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domingo, 23 de junho de 2013

Companheiros tentando remendar a heranca maldita de companheiros - Rolf Kuntz

O tamanho da herança maldita deixa pelo companheiro anterior à companheira sucessora, a quem o anterior não hesita em chamar de poste e tratar como tal, é proporcional ao tamanho do Brasil, embora o outro companheiro encarregado das finanças diga que é do tamanho das reservas internacionais.
Não tenho certeza de que reservas de 370 bilhões de dólares possam suportar por muito tempo um déficit de transações correntes anualizado na casa de 60 ou 70 bilhões de dólares, tanto porque, quando chega nesse nível as coisas se precipitam, a fuga de capitais se acelera, e a inflação dispara...
Ou seja, se trata de uma herança maldita para ninguém botar defeito.
Dá para ter dó do poste?
Acho que não!
Quando o companheiro neoliberal (o único) que ocupava a fazenda pós-tucana (mas ainda tucana em espírito e procedimentos) propôs um forte ajuste fiscal, para zerar o déficit nominal, a antiga responsável da Casa Civil que depois viraria posta disse que se tratava de uma "coisa rústica" e recusou qualquer contenção das despesas públicas.
O castigo não veio a cavalo porque tudo na república dos companheiros anda a passo de lesma, mas neste caso a China continuou ajudando o Brasil durante um bom tempo mais.
Agora que a China também começa a se arrastar, os companheiros e companheiras correm o risco de ficar de pincel na mão...
Não foi por falta de aviso, inclusive aqui mesmo: posso até repescar antigos posts desses anos de abundância para relembrar os alertas então feitos.
Demorou, como a Justiça brasileira, mas parece que não vai falhar, como ela frequentemente falha.
A economia é cruel, e não por outra razão ela se chama a ciência lúgubre...
Paulo Roberto de Almeida

Dilma no inferno da Standard and Poor's, das pesquisas e passeatas
ROLF KUNTZ *
O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 2013

O Brasil de dona Dilma vai mal quando cai o dólar, vai mal também quando sobe. É um país invejável. Em todo o mundo, oscilações das moedas principais podem causar tensão e mexer com as bolsas, mas neste país o desarranjo tem sido maior. Em tempos de valorização, o real dispara. Diante da política frouxa no mundo rico, ninguém falou tanto quanto as autoridades brasileiras em tsunami monetário e em guerra cambial. Se o sinal se inverte, como nos últimos dias, a depreciação do real também é maior, como na quinta-feira. Em nenhum outro mercado o dólar chegou a subir 2,45%. A grandeza é a marca nacional. "Temos muita bala na agulha", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurando tranquilizar os brasileiros enquanto crescia a turbulência nos mercados. Até o arsenal de intervenção é superior. Nas armas comuns, a conta é uma bala por agulha.

Quanto ao volume de reservas, US$ 376,11 bilhões no dia 19, o ministro Mantega tinha razão. O governo dispõe de bom volume de moeda estrangeira para combater a variação excessiva do câmbio. Mas nem sempre isso basta. Na quinta-feira, o Banco Central ofereceu cerca de US$ 3 bilhões, com escasso resultado. Numa crise prolongada, as reservas se perdem e sai vitorioso quem joga contra a moeda nacional.
É cedo para saber quando os mercados se acomodarão e onde estará o real nesse momento. De toda forma, o governo daria um passo no rumo certo se reconhecesse o mau estado da economia, a tendência de piora de vários indicadores e a vulnerabilidade do País.
O pessoal da Standard & Poor's explicou direitinho por que impôs um viés negativo à perspectiva econômica do País. Os economistas da Moody's também justificaram tecnicamente a decisão de reavaliar a economia brasileira. Não é preciso, no entanto, ter alguma formação econômica para perceber muita coisa fora dos eixos. O alerta das agências de classificação de risco e a perda de popularidade mostrada nas pesquisas sobre o governo apareceram praticamente ao mesmo tempo. Simples casualidade? É difícil e arriscado sustentar essa hipótese, especialmente quando se consideram as reivindicações apresentadas nas passeatas - muito mais amplas que a mera exigência de redução das tarifas de transporte público.
Na quinta-feira, dirigentes do PT conclamaram militantes para entrar nas passeatas com camisas vermelhas e bandeiras do partido. Tentaram e foram rechaçados. Boa parte dos envolvidos nas marchas deve ter votado, no entanto, em Lula, em Dilma e em vários de seus companheiros, incluídos alguns postes. Não está claro se perceberam, mas vários protestos - alguns dos mais notáveis - foram contra iniciativas e políticas federais dos últimos dez anos. Pessoas de espírito mais prosaico já haviam classificado como irresponsabilidade o compromisso de organizar e hospedar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Já haviam chamado a atenção, há anos, para o atraso das obras, para o aumento dos custos e o risco de bandalheiras, quando fosse preciso compensar o tempo perdido. A organização Contas Abertas, especializada no acompanhamento das finanças públicas, atualizou com frequência os valores comprometidos e as previsões de desembolso. Quem quisesse poderia acompanhar pela internet, sem maior esforço, a formação de mais um imbróglio financeiro e econômico. Novos gastos, alguns muito pesados e de relevância mais que discutível, foram postos no alto da escala de prioridades, tornando mais bagunçada uma gestão pública já muito ruim.
A perda de tempo e boa parte do encarecimento das obras decorreram de um escandaloso desleixo do governo. Nada, ou quase nada, foi feito no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele batalhou com empenho para trazer as competições ao Brasil e foi vitorioso em 2007. A partir daí, parece haver esquecido o assunto. O trabalho duro ficou para o governo seguinte, já herdeiro de uma inflação elevada, de uma economia com baixo padrão de investimentos e de contas externas em situação de risco. Os dados básicos são claros:
1. Nos dois primeiros anos do novo governo o produto interno bruto (PIB) ficou estagnado, com expansão de 2,7%, em 2011, e 0,9%, em 2012. O quadro continua feio em 2013, mas a obrigação de gastar com a Copa e com os Jogos Olímpicos permanece em pé.
2. Enquanto isso, pioram as contas públicas, arrasadas pela gastança, pela multiplicação irresponsável de incentivos fiscais improvisados e também de transferências do Tesouro para os bancos federais. A grande preocupação do governo, nessa área, é inventar meios de continuar fingindo fidelidade à política de metas fiscais. Os truques contábeis empregados até há pouco tempo já foram escrachados.
3. A inflação tem recuado ligeiramente, mas a parcela de itens com elevação de preços ainda supera 60%. A desinflação dos alimentos terminou e os grandes fatores inflacionários, como a gastança federal, permanecem.
4. O Banco Central refez as projeções das contas externas e elevou de US$ 67 bilhões para US$ 75 bilhões o déficit em conta corrente esperado para 2013. As exportações, nesse quadro, serão 2,22% maiores que as do ano passado. As importações aumentarão 7,97% e o superávit comercial diminuirá 63,93%, de US$ 19,41 bilhões para US$ 7 bilhões.
Que fazer? Há uma pauta evidente na área dos investimentos, na tributação (até agora sujeita a remendos mal escolhidos e mal costurados), na educação (com a redefinição urgente de padrões e prioridades) e no campo da tecnologia. Na hora do aperto, no entanto, a presidente corre para ouvir seu padrinho, guru e conselheiro mor da República e da Prefeitura de São Paulo, como se ele fosse inocente da maior parte dos grandes problemas de hoje, incluído o abacaxi multibilionário dos grandes jogos.

* ROLF KUNTZ É JORNALISTA. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Uma no cravo, outra na ferradura - Rolf Kuntz (Estadao)

O governo acerta uma, e tropeça em várias outras, como revelado no post anterior: a despeito da correção de rumos no BC, o governo continua comprometendo recursos do Tesouro com estímulos ao consumo. Continua o ativismo keynesiano...
Paulo Roberto de Almeida

