Como a política externa caótica de Bolsonaro preocupa o resto da América do Sul
Diplomatas na região começaram a considerar o Brasil uma fonte de instabilidade
Oliver Stuenkel, da Americas Quarterly
25/06/2019 - 09:51 / Atualizado em 25/06/2019 - 13:51
Quando se trata de política externa, as ideias controversas do presidente Jair Bolsonaro e de seus conselheiros mais próximos, como os riscos do “globalismo”, o ceticismo em relação a instituições multilaterais como as Nações Unidas e a convicção de que o aquecimento global não passa de um complô marxista, já deixavam apreensivos muitos diplomatas da região. Ademais, simplesmente transparecer qualquer possibilidade de apoio brasileiro a uma intervenção militar americana na Venezuela já disparou os alarmes dos Ministérios de Relações Exteriores dos países vizinhos.
O que mais preocupa os diplomatas da América do Sul, no entanto, não são as ideias de Bolsonaro em si, mas o fato de que a política externa brasileira — e a diplomacia presidencial em particular — se tornou imprevisível. Há um consenso crescente, de Bogotá a Santiago, de que as decisões de Brasília são produto de disputas internas de poder em vez de cálculos estratégicos — uma situação preocupante para os latino-americanos, tendo em vista que a participação ativa do Brasil é crucial para o avanço de qualquer iniciativa na região.
Prestes a completar seis meses no cargo, o atual governante brasileiro parece não ter diretrizes claras quanto ao Mercosul, um diplomata uruguaio declarou em off: com exceção de ocasionais dicas de Guedes que o Brasil está incomodado com o statu quo . A visita recente de Bolsonaro a Buenos Aires pareceu resumir a falta de coerência que se tornou a marca registrada das relações externas do Brasil desde janeiro. A visita aconteceu após uma série de gestos de desprezo à Argentina , algo sem precedentes desde a redemocratização da década de 1980: a primeira visita internacional de Bolsonaro foi a Santiago, não Buenos Aires, como era tradição na diplomacia brasileira .
Ainda assim, quando finalmente visitou a Argentina, o volátil presidente se mostrou subitamente animado com a ideia de uma moeda única entre os dois países , um projeto que, no cenário mais otimista, levaria décadas para ser implementado e exigiria um compromisso extremo de integração regional. Sem titubear, Bolsonaro pareceu apoiar uma integração no estilo da União Europeia, ideia que vai de encontro a tudo que seus conselheiros antiglobalistas mais próximos acreditam ser necessário para preservar a soberania e a autonomia do Brasil. Semanas antes, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um propagador de teorias conspiratórias, declarou publicamente que torcia pelo Brexit e pelo êxito dos candidatos nacionalistas de direita nas eleições do Parlamento Europeu.
“É difícil levar tudo isso a sério”, afirmou um cientista político argentino enquanto Bolsonaro embarcava de volta para Brasília.
Países de menor porte, como o Uruguai, estão sem saber como reagir ao que fica cada vez mais aparente: Bolsonaro e Araújo carecem de qualquer tipo de visão coerente sobre o que eles esperam ver na região — além do desejo de que partidos de direita vençam as eleições pelo continente. Mas ao repetidamente alertar os argentinos sobre os perigos do retorno ao poder do movimento da ex-presidente Cristina Kirchner nas eleições de outubro, Bolsonaro cometeu um erro de principiante. Não só sua retórica foi de pouca ajuda para o presidente Macri — cujas esperanças de reeleição dependem de sua habilidade em atrair eleitores moderados, que veem Bolsonaro com maus olhos — como também pode criar um problema para o Brasil caso o kirchnerismo retorne de fato, afetando negativamente a mais importante relação bilateral na América do Sul. Enquanto os interesses em integração regional forem baseados em alinhamentos ideológicos temporários, não há muita esperança para um debate construtivo de longo prazo sobre o futuro da região.
Outra mudança de diretriz de último minuto pegou de surpresa até membros da alta cúpula do governo brasileiro. Bolsonaro reconheceu formalmente María Belandria, enviada da oposição venezuelana, como embaixadora no Brasil, após se recusar a fazê-lo dias antes. A decisão foi uma derrota para a ala militar de seu governo, que já o tinha convencido contra a decisão. Os conselheiros militares de Bolsonaro argumentaram que reconhecer formalmente Belandria era uma provocação desnecessária, que poderia atrapalhar as tentativas do país de normalizar a situação na fronteira reaberta havia poucos dias, após meses fechada. A mudança abrupta aumentou as preocupações de governos da região sobre a previsibilidade da política externa de Bolsonaro — e como um diplomata europeu delicadamente comentou, Bolsonaro era um “parceiro difícil”.
A economia cambaleante do Brasil e sua instabilidade política devem aumentar as chances de que 2019 seja um ano perdido para a política externa do país, já que reduzem a capacidade do governo de articular e implementar um projeto internacional coeso. Um olhar sobre a política externa do Brasil desde a redemocratização sugere que ativismo internacional só é possível se as coisas estiverem em ordem dentro de casa — como foi o caso (com alguns tropeços) entre 1995 e 2013. Só quando a hiperinflação foi superada o presidente Fernando Henrique Cardoso teve tempo e credibilidade para desenhar uma estratégia internacional, e o Brasil se manteve como um ator importante por quase duas décadas. Ainda assim, desde os protestos de 2013, nenhum presidente brasileiro teve tranquilidade e aprovação popular para ter impacto no exterior, com efeitos na vizinhança.
Muitos fatos sugerem que, em 2019 — e possivelmente depois —, Bolsonaro estará bastante ocupado com desafios domésticos para seguir com seu ativismo na política externa. Nesse sentido, a política brasileira é diferente da americana, em que presidentes impopulares às vezes reforçam seu ativismo externo, haja vista o fato de a política exterior ser a única área onde podem atuar livremente. A política externa brasileira, em contraste, só é significativa quando os presidentes são populares internamente, o que não parece ser o caso de Bolsonaro. As consequências são graves. Um Brasil com o olhar voltado para dentro deve limitar drasticamente a capacidade de a América do Sul articular e implementar uma estratégia clara para seus muitos desafios em comum e lidar em conjunto com um cenário político global cada vez mais imprevisível.
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