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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A história dos Vikings - Reinaldo José Lopes (FSP)

VIKINGS MUDARAM O MUNDO COM SUAS VIAGENS, DIZ ARQUEÓLOGO!

Reinaldo José Lopes

Folha de S.Paulo, 23/11/2021

Basta uma rápida olhada nos mapas que documentam as incursões vikings durante a Idade Média para concluir que os guerreiros escandinavos eram capazes de meter o bedelho em praticamente qualquer lugar da Europa e da bacia do Mediterrâneo.

O alcance global dos vikings começou como uma mistura despretensiosa de pirataria e comércio, mas seu efeito ao longo de três séculos transformou a geopolítica da região de maneiras que ainda influenciam o mundo moderno.

A Inglaterra e a Rússia, por exemplo, provavelmente não teriam surgido sem um empurrãozinho viking, e o mesmo talvez valha para a França. Descendentes dos piratas nórdicos também tiveram papéis de relevo na política da Itália medieval e nas Cruzadas. Nada mal para habitantes de um cantinho remoto e economicamente marginal do continente europeu.

Os detalhes das mudanças operadas pelos viajantes escandinavos estão descritos em ‘Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte’, livro do arqueólogo britânico Neil Price, que chegou recentemente ao Brasil.

Price, que é professor da Universidade de Uppsala, na Suécia, afirma que o ingrediente secreto por trás da influência histórica dos aventureiros nórdicos é a sua tremenda adaptabilidade e capacidade de tirar vantagem das diferentes situações em que se encontravam – um ‘jeitinho viking’, digamos.

‘O efeito colateral não pretendido disso é que eles deixavam legados de longo prazo aonde quer que fossem’, explicou Price à Folha. ‘O ponto-chave é que esses legados, na prática, tomavam formas diferentes de lugar para lugar’.

Considera-se que a chamada Era Viking vai de 793 d.C. a 1066 d.C. Ambas as datas têm a ver com acontecimentos na Inglaterra: no início, o primeiro ataque de piratas escandinavos a um monastério cristão, na ilha de Lindisfarne; no fim do período, a derrota do rei norueguês Harald Hardrada na batalha de Stamford Bridge – Harald tinha tentado tomar para si o trono inglês e foi morto em combate.

O alcance geográfico das viagens e ataques vikings, no entanto, foi muito mais amplo. Cidades e reinos foram fundados em território inglês e também na Irlanda, na Escócia, na França e em diversas áreas da atual Europa Oriental. Cidades costeiras da Espanha e da Itália foram atacadas, e contatos diplomáticos e comerciais foram estabelecidos com representantes do mundo islâmico.

Aliás, um dos mais interessantes relatos sobre um funeral viking, incluindo detalhes sanguinolentos acerca de sacrifícios humanos, foi escrito pelo viajante e erudito Ahmad ibn Fadlan, enviado pelo califa de Bagdá à bacia do Rio Volga, na atual Rússia, no ano 921.

Os fatores que desencadearam a Era Viking são múltiplos, e ainda há considerável debate acerca deles. O historiador britânico Peter Heather, da Universidade de Oxford, aponta que o fim do século VIII da Era Cristã foi uma época de recuperação econômica para diversas regiões portuárias do norte da Europa.

Ao mesmo tempo, algumas décadas antes, os moradores da Escandinávia já tinham dominado a tecnologia dos barcos vikings, bastante confiáveis em mar aberto, mas também capazes de subir rios rumo ao interior.

Com isso, juntava-se a fome com a vontade de comer. ‘Várias regiões da Escandinávia, principalmente na Jutlândia – península da Dinamarca –, tinham mercados consolidados, com rotas e pontos de contato por todo o mar do Norte’, explica o historiador Johnni Langer, diretor do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (Neve) da Universidade Federal da Paraíba.

Os escandinavos podiam aproveitar a prosperidade crescente dessas regiões para fortalecer sua atuação mercante – ou para se transformarem em piratas.

Aliás, esse é mais ou menos o significado original de ‘viking’, que não é uma designação étnica, mas sim uma espécie de termo ocupacional, que também podia ser usado como verbo (o sujeito ‘ia vikingar’, ou seja, ia fazer incursões ou pilhagens por mar).

Além dos ricos mercados do mar do Norte, os piratas nórdicos descobriram que havia uma concentração considerável de metais preciosos dando sopa, sem defensores militares, nos monastérios e igrejas da região. E, por ainda não terem se convertido ao cristianismo, não tinha prurido algum de se apoderarem dessa riqueza.

Outro ingrediente importante que impulsionou cada vez mais os ataques, segundo Langer: a pulverização política nas regiões sob assédio.

‘Os séculos VIII e IX foram caracterizados pela situação de enfraquecimento de poderes centralizadores, originando o início do feudalismo na Europa, como na França e Inglaterra. Esses poderes políticos regionais eram frágeis e por muito tempo acabaram recebendo influências escandinavas’, explica o historiador.