Cinco boas novas, mas com muitas ressalvas

11 de junho de 2013 | 16h41
Rolf Kuntz
Junho começou com cinco notícias positivas – ataque mais firme à inflação, promessa de prioridade ao investimento, sinais de recuperação na indústria, melhora na balança comercial e pressão empresarial por mais e melhores acordos de comércio. Apesar disso, a Standard & Poor’s mudou de estável para negativa a perspectiva do País, alegando baixo crescimento e gasto público excessivo. Convém conferir as novidades positivas.
1) O Banco Central (BC) aumentou os juros, aparentemente com a concordância da presidente Dilma Rousseff. O novo aumento foi o dobro do anterior. O aperto pode ajudar a restabelecer a imagem de uma política autônoma e baseada em critérios técnicos. A noção de autonomia operacional do BC havia sido prejudicada nos últimos dois anos. A recuperação, se ocorrer, provavelmente ainda levará algum tempo, mas a primeira providência foi tomada.
Mas pode-se perguntar se o novo aperto, iniciado em abril, é justificável, quando o consumo das famílias parece estagnado. Afinal, cresceu no primeiro trimestre apenas 0,1% em relação aos três meses finais de 2012. Esse argumento é enganador.
Entre janeiro e março o consumo das famílias foi 2,1% maior do que havia sido um ano antes, enquanto a produção industrial foi 1,4% menor. O consumo do governo superou por 1,6% o de janeiro a março de 2012. Bastariam esses dados para mostrar um grave desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado interno.
A diferença resultou em aumentos de preços e de importações. Além disso, a expansão trimestral do consumo privado foi a 39.º consecutiva, impulsionada pela expansão da massa de salários e do crédito. Em vista da demanda, a ação do BC é plenamente defensável. Mas a eficácia será prejudicada se a política fiscal continuar expansionista. A perspectiva é de mais um ano sem realização integral do superávit primário e de novas transferências do Tesouro às estatais – como os novos aportes de R$ 15 bilhões para o BNDES e R$ 15 bilhões para a Valec.
2) A cúpula federal resolveu, segundo informação da última semana, atribuir ao investimento a função de motor principal do crescimento. Para isso será necessário, entre outras providências, apressar a execução do programa de concessões na área de infraestrutura, anunciado em agosto de 2012 e até agora empacado.
A revisão da estratégia, se for real, resultará do mero reconhecimento de um fato bem visível: embora ainda supere a capacidade interna de oferta, o consumo perdeu dinamismo. Seu papel como estimulante do crescimento esgotou-se – e provavelmente já estava esgotado em 2012. Além disso, o descompasso entre consumo e produção industrial era evidente há mais tempo, mas o governo desprezou esse dado.
A expansão do investimento dependerá tanto do governo quanto do setor privado. Do lado governamental, a tarefa só será cumprida se a administração de programas e projetos melhorar consideravelmente. Há muitos anos o governo mal consegue desembolsar 50% ou 60% das verbas orçamentárias previstas para investimento.
Entre as estatais, a Petrobrás tem sido responsável por uma fatia entre 80% e 90% do total investido. Mas também suas operações ficam menos bonitas quando examinadas de perto. Basta lembrar a queda de produção, o aumento da importação de combustíveis e lubrificantes e o mau negócio da Refinaria Abreu e Lima. Daí o programa de desinvestimentos.
3) A produção industrial em abril foi 1,8% maior que em março e 8,4% superior à de um ano antes. De janeiro a abril, ficou 1,6% acima da registrada nos primeiros quatro meses de 2012. Em 12 meses, no entanto, ainda foi 1,6% menor que no período anterior. A melhor parte dessa notícia é a evolução do setor de bens de capital. Em abril os fabricantes de máquinas e equipamentos produziram 3,2% mais do que em março e 24,4% mais do que um ano antes. Mas ainda houve uma queda de 4,4% no acumulado em 12 meses. O setor ainda nem se recuperou do tombo de 2012. A continuidade da recuperação dependerá da confiança dos empresários e, em proporção menor, das possibilidades de exportar. Somando-se os projetos públicos e privados, o investimento continuará, quase certamente, abaixo de 20% do PIB, uma miséria.
4) Há sinais de melhora na balança comercial, com superávit de US$ 760 milhões em maio, mas o acumulado no ano ainda foi um déficit de US$ 5,4 bilhões. Este resultado e o desempenho da indústria, ruim em 2012 e ainda em lenta melhora, estão claramente vinculados. É cedo para afirmar se o saldo continuará a crescer. De toda forma, o superávit de US$ 15 bilhões previsto pelo BC só será alcançado com um saldo mensal de US$ 2,9 bilhões até o fim do ano. Acredite quem quiser.
5) Setores da indústria começam a discutir e até a cobrar do governo medidas para uma inserção mais ampla do Brasil nos acordos bilaterais e interregionais de comércio. Reagem, finalmente, a eventos como a formação da Aliança do Pacífico, integrada por Chile, Peru, Colômbia e México, e às negociações das Parcerias Transpacífico e Transatlântica, ambas com participação dos Estados Unidos e de grandes e médias potências comerciais. Acordos parciais de comércio já aumentavam antes da interrupção da Rodada Doha e depois passaram a multiplicar-se mais velozmente, enquanto o Brasil continuou preso a um Mercosul estagnado e a alguns pactos pouco relevantes.
Para o Brasil, um resultado comercial relativamente modesto neste ano significará um déficit maior em transações correntes, provavelmente superior a 3% do PIB. Não será um desastre, mas a tendência é preocupante. Se o Banco Central continuar disposto a combater a inflação, os riscos à frente poderão ser menores, mas o aperto monetário dificilmente compensará o previsível desarranjo fiscal. O governo parece ter percebido o custo político da inflação, mas ainda se mostra disposto a pagar caro, por outros meios, pela reeleição.

domingo, 19 de maio de 2013

Existe alguma nova receita de crescimento? - Rolf Kuntz


Hora de mudar o jogo do crescimento

O Estado de S.Paulo, 18 de maio de 2013
ROLF KUNTZ *
E se os ventos mudarem? Entre 2003 e 2012, o crescimento econômico da América Latina, e especialmente do Brasil, foi puxado por uma combinação de bons preços de matérias-primas, acumulação de capital físico e aumento da mão de obra ocupada na produção. Também houve ganhos de produtividade, mas sua contribuição para o avanço econômico foi muito menor que o da acumulação de fatores. Depois de uma década brilhante, a região poderá enfrentar condições bem menos favoráveis no mercado global de produtos básicos. Se isso ocorrer, será muito mais difícil manter a prosperidade sem aumentos significativos de eficiência. O alerta apareceu há pouco tempo no blog do mexicano Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Por trás dessa advertência há uma porção de cálculos dos economistas Sebastián Sosa, Evridiki Tsounta e Hye Sun Kim, autores de um estudo sobre a expansão da economia regional nas duas últimas duas décadas. O interesse do trabalho foi essencialmente prático: estimar se o crescimento observado na recente fase de prosperidade será sustentável até 2017. A resposta sugere mudanças importantes na estratégia de crescimento.
Entre 2003 e 2012 a economia da maior parte da América Latina cresceu pouco mais que 4% ao ano. A média de Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai chegou a 4,4%. Esse crescimento foi decomposto pelos autores do estudo em três parcelas: a acumulação de capital contribuiu com 1,7 ponto, a adição de mão de obra, com 2 e a produtividade total dos fatores, com 0,7. O Brasil cresceu em média 3,3% ao ano durante esse período. Essa expansão resultou da soma de 1,3 ponto do investimento em capital físico, 1,9 da incorporação de trabalhadores e apenas 0,1 de ganho de eficiência. Este último componente, a produtividade total de fatores, corresponde à diferença entre o crescimento econômico observado e as taxas ponderadas de expansão dos fatores capital e trabalho. De forma simplificada: se os fatores de produção adicionados são insuficientes para explicar a expansão do produto interno bruto (PIB), a diferença deve ser atribuível a um aumento da produtividade.
A ideia de resíduo, logo traduzida em termos de progresso técnico, apareceu num estudo de Robert Solow, publicado em 1957, sobre a evolução da economia americana. A partir daí, economistas produziram enorme número de trabalhos para tentar detalhar e tornar mais claro esse conceito de progresso técnico. O ganho geral de produtividade pode estar associado a uma ampla variedade de inovações. Isso inclui, entre outras possibilidades, a invenção e a alteração de equipamentos, as muitas aplicações do conhecimento científico à produção, a formação de capital humano, as mudanças de organização e processo, os ganhos de escala e também a racionalidade da alocação de recursos. Pode-se esperar, de modo geral, uma associação entre os ganhos gerais de produtividade, as taxas de investimento em capital físico e a qualidade das políticas educacionais.
Segundo os autores do novo estudo publicado pelo FMI, os países latino-americanos dificilmente manterão taxas de crescimento parecidas com as da última década sem alterações importantes em suas políticas. Se tentarem prolongar a estratégia recente, o crescimento potencial da região deverá cair entre 2013 e 2017 para a vizinhança de 3,5% ao ano. A mobilização dos principais fatores determinantes do crescimento entre 2003 e 2012 deverá ficar mais difícil nos próximos anos, advertem os três economistas. Haverá menos recursos para investimento em capital fixo se o financiamento estrangeiro se normalizar (isto é, ficar menos favorável) e os preços dos produtos básicos se estabilizarem ou caírem. Além disso, alguns fatores naturais deverão limitar a contribuição da mão de obra para o crescimento econômico: 1) envelhecimento da população; 2) menos espaço para aumento das taxas de participação na força de trabalho, já muito elevadas pelos padrões internacionais; 3) menor possibilidade de elevação das taxas de emprego, depois de anos de redução do desemprego. Enfim, acrescentam os autores, uma contribuição mais forte do capital humano exigirá uma considerável melhora dos padrões educacionais.
O crescimento econômico latino-americano, observou Alejandro Werner, foi favorecido também pela melhora das políticas fiscais e pelo controle da inflação, mantida em níveis razoavelmente baixos por um longo período. Desde os anos 1990, poderia acrescentar o economista, as crises tornaram-se muito menos frequentes e a região passou a depender muito menos da ação de pronto-socorro do FMI. Mas ainda é preciso - dirigentes e técnicos do Fundo têm repetido esse aviso - consolidar os ganhos na área fiscal e aumentar as taxas nacionais de poupança e de investimento, mesmo sem a pretensão de igualar os padrões encontrados nas economias mais dinâmicas da Ásia.
Todas essas advertências valem especialmente para o Brasil, com ou sem avaliações técnicas do FMI. Segundo o estudo, o capital cresceu 4% ao ano entre 2003 e 2012 na média dos seis países incluídos no grupo do Brasil. No Brasil a expansão ficou em 2,7%. A diferença é facilmente explicável pela baixa taxa brasileira de investimento, raramente superior a 18% do PIB. No período, a produtividade total dos fatores aumentou em média 0,7% ao ano nos demais países. No Brasil, 0,1%.
O governo conhece todas essas deficiências. O esforço para mudar a política dos portos é uma de suas raras tentativas sérias para tornar o País mais produtivo. A demagogia educacional, a tolerância à inflação, a timidez nas mudanças tributárias, o abandono da responsabilidade fiscal e a hesitação nas parcerias com o capital privado têm mais que anulado as melhores iniciativas. Seriedade também é fator de produção.
* ROLF KUNTZ É JORNALISTA.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

bRICS?: Um dos BRICS falha no destino glorioso da sigla: adivinhe qual...

