O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (19): rebaixando a cidadania (Merval Pereira)

Lula rebaixa a cidadania
Merval Pereira
O Globo, 7.9.2010

O mais espantoso na atuação do presidente Lula no episódio das quebras múltiplas de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, até mesmo a filha do candidato tucano à Presidência da República, é como ele manipula seus seguidores, explorando-lhes a boa-fé e, sobretudo, a ignorância.

José Serra lamentou que Lula tenha “debochado de coisa séria” quando fez análises nada republicanas sobre o episódio. Segundo o presidente, em cima de um palanque, o episódio não passa de “futrica”, e o candidato do PSDB “está nervoso” com a previsão de derrota e está usando sua família “para se fazer de vítima”.

Seriam comentários ofensivos à cidadania, partidos de um presidente que deveria ser imparcial quando o assunto são as garantias dos direitos individuais dos cidadãos, sejam eles petistas ou não, lulistas ou não.

Mas o mais grave, do ponto de vista da manipulação do eleitorado, está na frase que jogou no ar como se fosse um desafio: “Cadê esse tal de sigilo que ninguém viu?”

O presidente Lula se utiliza assim da dificuldade que o brasileiro comum tem de compreender os meandros da disputa política, muito mais quando se trata de questões técnicas ligadas a computadores e senhas eletrônicas, para tentar desmoralizar a questão, reduzindo-a a uma “futrica” de perdedor.

Se o tal do “sigilo” não apareceu, é porque não existe, quer levar a crer o nosso nada republicano presidente.

É conhecida a piada que circula entre os petistas segundo a qual Lula teria dito que essa questão de dossiê não abala seu eleitorado, pois eles não sabem o que quer dizer a palavra, e muitos a confundem com “doce”.

Há também o raciocínio segundo o qual como apenas 40 milhões de brasileiros de- claram o Imposto de Renda, a imensa maioria dos eleitores não estaria preocupada com o assunto.

Para se ter uma noção do que esse raciocínio perverso embute, dos 130 milhões de eleitores, cerca de 60% são formados por analfabetos, analfabetos funcionais ou pessoas que não completaram o ensino fundamental.

Ora, a esta altura dos acontecimentos, todo cidadão de boa-fé e minimamente informado sabe que os dados colhidos em diversas instâncias da Receita Federal, em várias partes do país, estão espalhados em diversos documentos que circularam no comitê da candidata oficial Dilma Rousseff.

Não foram usados formalmente, nem nunca seriam, pois trata-se de material ilegal. Mas estão sendo espalhados há muito tempo em diversos blogs e continuam sendo usados com insinuações contra as vítimas dos atentados.

A própria candidata Dilma Rousseff, abusando da inteligência de seus interlocutores e seguindo por um caminho perigoso, insinuou em entrevista coletiva que os dados levantados sobre Verônica Serra seriam usados por membros do próprio PSDB contra Serra, que àquela altura ainda disputava com o ex-governador de Minas Aécio Neves a escolha do partido para concorrer à Presidência da República.

Os petistas engendraram uma pseudoexplicação que culpa a vítima, e Dilma se en-carregou de tornar essa intriga em fato de campanha na sua entrevista.

A disputa entre Serra e Aécio seria a verdadeira origem do tal dossiê, que eles negavam existir e agora, diante das evidências, querem jogar no colo de Aécio Neves, numa mesquinha tentativa de confundir os eleitores.

Mais uma vez coube à chamada grande imprensa, para ódio dos governistas e seus blogueiros chapas-brancas, demonstrar que essa versão não se sustenta.

Tanto os acessos em Santo André quanto os de Formiga, em Minas Gerais, foram feitos por pessoas filiadas ao PT, o que deixa evidente o caráter político das quebras de sigilo.

Essa é uma prática comum ao Partido dos Trabalhadores e tem uma longa história, desde quando o partido era de oposição, mas já mantinha nos principais órgãos públicos uma grande influência graças aos sindicalistas enfronhados na máquina pública.

Na oposição os petistas usavam seu poder de quebrar sigilos e de conseguir documentos para fazer denúncias contra o governo de Fernando Henrique Cardoso.

No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores.

O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba.

A obsfuscacao das contas publicas; muita confusao, pouca clareza...