É preciso levar em conta, por exemplo, o fato de que o território inglês não correspondia a um reino unificado, estando dividido em pequenas monarquias como as de Mércia (região central), Wessex (oeste do país) e Nortúmbria (região norte).

Esse é o cenário da Europa Ocidental, mas é preciso considerar também o que acontecia no extremo leste do continente. Enquanto vikings dinamarqueses e noruegueses avançavam pelos atuais Reino Unido e França, piratas e mercadores suecos começaram a controlar as rotas de comércio que passavam pelo interior da Rússia, da Ucrânia e da Belarus.

Eles passaram a ser conhecidos como ‘Rus’’, nome que provavelmente deriva do termo nórdico para ‘remadores’ e que acabaria originando o próprio nome da Rússia. Por fim, alguns se incorporaram ao exército do Império Bizantino, formando a famosa Guarda Varangiana, ferozmente leal ao imperador.

‘Eles também passaram a atuar como parceiros econômicos cruciais, como estimuladores da economia, mercenários e, às vezes ironicamente, como defensores do Estado’, resume Price.

No leste, os reinos fundados por vikings se cristianizaram, uniram-se à população eslava local e acabariam dando origem à Rússia imperial. Na Inglaterra, foi a reação às invasões escandinavas que levou ao surgimento de um reino unificado (o qual, no começo do século XI, chegou a ser dominado por Canuto, o Grande, rei dinamarquês que governou também a Noruega).

E, em solo francês, um acordo da monarquia local com os invasores levou à criação do ducado da Normandia, dominado pelos vikings e batizado com o nome deles (‘normando’ significa ‘homem do Norte’).

A história aventuresca dos normandos nos séculos seguintes mostrou que eles tinham ‘puxado’ seus ancestrais escandinavos. Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, tomou para si a Inglaterra em 1066, enquanto outros militares da região forjaram reinos na Sicília e até na Síria durante as Cruzadas.


terça-feira, 16 de novembro de 2021

A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências - Paulo Roberto de Almeida

 A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

[Ensaio destinado  a aula magna em universidade federal]

  

Sumário:

1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil

2. O primeiro registro oficial da autonomia: o Arquivo Diplomático da Independência

3. Uma outra independência: uma história alternativa da construção do Estado

4. A Bacia do Prata e a Cisplatina: a primeira guerra do Brasil (herdada de Portugal)

5. A lamentável diplomacia do tráfico escravo: defendendo o indefensável

6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado

 

1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil

Este ensaio, de caráter histórico e analítico, trata das questões internacionais afetando o Brasil desde quando suas relações exteriores estavam inseridas no contexto da diplomacia portuguesa do final do século XVIII e início do XIX, período caracterizado pelas guerras napoleônicas e suas consequências para os dois reinos ibéricos e suas colônias americanas. Ele se ocupa apenas dos temas mais importantes, como as relações regionais e o problema do tráfico e da escravidão, à exclusão, no entanto, das questões estritamente comerciais, bastante conhecidas e trabalhadas pela historiografia do período, com ampla bibliografia sobre a questão – desde Hipólito da Costa, passando por Oliveira Lima e chegando a Roberto Simonsen e Celso Furtado –, a partir dos tratados entre Portugal e Grã-Bretanha de 1810, cujos dispositivos foram prolongados na Independência até o início do Segundo Reinado. Essa primeira fase, está marcada pela abertura dos portos em 1808 e pelo tratado de comércio de 1810, que dá 15% de tarifas para Grã-Bretanha, alíquota inferior à do próprio Portugal. Os grandes temas da diplomacia econômica do Brasil no século XIX foram amplamente tratados pelo autor na obra Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2017).

A questão da historiografia brasileira sobre a independência sofre, desde muito tempo, praticamente desde o início do regime republicano, de alguns dos mesmos vieses interpretativos que Bolívar Lamounier acusou, recentemente, na segunda edição de seu livro sobre dois séculos de política brasileira, a propósito da historiografia política, no sentido de preservar certo “economicismo dogmático” que a tinha caracterizado desde os anos 1950:

A partir da Segunda Guerra Mundial, numerosos autores e praticamente todo o meio universitário puseram em relevo os efeitos da colonização portuguesa e nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, mas poucos deram a devida atenção à construção institucional da democracia representativa, cujo início remonta à Independência e à Constituição de 1824. (Lamounier, 2021, p. 12)

 

(...)

[Texto integral será liberado oportunamente...]