Um Bric sem rumo e sem estratégia

O Estado de S.Paulo, 6 de maio de 2013
Rolf Kuntz

O economista Jim O’Neill parecia ter feito uma boa aposta quando inventou a sigla Bric, em 2001, para indicar quatro países – Brasil, Rússia, Índia e China – com potencial para mudar o equilíbrio global e ultrapassar as maiores nações capitalistas em algumas décadas. Só parece ter esquecido ou negligenciado um detalhe: a qualidade da política. Isso inclui a capacidade de fixar metas, identificar obstáculos e desenhar estratégias sem tropeçar em preconceitos e sem sobrepor interesses de curto prazo – partidários e até pessoais – às ações de longo alcance.
Os estragos impostos à Petrobrás, agora forçada a desinvestir para fazer caixa, bastariam para mostrar o ponto fraco da avaliação de O’Neill. Mas a coleção de provas é muito maior e é enriquecida, dia após a dia, pelo empenho do governo em demolir os fundamentos da economia brasileira. A piora das contas externas, a erosão fiscal, a tolerância à inflação e a estagnação dos investimentos são indisfarçáveis.
O esforço de recuperação da Petrobrás pela nova administração apenas começou. A empresa realizou maus investimentos, negligenciou a produção, perdeu dinheiro com preços controlados e foi convertida irresponsavelmente em instrumento de política industrial. Para cumprir integralmente esse papel seria forçada a deixar seus objetivos empresariais em plano inferior. O aumento da importação de combustíveis e lubrificantes – de janeiro a abril 28,4% mais que em igual período do ano passado – é uma das consequências desses erros. A decisão de vender a participação de 20% em seis blocos exploratórios no Golfo do México é outra. Isso é apenas parte do desinvestimento necessário.
A autossuficiência no setor de petróleo, alardeada no tempo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é agora prevista para 2020. Deixou de constar do repertório de bravatas oficiais. Mas a expansão das importações da Petrobrás é só um dos componentes negativos da balança comercial. Erros semelhantes aos cometidos na gestão da estatal ocorreram em muitas outras áreas.
Os itens mais importantes de uma política de longo prazo foram substituídos por ações eleitoreiras e pela distribuição de favores a favoritos da corte. Gastou-se muito para salvar algumas empresas em dificuldades – só as escolhidas, é claro. Sem critério estratégico, aplicaram-se bilhões na formação de grandes vencedores nacionais, em alguns casos com notáveis prejuízos. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nunca errou tanto. Ao mesmo tempo, a infraestrutura entrou em colapso. Pequenos apagões – alguns nem tão pequenos – tornaram-se rotineiros, afetando às vezes vários Estados. O setor de transportes entrou em pane, mesmo depois da faxina parcial no ministério em 2011. Neste ano, mais uma vez o agronegócio teve dificuldade para embarcar seus produtos, enquanto navios se enfileiravam ao largo e importadores ameaçavam cortar encomendas.
No ano passado o investimento em máquinas, equipamentos, construção civil e obras de infraestrutura foi 4% menor que em 2011. Governo e empresários projetam para este ano um aumento, mas, ainda assim, o total investido provavelmente ficará abaixo de 20% do produto interno bruto (PIB), muito abaixo do mínimo necessário para desatolar a economia, A meta oficial é algo em torno de 24%, mas esse nível, segundo projeção do governo, só deve ser alcançado em mais ou menos cinco anos.
A perda geral de eficiência e de competitividade é evidente no comércio exterior. Entre janeiro e abril o País faturou US$ 71,47 bilhões com a exportação, 3,1% menos que no primeiro quadrimestre do ano passado, pelas médias diárias. Enquanto isso, o valor importado, US$ 77,62 bilhões, foi 10,1% maior que o de igual período de 2012, pelo mesmo critério. O saldo comercial, um déficit de US$ 6,15 bilhões em quatro meses, é de longe o pior em muitos anos e produzido basicamente por erros cometidos internamente.
O Brasil tem perdido espaço em seus principais mercados, incluídos China, Estados Unidos, União Europeia e Argentina, embora esses países tenham aumentado suas importações totais. Ao mesmo tempo, concorrentes estrangeiros continuam conquistando fatias do mercado brasileiro, apesar das barreiras criadas pelo governo.
O aumento do déficit em transações correntes é uma das consequências da erosão do saldo comercial. O buraco formado em 12 meses passou de 2,05% do PIB em março de 2012 para 2,93% um ano depois. Não é um desastre, mas a piora é rápida e a tendência é clara. Basta ver o descompasso entre exportação e importação de mercadorias.
Do lado fiscal, o governo proclamou a decisão de jogar as metas de superávit primário para segundo plano, em troca de uma política anticíclica. Mas isso é coisa de governos sérios e disciplinados: economizar nos tempos bons e gastar mais quando a economia fraqueja. O padrão brasileiro é outro. Consiste em gastar sempre, por motivos políticos e porque o Orçamento é cada vez mais engessado. O recente anúncio da nova orientação pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, apenas oficializa o abandono da responsabilidade fiscal e a opção pela farra nas finanças públicas. Quanto às desonerações, são uma coleção de remendos mal feitos e desarticulados. Política tributária é outra coisa.
A irresponsabilidade fiscal é irmã da tolerância à inflação. Quem quiser negar essa tolerância terá de explicar por que o governo mantém desde 2005 a meta de 4,5% com a escandalosa margem de dois pontos. Países emergentes com governos respeitáveis têm adotado metas bem mais severas. Ainda é preciso esperar para saber se o recente aumento de juros pelo Banco Central foi o início de uma mudança. Por enquanto, o mais seguro é duvidar.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Oh, ceus! O que fizeram da minha inflacaozinha?: tribulacoes de umapolitica economica esquizofrenica...

Parece aquele velho jogo do cabo de guerra entre crianças: cada bando puxa para o seu lado, até que algum esperto solta a corda e todo mundo cai do outro lado...
Loucura? Certamente! Mas arrogância e autossuficiência também...
Paulo Roberto de Almeida

Aumentam as distorções
O Estado de S.Paulo, 1 de maio de 2013
Celso Ming

Até agora, as distorções da economia brasileira eram percebidas dentro do governo mais como consequência das mudanças estruturais do que da deterioração dos seus fundamentos. Essa convicção está sendo abalada.

A atual combinação de políticas não vem conseguindo assegurar o crescimento esperado do PIB do Brasil, de 3,5% a 4,0% ao ano, e, ao mesmo tempo, produz inflação que, em 12 meses, ameaça saltar para acima dos 6,0%. Afora isso, o investimento ainda se mantém fraco demais. Esses são os principais sintomas de desequilíbrio.

Enquanto prevaleceu dentro do governo o ponto de vista de que esses desarranjos são momentâneos e que não passam de desdobramentos inevitáveis da derrubada dos juros e do avanço da política distributiva (transferências para o setor privado), a atitude dos administradores da economia do Brasil era esperar pela virada, dada como certa. Mas essa virada não veio. E o governo se aflige agora com a incapacidade de entregar o prometido.

Neste clima, o miolo do governo Dilma passou a divergir tanto no diagnóstico quanto na ação. Para as autoridades do Ministério da Fazenda, falta consumo – conclusão inexplicável diante da expansão das vendas ao varejo, superior a 7% em 12 meses, e da situação inédita de pleno emprego.

O Banco Central, por sua vez, entende que o problema é a incapacidade de oferta do setor produtivo. Mas não é claro na análise dos fatores que concorrem para isso, provavelmente por lhe faltar autonomia e não querer polemizar com as demais áreas do governo.

O fato é que a indústria nacional está desencorajada. Já não vinha conseguindo superar sua falta de competitividade e, neste momento, tem de enfrentar a alta progressiva dos custos da força de trabalho.

Mas o que pesa mais na prostração do setor é a ausência de confiança. O empresário brasileiro sente que os resultados de sua atividade são baixos em relação às suas expectativas e começa a suspeitar de que há alguma coisa errada na política econômica: a inflação derruba o câmbio real e o mercado do seu produto; e deteriora-se a já baixa capacidade de competição de sua empresa. Essa é a principal razão pela qual não se anima a investir.

Por enquanto, a principal resposta tática do governo para esse déficit de resultados é o acirramento da gastança, tratado eufemística e enganosamente como política fiscal anticíclica – já inserida no novo contexto eleitoreiro que toma corpo no Brasil.

É provável que as notórias contradições entre o que pensam e o que fazem o Ministério da Fazenda e o Banco Central tendam agora a se acirrar, ainda mais caso não haja reação satisfatória do sistema produtivo e se a inflação não recuar, o que aparenta ser mais provável.

A piora das condições da economia brasileira tem tudo para transformar-se em prato principal do debate político, sobretudo agora que começam a aparecer rachaduras na base de apoio do governo. A pré-candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e os discursos pronunciados nesta quarta-feira, nos festejos do Dia do Trabalho, são indicação disso.

CONFIRA
Inflaçãozinha a mais… Ainda subsiste dentro do governo Dilma – e mesmo entre economistas independentes – o ponto de vista de que a importância dada a inflação está sendo exagerada. No entanto, o crescimento das reivindicações pela instituição de gatilhos e pela reindexação dos salários deveria ser bom motivo para convencer aqueles que seguem pensando que uma inflaçãozinha a mais não tem importância.

Conflito distributivo. A redução das vendas da Ambev (cervejas) e da BRF (carnes) mostra como a inflação está atacando o poder aquisitivo do consumidor. Compõe com a nova rodada de reivindicações salariais uma situação de acirramento do conflito distributivo, que, num ambiente eleitoral, tende a abrir a guarda do governo.

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O mundo de sombras da meta de inflação
O Estado de S.Paulo, 30 de abril de 2013
Rolf Kuntz

Qual a meta de inflação? No Brasil é um mistério. Pode ser 4,5% ou qualquer ponto até 6,5%. A confusão é mantida e adubada, no dia a dia, pelo discurso oficial. Ora se fala dos 4,5% como a própria meta, ora como centro da meta. Isso faz enorme diferença para quem deseja saber para onde estão apontadas, de fato, as armas da política monetária. Uma das pretensões de todo banco central, incluído o brasileiro, é administrar as expectativas do mercado. Isso inclui tanto o pessoal do mercado financeiro quanto os empresários e, na condição mais desejável, também os trabalhadores e consumidores. Mas como administrar ou coordenar essas expectativas, se o objetivo da política é obscuro? Já houve quem apontasse a taxa de 5% como o alvo real da autoridade monetária. Mas até essa opinião, de aparência tão razoável, pode ser muito otimista.

A confusão foi nutrida mais uma vez, na quarta-feira, pelo Ministério da Fazenda. Segundo a nova edição do boletim Economia Brasileira em Perspectiva, as metas de inflação vêm sendo cumpridas desde 2004. A isso se acrescenta um pretenso esclarecimento: “Ou seja, por nove anos consecutivos a inflação ao consumidor medida pelo IPCA tem ficado dentro do intervalo dos porcentuais estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional”. Em seguida aparece uma referência aos “desvios do centro da meta”.

Embora esse discurso alimente o mistério geral sobre o assunto, deixa claro pelo menos um ponto: para o pessoal da Fazenda, a taxa de 4,5% é apenas o centro e a meta oficial é todo o espaço entre 2,5% e 6,5%. Qualquer pessoa poderia acrescentar: na prática, o alvo real é qualquer ponto até o limite superior, porque em Brasília ninguém deve estar interessado num resultado abaixo do centro. Ao contrário. O mais provável, num governo petista, seria um empenho para evitar uma ação anti-inflacionária mais forte. Isso faria mal ao crescimento, um efeito parecido com a mistura de manga com leite. Esse ponto de vista foi reafirmado há poucas semanas pela presidente Dilma Rousseff, portadora de um diploma de Economia.