O último orçamento de Lula
Editorial - O Estado de S.Paulo
08 de setembro de 2010

Ao fixar em valores a meta do superávit primário para o próximo ano, e não mais em porcentagem do PIB, como vinha ocorrendo, o projeto de lei orçamentária de 2011- enviado pelo presidente Lula ao Congresso na terça-feira da semana passada - cria uma margem extra de gastos para o futuro governo. Essa margem será tanto maior quanto mais o crescimento da economia superar as estimativas oficiais que balizam a proposta orçamentária e que são consideradas conservadoras dentro do próprio governo. Assim, o projeto do Orçamento da União de 2011 intensifica o processo de deterioração da política fiscal, que vem sendo afrouxada nos últimos anos para acomodar despesas de interesse político do presidente e de seus aliados.

Para o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a mudança do critério de fixação da meta do superávit primário dá mais "clareza" à gestão orçamentária. É muito provável, no entanto, que, em vez de mais "clareza", a nova regra dificulte a avaliação da política fiscal no ano que vem.
Mesmo raciocinando a partir dos parâmetros conservadores do governo para a montagem do Orçamento de 2011, pode-se concluir que haverá um afrouxamento da meta fiscal em relação aos anos anteriores. Se o PIB crescer 6,5% neste ano e 5,5% em 2011, como está previsto na proposta orçamentária, o valor de R$ 125,5 bilhões para o superávit primário do ano que vem corresponderá a 3,22% do PIB, menos do que os 3,31% utilizados no Orçamento de 2010. Em valor, observou o ministro, a diferença será pequena, de R$ 3,1 bilhões, se os parâmetros estiverem corretos.

Mas é provável que o PIB cresça mais do que as projeções contidas na proposta orçamentária, o que fará a arrecadação crescer bem mais do que está previsto e tornará muito maior a folga do próximo governo para gastar mais no primeiro ano de sua gestão, sem deixar de cumprir a meta de superávit primário.

Outra marca da proposta orçamentária é a preocupação do presidente Lula de assegurar a continuidade de um projeto de inspiração política e escassos resultados práticos, que é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2011, o PAC terá 37% mais recursos do que está tendo este ano (os investimentos passarão de R$ 31,85 bilhões para R$ 43,52 bilhões). Seria bom para o País se esses investimentos fossem concretizados, mas, se a próxima gestão repetir a atual, pouca coisa sairá do papel. O que o histórico da administração do PAC mostra é uma grande lentidão na liberação dos recursos e, sobretudo, na conclusão das obras.

A proposta prevê aumento de 15% dos investimentos totais (de R$ 138,5 bilhões para R$ 159,6 bilhões), mas praticamente dois terços do total programado serão de responsabilidade de empresas estatais (só a Petrobrás deverá investir R$ 78,7 bilhões), ou seja, não beneficiam diretamente programas e ações do governo federal.

Com relação aos gastos com pessoal, depois de ter concedido generosos benefícios a todas as carreiras de servidores, em sua última proposta orçamentária o governo Lula se mostrou mais contido. Incluiu nela apenas as parcelas dos benefícios anteriores que devem ser pagas em 2011.

É preciso, no entanto, aguardar algumas arrastadas negociações políticas - que deverão se realizar somente depois de conhecidos os resultados eleitorais - para saber, na realidade, quanto dessa proposta original do governo poderá ser executado, e quanto terá de ser destinado para outras contas.

O projeto de lei não prevê, por exemplo, aumento real para o salário mínimo, cujo valor baliza outras despesas do governo. A cada ano, o salário mínimo tem sido aumentado de acordo com o crescimento do PIB de dois anos antes. Como em 2009 o PIB encolheu 0,2%, não deveria haver aumento real em 2011. Mas as lideranças sindicais, que negociaram essa regra com o governo, exigem aumento real do mínimo também no ano que vem. O presidente Lula quer que o próximo governo negocie a nova regra.

Se houver aumento real para o mínimo, crescerão outros gastos do governo. A cada 1% adicional no mínimo, as despesas do governo com a Previdência, com a seguridade social e com o abono salarial e seguro-desemprego aumentarão R$ 1,46 bilhão.