6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado

A despeito das frustrações e desacertos enfrentados nos dois grandes temas da primeira agenda externa do Brasil no momento da independência e nos anos seguintes – os conflitos com as Províncias Unidas na questão da Cisplatina e os com a Grã-Bretanha, na vergonhosa defesa do tráfico e da escravidão –, a diplomacia profissional brasileira representou, desde o período inicial da construção do Estado, um dos setores mais bem preparados e um dos mais eficientes e constantes na burocracia pública, cujos traços e características essenciais, nessa fase inicial do século XIX, eram, bem mais “patrimoniais” do que propriamente “racionais-legais”. Ao assegurar, nessa etapa formadora da nação, a representatividade internacional do Estado brasileiro, a classe diplomática brasileira contribuiu para a sua construção e fortalecimento. De fato, ao trabalhar, basicamente, no Estado, pelo Estado e para o Estado, ela ajudou a construir, com sua parcela de esforços, a própria identidade brasileira, embora bem mais voltada para a construção da Ordem política do que, propriamente, para a consolidação do progresso social. Mas, a diplomacia, em si, não poderia evitar os traços patrimonialistas e oligárquicos do novo Estado: ela também era uma de suas expressões mais acabadas, como eram, aliás, todas as demais diplomacias do mundo de Estados organizados então existentes. 

A despeito de não existir, formalmente, antes da conquista da autonomia nacional, ela começa a aprender de certa forma por osmose, uma vez que as relações internacionais do Brasil passaram a estar inseridas no quadro do primeiro grande arranjo “multilateral” do início do século XIX. No Congresso de Viena, em 1815, estiveram representadas apenas oito nações “cristãs”, o Brasil no contexto do “Reino Unido” ao de Portugal, em virtude da relação privilegiada da Coroa lusitana com a Grã-Bretanha e basicamente no contexto de seu envolvimento, embora involuntário, com o grande “drama napoleônico” que agitou a Europa na sequência da Revolução francesa. As relações de força e de poder desenhadas naquela primeira grande conferência diplomática da era contemporânea continuaram a dominar os desenvolvimentos diplomáticos (e militares) durante a maior parte do século XIX, tendo o Brasil se inserido desde o início no contexto regional, o que compreendeu igualmente a “doutrina Monroe”. Nessa primeira fase, caracterizada pelo “realismo cru” do início do século XIX, navios de guerra das nações “civilizadas” se achavam no direito de violar impunemente, em nome de um conceito peculiar de “justiça”, as águas territoriais de países periféricos e, como ocorreu em algumas ocasiões, até mesmo os portos brasileiros.

Pelas características que exibia o serviço diplomático brasileiro naquela primeira fase – com um corpo diplomático vivendo no exterior, mas separado do corpo consular, e dispondo apenas de poucos servidores na Secretaria de Estado no Rio de Janeiro –, a diplomacia profissional contribuiu bem mais para a consolidação do Estado do que propriamente para a construção da nação, como afirma, não sem certa razão, o embaixador Rubens Ricupero, em sua obra já clássica de história diplomática (2017). Pode-se, no entanto, concordar com sua avaliação geral dos serviços prestados à nação pela diplomacia profissional, julgamento que também pode servir de conclusão a este ensaio: 

A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo. (Ricupero, 2017, p. 739)

 

A diplomacia brasileira da independência pagou um alto preço na sua imagem externa em virtude das heranças recebidas do período português. A continuidade do tráfico e a da escravidão, no período brasileiro, a partir das Regências, não ajudou muito na construção de uma imagem melhor. Sua reconstrução viria aos poucos, de maneira muito lenta, talvez, para padrões civilizatórios mais aceitáveis no plano global. Esta é uma das características estruturais do Brasil, que não pode ser superada unicamente pela sua diplomacia. 

 

Brasília, 15 novembro 2021 (26 p.)


sábado, 23 de outubro de 2021

China: 110 anos da revolução que terminou com 2 mil anos de regime imperial (CGTN)

 China CGTN, 22:25, 09-Oct-2021

Why the 1911 Revolution is a significant event in China
Updated 12:48, 10-Oct-2021
CGTN

The Former Address of Wuchang Uprising Military Government in Wuchang District, Wuhan, central China's Hubei Province. /CFP

Editor's note: This year marks the 110th anniversary of the 1911 Revolution, or the Xinhai Revolution, which overthrew the Qing Dynasty (1644-1911) and put an end to the country's over 2,000-year-old monarchy. The revolution is of great historical significance, for it led to the establishment of the Republic of China (1912-1949) and the following social changes in the country. 

Launched by Chinese revolutionaries represented by Sun Yat-sen, the 1911 Revolution began with the Wuchang Uprising, an armed rebellion against the Qing Dynasty rulers that broke out on October 10, 1911 in what is today's Wuchang District, Wuhan City, in central China's Hubei Province. 

The revolution "was an inevitable product of the intensifying social conflicts and tenacious struggles of the Chinese people in modern China," Chinese President Xi Jinping said Saturday at a meeting marking the 110th anniversary of the event.

In the face of a semi-colonial and semi-feudal society, the Chinese people did not admit defeat but kept fighting and exploring new ways to save the nation, Xi added.