Mesmo sem essas teorias pitorescas, desmentidas pela experiência tanto internacional quanto nacional, segundo a turma do Banco Central (BC), a bagunça conceitual já seria suficiente para prejudicar a administração de expectativas. O portal do BC registra numa tabela o Histórico de Metas para a Inflação no Brasil desde 1999, quando foi adotado o sistema.

A primeira coluna indica as várias resoluções sobre o assunto. Na segunda aparecem as datas iniciais de vigência. O título da terceira é tão simples quanto claro: Meta (%). O da quarta é igualmente límpido: Banda (p.p.). As outras duas apontam os limites inferior e superior de cada banda e a inflação efetiva em cada período. Nada parece duvidoso. Meta é uma coisa, banda é outra. Não se menciona “centro da meta”, porque a meta é um ponto. A palavra banda aparece na tabela sem qualificação. Mas é difícil, quando se quer examinar o assunto seriamente, imaginar algum sentido diferente de “margem de erro” ou “margem de tolerância”.

Essa margem é necessária, obviamente, por mero realismo. O alvo pode ser muito bem definido, mas a eficácia da política monetária pode ser afetada por circunstâncias imprevistas ou incontroláveis. Secas, inundações, crises políticas no Oriente Médio, turbulências financeiras no mercado internacional podem afetar fortemente o câmbio e outros preços. A margem de tolerância deve servir, portanto, para acomodar desvios e evitar complicações para os dirigentes do BC.

Mas a clara diferença entre banda e meta é indispensável como segurança para todo o sistema econômico. Sem essa distinção, quem pode dizer se as autoridades se contentarão facilmente com resultados como os dos últimos três anos – 5,9% em 2010, 6,5% em 2011 e 5,8% em 2012 – sem se esforçar mais duramente para atingir o “centro da meta”, ou, sem embromação, a meta oficial sem mais qualificações? Só num desses anos, 2010, a economia brasileira exibiu alguma vitalidade, com crescimento de 7,5% na saída da recessão. Nos outros dois o produto interno bruto (PIB) aumentou 2,7% e 0,9%, num ambiente de baixa produtividade e severas restrições de oferta. Sem dispor sequer de um desempenho econômico decente para contrabalançar a gandaia dos preços, o governo decidiu atribuir a inflação destrambelhada a choques de preços internacionais. Outros governos de países em desenvolvimento, com resultados muito melhores para apresentar, ficaram dispensados de inventar desculpas desse tipo.

O governo dificilmente poderia evitar, nessas condições, a fama de tolerante com a inflação. Ele mesmo reforçou essa fama ao insistir na confusão entre meta e banda, como se um resultado de 6,5% fosse uma prova de empenho contra a alta de preços. A imagem de leniente foi sustentada pela fácil aceitação, nos anos seguintes, de taxas próximas de 6%, enquanto metas mais ambiciosas eram anunciadas na América Latina.

A acusação de leniência foi estendida ao BC, com a reputação já afetada pela aderência à política de juros defendida pela presidente Dilma Rousseff. A noção da autonomia operacional do Comitê de Política Monetária (Copom) foi pelo ralo. Para efeito de administração de expectativas, tornou-se irrelevante saber se essa opinião era justa ou infundada. O presidente do banco, Alexandre Tombini, e seus companheiros parecem ter iniciado uma reviravolta para impedir um desastre maior. Isso deve explicar, entre outras novidades, o anúncio, pelo diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, de um possível endurecimento da política de juros. Pode ser a reafirmação do compromisso com um sistema sem confusão entre meta e banda. Mas esta, por enquanto, é só uma hipótese otimista. A maior parte do governo continua em outra direção. Quem já avacalhou as metas fiscais só pode ter interesses de outro tipo – eleitoreiros, por exemplo.

sábado, 20 de abril de 2013

Pode o Brasil crescer a 5pc ao ano? Evidentemente nao - editoriais

Já escrevi, há muito tempo, um artigo perguntando se o Brasil poderia crescer de forma sustentável em torno de 5% ao ano (vejam neste link). A resposta que dei era obviamente negativa, tendo em conta a ausência de reformas, as tendências extrativas do Estado, a falta de investimentos.
Parece que vamos continuar numa linha de mediocridade pelo futuro previsível.
Paulo Roberto de Almeida

Um país fora do ritmo

20 de abril de 2013 | 2h 05
Rolf Kuntz *
O Brasil manterá o passo errado nos próximos cinco anos e avançará bem menos que outros emergentes até 2018, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Sua inflação continuará mais alta e suas contas externas deverão piorar nesse período, com o déficit em transações correntes passando de 2,4% para 3,4% do produto interno bruto (PIB). Projeções de prazo longo aparecem no fim do Panorama Econômico Mundial publicado em abril e setembro pelo Fundo, num apêndice pouco visitado e pouco citado pela maior parte da imprensa. Estimativas desse tipo são sujeitas a erros importantes. Não são, no entanto, arbitrárias, nem inúteis. Ajudam a ver como poderá ser o futuro, se as tendências dos últimos anos persistirem, se as políticas forem mantidas e se as reformas necessárias forem levadas adiante ou negligenciadas. No caso do Brasil, os autores do estudo obviamente esperam poucas mudanças com potencial para tornar a economia mais dinâmica e mais sólida em seus fundamentos.

Segundo as projeções, a economia mundial crescerá 3,3% neste ano, 4% no próximo e 4,5% em 2018, puxada, como tem sido há alguns anos, pelos países emergentes e em desenvolvimento. A convalescença europeia será lenta e penosa. Os Estados Unidos continuarão avançando com firmeza. Seu PIB crescerá apenas 1,2% em 2013, por causa do arrocho fiscal, mas aumentará 2,2% em 2014 e em 2018 terá atingido um ritmo de expansão 2,5%. A média dos emergentes e em desenvolvimento ficará em 5,3%, 5,7% e 6,2% em cada um desses três pontos de referência. Para a Ásia em desenvolvimento, incluída a China, os números estimados são 7,1%, 7,3% e 7,7%. Há uma aposta, portanto, no êxito dos programas de ajuste e de renovação dos modelos já iniciados em algumas dessas economias.

Nesse quadro, o avanço brasileiro continuará mais lento que o de vários países latino-americanos. Segundo o Panorama, o PIB do Brasil aumentará 3% em 2013, 4% no próximo ano e 4,2% em 2018. Se a projeção para este ano for confirmada, o resultado será bem melhor que o de 2012, quando o crescimento ficou em apenas 0,9%, apesar dos estímulos criados pelo governo. Alguns incentivos ao investimento privado poderão finalmente produzir algum efeito neste ano, de acordo com a análise apresentada no capitulo 2 do relatório.

Mas "restrições de oferta podem limitar o ritmo de crescimento a curto prazo", advertem os autores do trabalho. Em outras palavras: os entraves observados nos últimos anos poderão ainda atrapalhar a economia brasileira em 2013. Sem examinar em detalhes a política seguida no Brasil depois da crise de 2008 e especialmente a partir de 2011, os economistas do FMI apontaram, no entanto, o grande problema negligenciado por muito tempo pelo governo brasileiro. Durante dois anos a equipe da presidente Dilma Rousseff insistiu em estimular a demanda, principalmente de consumo, sem dar a atenção necessária ao lado da produção e, portanto, da oferta.

O crescimento de 3% estimado para 2013 ficará muito abaixo do necessário para compensar o baixo desempenho dos dois anos anteriores. É preciso levar também isso em conta ao confrontar os números do Brasil com os de outros países do Hemisfério. Chile, Colômbia, Equador, Peru e México também foram afetados pela crise internacional, mas em pouco tempo voltaram a crescer em ritmo parecido com o dos anos anteriores à recessão no mundo rico. Todos bateram o Brasil com muita folga desde 2010.

Para 2013, 2014 e 2018 as projeções do Fundo indicam as seguintes taxas de expansão para esses países: Chile, 4,9%, 4,6% e 4,6%; Colômbia, 4,1%, 4,5% e 4,5%; Equador, 4,4%, 3,9% e 3,5%; Peru, 6,3%, 6,1% e 6%; México, 3,4%, 3,4% e 3,3%. Entre 2010 e 2012 a economia equatoriana acumulou expansão de 17,14%; a mexicana, de 13,67%; a brasileira, de apenas 11,40%. Em todos esses países a inflação foi menor que a brasileira e assim deverá continuar neste e no próximo ano.

Os economistas do FMI estimam para o Brasil inflação de 5,5% em 2013 e 4,5% em 2014. Para o Chile, a projeção é de 3% em cada um dos dois anos. Para a Colômbia, de 2,4% e 3%. Para o Peru, de 2,1% e 2%. Para o México, de 3,6% e 3,3%. A presidente Dilma Rousseff deveria desconhecer esses números quando falou sobre crescimento e inflação em Durban, na África do Sul. Naquele pronunciamento, ela rejeitou uma ação mais forte contra a alta de preços como se fosse incompatível com a expansão do PIB. Parece ter esquecido, ou talvez ignorasse, a experiência internacional. Inflação alta e resistente, como a brasileira, dificulta o planejamento empresarial e corrói o poder de compra dos consumidores. Tende a tornar-se, portanto, um obstáculo ao crescimento da economia.

Além disso, inflação mais elevada que a dos outros países desajusta o câmbio e afeta o poder de competição dos produtores nacionais. No entanto, empresários e ilustres economistas brasileiros muito raramente reclamam da inflação, embora esbravejem continuamente contra a valorização cambial. Devem ter esquecido tanto a experiência internacional quanto a nacional.

Durante muito tempo o Brasil se deu mal com o câmbio fixo. O câmbio flexível e ajustado periodicamente pela inflação, adotado em 1968, foi um avanço, mas muito imperfeito. Sem estabilidade monetária, o regime cambial tornou-se uma corrida permanente em busca de ajustes de curta duração. A inflação desarranjava o câmbio e em seguida a correção cambial desarrumava os preços. O sistema passou a funcionar como um cão correndo atrás do próprio rabo. Parece estranho, mas alguns economistas e industriais falam como se tivessem saudade desse tempo.

Os países com melhor desempenho têm combinado controle da inflação, contas públicas em condições razoáveis e integração nos mercados globais. O resto é teimosia, mera insistência em pajelanças bem conhecidas, testadas e desacreditadas.

* Rolf Kuntz é jornalista.