===============

JORNALISMO ECONÔMICO
Os detalhes que importam
Por Rolf Kuntz
Observatório da Imprensa, 7/9/2010

Cobrir a capitalização da Petrobras tem sido um duplo desafio. Além de correr atrás da notícia, o pessoal tem suado para montar esquemas gráficos e explicar o processo montado pelo governo. Não é fácil esmiuçar, por exemplo, a cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo da União, a forma de converter em dinheiro essa participação e a relação contábil entre a empresa e o Estado. De modo geral, a imprensa tem conseguido realizar a tarefa. De vez em quando, algum jornal se adianta. A Folha de S.Paulo, por exemplo, informou em manchete a discussão sobre o campo inicialmente escolhido para a cessão à Petrobras. A reserva desse campo – Franco – poderia ser menor que os cinco bilhões de barris.

Foi um belo ponto. Não houve desmentido e o arranjo oficial, anunciado poucos dias depois, envolveu a cessão de seis campos e, além disso, um sétimo, o de Peroba, foi escolhido como reserva e precaução. Os jornais informaram com vários dias de antecedência o preço provável do barril de petróleo: US$ 8,50 ou algo muito próximo. Seria a média aritmética dos valores extremos sugeridos por duas consultorias, uma contratada pela Petrobras (US$ 5), outra pela Agência Nacional do Petróleo (US$ 12).

O valor finalmente informado pelo governo foi US$ 8,51. Esse preço foi apresentado como a média ponderada dos valores estimados para cada um dos seis campos. Foi uma coincidência extraordinária. Escreverá uma das melhores histórias do ano – e certamente uma das mais divertidas – quem contar como foram estimados o potencial de cada campo e o preço do petróleo de cada um e quem orientou o trabalho.

Manobras contábeis

O esquema de transferência dos cinco bilhões de barris foi apresentado oficialmente na quarta-feira (1/9). No dia seguinte a Petrobras anunciou os primeiros detalhes do lançamento de ações. Na sexta-feira (3), só o Valor Econômico deu um bom resumo das novas informações, com a estimativa de captação de cerca de R$ 128 bilhões. Os outros jornais tiveram provavelmente problema de horário e só publicaram no sábado o resumo do prospecto.

O governo tem montado uma complicada arquitetura financeira para levar adiante seus planos sem comprometer, pelo menos de forma ostensiva, a meta fiscal. Os arranjos diretos entre a União e a Petrobras são apenas parte desse esforço. Os esquemas de capitalização da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também são exemplos de criatividade, com transferências de ações de estatais e até de direitos do Tesouro sobre futuros dividendos.

Quatro jornais citaram os fatos, na edição de quarta-feira (1/9). A história mais detalhada foi escrita por Adriana Fernandes e Fabio Graner, do Estado de S.Paulo. Conseguiram descrever os lances contábeis e mostrar como o Tesouro ainda conseguiria melhorar suas contas com uma receita não-tributária.

Dados confusos

Os dois outros grandes assuntos da mesma semana foram a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e a divulgação das contas nacionais do segundo trimestre – e, portanto, do primeiro semestre completo.

O Copom simplesmente manteve os juros básicos em 10,75%, sem surpresa para os analistas econômicos. Porta-vozes do setor privado também reagiram como se previa: reclamaram porque o BC manteve os juros, em vez de cortá-los. Apesar da previsibilidade, os meios de comunicação gastaram o espaço e o tempo habituais com essas declarações.

As contas nacionais, divulgadas na sexta-feira (3/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram noticiadas em matérias amplas, mas sem novidade no tratamento. As imprecisões também foram as de sempre. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre foi 8,8% maior que o de igual período do ano passado. Segundo os jornais, o PIB cresceu 8,8% no período de abril a junho e 8,9% no primeiro semestre. Não tem sentido, em casos como esses, o verbo "crescer". Pode-se usar esse verbo quando se trata de períodos consecutivos: no segundo trimestre o PIB cresceu 1,2% em relação ao primeiro e 4,9% em termos anualizados. Da mesma forma, o PIB cresceu 5,1% nos últimos quatro trimestres sobre os quatro imediatamente anteriores.

Também ocorreu, pelo menos em alguns jornais, uma confusão nos dados sobre o investimento. O valor investido no segundo trimestre foi 26,5% maior que o de um ano antes. Houve quem falasse em recorde de investimento. Mas o recorde foi apenas a diferença entre aqueles dois valores. A taxa de investimento (medida em relação ao PIB) foi 17,9% foi maior que a do segundo trimestre de 2009 (15,8%), mas inferior à do mesmo período de 2008 (18,4%).