A statue of China's revolutionary pioneer Sun Yat-sen is erected in front of the Former Address of Wuchang Uprising Military Government in Wuchang District, Wuhan, central China's Hubei Province. /CFP

First great change of 20th century in China

"The Xinhai Revolution is the first great historical change in China of the past century. It is of great epoch-making significance in Chinese history and had a profound historical influence," Li Zaiquan, a researcher at the Institute of Modern History of the Chinese Academy of Social Sciences, told CGTN.

Besides ending the monarchy, it also created a modern national democratic revolution in a complete sense, and brought about the rise of democratic consciousness and the liberation of the mind, Li added.

"As it overthrew the emperor, who was regarded as supreme in the past, the psychology of the people underwent great changes, and they realized that they are the masters of the country," wrote Jin Chongji, an expert of Chinese modern history and the 1911 Revolution, in an article published on the website of the Chinese Academy of Social Sciences. 

Without this social atmosphere and the psychological state it created, subsequent movements of the country wouldn't be able to happen, he said.

Success, failure should be viewed comprehensively

"The revolution had successes and failures. Its success was mainly focused in politics," Li said. After the revolution, any claim or action to rebuild or restore the monarchy in China ended in failure, he added.

The failure or incompleteness of the revolution is mainly related to its social implication, Li continued, as it did not change the nature of China's semi-colonial and semi-feudal society. It was also unable to have any major impact on the living conditions of the Chinese people. 

"It is incomplete if you only see the failed parts of the revolution, especially when people don't see the tremendous progress it brought to China and the world," Li said, adding that the revolution opened the floodgates of progress, which is "irreversible."

Li told CGTN that young people who did not go through that period might underestimate the political significance of the revolution.

"This is not surprising, as they did not see how difficult it is to overthrow the monarchy system that had lasted for more than 2,000 years," he added.

Read more:

Xi says CPC is the 'strong force' to lead Chinese people forward

110 Years: Pursuing dreams and modern China

Tracing the history of the 1911 Revolution in Wuhan


sábado, 2 de outubro de 2021

Micro história do PT: das intenções às promessas e às realizações - Paulo Roberto de Almeida

Micro história do PT: das intenções às promessas e às realizações  

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

O PT veio ao mundo com as melhores intenções e as mais elogiáveis promessas: eliminar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e “resgatar a ética na política”, como prometia de modo retumbante, talvez já com algumas doses de hipocrisia.

Mas ele tinha os seus pecados originais: sindicalistas mafiosos no seu comando, secundados pelos “guerrilheiros reciclados” retornados do exílio um ano antes, destinados a servirem de quadros orgânicos de um projeto gramsciano de poder, e um imenso caudal de devotos seguidores da “teologia da libertação”, que atuaria como base eleitoral e como canais de disseminação das promessas salvacionistas dos novos true believers da política, os verdadeiros crentes na mensagem grandiosa dos novos emissários do bem. Os mais poderosos eram, obviamente, os mafiosos sindicais e os apparatchiks neobolchevique, que montaram uma máquina que faria inveja ao jovem Stalin, quando ele assaltava agências de correio e bancos do interior para financiar o PSODR. 

Na montagem do partido e das suas estruturas de implantação social, regional e nacional, não faltaram “contribuições” dos cubanos, dos sindicatos simpáticos às promessas do sindicalismo alternativo – centrais francesas (CGT e CFDT), da Alemanha (DGB, metalúrgicos e entidades vinculadas ao SPD) e até americanas (AFL-CIO). Continuou o recolhimento do dízimo dos militantes e membros, o desvio de recursos das comunidades eclesiais de base, dos fundos legais do imposto sindical generosamente repassado pelo MTb e outras fontes de recursos, como poderiam ser os pequenos roubos e falcatruas em prefeituras do interior, daquele jeito meio artesanal dos primeiros tempos: transporte urbano, recolhimento de lixo, merenda escolar e todas as demais possibilidades dos modestos orçamentos que puderam controlar (uma capital aqui e ali, um estado eventualmente). Não esquecer alguma grana das FARC e também do Chávez, entre 1999 e 2002 (depois pagas in kind).

Quando o PT chegou ao poder, depois de mentir bastante sobre a “herança maldita” do “neoliberalismo tucano”, foi como se eles deixassem aquela vida difícil de navegantes do deserto para a grande sorte da loteria: a assunção do governo representou uma espécie de caverna de Ali Babá com seus tesouros infinitos, nunca antes vistos: além da vaca petrolífera, tinha todo o aparelhamento do Estado, que foi feito de forma imediata (e o dízimo aumentou para 30% para os que tinham cargos eleitos ou funções DAS), todas as estatais e contratos públicos que podiam ser ordenhados à vontade, a extorsão sobre grandes capitalistas e banqueiros, a fraude e o desvio sobre todos os desembolsos obrigatórios e novos saques em projetos feitos especificamente para roubar – como a Sete Brasil, novas estatais – e o uso de qualquer projeto de medidas governamentais para “doações voluntárias” (ou seja, perfeitamente “legais”) ao partido e a inevitável mochila do seu tesoureiro, passando expressamente e especialmente depois de cada novo negócio para recolher o cash dos dirigentes e a propina ilegal. 

