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sábado, 6 de fevereiro de 2021

Uma lágrima para Shozo Motoyama: 1940-2021 - Ana Paula Torres Megiani (USP)

 Conheci e interagi, em algumas oportunidades, com Shozo Motoyama, li seus livros e até resenhei alguns. Considero-o um acadêmico íntegro e devotado ao que sempre fez: a história e o estudo das ciências no Brasil.

A história da ciência por um cientista historiador: Shozo Motoyama (1940-2021)

Por Ana Paula Torres Megiani, historiadora e vice-diretora da FFLCH/USP

01/02/2021

No dia 26 de janeiro de 2021 a comunidade científica e acadêmica, uspiana e brasileira, perdeu um de seus mais reconhecidos membros, o professor doutor Shozo Motoyama. Nascido em 5 de janeiro de 1940, Shozo Motoyama era descendente de imigrantes japoneses do interior de São Paulo. Graduou-se em Física em 1967 e doutorou-se em Ciências em 1971 com uma tese acerca da lógica em Galileu Galilei, sob a orientação do professor Eurípedes Simões de Paula, pela então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde abraçou a História como ofício e profissão.

A partir de 1969, Shozo Motoyama foi, durante quatro décadas, um dos mais ativos docentes do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), onde defendeu a tese de livre-docência em 1976, tornou-se professor titular de História da Ciência em 1999 e aposentou-se em 2009. Após a aposentaria continuou a atuar intensamente no ambiente acadêmico e universitário, contribuindo de maneira incansável na orientação de pós-graduação, docência e produção científica, com mais de 20 dissertações de mestrado e 30 teses de doutorado realizadas sob sua orientação junto ao Programa de História Social da FFLCH. Atualmente era docente sênior do Departamento de História.



Shozo Motoyama – Foto: IEA/USP

A reforma da USP (1968) desmembrou a antiga Faculdade de Ciências e Letras em diferentes institutos e agregou áreas afins na atual FFLCH. Naquele contexto o curso de História, que contava com docentes renomados como Sérgio Buarque de Holanda, Eduardo D’Oliveira França, Emilia Viotti da Costa e o próprio Eurípedes Simões de Paula, se transformou em Departamento de História e recebeu dois importantes novos campos: a História da Ciência e a História da Arte – esta logo seria anexada a um novo instituto, a Escola de Comunicações e Artes (ECA). Para a História da Ciência a FFLCH trouxe dois novos docentes, sendo um deles do Instituto de Física, Shozo Motoyama. Para a professora Raquel Glezer, colega e amiga do professor Shozo no DH, “a presença do Shozo e sua atuação transformaram o campo da História da Ciência em um núcleo interdisciplinar que reunia docentes de quase todos os institutos e faculdades da USP, contribuindo assim para o avanço das relações interinstitucionais do Departamento de História e da própria FFLCH”. Desse modo, destaca a professora Glezer, “a área de História da Ciência passou a atrair tanto alunos para o processo de formação na pós-graduação, como docentes interessados na história de seu próprio campo”, permitindo a ampliação e adensamento das reflexões acerca da relação entre a Teoria da História e História da Ciência.

Shozo Motyama atuou também como formador de quadros acadêmicos em História do Conhecimento e Teoria da História, tendo orientado um grande número de pesquisadores em nível de mestrado e doutorado na USP, e sendo responsável pela abertura de uma nova área de pesquisa e atuação: a História da Ciência e da Técnica no Brasil, hoje consolidada e fortalecida no âmbito das mais diversas sociedades e associações de História e de Ciência.

Dentre as importantes contribuições que Shozo Motoyama legou à USP, está o Centro Interunidades de História da Ciência (CHC – http://chc.fflch.usp.br/), fundado por ele em 1988 e dirigido até sua aposentadoria em 2009. Sediado no edifício de Geografia e História da FFLCH (campus Butantã), o CHC acolhe e agrega docentes e pesquisadores das áreas de Filosofia, Física, Astronomia, Engenharias, Biologia, entre tantas outras. Preserva arquivos pessoais e institucionais relevantes para o estudo da História da Ciência e da Técnica no Brasil. Em âmbito nacional, sua atuação foi fundamental para a criação da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), em 1983. Internacionalmente, foi diversas vezes pesquisador convidado, com destaque para instituições japonesas como o Science and Engineering Laboratory da Waseda University e o Cosmic Ray Laboratory da University of Tokyo, além de responsável por inúmeras colaborações por meio de convênios e protocolos.

Shozo Motoyama foi também uma importante presença nas relações Brasil-Japão, tendo atuado como membro da diretoria do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros desde 1966 e presidente entre 2004 e 2019. Foi também diretor do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil durante os anos 1991-1997 e 2008-2009. Era membro-titular da cadeira nº 15 da Academia Paulista de História. Dedicou-se à história da imigração japonesa no Brasil, com publicações voltadas para o tema como o livro Sob o signo do sol levante, de 2011, que trata do tema antes da Segunda Guerra Mundial, e em 2016, em colaboração com o jornalista Jorge Okubaro, Do conflito à integração – uma história da imigração japonesa no Brasil, que cobre o período de 1941 até 2008. Ambas as publicações foram resultado de sua dedicação à Associação para Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil e ao Instituto Brasil-Japão de Integração Cultural e Social.

Publicou um grande volume de trabalhos, livros e artigos ao longo da carreira, dentre os quais destacam-se aqueles dedicados à história da USP, do CNPq e da Fapesp: Para uma história da Fapesp – marcos documentais, de 1999; 50 anos do CNPq contados pelos seus presidentes, de 2002; Construindo o futuro – 35 anos de pós-graduação da USP, de 2004; USP 70 anos – imagens de uma história vivida, de 2006; Fapesp 50 anos: meio século de ciência, de 2015, para citar apenas alguns. Organizou diversas obras coletivas, dentre elas a importantíssima História das ciências no Brasil, em três volumes, em parceria com Mario Ferri, publicada entre 1979 e 1981. Participou também em obras sobre a história da Fuvest e história da Escola Politécnica com Marilda Nagamini, parceira de muitos trabalhos.

Em tempos tristes como este em que vivemos, com a multiplicação de ataques obscurantistas e negacionistas à ciência, que não param de nos estarrecer, a memória e o legado de Shozo Motoyama necessitam ser difundidos e cultivados. Sua vida dedicada à docência, ao conhecimento e à universidade pública são grande estímulo e inspiração às novas gerações de pesquisadores que ingressam nas universidades do Brasil. A ciência no Brasil mudou sob o olhar crítico e investigativo de Shozo Motoyama. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e a Universidade de São Paulo rendem a ele as maiores homenagens e eterna gratidão. Muito obrigada, professor Shozo.