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segunda-feira, 3 de maio de 2010
Uma reforma agraria as avessas...
*André Meloni Nassar
O Estado de S. Paulo - Quarta-feira, 21 de Abril de 2010
Conforme citado no Estado, um bispo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) declarou, em recente evento organizado pela entidade, que a CPT tem a intenção de dar apoio a um plebiscito, a ser realizado ainda este ano, para avaliar o que a população brasileira acha de se impor um limite ao tamanho das propriedades rurais no País.
Sem entrar no mérito legal de uma decisão dessa natureza, caso ela viesse a ser adotada como consequência do resultado desse plebiscito, vale a pena discutir as questões econômicas que a ideia de restringir o tamanho das propriedades rurais suscita. O gancho que ela traz é o seguinte: Até que ponto vale a pena analisar a eficiência e a competitividade dos sistemas produtivos agropecuários com base nos diferentes tamanhos de propriedade rural?
As pistas para entender essa questão estão no Censo agropecuário de 2006. Diferentemente dos norte-americanos e europeus, que procuram estratificar tamanhos de propriedade de acordo com diferentes níveis de renda, aqui no Brasil nos acostumamos com grupos de tamanho físico de propriedades (ou grupos de área total, como definido pelo IBGE). Embora possamos adaptar o dado do censo para estratificar as propriedades com um critério de renda, é o critério de tamanho que é apresentado explicitamente nos resultados.
O censo de 2006 é inequívoco ao mostrar que, do ponto de vista de receita e margem bruta por hectare, as propriedades de menor e de maior porte - ou seja, aquelas nos grupos de área total inferior e superior - apresentam melhor desempenho, ao passo que aquelas de porte médio mostram desempenho inferior. Assim, qualquer decisão que viesse a limitar o tamanho das propriedades rurais no Brasil seria uma derrapada econômica tão grande como se houvesse uma proposta de limitar propriedades de pequeno porte.
O censo agropecuário divide as propriedades (ou estabelecimentos, como é definida a unidade produtiva pelo IBGE) em 18 grupos de área total, começando com aquelas inferiores a 0,1 hectare (ha) e terminando naquelas superiores a 2.500 hectares. Dada a dificuldade de entender o que significa um estabelecimento com menos de 0,1 ha, optamos por agregar os grupos em 9 estratos: até 10 ha; 10 a 20 ha; 20 a 50 ha; 50 a 100 ha; 100 a 200 ha; 200 a 500 ha; 500 a 1.000 ha; 1.000 a 2.500 ha; e acima de 2.500 ha (o primeiro estrato é fruto da agregação de nove estratos e, os demais, originais do censo).
Para analisar o resultado de cada grupo, trabalhamos os dados de receita e despesa total por grupo e calculamos receita e despesa por ha, calculando primeiro receita e despesa médias por estabelecimento no grupo e, a partir do tamanho médio em cada grupo (2,68 ha, no grupo de até 10 ha, e 4.129 ha, no grupo de acima de 2.500 ha, por exemplo), em segundo lugar, encontrando o indicador por hectare.
No caso da receita fizemos dois cálculos: a receita média por hectare em cada grupo a partir da receita total e da receita de produtos vegetais. Isso foi feito porque, como se sabe, a receita por hectare da pecuária extensiva de corte é bem inferior à receita das lavouras e tende a reduzir substancialmente a receita por hectare no grupo de área maior quando a receita é analisada pelo total.
Os resultados que encontramos são descritos a seguir. A receita total e a margem por hectare (a margem foi calculada pelo quociente da diferença entre receita e despesa sobre a receita) são mais altas no grupo de menor tamanho (até 10 ha, R$ 3.800/ha de receita) e vêm caindo até o grupo de 100 a 200 ha (R$ 666/ha). Fica constante nas propriedades entre 200 a 2.500 ha, na menor faixa de receita (ao redor de R$ 550/ha), e volta a subir no grupo de área acima de 2.500 hectares (R$ 706/ha).
Fazendo o mesmo raciocínio, mas avaliando apenas a receita oriunda dos produtos vegetais, a magnitude dos números muda um pouco, mas a tendência segue a mesma, ou seja, a receita vem caindo das propriedades de menor porte para as propriedades de porte médio e volta a subir nas propriedades de maior porte, demonstrando que, do ponto de vista de receita por hectare, as propriedades de porte médio são aquelas menos eficientes. Neste caso, no entanto, são as propriedades entre 50 e 1.000 hectares que mostram os níveis mais baixos de receita.
As propriedades entre 50 e 2.500 hectares representam 16,4% do total de estabelecimentos rurais, 57% da área total dos estabelecimentos e 42% do valor da produção total do setor agrícola. Já as propriedades inferiores a 50 ha representam 78% do total de estabelecimentos, 13,4% da área total dos estabelecimentos e 40% do valor da produção. Do outro lado, os estabelecimentos acima de 2.500 hectares são 0,3% do total de estabelecimentos, 30% da área total e 17% do valor da produção.
Esses números mostram que as propriedades que apresentam a menor eficiência, pelo menos em termos de receita por hectare, são aquelas mais importantes em área e valor da produção.
Essa análise revela dois fatos. O primeiro é que existe uma agropecuária de pequena escala e de valor agregado que foi capturada pelo censo agropecuário na elevada renda das propriedades inferiores a 10 hectares. O segundo é que existe uma agropecuária que demanda mais terra e que apresenta economias de escala e, portanto, módulos maiores são necessários para garantir maior competitividade.
Essas agropecuárias não se misturam, porque operam com produtos distintos e atuam em mercados diferentes. No entanto, entre elas existe uma agropecuária que, quando atua no mesmo segmento desse de elevada escala, tende a ser menos competitiva. O censo nos diz que é o segmento de média propriedade que precisa de maior atenção, não somente porque é menos competitivo, mas porque é muito importante. Limitar o tamanho das propriedades, portanto, poderá até agravar o problema.
* Diretor geral do ICONE (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais). E-mail: amnassar@iconebrasil.org.br