Além da montagem do roubo sistemático de todos os recursos públicos e privados que estivessem ao seu alcance, o PT cumpriu fielmente a “tese” do Engels da mudança da quantidade em qualidade – que está no medíocre Dialética da Natureza –, passando do “modo artesanal de produção da corrupção”, para uma etapa superior do capitalista petista, o “modo industrial de produção de corrupção”, elevando a um grau nunca antes visto na história da política nacional a barganha, a chantagem e as fraudes entre Executivo e Legislativo, e entre o primeiro e todas as agências públicas e provedores privados (não esquecer as ONGs e “entidades sociais”), todos mobilizados para o grande assalto ao Estado pagador. Uma nota especial deve ser dedicada aos megaprojetos internacionais, que permitiam escapar da moeda nacional e dos controles institucionais paras se lançarem no maravilhoso mundo dos paraísos fiscais, das contas secretas, dos laranjas em dólar e toda sorte de falcatruas que era possível combinar com sócios privilegiados (os bolivarianos continentais e os ditadores africanos, por exemplo), com capitalistas cooperativos e banqueiros complacentes (que tinham perfeito conhecimento e domínio dos canais paralelos aos circuitos oficiais) e toda sorte de oportunistas ocasionais, que sabiam onde estavam os bons negócios com refinarias decrépitas, poços de petróleo comprados e logo vendidos por meio de estatais das petroditaduras, e outras grandes possibilidades em dólares. 

Houve, sim, a montagem de uma imensa máquina de extração, desvio e saques perpetrados contra os Estados (do Brasil e dos sócios), contra os privados (que também lucravam barbaramente) e sobretudo em todas as instâncias institucionais abertas ao engenho e arte dos “planejadores financeiros” do partido neobolchevique (teve um que confessou tudo e revelou que 9 de cada 10 medidas governamentais tinham embutida alguma forma de extração de recursos públicos ou privados). 

Ao lado disso, teve a benesse da grande demanda chinesa por todas as commodities brasileiras de exportação – soja a 600 dólares a tonelada, minério de ferro a quase 200, e muitas outras –, o que representou um oceano de dólares pingando no laguinho do PT, que logo regurgitou de recursos abundantes, com os quais foi possível montar negócios legais ainda mais interessantes (um pouco como fizeram as máfias americanas em cassinos, no imobiliário, em companhias de transporte, e até respeitáveis escritórios de advocacia, pelos quais era possível contratar deputados, senadores e até chefes de polícia). O PT se transmutou de pequeno partido idealista em uma gigantesca corporação de “executivos” especializados em crimes econômicos e tributários, dos quais apenas uma pequena parte foi revelada por diversas operações de investigação policial ou de procuradores estaduais e federais, das quais o maior exemplo foi a Lava Jato, conduzida de forma improvisada e atabalhoada por novos “salvadores da pátria”, paladinos da Justiça, aparentemente impolutos. Esses esforços, por mais meritórios que tenham sido, soçobraram nos ataques combinados ou independentes de corruptos da direita e da esquerda, uma colusão de honoráveis barões da política oficial. 

Pequenos acidentes de percurso são inevitáveis quando se começa a tratar com bandidos não profissionais, e quando a ambição por mais participação nos negócios abre os olhos de colaboradores eventuais, em nada ideológicos ou comprometidos com as “boas causas” do partido justiceiro e amigo dos pobres. Surgem as denúncias, e de repente uma bola de neve se forma para atrapalhar a delicada maquinaria da corrupção. Tem também o caso de dirigentes estúpidos que podem precipitar uma crise financeira, alta da inflação, descontrole das contas públicas, deslize no dólar e outras fatalidades dos negócios. Surgem então os contratempos e uma travessia do deserto, lambendo as muitas feridas causadas pela ambição extremada e a inexperiência nos métodos da cleptocracia de alto coturno.  

Mas, não é preciso fazer autocrítica: o povinho miúdo sabe que todos os políticos roubam, que todos são corruptos, então é melhor um partido que se lembre pelo menos que ele existe e enfrenta qualquer dificuldade para prover o maná que representa muitas vezes a diferença entre a vida e a morte para os muitos miseráveis da nossa terra. Basta a boa palavra, a propaganda hábil em. disfarçar o roubo e o comprometimento com a justiça social, para trazer a redenção tão esperada da próxima vez. É isso o que muitos esperam, sobretudo os ratos esfaimados que perderam suas boquinhas no Estado. 

Será esta a próxima etapa da jangada do Brasil? Voltaremos ao mesmo porto?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3991: 2 outubro 2021, 3 p.

Divulgado no blog Diplomatizzando (link: ).