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Crescendo menos

20 de abril de 2013 | 2h 08

Editorial O Estado de S.Paulo
Mais do que confirmar o que o governo Dilma tenta negar - que o desempenho da economia brasileira continuará sendo pior do que o dos demais países emergentes e também do resto do mundo -, o Panorama da Economia Mundial com as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2013 adverte para a persistência de gargalos que reduzem o potencial de crescimento do Brasil.
O FMI reviu para baixo suas projeções para o desempenho da economia mundial neste ano, mas a revisão dos dados referentes à economia brasileira foi mais significativa do que as revisões dos dados do resto dos países, inclusive os emergentes. Inicialmente previsto em 3,5%, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2013 agora é estimado em 3%. Ainda é, reconheça-se, um número bem melhor do que o registrado em 2012, quando o PIB brasileiro cresceu apenas 0,9%, mas ruim se comparado com o do resto do mundo. Em média, a economia mundial deverá crescer 3,3%, de acordo com as novas projeções do Fundo Monetário Internacional.
Países aos quais o Brasil tem sido comparado por analistas e investidores internacionais terão desempenho melhor. O FMI espera que, em 2013, a China cresça 8%; a Índia; 5,7%; e a Rússia e o México, 3,4%.
A recente aceleração dos preços no Brasil não parece preocupar o Fundo. Apesar de, em março, a inflação brasileira ter rompido o limite superior da margem de tolerância da meta deste ano, o FMI acredita que a alta média dos preços ao consumidor fique em cerca de 5,5% em 2013 e, no próximo ano, alcance 4,5%, centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional.
O que preocupa o Fundo, entre outras dificuldades, são os gargalos da infraestrutura, que podem comprometer o crescimento futuro. Esse problema foi apontado pela diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. "O fornecimento e o escoamento de mercadorias é limitado por gargalos em quase todo o território", disse ela, referindo-se à situação dos portos, aeroportos, rodovias e ferrovias no Brasil. "Aprimorar a infraestrutura poderia melhorar muito a situação do País, e é isso que sugerimos que seja priorizado."
Além da infraestrutura, o chefe da divisão de pesquisa do Fundo, Thomas Helbing, citou outro gargalo que pode tolher o crescimento brasileiro. É o que se localiza no mercado de trabalho. Há um lado positivo da evolução do mercado de trabalho no Brasil nos últimos anos, com o aumento do número de trabalhadores contratados. Isso contribuiu para o aumento da renda real média da população, estimulou o consumo e evitou que o desempenho da economia fosse pior do que o registrado nos dois últimos anos.
Mas um número crescente de empresas começa a enfrentar escassez de mão de obra preparada e treinada para o desempenho de funções mais complexas, que exigem maior domínio de técnicas e maior conhecimento. As políticas públicas na área da educação anunciadas até agora não tiveram o efeito de suprir a demanda desses profissionais na velocidade exigida pelo mercado.
Além do impacto de fatores externos, as economias sul-americanas foram afetadas também por fatores internos, em geral de responsabilidade dos governos - e isso foi particularmente visível no Brasil. "Grandes estímulos falharam em impulsionar o investimento privado", observou o FMI, referindo-se aos generosos incentivos concedidos pelo governo Dilma e que até agora não resultaram em investimentos nem em crescimento. A relativa estagnação brasileira afetou o desempenho da Argentina e do Uruguai.
Quanto à estabilidade da economia brasileira, o vice-diretor de assuntos fiscais do FMI, Philip Gerson, observou que, como a dívida pública bruta ainda é superior a dois terços do PIB, o governo deveria cumprir a meta cheia do superávit primário - necessário para honrar os compromissos decorrentes da dívida -, que está fixada em 3,1% do Produto Interno Bruto. O governo Dilma, no entanto, vem reduzindo essa meta na prática, por meio de artifícios orçamentários e contábeis, e com isso gera desconfianças sobre sua política fiscal.

sábado, 6 de abril de 2013

"Hoje tem marmelada? Tem, sim senhor!" - Circo Brasil esquenta o espetaculo do crescimento (do deficit)...

‘Circo Brasil’
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 6/04/2013

Se o céu ajudar, os ventos forem favoráveis e os fatos confirmarem a projeção mais otimista em circulação na praça, a economia brasileira crescerá 3,2% em 2013 e 6,94% nos três primeiros anos da presidente Dilma Rousseff. Isso equivalerá a uma média anual composta de 2,26%. Talvez ainda se possa falar de espetáculo do crescimento. Circos mambembes também anunciam espetáculos. Mas cobram pouco pelo ingresso e seus dirigentes evitam equiparar-se aos melhores do ramo.

Menos modesto e muito menos realista, o governo brasileiro insiste, no entanto, em se alinhar a emergentes muito mais dinâmicos, como se o uso de um crachá dos Brics fosse um atestado de competência e dinamismo. A presidente Dilma Rousseff esbraveja quando se cobra uma política mais eficaz contra a inflação, sem gastar um minuto para olhar outros latino-americanos, como Colômbia, Chile, Peru e México. Todos esses países têm crescido mais que o Brasil, nos últimos anos, com preços muito menos instáveis.

Este é outro detalhe do show mambembe: a inflação prevista para o ano está na vizinhança de 5,7% e mesmo essa projeção pode ser furada se as contas públicas forem administradas como até agora. Mais de uma vez, desde o fim do ano passado, o Banco Central chamou a atenção para a tendência expansionista das finanças federais. Esses componentes bastariam para fazer da exibição do Circo Brasil uma das mais constrangedoras, mas o programa oferecido ao distinto público é bem mais rico.

Outra grande atração do programa é a depredação das contas externas. O desastre poderá demorar um pouco, mas será inevitável se as tendências dos últimos seis ou sete anos forem mantidas. A partir de 2007 as importações têm sido mais dinâmicas que as exportações. Entre 2007 e 2012 o valor exportado aumentou 51%, de US$ 160,65 bilhões para US$ 242,58 bilhões, enquanto o custo dos bens importados cresceu 85%, de US$ 120,62 bilhões para US$ 223,15 bilhões. Esse poderia ser o efeito normal de uma estratégia de abertura econômica, mas a história é outra. Durante esse período o governo elevou as barreiras comerciais e o país se tornou muito mais protecionista. Esse protecionismo é parte da impropriamente chamada política industrial, mas os resultados têm sido abaixo de pífios. Com essa orientação o governo conseguiu, entre outros efeitos discutíveis, inflar os custos da Petrobrás, dificultar as compras de equipamentos para petróleo e favorecer a acomodação de alguns setores beneficiados.

Com ou sem barreiras de proteção, a indústria brasileira continua sujeita à concorrência de fabricantes mais competitivos e a erosão do saldo comercial amplia o déficit em conta corrente. Durante algum tempo o problema foi atribuído ao real valorizado. A valorização cambial atrapalhou, de fato, mas as demais desvantagens comparativas são muito mais importantes, a começar pela tributação incompatível com uma economia ligada, mesmo com limitações, ao mercado internacional. É até grotesco insistir na história do câmbio quando os caminhões se enfileiram nas estradas e o agronegócio brasileiro, um dos mais eficientes do mundo, mal consegue enviar seus produtos aos portos.

A deterioração das contas externas continua. De janeiro a março o país acumulou um déficit comercial de US$ 5,15 bilhões. Para tapar esse buraco e alcançar o superávit de US$ 15 bilhões ainda estimado pelo BC, o Brasil terá de conseguir nos nove meses restantes um saldo positivo de US$ 20,15 bilhões, maior que o de todo o ano passado, US$ 19,43 bilhões. A mediana das previsões do mercado financeiro estava em US$ 12,4 bilhões na semana passada. Em seu último informe conjuntural a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reduziu para US$ 11,3 bilhões o saldo estimado para o ano. Em dezembro a projeção ainda era de US$ 18,1 bilhões.

O quadro fica mais feio quando se olham os detalhes: a exportação prevista é de US$ 253,4 bilhões, mais uma vez inferior à de 2011 (US$ 256 bilhões). No ano passado o valor ficou em 242,6 bilhões. A importação, US$ 242,1 bilhões, continuará em alta e será 7,03% maior que a de dois anos antes. Mesmo com o cenário internacional adverso, as vendas do agronegócio continuarão sustentando o resultado comercial. O PIB industrial, mesmo com crescimento previsto de 2,6%, continuará muito fraco, por causa das limitações estruturais. Os incentivos adotados pelo governo continuam favorecendo mais o consumo do que o investimento e a produção, mas o governo ─ por falha de percepção, por interesse eleitoral ou por uma combinação dos dois fatores ─ insiste nas medidas de curtíssimo alcance já experimentadas nos últimos dois anos.

O investimento deve aumentar 4% neste ano e puxar a expansão econômica de 3,2%, segundo a CNI. A projeção é bem menor que a divulgada em dezembro (7%), mas pelo menos indica uma composição mais saudável que a do ano passado. Se a previsão estiver correta, o valor investido mal compensará a redução de 4% registrada em 2012. Além disso, o país continuará aplicando muito menos que o necessário para sustentar durante alguns anos um crescimento econômico igual ou pouco superior a 4%. Se o Brasil investir 4% mais que em 2012 e a economia avançar os 3,2% estimados, a relação entre o investimento e o produto interno bruto (PIB) passará de 18,14% para 18,28%. Será uma variação irrisória. Além disso, o valor investido continuará muito longe dos 24% ou 25% apontados por muitos economistas como indispensáveis a um dinamismo mais parecido com o de outros emergentes.

O espetáculo mambembe do crescimento ainda se completa com cenas grotescas de avacalhação da máquina governamental. O número de ministérios aumenta, mais uma vez, para a acomodação de aliados, e mais estatais de valor muito duvidoso são criadas. O loteamento continua, com a participação de siglas e de líderes partidários afastados na faxina encenada em 2011. Mas uma boa parte do distinto público aplaude como se assistisse a um espetáculo de classe mundial.

terça-feira, 12 de março de 2013

Banco Central beato (como o Vaticano?) - Rolf Kuntz

A inflação, o Banco Central e os lírios do campo
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 12/03/2013

Olhai os lírios do campo. Essa bela exortação, a mais poética do Sermão da Montanha, bem poderia abrir a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando os dirigentes do Banco Central (BC) decidiram, de novo, depender da Providência, em vez de atacar a inflação. Nada altera esse fato, nem mesmo a nova linguagem da nota oficial distribuída na quarta-feira à noite. O comitê, segundo o comunicado, vai “acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos”.