Cuidar desses detalhes não é preciosismo.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A grande ilusão do socialismo e dos socialistas - Mauricio Tragtenberg

A grande ilusão do socialismo e dos socialistas - Mauricio Tragtenberg
Paulo Roberto de Almeida

Fui aluno, talvez discípulo, mas certamente amigo de Maurício Tragtenberg, com o qual convivi em meus anos de formação acadêmica. Dele obtive a melhor inspiração de leituras e reflexões, como ocorreu com tantos outros jovens que também foram seus alunos e que com ele conviveram dos anos 1960 aos 1990, nas diversas escolas e faculdades em que ele lecionou. Como todos, eu tinha o maior respeito pelo mestre, pelas suas aulas e ensinamentos, o que não quer dizer que acatei totalmente suas ideias e concepções.
No começo, sim, tendíamos a concordar com ele, pois éramos todos socialistas, quase todos marxistas, alguns libertários, como ele, o que não era difícil no ambiente universitário daqueles tempos – talvez mesmo hoje –, ainda mais no contexto da ditadura militar vivida pelo Brasil dos anos 1960 aos 80.
Estas rememorações me vieram à mente ao ler uma resenha feita por Antonio Ozaí na Espaço Acadêmico de setembro de 2010. Destacou ele um trecho de um dos livros – o qual já tinha lido em edição anterior – agora reeditado graças aos esforços de seus seguidores, alunos, discípulos. Assim reza o trecho:

"É pela socialização dos meios de produção controlados pela classe operária organizada em suas organizações diretamente representativas, que é possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem."

In: Mauricio Tragtenberg: O capitalismo no século XX (2ª. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Editora UNESP, 2010; Coleção Maurício Tragtenberg, 186p.), p.170-171.

Ao ler esse trecho, constato que nesses poucos argumentos estão resumidos, de forma muito transparente, a grande tragédia do socialismo e dos socialistas, incluindo, portanto, o próprio Mauricio Tragtenberg. Rememoro meu último encontro com ele, exatamente como ocorreu, e depois retomo o argumento substantivo.
Fui visitar Mauricio Tragtenberg em sua casa, em meados dos anos 1980, depois de longos oito anos de intervalo, ao ter voltado de minha segunda estada na Europa, e depois de ter conhecido praticamente todos os socialismos reais, aliás, os únicos existentes. Tinha também conhecido um socialismo “surreal’ na Iugoslávia, a última réstia de esperança para aqueles que, como ele, valorizavam não o socialismo burocrático, centralizado, mas a sua vertente auto-gestionária, supostamente mais benigna ou pretensamente mais “funcional” (já que seria isento dos pecados do excesso de centralismo e de burocratismo estatal).
De forma puramente factual, pude confirmar, para decepção do velho mestre, que, em qualquer da modalidades, o socialismo não funcionava como modo de produção econômica, e menos ainda como forma de organização social. O sistema simplesmente não conseguia fornecer à população bens de uso corrente (esqueçamos produtos mais sofisticados), na quantidade e na qualidade requeridas
Se formos, então, analisar seu desempenho na área política, e nessa vertente a questão crucial das liberdades, seria forçoso concluir que TODAS as experiências socialistas redundaram em fracassos absolutos, já que todas elas recorreram à mais violenta das tentativas de remodelação social conhecidas na história, e todas conduziram a sistemas autoritários, quando não totalitários, e a uma opressão ainda maior do que aquela existente nos antigos sistemas feudais ou capitalistas.

Portanto, ao reler o velho mestre, nas linhas selecionadas na resenha, que acreditava que seria:

“...possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem

o que eu teria a dizer-lhe, novamente – e que já tinha dito diretamente a ele, em minha volta do socialismo – seria que, NÃO, infelizmente, essa passagem não é possível, pois NENHUMA sociedade planificada centralmente, no sentido socialista – ou seja, sem garantir a propriedade privada dos meios de produção – JAMAIS conseguiu preservar as liberdades básicas do homem.

