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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Itamaraty cumprindo o seu papel na diplomacia da saúde, vacinas da Índia a preços reduzidos, sem o Min. Saúde

 Em voo secreto, Itamaraty buscou vacinas da Índia por 10% do valor pago pelo Ministério da Saúde


Após dois fretamentos fracassados e prejuízo de US$ 500 mil para Fiocruz, diplomatas fizeram operação por US$ 55 mil sem conhecimento da pasta

26.ago.2021 às 4h00
Patrícia Campos Mello

Após as tentativas frustradas de buscar 2 milhões de doses de vacina na Índia em janeiro deste ano, que geraram um prejuízo de US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões na cotação atual) para a Fiocruz, o Itamaraty negociou secretamente com o governo indiano e conseguiu transportar as mesmas doses por US$ 55 mil (R$ 288 mil na cotação atual), cerca de 10% do valor pago pela fundação.

Toda a operação foi feita em sigilo, e o Ministério da Saúde só soube quando a carga de vacinas já estava prestes a embarcar no avião da companhia aérea Emirates no aeroporto de Mumbai.

O afobamento e as trapalhadas do governo Jair Bolsonaro, principalmente da pasta da Saúde, já tinham produzido dois fiascos na busca de vacinas.

O ministério, na época sob o comando do general Eduardo Pazuello, havia determinado à Fiocruz que fretasse um avião para buscar as vacinas na Índia no dia 16 de janeiro. Ao mesmo tempo, negociou com companhia aérea Azul um outro voo para buscar as mesmas vacinas.

Bolsonaro havia determinado que as vacinas tinham que chegar, de qualquer jeito, antes do dia 20 de janeiro —data em que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), iniciaria a vacinação com a Coronavac.

Telegrama diplomático mostra que, em 9 de janeiro, foi enviada uma carta de Bolsonaro ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, “recordando a importância do prazo do dia 20”, e o ministério indiano teria reiterado “não poder comprometer-se ainda com datas”.

Doria acabou começando a vacinação em 17 de janeiro. As vacinas da Coronavac, produzida pelo Instituo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, foram transportadas ao Brasil em voo comercial da companhia turca Turkish Airlines.

A Fiocruz assinou em 13 de janeiro um contrato de fretamento de um avião para Mumbai com a DMS Agenciamento de Cargas e Logística, conforme instrução do Ministério da Saúde, para buscar as doses no dia 16.

Naquele momento, no entanto, não havia garantia de que o governo indiano fosse liberar as cargas dentro do período proposto. No dia 14, um porta-voz da chancelaria indiana, em briefing semanal à imprensa, disse ser "cedo demais" para o envio de vacinas a terceiros países naquela semana.

Um dia depois, segundo telegrama do Itamaraty, o embaixador da Índia no Brasil, Suresh Reddy, reiterou pedido para que não fosse enviado “o voo especial para transporte das vacinas até que sejam concluídas as autorizações formais pelo lado indiano".

A fundação teve de pagar antecipadamente o valor de US$ 500 mil, estipulado no contrato com a empresa de logística, conforme a Folha revelou em maio.

“O Ministério da Saúde solicitou à Fiocruz a contratação de voo fretado para a realização da operação”, disse a Fiocruz em nota. “Posteriormente a todos os procedimentos para a realização da operação de transporte, o Instituto Serum comunicou em 15.01.2021 à Bio-Manguinhos/Fiocruz que a data de 16.01.2021 programada para o recolhimento e transporte ao Brasil não seria mais factível e a carga não estaria mais disponível, e que a continuidade da operação dependeria de uma nova data a ser anunciada pelo Instituto.”

Segundo a Fiocruz, o contrato não previa reembolso. "Todos os contratos de fretamento no mercado estabelecem pagamento adiantado e reserva prévia, sem possibilidade de reembolso. Portanto, o valor investido nessa operação, de US$ 500 mil, não pode ser recuperado", disse o instituto em nota, em maio.

Ao mesmo tempo, e sem o conhecimento da Fiocruz, o Ministério da Saúde também contratou um avião da Azul para realizar o mesmo serviço.

No dia 13 de janeiro, o ministério divulgou uma nota afirmando: “Um avião da empresa aérea Azul sairá do Brasil na noite desta quinta-feira (14 de janeiro) com destino a Mumbai, na Índia, para buscar 2 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca/Oxford, adquiridas pelo Ministério da Saúde para garantir o início da imunização dos brasileiros. O Airbus A330neo —maior aeronave da frota da companhia— decolará do Aeroporto de Recife (PE) às 23h. A previsão de retorno é no próximo sábado, dia 16.”

Na nota, havia também uma declaração do então ministro Pazuello: “É o tempo de viajar, apanhar e trazer. Já estamos com todos os documentos de exportações prontos".

