GRANDES ETAPAS DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DESDE 1945
Nesta quarta-feira, 13/04/2022, efetuei palestra para candidatos à carreira diplomática, como abaixo registrado, com o PP reproduzido em formato pdf já divulgado.
A palestra pode ser acessada no YT: https://www.youtube.com/watch?v=xpMbR6cQxWo
4129. “Grandes etapas da política externa brasileira desde 1945”, São Paulo, 13 abril 2022, 20 slides. Apresentação reproduzindo o texto dos trabalhos 4103 e 4106, com completação dada pelos anexos enviados. Divulgado na plataforma Academia.edu (https://www.academia.edu/76375339/4129_Grandes_etapas_da_politica_externa_brasileira_desde_1945_Palestra_Curso_Ubique_2022_).
Várias perguntas adicionais ficaram sem resposta no momento da palestra, que ultrapassou, ao que parece, 2hs, o que fiz neste complemento de informação a partir das perguntas enviadas ao final do evento.
Questões colocadas por alunos do Curso Ubique
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
No dia 13 de abril, prejudicado por uma conexão muito precária de internet, a partir de um hotel de passagem no estado de S. Paulo, a caminho de Brasília, fiz uma palestra para alunos inscritos no curso Ubique, candidatos à carreira diplomática. A despeito das condições péssimas de conexão (falei praticamente sem vídeo, depois me conectei por celular, com problemas de sonorização e novamente por computador, mas sem vídeo), creio que consegui transmitir o essencial de meus argumentos numa palestra entrecortada por interrupções, com a ajuda dos coordenadores do Curso Ubique, a quem cumprimento na pessoa de meu colega diplomata e amigo Paulo Fernando Pinheiro Machado. Aproveito para informar que coloquei minha apresentação utilizada na palestra oral na plataforma Academia.edu (no link: https://www.academia.edu/76375339/4129_Grandes_etapas_da_politica_externa_brasileira_desde_1945_Palestra_Curso_Ubique_2022_). Nessa apresentação eu listei o material suplementar, informativo, documental e bibliográfico, que ofereci previamente aos alunos, constando de cronologias sobre a política internacional, sobre o contexto regional e a diplomacia brasileira, acompanhada de listagem seletiva da produção acadêmica em relações internacionais e em política externa do Brasil, no período de 1945 a 2022, ademais de uma relação completa dos livros publicados pela Funag (muitos já disponíveis livremente).
A despeito de ter respondido inúmeras perguntas oralmente no tempo que se seguiu à palestra inicial – o que poderá ser conferido pelo vídeo do evento, a despeito das diversas imperfeições da gravação, por culpa de minha conexão – faltou tempo para responder a todas elas, tendo eu solicitado a transcrição daqueles que permaneceram sem comentários. Tendo recebido estas poucas questões, vou tentar responder concisamente a cada uma delas, para poder atender aos alunos que não foram contemplados com respostas minhas às suas demandas. Havendo outros poderia igualmente responder.
Gabriel Perez:
1. Embaixador, poderia falar um pouco, por favor, sobre a política externa do Brasil com a China, Rússia e EUA e se o Brasil conseguirá ficar no muro, tentando agradar a gregos e troianos?
PRA: Não creio que ajudaria muito os candidatos à carreira diplomática se eu transmitisse a minha opinião pessoal sobre essa questão, pois tenho uma postura muito firme a esse respeito, aliás embasada nas tradições diplomáticas brasileiras.
Posso, em contrapartida, repetir as alegações oficiais que devem ser “repetidas”, como bons alunos enquadrados na versão oficial, sobre o que responder, se questões desse teor vierem a ser objeto de questionamento no concurso.
O que vale, como posição oficial da diplomacia brasileira, são os pronunciamentos e discursos feitos pelos representantes brasileiros no Conselho de Segurança, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, e convido TODOS os candidatos a lerem esses pronunciamentos oficiais, integralmente, tal como disponíveis no site do Itamaraty, e a se guiarem pelos conceitos e cada umas das justificativas ali registrados. Os países membros da comunidade internacional, não se guiam pelas declarações do presidente, feitas de maneira informal a seus admiradores congregados nas cercanias do Palácio da Alvorada, uma vez que tais declarações NÃO EXPRESSAM a posição oficial do governo. O mundo e os meios de comunicações devem se pautar pelas declarações oficiais contidas nos pronunciamentos e notas que o Brasil formulou oficialmente na ONU. O que foi dito no cercadinho da Alvorada não é oficial.