Acompanhar os fatos para definir a política é seu papel, com ou sem a intenção ─ ou a esperança ─ de manter a taxa por um período prolongado. Os fatos foram acompanhados e nada se fez, por mais de um ano, para atenuar as pressões inflacionárias. Agora uma nova pergunta é inevitável: para tomar suas próximas decisões, o pessoal do Copom levará em conta as pressões efetivas, visíveis no dia a dia, ou olhará simplesmente os índices de preços administrados pela intervenção do governo? Sem essa intervenção, os indicadores acumulados até fevereiro já teriam estourado o limite superior da banda ou estariam muito perto disso. Não há sequer, nessa história, a contrapartida do crescimento econômico facilitado pela política monetária. A inflação elevada é pura perda.

Toda a política seguida a partir do fim de agosto de 2011 foi baseada em apostas erradas. Erros de previsão são parte do jogo. A insistência no erro é outra história. Pode ser uma demonstração de fé: em algum instante a intervenção divina resolverá os problemas. Nos mercados, a interpretação foi mais prosaica: a presidente da República mandou baixar os juros, sua ordem foi seguida e a autonomia operacional do BC foi pelo ralo. Os erros das apostas são bem conhecidos.

Primeiro, esperava-se uma acomodação dos preços agrícolas, num cenário de estagnação internacional.  As cotações oscilaram, de fato, mas voltaram a subir, por mais de um motivo, e as pressões se intensificaram no segundo semestre de 2012. Esse fato foi reconhecido pelo BC. Segundo, a redução de juros foi justificada também com a expectativa de austeridade fiscal. Esse foi um ato de fé especialmente notável. Sem surpresa para as pessoas razoavelmente informadas, essa expectativa foi igualmente desmoralizada pelos fatos.

Desmoralizada parece uma palavra perfeitamente justificável, quando se considera a escandalosa maquiagem das contas federais. Quem apostar em gestão financeira mais cautelosa e responsável em 2013 também perderá, mas, neste caso, ninguém poderá sequer fingir surpresa.

Curiosamente, o pessoal do Copom há muito tempo identifica sinais de risco no mercado de mão de obra, com desemprego baixo e aumento constante da massa de rendimentos. Mas a expansão do crédito, visível a olho nu e comprovada oficialmente, mês a mês, em relatórios do próprio BC, tem merecido menor preocupação.

De toda forma, os responsáveis nominais pela política monetária agiram por longo tempo como se nada preocupante ocorresse nos mercados. Isso reforçou a suspeita, para dizer o mínimo, de serem outros os responsáveis reais. Como pensar de outra forma, quando se apresenta o corte de juros como conquista política e quando o Executivo interfere repetidamente na formação de preços ─ da gasolina, da eletricidade e de tantos bens de consumo?

A mais recente façanha desse tipo foi a redução da conta de energia elétrica. Não se pode atribuir o barateamento da eletricidade a um aumento da oferta ou a uma elevação da produtividade do setor. Todo o efeito foi produzido por uma decisão fiscal tomada no Palácio do Planalto. O resultado começou a aparecer há algumas semanas e já foi bem visível no IPCA-15, divulgado em 22 de fevereiro, e no Índice de Preços ao Consumidor da Fipe-USP, publicado nesta segunda-feira.

Com a redução da conta de energia, o IPC-Fipe subiu 0,22% em fevereiro. Teria subido praticamente o dobro, 0,43%, sem o efeito da eletricidade mais barata. A medida oficial de inflação, o IPCA, também foi afetada pelo corte da conta de eletricidade. O índice aumentou 0,60% no mês passado, bem menos que em janeiro (0,86%), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As contas de energia ficaram 15,17% menores em fevereiro, “refletindo boa parte da redução de 18% do valo das tarifas em vigor a partir de 24 de janeiro”, segundo o relatório divulgado. Só essa redução tirou 0,48 ponto do IPCA. Mesmo assim, a alta acumulada em 12 meses chegou a 6,31%, bem perto do limite superior da margem de tolerância.

Energia mais barata é um benefício para o consumidor, principalmente se for sustentável, mas política antiinflacionária é assunto muito diferente. Desonerações, mesmo quando bem executadas, afetam os índices de forma temporária, porque deixam intactos os fatores de pressão (como o aumento do crédito e o gasto público excessivo, por exemplo).

A Fundação Getúlio Vargas já advertiu: está-se esgotando, nos indicadores, o efeito da redução da conta de energia. Isso já se nota no IPC-S, atualizado semanalmente e sempre relativo a um período de quatro semanas. Na primeira quadrissemana de março, o aumento geral foi de 0,52%. Havia ficado em 0,33% no fechamento de fevereiro. A deflação registrada no item “habitação”, onde se inclui o custo da energia, diminuiu de 1,28% para 0,58% entre os dois períodos. Outras desonerações (da cesta básica, por exemplo) poderão frear a alta dos índices, nos próximos meses, mas sempre de forma temporária e sem mudar as condições propícias à inflação. Alguns preços poderão cair, mas a tendência geral, sem outras ações, será mantida. O pessoal do BC sabe disso e seria injustiça imaginar o contrário.

Resta ver se a próximas decisões serão baseadas nas condições efetivas do mercado, na evolução mais ou menos benigna de índices administrados ou, mais uma vez, na preferência pela contemplação dos lírios do campo.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Desajustes mentais: algo dificil de corrigir - Rolf Kuntz

Políticas macroeconômicas não são uma ciência exata, claro. Dependem muito da percepção dos seus autores-decisores, para saber em que medida, com qual grau de intensidade, usar mais ou menos uma alavanca monetária, cambial, fiscal, etc. Ou seja, existe certo grau de subjetivismo, e de improvisação no uso dessas ferramentas, tanto porque ninguém, nem os governos mais poderosos, podem controlar, ou determinar, o que outros parceiros estarão usando, como instrumentos similares, e qual o seu impacto nos fluxos diretos e indiretos de comércio e finanças que impactam a todos no mundo globalizado.
O mais importante, me parece, é ter uma percepção clara do ambiente externo e saber, com precisão, o que fazer, no contexto interno, para diminuir os efeitos negativos de quaisquer políticas (suas ou dos outros) e aumentar os efeitos positivos de ambas.
Em outros termos, é preciso primeiro fazer um diagnóstico realista da situação, para depois agir com grande grau de responsabilidade.
Este artigo de Rolf Kuntz mostra, infelizmente, que as autoridades brasileiras estão pouco preparadas para uma ou outra tarefa.
Os problemas não são falta de indicadores confiáveis, ou de estatísticas reais (como na Argentina, por exemplo). O problema está na cabeça das pessoas. E aí, estamos no brejo, para ser simples e direto.
Paulo Roberto de Almeida

Perdendo o bonde

16 de fevereiro de 2013 | 2h 06

Rolf Kuntz *
O fim da crise global poderá ser o marco de mais um fracasso brasileiro. Enquanto governos mais sérios tentam criar os alicerces de uma nova fase de prosperidade, Brasília continua discutindo a guerra cambial e brigando no Fundo Monetário Internacional (FMI) para adicionar alguns pontos de porcentagem a seu poder de voto. Nenhum país poderoso mudará sua política monetária ou fiscal para evitar reflexos no câmbio, nem a limitada redistribuição de votos afetará os rumos do FMI ou servirá ao desenvolvimento brasileiro. Economias emergentes e em desenvolvimento já têm votos mais que suficientes para exercer um respeitável poder de barganha. Mas só as autoridades brasileiras parecem acreditar num bloco dos Brics ou agem como se houvesse um alinhamento automático de países do Norte e do Sul. Pior para o Brasil. Quando o mundo entrou em recessão, em 2008, o País parecia um time promissor a caminho da primeira divisão. Poderá estar no rumo da terceira, quando o mundo rico voltar a crescer e a China tiver avançado em seus ajustes.

Nesse momento, os emergentes mais dinâmicos e governados com mais seriedade, incluídos alguns latino-americanos, já estarão ocupando seus lugares para a nova etapa de prosperidade. No meio da crise, uma economia mundial mais dinâmica está sendo forjada, com programas de reformas e novos pactos comerciais entre blocos e países de todas as regiões.

A recém-anunciada negociação de um acordo de comércio e investimentos entre Estados Unidos e União Europeia, os dois mercados mais ricos e mais desenvolvidos, é parte desse esforço de remodelação. As conversações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento para a criação de uma Parceria Trans-Pacífico são um empreendimento aparentemente menos ambicioso. Mas essa iniciativa se soma a várias outras manobras para integração das economias da Ásia e do lado ocidental das Américas - com riscos evidentes para o comércio brasileiro, já afetado na vizinhança pela forte concorrência da China e de outras potências orientais.

O presidente Barack Obama citou as duas negociações em seu pronunciamento sobre o estado da União. Houve reações divergentes em Brasília. Alguns diplomatas apontaram o projeto comercial de americanos e europeus como um novo estímulo para a busca de acordos relevantes ou, no mínimo, para a conclusão das conversações entre Mercosul e União Europeia. Mas também houve quem menosprezasse a novidade e até duvidasse da formação do megabloco do Atlântico Norte.

Quanto a um ponto, pelo menos, parece haver coincidência de opiniões no governo: qualquer nova iniciativa do Brasil e de seus parceiros regionais dependerá da solução de problemas do Mercosul. Em termos concretos, o Brasil está amarrado aos problemas da Argentina e, portanto, às ambições políticas e às trapalhadas econômicas da presidente Cristina Kirchner. Nenhum acordo de livre-comércio será celebrado pelo bloco, ou por qualquer de seus sócios, enquanto a Casa Rosada estiver comprometida com a ala mais protecionista dos empresários argentinos. Por enquanto, no domínio dos Kirchners, há apenas o aprofundamento das políticas em vigor. As barreiras comerciais permanecem, o controle de preços se amplia (já com problemas de abastecimento interno) e as estatísticas oficiais continuam sendo feitas à moda da casa.

Mas a presidente Dilma Rousseff e seus estrategistas internacionais parecem aceitar como natural, sábia e confortável a vinculação da diplomacia e dos interesses comerciais do Brasil a políticas desse tipo. Aceitaram o golpe contra o Paraguai e apoiaram a admissão da Venezuela no Mercosul pela porta dos fundos. A maior potência industrial da América do Sul depende, para fixar suas metas internacionais, da disposição de um governo vizinho populista, trapalhão e desacreditado internacionalmente. Basta a opinião desse governo, diante da passividade brasileira, para determinar os caminhos e descaminhos do Mercosul. Criado para servir à integração regional e facilitar a inserção de quatro países na economia global, o bloco transformou-se num trambolho, um entrave a qualquer esforço mais sério e mais ambicioso de diplomacia econômica.