 

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Como eu diria, a História não se repete, mas tem gente que gosta de repetir erros passados - Carlos Brickmann


APRENDER, JAMAIS 

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 15 DE SETEMBRO DE 2021

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Esta é uma história que nada tem a ver com o Brasil, embora nos dê lições. Nas décadas de 1920 e 1930, o nazismo estava longe de ser o partido mais forte da Alemanha. Maiores eram a Social-Democracia (SPD) e o Comunista (KPD), ambos fortes no movimento operário. O KPD, de extrema-esquerda, considerava que seu principal adversário, por buscar adeptos no mesmo campo, era o SPD, de meia-esquerda. União, nem pensar: o KPD achava que os anos 30 seriam os últimos do capitalismo. Chegariam ao poder os esquerdistas, inevitavelmente, e o KPD queria ser o representante único da esquerda. Logo, o inimigo era a social-democracia. A SPD era tratada como “social-fascismo”, “ala moderada do fascismo”.

O KPD, até na cor preferida, o vermelho, obedecia às ordens do líder vermelho Stalin, que ditava, de Moscou: “O fascismo (...) e a social-democracia (...) não se excluem (...). Ao contrário, se complementam”. O KPD não aceitava críticas a Stalin (a quem chamava de “guia genial dos povos) e jamais admitiu que ele pudesse errar. Enquanto isso, os nazistas cresciam, passavam de 800 mil para 13 milhões de votos, até se aliavam aos vermelhos no combate à SPD. Em 1931, por exemplo, se aliaram nazistas e vermelhos num plebiscito sobre a dissolução do Legislativo da Prússia, baluarte da SPD. Perderam, mas os nazistas mostraram força. A SPD ainda propôs uma aliança, os vermelhos a recusaram. Hitler chegou ao poder. Já não havia mais como contê-lo.


terça-feira, 24 de agosto de 2021

A rejeição de imigrantes chineses, na era do "perigo amarelo' - Book Review of Mae Ngai by Yunte Huang (NYT)

The Worldwide Effort to Bar Chinese Immigration

Credit...California Historical Society 

THE CHINESE QUESTION

The Gold Rushes and Global Politics
By Mae Ngai

Book Review by 

The New York Times Review of Books, Aug. 24, 2021


In his classic treatise on American pauperdom, “How the Other Half Lives” (1890), Jacob A. Riis, a Danish carpenter turned journalist and photographer, opines, “The Chinese are in no sense a desirable element of the population,” and “they serve no useful purpose here.” Ascribing his own failure in penetrating the inner soul of New York’s Chinatown to proverbial Oriental inscrutability, Riis asserts that each Chinese in America, unlike European immigrants, is “a homeless stranger among us.”

In hindsight, these racist statements from a progressive social reformer may sound shocking, but as Mae Ngai shows in her meticulously researched book, “The Chinese Question: The Gold Rushes and Global Politics,” views like Riis’s actually represented the prevailing sentiment toward Chinese, not just in the United States but throughout the Anglophone world in the 19th century. Tracking the migration of Chinese to California, Australia and South Africa, Ngai, a professor of history at Columbia University, locates the beginnings of Chinese communities in those far-flung gold-producing regions, where they faced marginalization, violence and exclusion from self-described “white men’s countries.”

The so-called Chinese Question (at the time thorny social issues were called questions: the Negro Question, the Jewish Question, the Woman Question and so on) boiled down to this: Are the Chinese a racial threat to white, Anglo-American countries, and should Chinese be barred from them?

Excavating rich deposits of the past, Ngai has certainly made striking discoveries. She ties the Chinese Question to a pivotal period in the 19th century that saw the ascendence of British and American financial power spurred by gold production, colonial dispossession and capitalist exploitation. Born out of an alchemy of race and money, the history of the Chinese communities in the West, Ngai cogently argues, were not extraneous to the emergent global capitalist economy but an integral part of it.

ontinue reading the main stor

However, making the Chinese Question central to global politics and economics is not the most noteworthy accomplishment of Ngai’s important book. From John Bigler riding the issue of Chinese exclusion successfully to the first California governor’s office in 1852 to the role that the Chinese Question played in the landmark 1906 victory by the Liberal Party in Britain, not to mention modern politicians who routinely bash China as a vote-getting ploy, Ngai’s narrative recounts events that sound all too familiar today. The Chinese became mere pawns in a cynical political game.

Ngai not only shows that anticoolieism was foundational to Western identities of nation and empire, she also demonstrates the many ways that the Chinese communities were themselves agents of change, not slavish coolies or passive victims of abuse and discrimination. Facing violence, harassment and institutionalized inequality, they looked within their own communities — forming huiguans (associations) and tongs (secret societies) when denied justice in a courtroom, building networks to the homeland when marginalized by mainstream society, seeking alternative means of influencing local politics when denied citizenship and the right to vote. Woven into these poignant and stirring stories of communal building are Ngai’s colorful profiles of little-known individuals like Yuan Sheng, Lowe Kong Meng and Xie Zixiu — “representative men” who rose to wealth and power from their humble origins in the mining camps. She describes as well accused murderers and petty criminals who tried to defend themselves in pidgin English but did not stand “a Chinaman’s chance.”