Basicamente o que o Brasil vem dizendo é essencialmente o seguinte. O Brasil “lamenta as hostilidades” e vem incessantemente instando as “partes em conflito a cessarem as hostilidades”, assim como disse que qualquer solução para o conflito passa pela “consideração das preocupações de segurança de todas as partes”. O Brasil aderiu às declarações submetidas e apoiadas pela grande maioria dos membros da ONU, mas se absteve de aderir às sanções anunciadas e aplicadas por parte da comunidade internacional, pelo fato de terem sido adotadas e implementadas unilateralmente, à revelia de uma decisão formal a esse respeito pelo CSNU e também se posicionou contrariamente ao fornecimento de armas à Ucrânia. As justificativas fornecidas foram as de que as sanções não resolveriam nada e só provocariam o agravamento da crise mundial trazida pela guerra e pelas próprias sanções; o fornecimento de armas à Ucrânia, por sua vez, “provocariam mais mortes e mais sofrimentos na população civil”.
Essencialmente, portanto, o Brasil continuou do lado do Direito Internacional, ao mesmo tempo em que não seguiu diretamente e expressamente os métodos utilizados pelos EUA e pela UE, que foram insistentes numa tomada de posição mais vigorosa do Brasil, pelo fato de se pautar exclusivamente por regras de consenso por parte da comunidade internacional, que neste caso se revelaram impossíveis de serem adotadas.
Estes são os dados da questão, tal como oficialmente expressos nas instâncias da ONU e alguns de seus órgãos, como o Conselho de Direitos Humanos, por exemplo. Se ouso expressar uma opinião própria sobre o assunto, diria que se a trata de um sutil distanciamento em relação ao que vem sendo dito, de maneira praticamente informal, por responsáveis políticos que já se manifestaram sobre a questão, através da imprensa, por exemplo. Palavras ou declarações de “solidariedade”, depois de “imparcialidade”, ou de “neutralidade”, quando não de “equilíbrio”, podem ter sido expressas com o objetivo de não causar fricções das relações do Brasil com quaisquer partes no conflito ou países mais vocais nesta grave questão. Daí a oposição a determinadas medidas mais duras – sanções, fornecimento de armas, expulsão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos – ou a abstenção em determinadas votações. A China, por exemplo, está observando uma discreta postura de apoio à Rússia, mas se abstendo em quase todas as votações feitas no âmbito da ONU.
Em outras oportunidades já expressei mais claramente minha posição em relação ao conflito, que foram divulgadas em meu blog Diplomatizzando, mas que valem apenas como postura pessoal, não convergente necessariamente com as posições oficiais do governo brasileiro ou do Itamaraty.
2. Embaixador, o suicídio de Vargas pode ter relação com a pressão dos EUA na política interna do Brasil?
PRA: Não, absolutamente. O segundo governo Vargas (1951-54) foi bastante positivo para os EUA, pois o Brasil assinou um Acordo de Assistência Militar bilateral e apoiou os EUA na maior parte das votações da ONU. Mas, o governo Vargas recusou participar da “operação de paz” na Coreia, aprovada por Resolução do CSNU (por cochilo da URSS, que estava sabotando o Conselho, depois que a China de Mao (RPC) não tomou o lugar da ROC, de Chiang Kai-Shek, recém deslocado a Taiwan.
Tanto o suicídio de Vargas, quanto o golpe de 1964 foram típicas crises civil-militares (mais induzidas pelos políticos do que pelos militares) que tiveram sua dinâmica própria, e totalmente nacionais, independentemente dos enfrentamentos globais no quadro da Guerra Fria. Os EUA faziam e fazem pressão quando governos adotam posturas que prejudicam os interesses globais dos EUA e os negócios de suas corporações. Fora isso, eles podem se acomodar com governo direitistas, esquerdistas, centristas, ditaduras de todas as cores, desde que os sacrossantos interesses de segurança e de negócios dos EUA não sejam comprometidos por medidas concretas adotadas por governos. Nesse caso, eles podem fazer pressões discretas ou abertas, dependendo do tipo de interlocutor com que lidam.
3. Embaixador, sabemos que daqui a algum tempo a China será a maior economia do mundo. Como o Brasil pode evoluir a ponto de ser menor protecionista e ter possível vantagem neste cenário?
PRA: O problema do Brasil é apenas um: vender o mais possível e ter saldos superavitários na balança comercial, condição essencial para um país que tem um déficit crônico na balança de serviços, e assim garantir um mínimo de equilíbrio nas transações correntes. O Brasil é protecionista desde praticamente o nascimento do Estado independente, sendo apenas constrangido pela “tarifa inglesa” saída do tratado comercial de 1810, feita por Portugal e prolongada na independência por pressão inglesa. Desde 1844, somos os mais protecionistas do planeta, tendo sido superados apenas pela Alemanha nazista nos anos 1930 e mais recentemente pela Índia e alguns outros países pobres. O problema da política comercial protecionista está entranhado na mentalidade das elites, e atualmente vem sendo sustentada pela nossa perda de competitividade dado o nível elevado de tributação existente no plano produtivo interno. Isso é um efeito de um Estado extorsivo, pois que dominado por elites atrasadas, um estamento político patrimonialista, corporações de Estado extremamente vorazes na sua sanha prebendalista e de um sistema de redistribuição de renda contra os criadores de riqueza e a favor dos rentistas que vivem do Estado, no Estado e dentro do Estado.