O Mercosul limitou-se a acordos com economias em desenvolvimento, nem sempre no alto das prioridades comerciais, e orientados frequentemente por preconceitos ideológicos. Nem os acordos com parceiros sul-americanos, os mais próximos, serviram de forma equilibrada à economia brasileira. Nem mesmo contribuíram para dificultar o ingresso crescente de produtos fabricados na Ásia. Essa invasão tem ocorrido mesmo no interior do bloco, onde o protecionismo argentino tem deslocado produtos brasileiros em favor de mercadorias fabricadas no Oriente.

Com o fracasso da Rodada Doha, o Brasil perdeu sua principal aposta no jogo das negociações. Nada sobrou além de um regionalismo de baixo retorno e de um terceiro-mundismo de centro acadêmico. A América do Sul ainda é o principal destino das exportações brasileiras de manufaturados, mas até nesse terreno o País tem dificuldade para competir.

Sem a rodada global, os governos mais adultos negociam acordos bilaterais e regionais. Esses acordos podem até complicar o sistema multilateral, mas são o jogo disponível neste momento - e o Brasil está fora. Nada mudará enquanto o governo confundir política internacional com passeata e subordinar sua diplomacia a interesses imaginários de blocos inexistentes, a começar pelo Brics. Se olhasse mais para o mundo, esse governo estaria de fato muito mais preocupado com as vantagens e desvantagens comparativas do Brasil e menos empenhado na retórica inútil da guerra cambial.

O papa Bento XVI anunciou a intenção de se isolar depois de abandonar o Vaticano. Dificilmente estará mais distante do mundo num convento do que estaria no Palácio do Planalto.


* Rolf Kuntz é jornalista.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Brasil na era da bandalha - Rolf Kuntz

A era do deboche

09 de janeiro de 2013
Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Mais uma vez as chuvas do verão destroem, desalojam e matam, de modo tão previsível quanto as bandalheiras orçamentárias, mas o governo federal só gastou no ano passado cerca de um terço - 32,2% - das verbas previstas para prevenção, enfrentamento de desastres e reconstrução. O Tesouro pagou R$ 1,85 bilhão dos R$ 5,75 bilhões autorizados, segundo números oficiais tabulados pela respeitada organização Contas Abertas. Nada espantoso, nada anormal. A normalidade inclui, segundo altos funcionários da Fazenda, malabarismos contábeis para a encenação do cumprimento da meta fiscal. Foi tudo legal, tudo certinho, segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Não seria mais fácil, mais claro e mais decente reconhecer o mau resultado e tentar, se fosse o caso, justificá-lo? Em outros tempos, com certeza. Na era do deboche, é igualmente normal deixar a aprovação do Orçamento para depois, porque o Executivo dará um jeito de garantir as despesas, dentro ou fora dos padrões constitucionais.

Neste tempo bandalho, o poder público tem prioridades muito mais interessantes que administrar a vida coletiva e servir aos interesses da sociedade. É preciso aproveitar o tempo e o dinheiro dos contribuintes para financiar empresas selecionadas, proteger setores amigos, oferecer contratos a grupos felizardos e pôr as estatais a serviço de projetos políticos pessoais e partidários. Também natural - como consequência - foi a deterioração da Petrobrás, depois de anos de submissão a decisões centralizadas no Palácio do Planalto. Com persistência, a nova presidente, Graça Foster, talvez consiga arrumar a empresa, se ficar no posto por tempo suficiente. Tem mostrado disposição para o trabalho sério, mas sua figura contrasta, perigosamente, com a maior parte do cenário.

Na era do deboche, os padrões políticos e gerenciais se degradam em quase todos os cantos e todos os níveis do sistema de poder. Um bonde sai dos trilhos, por falta de manutenção, e passageiros morrem. A primeira reação das autoridades é lançar suspeitas sobre o motorneiro, também morto no acidente. Uma criança baleada fica oito horas sem atendimento, embora levada a um hospital. Resposta oficial: o médico faltou. Faltou, sim, mas essa é a resposta errada. Pode ter sido irresponsável, mas também poderia ter sido atropelado ou atingido por um raio. Em qualquer cidade gerida com um mínimo de competência e seriedade, os serviços públicos essenciais funcionam como um sistema. Não havia outros médicos disponíveis? Não se podia mobilizar uma ambulância para levar a vítima a um lugar onde recebesse assistência? Na segunda maior cidade de uma das dez maiores economias do mundo, a falta de um único funcionário pode comprometer o socorro de emergência a uma pessoa ferida ou doente.

Mas o padrão se repete. Na capital federal, crianças ficaram sem atendimento porque plantonistas faltaram para prestar exames de residentes. Nenhum administrador sabia? Afinal, quem aplicou o exame? Novamente: que porcaria de sistema administrativo deixa a segurança dos pacientes na dependência de jovens profissionais? Sistemas organizados para funcionar de verdade têm mecanismos de segurança. São impessoais. Nenhum dirigente de nível superior tem o direito de renegar a própria responsabilidade para transferi-la aos subordinados na ponta da linha.

Na era bandalha, quem se importa com a escala das responsabilidades e com a qualidade gerencial do setor público? O governo brasileiro comprometeu-se em 2007 a hospedar a Copa do Mundo de 2014. Em 2011, quando o novo governo se instalou, nada, ou quase nada, havia sido feito para preparar o País. Havia atraso nas obras de aeroportos, estádios, estradas e sistemas urbanos de transporte. Os atrasos continuam, mas os custos subiram, muito dinheiro foi desperdiçado e mais ainda será perdido.

Nesta fase debochada, os apagões se multiplicam e chegam a atingir vários Estados, às vezes por várias horas. Os altos funcionários do sistema falam em raios, depois em falhas humanas. A chefe de todos recomenda aos jornalistas uma gargalhada, se alguém mencionar novamente a queda de um raio. Mas quem tem autoridade para pôr ordem na casa e cobrar seriedade na gestão do sistema?

Em tempos bandalhos, o presidente da Câmara dos Deputados promete asilo a condenados num processo penal - criminosos, portanto -, se a Justiça ordenar sua prisão. Qual o próximo passo: votar a revogação das penas? Combinaria bem com os padrões atuais de normalidade. Quando o Congresso adia a votação do Orçamento, crianças ficam sem assistência médica porque o serviço hospitalar é um desastre, a economia emperra porque a infraestrutura se esboroa e a diplomacia, outrora competente e respeitada, se torna subserviente à senhora Cristina Kirchner, a piada final é atribuir os males do País ao câmbio valorizado e aos juros. Abaixo o real, e tudo será resolvido.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Boletim de Conjuntura Surreal Economica do MiniFaz - Rolf Kuntz

A esperteza da Fazenda

ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo, 26/12/2012

Ainda há esperteza no Ministério da Fazenda, apesar do fiasco econômico dos últimos dois anos e da colocação do Brasil na corrida global - o último dos Brics e um dos últimos entre os países latino-americanos. O ministro Guido Mantega e sua equipe abstiveram-se espertamente de novas estimativas de crescimento, na edição de dezembro de Economia Brasileira em Perspectiva. Esse boletim, uma das mais engraçadas publicações nacionais, é mais uma tentativa de mostrar a economia no rumo certo, fortalecida por grandes inovações e impulsionada por medidas keynesianas. As reformas são uma piada e o keynesianismo é mais que discutível, porque a grande restrição está obviamente do lado da oferta industrial. Keynes é inocente das tolices de seus "discípulos", assim como Marx, Freud, Adam Smith e Maquiavel.

Ao confrontar oferta e demanda, os autores do boletim concentram a atenção no terceiro trimestre de 2012, dando menos destaque, com muita esperteza, aos dados mais amplos. De janeiro a outubro, o volume de vendas do varejo ampliado - com inclusão de veículos, partes e material de construção - foi 14,5% maior do que o de um ano antes. No mesmo período, a produção geral da indústria diminuiu, apesar do estímulo fiscal concedido a setores importantes, e o investimento encolheu.

A análise do cenário, no discurso oficial, é proporcional ao desempenho da economia. Dos quatro grandes componentes da demanda - consumo privado, gasto geral do governo, investimento privado e exportação -, os dois primeiros continuaram em crescimento. O ministro Guido Mantega chamou a atenção, numa entrevista, para a expansão do consumo familiar e o comparou, em tom triunfal, com os números chineses.

Do lado do investimento privado há um evidente problema de insegurança, reconhecido no último Relatório de Inflação do Banco Central (BC). A linguagem segue o padrão da comunicação tortuosa dos BCs: "Por outro lado, a lenta recuperação da confiança contribuiu para que os investimentos ainda não mostrassem reação aos estímulos introduzidos na economia". Outros fatores podem ter contribuído, mas a desconfiança foi certamente um dos mais importantes.

Um quadro incluído no boletim da Fazenda proporciona algumas indicações ignoradas pelo pessoal do governo. Entre 2002 e os 12 meses terminados em outubro de 2012, o valor importado cresceu 375,6%. O exportado, 307,8%. Não houve maior abertura da economia. Logo, a explicação deve estar em outra variável. A expansão do mercado interno deve ser apenas parte da resposta. Nesse período, a participação de bens importados no consumo interno dobrou e superou 20%.

Quando se comparam os últimos dados com os de 2007, o descompasso entre receita e despesa aumenta muito. Nesse intervalo, o valor das importações aumentou 86,1%, enquanto o das exportações cresceu 53,3%. Entre 2002 e os 12 meses até outubro deste ano, a importação subiu 22% mais que a exportação (diferença proporcional entre 375,6% e 307,8%). Entre 2007 e 2012 essa diferença foi de 61,5%.

Não se trata de efeito da crise. Orgulhosamente, o pessoal da Fazenda menciona um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o efeito da crise nas exportações de emergentes para a zona do euro. Entre o primeiro semestre de 2011 e o primeiro de 2012, o impacto foi de 0,2 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil, muito menor do que na China e na Índia (0,5 ponto, nos dois países), na Rússia (0,7) e na África do Sul (0,8).