No dia 14, a aeronave saiu de Viracopos, em Campinas (SP), para o Recife, de onde seguiria viagem. Chegou a ser adesivada com o slogan “Brasil imunizado: somos uma só nação” e exibida nas redes sociais do ministério. Os indianos foram pegos de surpresa. Logo depois, o governo anunciou que o transporte das vacinas teria de ser adiado.

Depois do fracasso na operação, o Ministério da Saúde anunciou que iria usar a aeronave na distribuição de cilindros de oxigênio. Indagada, a assessoria da pasta não especificou quanto foi gasto na operação com o voo da Azul, nem o motivo pelo qual foram contratados dois fretamentos ao mesmo tempo, sem garantia de que as vacinas estariam disponíveis na Índia.

A precipitação do governo brasileiro ao anunciar a chegada das vacinas causara saia justa para o primeiro-ministro Modi. O Brasil nem avisou aos indianos que iria anunciar a chegada das vacinas. O governo da Índia, por conta da pressão política interna, não podia anunciar exportação de vacinas antes de iniciar a vacinação no país, e antes de doar para países vizinhos.

Na terceira tentativa de buscar as vacinas, o Itamaraty e o Ministério das Relações Exteriores indiano resolveram fazer tudo em sigilo, sem o envolvimento da Saúde, para que não houvesse risco de vazar a informação ou de haver pressão do Palácio do Planalto para alguma divulgação.

Foi só no dia 19 de janeiro que o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, comunicou que a carga de vacinas seria liberada no dia 21. Ele solicitou “reserva e discrição”, e as duas chancelarias acordaram a divulgação conjunta da informação somente às 6h do dia 22 de janeiro.

O Ministério da Saúde não participou das deliberações, e o Itamaraty atuou em paralelo.

“Tão logo recebida a decisão do governo indiano de autorizar a exportação de 2 milhões de doses da vacina Covishield para o Brasil, o Posto buscou assegurar que seu transporte fosse efetuado o mais rapidamente possível. Nesse contexto, chegou ao entendimento com a empresa Serum (SII) que a forma mais rápida e eficiente seria a opção de transporte por avião comercial de carga, conforme a prática usual do fabricante, que é o maior exportador de vacinas do mundo”, diz um segundo telegrama enviado pela Embaixada do Brasil em Déli, no dia 22 de janeiro.

O mesmo telegrama relata que o custo do transporte seria US$ 55 mil e pergunta de que forma o governo brasileiro iria fazer o pagamento

Pazuello só soube do voo na última hora, quando as vacinas já estavam no aeroporto de Mumbai.

A Folha questionou a Fiocruz sobre o motivo de o valor do contrato fechado com a empresa de logística ser quase dez vezes maior do que o pago para a Emirates fazer o mesmo serviço.

“O Ministério da Saúde solicitou à Fiocruz a contratação de fretamento para essas vacinas. O transporte não poderia ser realizado apenas mediante o fretamento de um voo comercial, uma vez que o transporte de imunobiológicos envolve um conjunto de serviços complexos que exigem a contratação de uma empresa especializada em serviços dessa natureza", respondeu a Fiocruz, em nota.

"No caso da operação para o fretamento das vacinas da Índia, os serviços contratados da empresa DMS Agenciamento de Cargas e Logística consideravam não apenas o fretamento do voo, mas toda a operação, ou seja, a cadeia logística desse transporte, desde a retirada da carga da farmacêutica na Índia até a sua chegada na Fiocruz, incluindo ainda o aluguel de equipamentos especiais para a manutenção de temperatura da carga durante todo o trajeto e a tramitação aduaneira", acrescentou.

Procurado diversas vezes por telefone e email, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O Itamaraty afirmou que os custos da operação de importação foram cobertos pela Fiocruz. “A atuação do Itamaraty no enfrentamento da atual crise sanitária é coordenada com os órgãos do governo federal responsáveis pelo tema.”

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/em-voo-secreto-itamaraty-buscou-vacinas-da-india-por-10-do-valor-pago-pelo-ministerio-da-saude.shtml

sábado, 17 de abril de 2021

A "pandemia" no Ministério da Saúde no contexto da pandemia: por onde pode cair o desgoverno Bolsonaro

TCU indica punição a Pazuello por omissões

O Estado de S. Paulo, 15/04/2021

 

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizaram nesta quarta-feira, 14, que devem punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seus auxiliares por omissões na gestão da pandemia da covid-19. Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus no País.

 

Segundo o relator, uma das ações da gestão de Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. “Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, afirmou Zymler.