To be sure, the narrative pace is somewhat uneven and Ngai is not always successful in keeping a balance between her dry data and her storytelling. Still, her book is a deep historical study, and a timely re-examination of the persistent Chinese Question in America and elsewhere.


sexta-feira, 30 de julho de 2021

Cultura e história alemã serão assuntos no Goethe-Institut São Paulo em agosto (Estadão)

 Cultura e história alemã serão assuntos no Goethe-Institut São Paulo em agosto


CONTEÚDO ESTADÃO
da Redação

O Goethe-Institut São Paulo, órgão cultural do governo da Alemanha, oferecerá, a partir de agosto, uma imersão na história, nos costumes e na política alemã.

A instituição irá oferecer cursos especiais que vão abordar desde a biografia de irmãos muito conhecidos como Jacob e Wilhelm Grimm, Alexander e Wilhelm von Humboldt e Fanny e Felix Mendelssohn, passando pelo Romantismo, até a presença de partidos políticos alemães no Brasil, suas fundações e ideologias.

Além do ensino do idioma, o Goethe-Institut São Paulo oferece esses cursos especiais para pessoas que já têm conhecimento básico da língua, com uma proposta de unir o ensino do alemão com aspectos culturais e históricos da Alemanha.

Por causa da pandemia de covid-19, os cursos estão sendo ministrados em plataforma online. O instituto também oferece cursos de alemão direcionados a profissionais de direito, de saúde e tradutores, além dos preparatórios para exames de proficiência.

Para participar, basta entrar em contato com o Goethe-Institut para mais informações. Confira a programação.

CURSOS ESPECIAIS GOETHE-INSTITUT EM AGOSTO:

Resistência ao nacional-socialismo: biografias, cartas e diários dos combatentes da resistência

A história do Nacional-Socialismo a partir da perspectiva de grupos de resistência e pessoas que se opõem ao sistema e trabalhavam pela paz e justiça, como Sophie Scholl, Helmuth James Graf von Moltke e Dietrich Bonhoeffer.

Quando: De 5/8 a 10/8, das 18h45 às 22h

Biografias de irmãos - parte 1

As histórias de vida dos irmãos muitas vezes refletem a situação histórica de todo um século. A relação entre assuntos sociopolíticos e privados como um influenciado o outro mutuamente será analisada a partir de três biografias de diferentes épocas: Jacob e Wilhelm Grimm, Alexander e Wilhelm von Humboldt e Fanny e Felix Mendelssohn.

Quando: De 16/8 a 4/10, das 20h30 às 22h

A época do Romantismo e seus temas centrais

"Romântico": conceito este conceito compreende o sinistro, o fantástico, o assunto, trata das personagens aventureiras e apaixonadas. O Romantismo Negro, em particular, manifestou o fascínio por ocorrências estranhas e malignas. ETA Hoffmann, com as suas histórias de Sandmann e da Casa Vazia, é um exemplo paradigmático do narrador irônico e pouco confiável desta época. Neste curso texto explicativo e ocasionalmente adaptações cinematográficas e musicais para entender aspectos específicos da época do Romantismo.

Quando: De 26/8 a 9/12, das 18h45 às 20h15

Os partidos políticos alemães no Brasil - suas fundações e ideologias

Os partidos políticos alemães estão ativamente presentes no Brasil há muitos anos através de suas fundações, que oferecem bolsas de estudo e programas diferentes. Neste curso, vamos explorar as ideias e os políticos por trás dessas fundações. Um panorama compacto de 1950 até hoje, incluindo retratos dos três candidatos ao cargo de Chanceler Federal após 16 anos de Angela Merkel: Olaf Scholz, Armin Laschet e Annalena Baerbock.

Quando: 16/8 a 13/12, das 18h45 às 20h15

SERVIÇO:
Cursos especiais Goethe-Institut
Quando: a partir de agosto
Onde: Online pela plataforma Zoom
Contactos : cursos-saopaulo@goethe.de ou pelo telefone (11) 3296-7000, das 9h às 18h

(Com Agência Estado)

https://www.hnt.com.br/brasil/cultura-e-historia-alema-serao-assuntos-no-goethe-institut-sao-paulo-em-agosto/233525

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Sobre os 100 anos do Partido Comunista da China, 1921-2021 - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre os 100 anos do Partido Comunista da China, 1921-2021 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoregistrar um artigo de opiniãofinalidadeinformação pública]

  

O PCC, ao chegar aos 100 anos, se sente orgulhoso por tudo o que fez de progressos materiais na China atual. Esquece as horas mais sombrias do maoísmo demencial, com o sacrifício de dezenas de milhões de chineses, e a sempre persistente ditadura, nos últimos 4 mil anos na verdade, para ressaltar os sucessos do presente.

