do número de doenças sexualmente
transmissíveis, como gonorreia, sífilis e herpes, além de uma epidemia de
abortos caseiros – o aborto na Venezuela é proibido, a não ser em casos de
risco de vida para a mãe. Segundo ONGs, em 2015, foram 2.366 atendimentos
médicos em decorrência de abortos improvisados. Em 2016, o número aumentou para
3.430.
Para os médicos, a escassez de métodos contraceptivos é a
causa do aumento de casos de aids e de outras doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs), como gonorreia, sífilis e herpes. Este ano, mais de 6,5
mil pessoas contraíram o HIV na Venezuela. Em 2016, foram 5,6 mil. Em 2014, 3
mil.
A ginecologista do Hospital Universitário de Caracas,
Vanessa Diaz, afirmou ao jornal Washington Post que o número de pacientes com outras DSTs
também aumentou. “Dos pacientes que atendi, a cada dez, seis tinham alguma DST.
Dois anos atrás, esse número não passava de dois”.
O caos na Venezuela começou a afetar também questões mais
prosaicas – do fornecimento de gasolina à energia elétrica. Nos últimos três
dias, estações de metrô de Caracas tiveram de ser fechadas por falta de luz. Os
apagões são cada vez mais frequentes. Em Caracas, nos horários de pico, a
interrupção das linhas de metrô por queda de energia costuma durar até duas
horas. O principal jogo de beisebol da rodada de ontem, entre Magallanes e
Águilas, disputado em Maracaibo, foi interrompido por mais de duas horas em
razão de um blecaute na cidade.
Mesmo tendo as maiores reservas de petróleo do mundo, em
várias regiões a gasolina está no fim. Dos 23 Estados da Venezuela, 17
enfrentam escassez de combustível. O problema reduziu a circulação de táxis e
ônibus, afetando o transporte público em várias cidades do país.
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