segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A arte de escrever para si mesmo - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2012.

No decorrer da maior parte da minha vida, talvez quatro quintos de uma existência dedicada à constante leitura de livros, à reflexão solitária e à redação regular de textos de diversos tipos, o que mais fiz, de fato, foi escrever para mim mesmo. 
Salvo no período mais recente, quando tenho aceito (talvez muito facilmente, e em excesso) compromissos de colaborar com revistas ou livros coletivos, a maior parte de meu tempo livre, durante os últimos quarenta anos, tem sido ocupada pela redação de textos que só tinham um único destinatário: eu mesmo. 
Não por outra razão, minha lista de originais é três vezes mais volumosa do que a correspondente aos trabalhos publicados. Na verdade, minha lista de originais cobre apenas uma parte modesta de meus escritos, aquela de trabalhos efetivamente terminados, com um ponto final, assinados, datados e localizados, e finalmente numerados na ordem sequencial de seu término, não importando quando e onde iniciados.
Os trabalhos apenas esquematizados, iniciados, mas não concluídos, comporiam uma lista ainda mais longa, se por acaso tal lista existisse. Eles estão dispersos, perdidos numa infinidade de pastas, guardadas por sua vez em outras pastas, sem muita ordem ou método, quase sem títulos evocativos, a não ser os de alguma inspiração momentânea. Em todo caso, essas centenas, talvez mais de um ou dois milhares, de working filescompõem uma formidável armada – ou exército, como se queira – de reserva, aguardando retomada oportuna em algum tempo livre (que, sabemos todos, nunca virá). Só sei dizer que esses working files, escritos unicamente para mim, nunca entraram na pasta “PRAworks”, organizada em listas anuais (como para a lista de Publicados). Eles ficam simplesmente dispersos, por vezes sob títulos enigmáticos, em pastas dotadas de rótulos anódinos, o que dificulta sobremaneira sua recuperação ulterior para finalização. Muitos estão até esquecidos, coitadinhos, relegados a um limbo do qual até a intenção ou propósito iniciais também há muito se perderam. Esta é mais uma prova, além da quantidade enorme de inéditos, de que eu realmente escrevo para mim mesmo. 
Mas mesmo naqueles escritos “encomendados”, eu jamais aceitei qualquer sugestão de linhas “condutoras”, estilo discursivo ou orientação argumentativa, tanto porque sou eu mesmo quem decido como e com quais objetivos desenvolverei minha linha de raciocínio. Nisso sou absolutamente libertário, inclusive já o era mesmo nos textos oficiais, nos quais sempre escapei do diplomatês insosso no qual se deleitam tantos colegas de carreira. 
Estas são, finalmente, as características da arte de escrever para si mesmo: livre inspiração, total controle do estilo e do método de abordagem, independência de pensamento e plena autonomia argumentativa, decisão solitária sobre como e onde divulgar ( o que não é o mesmo que publicar, já que isto depende de algum editor de revistas ou livros).
Em todo caso, com uma dezena e meia de livros publicados em autoria solitária, meia dúzia de títulos editados por mim e várias dezenas de capítulos em livros coletivos, não posso dizer que eu esteja carente de editores. Recebi, é verdade, convites de editores para compor, ou seja, escrever eu mesmo, tal ou qual livro, mas declaro imediatamente que, a despeito de ter considerado certas sugestões, nunca levei adiante qualquer uma dessas demandas; tampouco ofereci projetos de livros a editores: faço apenas o que me dá vontade. Recém aceitei fazer um “sob encomenda”, sobre a integração regional, mas apenas porque eu teria total controle sobre o que e como escrever. 
Repito, e finalizo: eu escrevo para mim mesmo, leitores são apenas um detalhe do processo (com perdão dos próprios). Como não vivo do que escrevo – pelo menos ainda não – não preciso agradar qualquer público quanto à forma ou o conteúdo daquilo que produzo, em total autonomia. Se, ao cabo de alguns laboriosos exercícios de escrita, chego ao que considero a forma final de algum trabalho, e aprovei o que eu mesmo escrevi, coloco um ponto final, acrescento o local e a data (eventualmente consignando algumas etapas precedentes), registro, finalmente, na lista numérica dos originais e me dou por satisfeito. Quanto ao julgamento dos eventuais (e poucos) leitores, creio que eles devem dispor de tanta liberdade de avaliação quanto a que eu tive na concepção e redação desses meus textos. 
Ponto final, a mais um! Vale!
Brasília, 15 de julho de 2012.

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