https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/acordos-externos-do-mercosul-argentina.html
E minha postagem no Facebook:
Sobre uma suposta e inexistente, nunca proclamada, saída da Argentina do Mercosul (1) As pessoas acabam se "informando" pelo Facebook – que é o maior disseminador de fakenews e de besteirol do planeta, da galáxia – e se esquecem de buscar as fontes de informação fiáveis, que continuam a ser a "grande mídia" – a despeito do desprezo que lhe devotam alucinados, aloprados, desvairados, da esquerda e da direita – e as fontes oficiais de governos (não todos claro; tinha a Pravda e a Tass do socialismo real, assim como temos hoje a Secretaria de (Des)Informação do (des)governo Bolsonaro). Eu sempre busco a informação fiável, e por isso fui ler o que disse o governo argentino e o que disse a presidência pró-tempore do Mercosul, o Paraguai, e já tinha colocado, desde ontem, os anúncios no meu blog Diplomatizzando (que os apressados não leem). Transcrevo ambos abaixo, para não dar muito trabalho aos apressadinhos, e depois volto em nova postagem para comentar... Paulo Roberto de Almeida.
Ler os anúncios aqui:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/acordos-externos-do-mercosul-argentina.html
Sobre uma suposta e inexistente, nunca proclamada, saída da Argentina do Mercosul (2)
Paulo Roberto de Almeida (meus comentários à postagem anterior, como acima)
Não houve, e não haverá, nenhuma decisão argentina de saída do Mercosul. Ainda não nasceu o político que decretará o fim do Mercosul, mesmo que ele perca substância e finalidade, sob qualquer evolução futura da dinâmica econômica e comercial dos países membros, ou a partir de sua inserção em novos e futuros acordos comerciais em âmbito regional, plurilateral, multilateral ou unilateral (sim, as pessoas existem que medidas de política comercial podem ser tomadas sem precisar negociar com qualquer outro parceiro externo: basta mudar a sua legislação e avisar o mundo).
O Mercosul é, supostamente, uma união aduaneira – meio esfarrapada, e verdade, uma colcha de retalhos esgarçada, mas ainda assim é a sua definição junto ao Gatt 1947 e depois 1994, mas aproveitando as facilidades da Cláusula de Habilitação de 1979 – que é assim uma promessa de casamento, um noivado, em direção do casamento sob a forma de um mercado comum, algo meio inalcançável e meio inatingível no momento presente (ou seja, nos 15 últimos anos).
Uma união aduaneira, como promessa de casamento, é diferente de uma zona de livre comércio, que é uma espécie de "free sex for all", como diriam os ingleses, ou seja, aquela farra de zonas. Isso quer dizer que numa ZLC cada um é autorizado a fazer o que quiser, em qualquer posição, com parceiros externos, à condição que mantenham o livre comércio para dentro. Mas cada país conserva a sua Tarifa Comercial autônoma (soberana e nacional, diriam os petistas e, agora, os bolsonaristas).
Ser uma UA significa que os países membros deixaram de ter uma Tarifa Externa nacional (PERDERAM SOBERANIA, vamos falar claramente, contra petistas e bolsonaristas), para adotar uma TEC, uma Tarifa Externa Comum, devidamente declarada ao Gatt, e como tal registrada na OMC e submetida ao Trade Policy Review Committee, o comitê de exame das políticas comerciais da OMC, a que o Mercosul se submeteu e ao qual precisa prestar informações sobre o caos que é sua política aduaneira esquizofrênica, onde existem exceções NACIONAIS (essas sim, soberanas) e não exceções do BLOCO, ainda que estas possam existir também.
O fato que é que essa UA meio envergonhada tem algumas regras de política comercial, mas não TODAS que deveriam exibir um bloco a caminho de realizar a sua conjunção carnal do casamento. Isso faz com que alguns temas (tarifários em sua maior parte) sejam discutidos e negociados com terceiras partes conjuntamente e outras não (como deveriam ser, com luvas de pelica, os acordos de investimentos com partes de fora).
