Paulo Roberto de Almeida
Investigado por fake news ataca negócios com a China em seminário no Itamaraty
Na apresentação, foi dito que o Brasil é vítima de neocolonialismo do país asiático e que brasileiro vai acabar aprendendo a comer morcegos
BRASÍLIA
Um ativista bolsonarista alvo da operação policial ordenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) contra fake news atacou negócios com a China em seminário promovido pelo Itamaraty.
Nos debates sobre o mundo pós-pandemia, entraram na mira de participantes organismos internacionais e o “novo normal”.
Segundo um dos debatedores, a China compra portos, setor elétrico e transportes para colonizar o Brasil. “Em breve vamos estar comendo morcegos”, disse o youtuber Bernardo Kuster aos diplomatas.
Além dele, participou do ciclo de seminários virtuais da Funag (Fundação Alexandre de Gusmão) o blogueiro Allan dos Santos, também alvo da Polícia Federal.
Kuster falou na 3ª edição do evento, realizada no dia 19 de maio, uma semana antes de agentes baterem à sua porta. Da sua casa, os policiais saíram com celulares e computadores. O analista conservador descreveu a China como a inimiga de países nacionalistas, como o Brasil.
Kuster disse que discutiu “uma fita” com “um amigo muito versado em geopolítica”. Ele chegou à conclusão de que a China está apostando em uma forma de neocolonialismo para reconquistar poder. O plano, segundo ele implementado pelo dirigente Xi Jinping, teria a ajuda da ONU (Organização das Nações Unidas). O objetivo seria favorecer o domínio chinês no hemisfério Sul.
“A China iria jogar parte de sua economia para fora, comprando portos, fazendo aquisições diretas ou indiretas, para a partir do mercado internacional fazer crescer novamente sua economia e, assim também, colonizar outros países”, disse Kuster.
Entre os planos, ele apontou compras feitas pelos chineses nos setor elétrico, entre outros negócios. Para ele, essas são “novas táticas de guerras”.
“Aqui na cidade onde eu moro, Londrina, os chineses já compraram a Belagrícola, que é uma das maiores empresas da região. Eles já compraram os setores de energia de São Paulo e as questões [no setor] de transportes”, afirmou.
A Funag, que promoveu o seminário, é um órgão de pesquisa e divulgação ligado ao Itamaraty.
Em nota, o ministério minimizou os ataques afirmando que “as opiniões expressadas pelos convidados não devem ser vistas como posições da Funag ou do Ministério das Relações Exteriores”.
Para o Itamaraty, os palestrantes são pessoas “bem informadas e preparadas”.
Não há remuneração aos debatedores, segundo o ministério. As atividades foram todas online.
Ataques à China feitos pela ala ideológica têm preocupado integrantes do governo.
Após a divulgação da reunião ministerial do dia 22, a ala militar e a equipe econômica passaram a temer uma crise com a potência asiática, que é o principal parceiro comercial do Brasil. No encontro, o país asiático foi criticado por ministros.
De janeiro a abril deste ano, a China comprou US$ 20,9 bilhões em produtos brasileiros. O saldo comercial foi positivo para o Brasil em US$ 9 bilhões.
Com os EUA, segundo maior parceiro comercial do Brasil, houve forte retração nas exportações e no saldo total. As vendas para os americanos somaram US$ 7 bilhões. A balança total foi negativa em US$ 3 bilhões no mesmo período.
Para Kuster, nesse cenário de crise, o país asiático precisa responder pela pandemia. “A China tem certa culpa e precisa ser responsabilizada no futuro. Eles conseguiram desestabilizar o Brasil e outros governos nacionalistas”, afirmou.
O youtuber insinuou haver ligações da OMS (Organização Mundial da Saúde) com o país asiático. “Existe uma série de implicações dessa ligação espúria entre o governo comunista chinês e, ao que tudo indica, a diretoria da OMS.”
O discurso foi construído para culpar o comunismo.
“Se você não é anticomunista, ou você é um isentão que permite que essa coisa prolifere ou então você é cúmplice moral de assassinato em massa”, disse, ao atacar críticas à política externa do Brasil.
Além do youtuber, falaram contra o país asiático outros palestrantes ligados a blogs conservadores como Terça Livre, Conexão Política e Brasil Sem Medo.
Allan dos Santos, do Terça Livre, participou do 4º seminário virtual realizado na terça-feira (26), véspera da ação policial. O blogueiro falou por 24 minutos sobre o “novo normal” pós-pandemia.
Ele afirmou que nenhuma pandemia causou tanto medo, mas minimizou a letalidade da Covid-19 e as formas de contágio.
“Temos visto algumas resoluções espantosas, como bares na Itália onde pessoas usam chapéus de macarrão
—aquele isopor usado na piscina— para poder participar de um momento lúdico como tomar um café com amigos. E todas essas medidas têm endereço específico, que é o ‘new normal’”, disse Santos.
—aquele isopor usado na piscina— para poder participar de um momento lúdico como tomar um café com amigos. E todas essas medidas têm endereço específico, que é o ‘new normal’”, disse Santos.
O criador do Terça Livre afirmou que não há um debate público sobre como será o mundo no pós-coronavírus e sugere que há um “um controlador, um juiz, que tem o monopólio da discussão”.
Ele apontou a imprensa como esse ente controlador.
Nos quatro seminários, houve quem comparasse o uso de máscaras a hábitos desenvolvidos em campos de extermínio soviéticos sob a ditadura de Stálin.
Os palestrantes também discutiram as liberdades individuais diante das determinações de estados e municípios, efeitos sociais do isolamento prolongado e tensões entre movimentos políticos nacionalistas e multilateralistas.
Na gestão do chanceler Ernesto Araújo, seguidores e alunos do escritor Olavo de Carvalho tomaram espaços antes reservados nos debates a diplomatas e professores de relações internacionais.
A guinada à direita da Funag foi promovida pelo presidente da instituição, Roberto Goidanich, ministro de segunda classe do Itamaraty. Ele assumiu o órgão em março do ano passado e, desde então, alinhou os debates ao olavismo.
As conferências com atores conservadores começaram em 2019. Elas, porém, ganharam um fôlego renovado durante a pandemia da Covid-19.
A Funag, diz o ministério, busca oferecer à sociedade “uma visão abrangente que possa se somar a outras já amplamente difundidas”.
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