De fato, fez muito, nos últimos 30 ou 40 anos, em termos de progressos materiais e de realizações sociais, arrancando centenas de milhões de chineses, sobretudo rurícolas (80% da população até os anos 1980), de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável e, agora, para modestos patamares de bem-estar social (com milhares de milionários e dezenas de bilionários e grande concentração de renda, mas progressos em todas as faixas). 

Tudo isso aderindo à economia de mercado, desprezada por Mao e outros marxistas ignorantes, e fazendo dos atuais membros do Partido perfeitos mandarins, ao estilo dos funcionários imperiais de um passado extremamente remoto.

Sim, a China é hoje a maior economia de mercado do mundo, possuindo estatais, planejamento setorial e monopólios — como várias democracias capitalistas —, apenas que dirigida por um Partido Comunista que detém o monopólio do poder e que pretende estar construindo um “socialismo com características chinesas”.

Não, não está: está construindo um capitalismo com características chinesas, o que significa um regime político centralizado e altamente burocratizado, talvez a “gaiola de ferro” de que falava Max Weber, que também fez as suas incursões pelo “despotismo oriental”.

A China atual não é mais despótica, mas sim autoritária, tem as suas formas internas de escolha democrática de representantes (não todos do PCC) e detesta que estrangeiros lhe venham dar lições de democracia ou de direitos humanos. Ela foi muito humilhada pelas grandes potências ocidentais, e barbaramente estraçalhada pelo Japão fascista, durante seu largo período de declínio político e econômico, e não aceita qualquer arrogância imperial, depois do término dos tratados desiguais (que no seu caso durou até 1943). 

Na verdade, foi o PCC que restabeleceu a plena soberania da China (totalmente ilusória sob Chiang Kai-shek) e construiu a vibrante economia de mercado, totalmente inserida na interdependência global. 

Ela não ameaça a paz e a segurança internacionais, embora existam pendências que ela considera como sendo de sua inteira soberania — Hong Kong, Taiwan, Tibete, Xinjiang — que potências ocidentais (que fizeram muito pior no seu passado colonialista e imperialista) pretendem sinalizar como sendo “violações do Direito Internacional”, ao lado de disputas no Mar “do Japão” e do “Sul da China”, nas quais ela assume a defesa acirrada de seus interesses, desprezando inclusive resoluções da CIJ-Haia.

Um balanço objetivo das realizações do PCC não pode deixar de reconhecer as imensas realizações alcançadas sob a sua autoridade incontrastável e ditatorial. Um regime ao estilo do Kuomintang, ou seja, uma República burguesa, corrupta e disfuncional, teria obtido os mesmos êxitos — abstraindo-se os anos tirânicos e demenciais do maoísmo — que o regime totalitário e atualmente autoritário do PCC? 

É muito improvável que o conseguisse num tempo absolutamente recorde de 30 ou 40 anos, ainda que talvez o tivesse conseguido em maior período de tempo — talvez cem anos —, com menor sacrifício das liberdades democráticas. Mas o que a China do PCC fez em matéria de progressos tecnológicos e de mudanças sociais é excepcional em toda a história da Humanidade. Muito disso não se deve exclusivamente ou essencialmente ao PCC, e sim à extraordinária energia inventiva e disposição para o trabalho do povo chinês, uma vez liberto das idiotices do maoísmo no terreno econômico. Registre-se que pelo seu atraso — temporal e estrutural — o “comunismo” chinês foi mais superficial do que o regime soviético, destruindo menos as instituições tradicionais e o substrato cultural do povo chinês do que o fez o stalinismo totalitário na Rússia.

Creio, pessoalmente, que não se deve julgar a China pelos parâmetros ocidentais no campo do poder político, seja pelo simplismo infantil dos “democratismos” dos ocidentais, seja mesmo pelas explicações mais sofisticadas à la Barrington Moore, por exemplo. 

A história é sempre única e original, e se desenvolve pelas vias mais surpreendentes, avançando com um velho carro de bois, com rodas desequilibradas por uma estrada muito esburacada, para usar uma imagem do historiador britânico Lawrence Stone.

Se tivéssemos de dar notas ao PCC pelos seus primeiros cem anos, eu arriscaria no máximo 30, na primeira metade do século XX, menos do que 20 sob o maoísmo demencial, talvez 30 sob Deng Xiaoping, mais de 40 ou mesmo 50 na direção colegiada e rotativa que se seguiu, e provavelmente 70 nos primeiros anos da era Xi Jinping, recuando sensivelmente depois que ele se tornou “imperador”. Mas aqui seria preciso distinguir entre as realizações materiais — absolutamente impressionantes, mesmo fulgurantes nos últimos anos — e o reforço do monopólio autoritário no campo político. O que não deixa de se encaixar na longa história do “despotismo oriental”, embora com progressos materiais para o seu povo que jamais existiram nos 4 mil anos de história de uma civilização extremamente sofisticada.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3938, 28 de junho de 2021