A China consegue ser competitiva no Brasil mesmo a despeito da proteção tarifária e da postura defensiva contra seus produtos – a maior parte dos processos antidumping aplicados pelo sistema de defesa comercial do Brasil é contra a China, e por motivos totalmente protecionista –, pois que ela tem o que o Brasil não tem: baixa carga fiscal, bom ambiente de negócios, inovação contínua, rede comercial extensa e outros atributos que a tornam uma das maiores, senão a maior das, economias de mercado do mundo. Não é só o Brasil que tem uma posição subordinada no comércio bilateral com a China, mas quase todos os demais países também. Quem dá as cartas na relação comercial é a China: ela importa o que quer, quanto quer, e muitas vezes impõe as condições de fornecimento e preço.
4. Embaixador, o não assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, sendo o Brasil o 6º membro na criação deste e recebendo como consolo abertura das assembleias, deixa claro que não somos relevantes?
PRA: O Brasil NUNCA foi relevante e foram poucos os episódios nos quais o Brasil contou para alguma coisa relevante no mundo: fornecedor de produtos relevantes, sim, mas não exclusivamente, e sua essencialidade só se revelou em períodos de guerra, por rompimento das linhas de suprimento em outros continentes. Tivemos um bom papel no teatro italiano da Segunda Guerra, mas nada que os americanos não tivessem podido resolver, com algum sacrifício adicional de homens, armas e tempo. Na Guerra Fria, não contamos para quase nada, a não ser, justamente, por não apresentar algum foco de insegurança estratégica para os EUA e os ocidentais de maneira geral. Até ajudamos um pouco, ao “neutralizar” alguns regimes esquerdistas na região (Bolívia, Chile, e alguns outros).
Eugênio Vargas Garcia tem um livro sobre o “6. Membro permanente”, mas isso não estava seriamente na mesa de negociações. Roosevelt queria diminuir o peso do colonialismo europeu, e não via a França com bons olhos, mas não creio que o Brasil teria passado no teste da capacitação militar para alguma necessidade de projeção externa em caso de necessidade.
Bruno Lima:
1. Embaixador, o Senhor pensa que a guerra na Ucrânia fortalece ou enfraquece a balança de poder mundial atual? Poderá haver o fim da Pax americana nessa atual conjuntura ou o fortalecimento da mesma?
PRA: Difícil dizer agora: depende das sanções e da nova postura anti-Rússia dos ocidentais ter condições de estrangulá-la economicamente a ponto de convertê-la antes do tempo em colônia econômica da China. Nunca existe uma balança fixa de poder, pois isso depende de estadistas e da dinâmica econômica de cada um dos grandes atores. No momento, estamos num fluxo de processos econômicos cujos contornos definitivos ainda não foram determinados. Uma coisa é certa: a Ucrânia se afastará da Rússia, vai aderir à UE em alguns anos, mas será um Estado falido durante muitos anos, dependendo de muito apoio financeiro para ser reconstruída. Se a Finlândia e a Suécia aderirem à OTAN, podem surgir novos dados para essa futura balança de poder, mas muito também depende da China.
A Pax Americana vinha se enfraquecendo, mas não se pode excluir uma nova retomada de seu antigo vigor, com somas gigantescas sendo desviadas para investimentos militares, o que vai atrasar mais um pouco o crescimento dos países pobres, que poderiam estar muito melhor numa Chimerica, numa complementaridade natural China-EUA, o que agora parece difícil.
Marina Oliveira:
1. Acredito que um dos maiores desafios da OCDE poderá ser a sustentabilidade. Isso poderá ocorrer?
PRA: Sim, já é, o que significa novos investimentos nessa busca do Santo Graal da sustentabilidade. Assim, como muito se fez, no passado, pelo controle da população nos países pobres, muito se fará agora, em prol da sustentabilidade, o que não vai alterar de maneira decisiva a posição e o bem-estar dos países mais pobres, que não possuem tecnologia para honrar os compromissos com essa nova obsessão mundial. Eles vão recolher mais recursos para sustentar florestas do que recebiam antes para ajuda alimentar e assistência social aos seus pobres. O mundo não é necessariamente mais racional; apenas atende a preocupações que estão na agenda das grandes economias. A OCDE será um dos vetores dessa nova obsessão, que é positiva em si, mas não muda o panorama mundial do não-desenvolvimento em grande parte da humanidade.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1430: 14 abril 2022, 6 p.
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