O fato de ser uma UA, ainda que esburacada, impede, em princípio, que os países façam acordos comerciais com terceiras partes, o que não é um impeditivo absoluto, desde que não derrogando a tarifa externa comum de modo absoluto (ou seja, usando a cláusula de habilitação da forma tão maliciosa quanto a China faz para algumas de suas práticas e políticas) e desde que preservando a cláusula MFN para dentro. Mas, existia uma resolução do Conselho impedindo a negociação solitária na fase de transição, assim como existe uma resolução de 2000 prometendo a mesma disciplina, pós-Protocolo de Ouro Preto.
Mas, como diria o Conselheiro Acácio, resoluções políticas são resoluções políticas, ou seja, podem ser derrogadas por outra resolução política. O problema é que resta a questão da TEC registrada no Gatt e o fato de que o Mercosul tem de falar com uma só voz a esse respeito, e não de forma isolada e aventureira.
Na verdade, essa resolução só interessa aos nossos industriais predadores, que fizeram a sua reserva de mercado no Cone Sul e impedem os outros países membros de negociarem acordos mais favoráveis (para os seus nichos de mercado) com parceiros externos. Se a coisa virar um "free sex for all", os nossos exportadores perderão a sua reserva de mercado.
Tanto é assim que a TEC é perfurada sempre para cima, pelo Brasil, o mais protecionista do planeta nos últimos 200 anos, e perfurada para baixo pelos demais sócios, com exceções pontuais da Argentina, o segundo ou terceiro país mais protecionista do planeta (tem a Índia que faz forte concorrência nessa inglória disputa).
Mas, o anúncio da Argentina NÃO TEM NADA A VER COM ISSO, e me desculpo por ter desviado a atenção de vocês para toda essa chorumela, mas ela é importante para perceber o que é o Mercosul no contexto esquizofrênico que é o seu.
O que ela anunciou em Assunção é que não participaria mais de negociações de novos acordos de abertura econômica ou de liberalização comercial, além dos que já tinham sido feitos antes da assunção do presidente Alberto Fernández (aquele que foi hostilizado pelo nosso presidente ignorante e seu chanceler acidental, que agravou o caso, ofendendo diretamente o então candidato, e depois não se desculpou com o presidente, assim como não o fez em relação às últimas ofensas à China, feitas pelo debiloide do ministro da Educação).
Em outros termos, a Argentina disse que fica no banco de reserva, lambendo suas feridas e aguardando dias melhores, o que coloca um problema para os outros membros. O mais provável, se os países quiserem "legalizar" a relação de noivado aberto, vão ter de fazer uma nova resolução, estabelecendo as condições e requerimentos pelos quais os países membros, isoladamente ou em conjunto, mas à exclusão de um ou dois, podem negociar e implementar novos acordos (derrogando, portanto, muitos itens da TEC), e como declarar isso no Gatt-OMC, sem afetar muito a credibilidade do Mercosul (já sem muita importância efetiva no plano global).
De toda forma, são escassas as chances do acordo com a UE entrar em vigor no futuro previsível, e o com a EFTA não tem muita dimensão substantiva para criar caso.
O Mercosul continua a sua irrelevância, que começou justamente com a crise argentina de 2001, e continuou sendo aprofundada sob o regime lulopetista, e agora não parece próximo de se restaurar e se reforçar, sob políticas comerciais divergentes nos países membros (isso quando existem quaisquer políticas, o que não parece ser o caso). Mas, como eu disse, ele não será declarado morto e acabado.
Burocracia – e a do Mercosul não é grande – nunca morrem, depois que são criadas: permanecem na paisagem como dinossauros, ou como as baratas, até que sejam extintos por alguma catástrofe natural. Por decisão de governos, não vejo nenhuma chance.
Eu já escrevi muito sobre o Mercosul, três livros e incontáveis artigos. Vocês podem achar alguns no Google, ou mais exatamente na minha página em Academia.edu. Vou juntar esses artigos e fazer um volume de autor.
Mercosulianos e anti-Mercosulianos, não se desesperem. Como dizem os uruguaios, "no pasa nada". Como é que poderia acontecer alguma coisa, quando vocês têm governos malucos em quase todas as partes?
O mundo gira, e a Lusitana roda, mas não sei se ainda existe a Lusitana. Se não existe mais, foi por razões empresariais, pois se fosse estatal continuaria existindo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de abril de 2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.