Os grandes entraves ao crescimento são internos e incluem sérios problemas sistêmicos de competitividade. Menos festivo que a Fazenda quando trata da economia real, o BC projeta para os quatro trimestres até o terceiro de 2013 um crescimento de 3,3% para o PIB e de apenas 1,9% para a indústria de transformação, insuficiente para compensar a contração deste ano (estimada em 2,3%). O investimento deve aumentar apenas 3,1%, depois de uma redução de 3,5% em 2012. Mas isso dependerá, convém acrescentar, de uma gestão pública muito mais competente. Chamar o juro mais baixo e o dólar mais alto de "nova matriz macroeconômica", com inflação distante da meta e contas públicas expansionistas, nem de longe atende a esse requisito.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Feliz 2014! - Rolf Kuntz

Ops, me antecipei.
Mas não muito.
A continuar essa política econômica de improvisações, puxadinhos, medidas setoriais que não alcançam sequer um setor inteiro, esse arbítrio nas decisões, essa falta de visão completa sobre o que fazer para melhorar a competitividade das empresas brasileiras, parece que 2013 não vai ser brilhante.
Portanto, feliz 2014...
Paulo Roberto de Almeida

É bom olhar além de 2013

19 de dezembro de 2012 | 2h 09
Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
A economia brasileira vai melhorar no próximo ano, mas a exportação continuará em marcha lenta, segundo as primeiras projeções oficiais das contas externas de 2013, divulgadas na terça-feira pelo Banco Central (BC). O superávit comercial deverá diminuir de US$ 19 bilhões neste ano para US$ 17 bilhões em 2013, porque o valor importado ainda crescerá mais velozmente que a receita das vendas ao exterior. Mesmo sem detalhes, o recado parece claro: o aumento da demanda interna será em boa parte coberto por produtores de fora, embora o mercado brasileiro ainda seja um dos mais fechados do mundo. A indústria nacional crescerá, mas em ritmo ainda moderado e com muita dificuldade para enfrentar a concorrência estrangeira. O otimismo exibido pelos dirigentes do BC, em suas manifestações públicas, fica um tanto murcho quando se examinam as novas projeções do balanço de pagamentos publicadas pela instituição.
Os economistas do BC elevaram de US$ 18 bilhões para US$ 19 bilhões o superávit comercial estimado para este ano. O valor previsto para as exportações foi reduzido de US$ 248 bilhões para US$ 245 bilhões. No caso das importações, o corte foi um pouco maior, de US$ 230 bilhões para US$ 226 bilhões. A revisão parece compatível com as últimas informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. De janeiro até a segunda semana de dezembro, o País exportou US$ 233,1 bilhões e importou US$ 215,1 bilhões.
Se os búzios, cartas e bolas de cristal do BC estiverem bem regulados, o valor exportado pelo Brasil neste ano será 4,3% menor que o de 2011. O valor da importação praticamente se repetirá. No próximo ano, a receita será 9,4% maior que a deste ano e apenas 4,7% superior à de 2011. A despesa será 11,1% maior que a de 2012. O superávit encolherá 10,5% em 2013, depois de já ter diminuído 36,2% neste ano.
Faltam, na tabela do BC, detalhes sobre a evolução das vendas de produtos básicos e de manufaturados. De toda forma, os autores das projeções parecem pouco ou nada otimistas quanto aos efeitos da depreciação cambial. Nos 12 meses terminados em outubro, houve um ajuste de 11,9% na taxa de câmbio real efetiva (ponderada pela participação dos 15 maiores parceiros nas exportações brasileiras). Em relação ao dólar americano, a depreciação da moeda brasileira chegou a 11%. Os empresários industriais aplaudem o ajuste cambial realizado até agora, mas defendem uma desvalorização maior. Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a cotação de equilíbrio deve estar na faixa de R$ 2,30 a R$ 2,40 por dólar.
Enquanto isso, o BC intervém no mercado para manter a taxa abaixo de R$ 2,10 e eleva de US$ 1 bilhão para US$ 3 bilhões o limite das posições vendidas dos bancos. Superado o teto, passa a valer o depósito compulsório de 60%. O objetivo, também nesse caso, é conter a alta do dólar. Falta ver como será a política depois de encerradas as pressões da virada de ano. Mas o pessoal do BC parece disposto, pelas indicações dos últimos dias, a tomar cuidado para evitar mais pressões inflacionárias. Isso deve restringir tanto o afrouxamento monetário quanto a depreciação cambial. O presidente do BC, Alexandre Tombini, também mencionou, num encontro com jornalistas em Brasília, na segunda-feira, as perspectivas de moderação nos aumentos salariais e na expansão do crédito nos próximos meses.
Se essas condições forem confirmadas, os estímulos à expansão do consumo privado serão menos intensos do que foram até este ano, mas a preservação de um bom nível de emprego ainda poderá proporcionar às famílias a segurança necessária para ir às compras. De toda forma, será indispensável uma taxa maior de investimento para garantir um crescimento mais veloz, provavelmente no intervalo de 3% a 4%.
Se governo e setor privado investirem o equivalente a uns 20% do Produto Interno Bruto (PIB), 2013 estará quase certamente salvo. Mas será preciso mais que isso para impulsionar uma expansão na faixa de 4% a 5% por vários anos. Além disso, será necessário cuidar da eficiência e da qualidade do investimento, dois itens amplamente negligenciados no setor público. Não basta, por exemplo, gastar bilhões de dólares numa refinaria mal planejada, num petroleiro lançado muito antes de ter condições de navegar ou em instalações de geração de energia sem linhas de transmissão. A médio e a longo prazos, são esses os detalhes realmente importantes, muito mais que a taxa de câmbio. Moeda depreciada e barreiras protecionistas nunca serão suficientes para compensar as ineficiências do sistema produtivo. Curiosamente, alguns empresários e economistas parecem acreditar nisso.
* JORNALISTA

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Licoes nao solicitadas de economia: a falsa versao e a verdadeira - Rolf Kuntz

As lições de Tia Dilma

Rolf Kuntz 
O Estado de S.Paulo, 21 de novembro de 2012
 
A presidente Dilma Rousseff aproveitou a viagem à Espanha para oferecer aos governantes europeus, mais uma vez, lições de política econômica. Nenhuma autoridade local perguntou à visitante por que a economia brasileira deve crescer tão pouco neste ano - talvez nem 2% -, depois do fiasco dos 2,7% em 2011. Enquanto ela completava suas lições e propunha maior autonomia para o Banco Central Europeu, em Brasília a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, divulgava mais um constrangedor balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde o início do governo até setembro, foram aplicados R$ 385,9 bilhões em "obras de infraestrutura logística, social e urbana", segundo os dados oficiais. Mas esse valor inclui R$ 154,9 bilhões de financiamentos habitacionais e de subsídios ao programa Minha Casa Minha Vida. Esses financiamentos correspondem a 40,1% do total contado como investimento. Faltou a presidente explicar aos europeus se essa forma de contabilidade é parte do pragmatismo por ela defendido durante a cúpula ibero-americana. Ou dizer se é pragmático tentar impor sem conversa prévia os contratos de renovação de concessões às companhias do setor elétrico. A depreciação das ações da Eletrobrás, R$ 7,9 bilhões de 11 de setembro a 19 de novembro, parece indicar uma resposta negativa.
Em seus comentários mais sensatos, a presidente defendeu uma combinação de austeridade e crescimento como a fórmula mais eficiente para o ajuste europeu. A arrumação fiscal, ponderou, será muito mais difícil, penosa e pouco frutífera, se depender apenas do corte de gastos e do aumento de impostos. Mas esse comentário foi mera repetição do discurso apresentado muitas vezes por dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), por economistas de várias nacionalidades e por alguns governantes europeus. Sem acrescentar a mínima novidade em relação a esse ponto, a presidente permitiu-se, no entanto, reescrever a história econômica à sua maneira. Para reforçar sua argumentação, citou a experiência latino-americana dos anos 80 e 90, quando os governos do Brasil e de outros países foram, segundo o seu relato, orientados pelo FMI a adotar políticas de ajuste sem espaço para crescimento.
Essa versão é popular, mas a história é um pouco mais complicada e inclui detalhes mais instrutivos. Dezenas de países afundaram na crise da dívida externa, nos anos 80. O drama começou quando o Federal Reserve, o banco central americano, iniciou um drástico aumento de juros em 1979. O desastre generalizou-se em 1982, mas vários países entraram em apuros bem antes disso. A renegociação das dívidas foi vinculada a duros programas de ajuste, jamais cumpridos integralmente por alguns governos, incluído o brasileiro.
O programa inicial de ajuste adotado no Chile foi reformado e substituído, com bons resultados, depois de algum tempo. O governo coreano iniciou a arrumação em 1979. O país entrou em recessão em 1980 e em seguida voltou a crescer velozmente, com déficit fiscal reduzido, grande aumento de exportações e investimentos sempre superiores a 30% do PIB. Chile e Coreia saíram da crise com as contas públicas em ordem, inflação baixa e medidas fundamentais para competir e crescer.
Falta algo, portanto, na versão popular, repetida pela presidente Dilma Rousseff, da história da crise e dos ajustes dos anos 80. Falta explicar por que alguns países - Coreia e Chile são apenas dois dos exemplos mais notáveis - emergiram da fase de provação muito mais fortes do que antes. Outras economias da Ásia atingidas pela crise da dívida também se tornaram mais eficientes a partir da segunda metade dos anos 80. A maior parte dos países latino-americanos ficou para trás porque os governos foram incapazes, por muito tempo, de abandonar velhos vícios e de favorecer a eficiência. Não se deve atribuir esse atraso a algum excesso de austeridade, mas à insistência na prática de contemporizar em vez de enfrentar os problemas.
Quando os governantes se dispuseram, afinal, a adotar reformas e políticas sustentáveis, as contas públicas melhoraram, a inflação caiu, as contas externas se tornaram superavitárias e as reservas cresceram. Por essas mudanças, e nada mais, as ações de socorro do FMI à América Latina foram bem menos frequentes nos primeiros anos deste século do que nas três ou quatro décadas anteriores.
Nenhuma dessas conquistas é irreversível. Em alguns países, o grande risco é a tentação do populismo. No Brasil, a tentação mais perigosa é a dos controles autoritários. A intervenção nos preços dos combustíveis, as pressões para corte de juros, o jogo perigoso de tolerância à inflação e as trapalhadas na política do setor elétrico são elementos desse quadro. O atraso nos projetos da Petrobrás é uma das consequências. A presidente seria provavelmente menos propensa a dar lições se pensasse um pouco mais sobre esses fatos.
* JORNALISTA