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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rui Barbosa e o direito internacional - Sergio E. M. Lima, Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

Mais recente artigo publicado, pequeno, mas simbólico, pois hoje se comemora, justamente, além da queda da Bastilha -- que é um episódio menor da vida internacional --, os cem anos do famoso discurso de Rui Barbosa na Faculdade de Direito de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, quando ele condena a violação da neutralidade da Bélgica pelo Império alemão.
Paulo Roberto de Almeida


Rui Barbosa e o direito internacional

Sérgio Eduardo Moreira Lima
Paulo Roberto de Almeida
Correio Braziliense, 14/07/2016
  
            Há cem anos, quando a Argentina comemorou o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa como seu representante nos festejos. Além de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a palestrar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, ali pronunciando uma das mais importantes alocuções da história do direito internacional no Brasil. Dada a contribuição de suas reflexões para a construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação de valores e princípios da diplomacia defendida pelo Itamaraty, vale relembrar alguns conceitos fundamentais dessa conferência, ainda válidos em nossos dias.
            Em 1983 a Casa de Rui Barbosa publicou o texto definitivo, traduzido do espanhol, dessa palestra, “Os Conceitos Modernos do Direito Internacional”, durante muito tempo denominada como “O Dever dos Neutros”. Rui já era conhecido na Argentina, onde vivera entre 1893 e 1894, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano por sua posição em defesa dos revoltosos da Armada. Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário independentista argentino – iniciado em 1806, avançando em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclamou a autonomia do país em face da Espanha –, Rui Barbosa cita Juan Bautista Alberdi, que condenava, no panfleto “A Onipotência do Estado”, o culto ao Estado como “a negação da liberdade individual”.
Ele chega então ao cerne de sua exposição: a condenação formal do uso da força, representada pela violação da neutralidade da Bélgica por tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui fora o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe... com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos. (...) Não há duas morais, a doutrinária e a prática. A moral é uma só: a da consciência humana, que não vacila em discernir entre o direito e a força.”
            Essa conferência de Rui Barbosa foi relembrada pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, no exato momento em que o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o país a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e em consonância com os deveres da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou em sua volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinária iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela. 
            Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas, um dos grandes tribunos do pensamento jurídico da diplomacia brasileira, defende o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava então em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos responsáveis pela contribuição das grandes diretrizes políticas e jurídicas que hoje integram plenamente o patrimônio da diplomacia brasileira.

Sérgio Eduardo Moreira Lima, embaixador, é presidente da Fundação Alexandre de Gusmão; Paulo Roberto de Almeida é ministro da carreira diplomática e professor nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Diplomacia com conhecimento de causa - Sérgio Eduardo Moreira Lima

Diplomacia com conhecimento de causa, por Sérgio Eduardo Moreira Lima

 
 
 
 
 
 
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O conhecimento da realidade externa é necessário para compreender fatores que afetam cada vez mais o cotidiano. Não basta entender sua dinâmica, é preciso influir sobre sua evolução para promover e proteger direitos e interesses. A pesquisa de relações internacionais é instrumental nesse processo. Ela incumbe ao Estado e à sociedade civil, por intermédio das universidades, de centros de estudos e da própria mídia.
A reflexão diplomática e a acadêmica podem diferir em propósitos e tempo de ação. A primeira tem seu foco no interesse nacional e na formulação de políticas. Responde a questões mais imediatas e advém da necessidade de definir linhas de ação de curto e médio prazos, bem como traçar estratégias coerentes numa perspectiva mais longa.
Apesar de suas diferenças, ambas podem complementar-se no processo decisório que assegure consistência à política externa na defesa de valores fundamentais e dos princípios que orientam o Estado. O legado do Barão do Rio Branco na negociação das fronteiras do Brasil se deve não apenas às qualidades do patrono da diplomacia, como também a suas pesquisas em História, Geografia e Direito, com apoio de entidades civis.
Com a institucionalização da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e a criação, em Brasília, em 1987, do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri), a ela vinculado, o Itamaraty deu um passo para aproximar diplomacia e academia, ao promover interação com a sociedade e conferir maior legitimidade à política externa. Esboçadas nos anos 70, essas iniciativas terão contribuído para reforçar valores democráticos em momento crítico da História do Brasil.
Diplomatas brasileiros já haviam participado do processo de criação em 1974 do primeiro curso de Relações Internacionais no país, na UnB. Com o estabelecimento do Curso de Altos Estudos (CAE) do Instituto Rio Branco (IRBr), em 1977, o Itamaraty lançou as bases para a interação continuada com a Academia. Das teses aprovadas desde então, as de maior interesse público têm sido divulgadas pela Funag.
Seminários sobre temas como o papel dos Brics no sistema internacional e a Diplomacia da Inovação para a Competitividade demonstram como Funag e Ipri contribuem para o esforço de reflexão sobre tópicos que vão da governança internacional à inserção do país nas cadeias globais de conhecimento e produção. O conceito do Itamaraty muito se deve à sua capacidade de pesquisar e inovar na projeção e salvaguarda dos interesses nacionais. É interessante que o Ipri tenha nascido de tese do CAE, defendida, em 1981, por Gelson Fonseca Junior, diplomata e pensador brasileiro.
Desafios atuais à pesquisa em relações internacionais continuam ligados à democracia e à projeção de seus princípios na ordem internacional. Compete ao Estado e à sociedade civil estudar esses obstáculos, cooperando entre si na busca de condições para sua superação, formulação conceitual e tratamento doutrinário. O Ipri tem por missão contribuir para o desenvolvimento do pensamento nacional autônomo acerca das grandes questões e oportunidades com que o Brasil se depara no mundo globalizado. Nesse propósito, complementa, em sua articulação com a academia, o exercício diário de pesquisa realizado por divisões e departamentos do Itamaraty.
Não deixa de surpreender o contraste entre valores e princípios no plano doméstico e sua reduzida projeção externa. Num mundo que se globaliza, esse paradoxo torna-se cada vez mais perceptível como dilema moral e político que afeta a dignidade dos que são “menos iguais”. A estabilidade do ordenamento internacional dependerá de sua legitimidade e de outros atributos que reflitam equilíbrio e coerência entre os valores universais defendidos internamente e sua projeção no mundo.
Em palestra no IRBR, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado, após referir-se às questões ligadas à paz e à segurança internacional, ressaltou a crescente importância e atualidade dos temas do desenvolvimento, social e ambiental, na agenda internacional. Para o Brasil, o êxito e o alcance das políticas adotadas no passado recente, que contribuíram para transformações internas notáveis, reforçam as credenciais diplomáticas do país. Recordou o ministro Figueiredo encontro recente com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a percepção deste quanto à dose de liderança que caberá ao Brasil na implementação da Agenda do Desenvolvimento pós-2015.
Num território tão vasto, com características geográficas e humanas variadas, a reflexão sobre o tema da cooperação e das relações internacionais será cada vez mais relevante ao desenvolvimento do Brasil, à defesa de seus interesses e de suas ideias, bem como à projeção e ao fortalecimento de seus valores no plano externo.
Sérgio Eduardo Moreira Lima é Embaixador e Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão – IPRI-FUNAG (semolima@gmail.com).