 

O posicionamento do TCU sobre a conduta do ministério na crise pode ter desdobramentos cruciais para o governo, principalmente no contexto de uma CPI da Covid no Senado – ontem o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que mandou a Casa instalar a comissão parlamentar (mais informações nesta página). A CPI tem a missão de apurar a conduta da administração federal na pandemia.

 

O TCU é, por definição, um órgão de assessoria do Congresso. Foi da Corte de Contas que saiu, em 2015, o relatório final que recomendava a rejeição das contas do governo Dilma Rousseff de 2014. O julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” foi a base para o impeachment da ex-presidente petista.

 

Na sessão de ontem, Zymler sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões da Saúde sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. Para o relator, o ministério descumpriu determinações anteriores do TCU, as quais já apontavam a falta de planejamento em diversas áreas. Em análises deste tipo, o TCU pode aplicar multas, decretar a indisponibilidade dos bens e proibir o alvo da ação de exercer cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos.

 

O ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério “envergonha” e que já há argumentos para impor “condenações severas” a gestores da pasta. Segundo Dantas, as responsabilidades podem ser medidas “em números de mortos”.

 

Em seu relatório, o TCU afirma que a ocorrência de uma série de problemas, como desabastecimento de medicamentos e oxigênio, perda de testes para diagnóstico e explosão de número de casos da doença, “se deveu, em muito, ao comportamento do Ministério da Saúde, que tem se esquivado de cumprir as determinações desta Corte de Contas, e que, ao verificar o abrandamento da pandemia no fim de 2020, não foi previdente e descreu da ocorrência da segunda onda, mesmo sabedor da ocorrência desse evento na Europa”.

 

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira pediram vista e o caso deve retornar à pauta em 30 dias. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao TCU, Oliveira é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência do atual governo. Ele disse que concorda “no mérito” com o relatório, mas fez uma ressalva. “(Peço) Que o tribunal não extrapole suas funções, não faça desgastar uma relação que, por motivos alheios à nossa vontade, já está muito desgastada, que as instituições respeitem umas às outras”, afirmou.

 

A área técnica do TCU já havia sugerido aos ministros que aprovassem a aplicação de multa a Pazuello, além do ex-secretário executivo da Saúde Elcio Franco, do atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde, Helio Angotti Neto, e do atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. O tribunal pode aplicar multa de, no máximo, R$ 67,8 mil. Zymler, porém, optou por sugerir a abertura de processos separados que poderão resultar em sanções.

 

A reportagem questionou Pazuello e Elcio Franco sobre o assunto, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. O Ministério da Saúde, onde atuam Helio Angotti Neto e Arnaldo Correia de Medeiros, também não havia se manifestado.

 

O relatório técnico do tribunal lista uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Saúde em relação ao Plano de Contingência Nacional. No entendimento do TCU, as mudanças tiveram o efeito prático de apenas reduzir as responsabilidades da pasta. A área técnica do tribunal afirma que a redução de responsabilidades pode ter comprometido a capacidade de monitorar estoques nacionais de insumos e medicamentos.

 

O plano original previa, por exemplo, que o governo federal deveria “garantir estoque estratégico de medicamentos para atendimento de casos suspeitos e confirmados para o vírus”. Essa missão, porém, foi alterada para “apoiar nos processos de aquisição não programada de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com covid-19, em articulação com as áreas técnicas demandantes”.

 

O Ministério justificou que o financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS. Dessa forma, parte dos medicamentos é adquirida pelos Estados ou municípios e, por isso, caberia a cada ente a gestão de seus estoques.

 

O TCU, porém, apontou que, ao contrário do afirmado pelo ministério, a função de garantir estoque de medicamentos não se referia à responsabilidade de aquisição de todos os medicamentos, mas ao monitoramento de insumos essenciais e aquisição, de forma a evitar desabastecimentos. A Corte cita ainda no relatório as alterações realizadas em ações de assistência farmacêutica. O relator também apontou que falta planejamento da Saúde sobre o orçamento da pandemia. “A chamada segunda onda era anunciada e exigiam-se medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde. Não foi o que aconteceu”, escreveu Zymler, em seu voto.

 

MPF

 

O Ministério Público Federal apresentou ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, por omissão na pandemia. Segundo a Procuradoria, a demora do Ministério da Saúde em agir e a falta de planejamento levaram ao colapso em Manaus, onde pacientes morreram, no início do ano, por falta de oxigênio.

 

A ação aponta que Pazuello e Campello deixaram de adotar medidas necessárias para calcular a demanda de oxigênio, algo que só passou a ser feito após o insumo faltar nos hospitais. “Esse atraso retardou a avaliação da situação e adoção de medidas para preparar o sistema de saúde para o novo pico, com a instalação de novos leitos com insumos necessários”, diz a ação. Pazuello e Campelo não foram localizados nesta quarta-feira.