Sorry, velho mestre, mas a História não esteve consigo, nesse particular, ou seja, não caminhou no sentido desejado por tantos libertários e outros sonhadores socialistas. Não se trata de falhas teóricas dos socialistas ou de incapacidade organizacional de seus movimentos de massa, e sim de impedimentos estruturais que têm a ver com as prescrições formuladas para a organização econômica da sociedade, de uma contradição primária, como diriam os “sábios” da academia soviética.
Tudo isso não me impede de saudar a enorme erudição do mestre, agradecer-lhe, sempre, as inúmeras lições intelectuais que recebi dele, as infinitas recomendações bibliográficas e de leitura, e aquele fino gosto pela ironia que era a marca registrada de Mauricio Tragtenberg.
Grato por tudo, velho mestre, mesmo estando do outro lado do processo histórico, do lado da utopia, esta era formulada com a melhor das intenções, e você foi um homem verdadeiramente digno, honesto intelectualmente, uma personalidade admirável. Minha homenagem a um educador exemplar.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 8 de setembro de 2010)

Declaracao de voto: pequenas regras contrarianistas...

Declaração de voto: dez pequenas regras contrarianistas
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (ano 10, n. 112, setembro 2010, p. 80-87). Publicados n. 989.

Resumo: Considerações sobre a conjuntura política brasileira e declaração de natureza moral sobre o processo eleitoral, contendo posturas contrarianistas ao ambiente de degradação institucional que caracteriza a campanha eleitoral.
Palavras-chaves: política brasileira; campanha eleitoral; atitude dos candidatos.

Não! Contrariamente ao que diz o título do artigo, não vou declarar o meu voto na urna, nas próximas eleições, para qualquer candidato que seja, do mais humilde concorrente a conselheiro municipal – cargo, aliás, que não está em causa desta vez; mas este texto vale também para os vereadores – aos mais ambiciosos pretendentes ao cargo supremo na Nação. Não é esse o objetivo a que aspira este pequeno ensaio, cuja única intenção é a de fixar alguns parâmetros pelos quais eu vou decidir o meu voto, independente de qual seja ele. Não vou definir agora quais são, ou serão, meus candidatos preferenciais em outubro de 2010, nem pretendo influenciar os leitores ou lhes sugerir um nome ou outro dentre os candidatos em liça. Trata-se aqui, apenas e tão somente, de uma declaração de cunho “moral”.
Os que me lêem habitualmente, neste espaço ou em outro qualquer, e os que por acaso passarem por aqui ou vierem a tomar conhecimento deste ensaio, podem ficar seguros de que não faço, nunca fiz, jamais farei propaganda para alguém, para qualquer candidato, de qualquer partido, tanto porque nunca pertenci a qualquer um deles, jamais pretendo ingressar em algum, nem milito por alguma causa política institucional. Meus poucos objetivos na vida cívica são: os de querer a política da verdade e o simples respeito à lógica; de manter um compromisso intransigente com a honestidade – acima de tudo intelectual, mas também política –, metas que podem ser complementadas pelo engajamento na causa das liberdades democráticas e pela luta sem qualificativos pelos direitos humanos, sem qualquer concessão a ditaduras, ou a ditadores, caudilhos, líderes populistas, aos embromadores políticos habituais e outros patifes eleitorais. Pode parecer antiquado, mas é o que me basta.
Sendo assim – certo de que o que vai acima ficou muito claro – devo talvez começar por dizer, não exatamente quais são os meus parâmetros de escolha eleitoral, pois existem muitas variáveis envolvidas, mas iniciar pelos elementos de fato e pelas situações políticas que rejeito absolutamente, pois eles já fornecem uma base de julgamento sobre o quê, exatamente, vai determinar o meu voto e as minhas escolhas eleitorais no escrutínio de outubro de 2010. A rejeição de certos “pecados” políticos pode representar uma preparação para o estabelecimento ulterior de uma plataforma de “acolhimento” do que eu chamaria de “boas virtudes” na vida cívica e política. Vou, portanto, limitar-me a fazer uma pequena lista negativa sobre o que me parece constituir um conjunto de “pecados originais” no atual jogo eleitoral.

1. Sou contra os simplismos eleitorais
(...)
2. Sou contrário aos reducionismos políticos
(...)
3. Sou contra populismos e demagogias
(...)
4. Sou contra os exercícios de mistificação política
(...)
5. Sou contra os imitadores e falsificadores de todo tipo
(...)
6. Sou contra a lei dos benefícios imediatos, sem pesar os custos no futuro
(...)
7. Sou contra a embromação, a mentira, a propaganda enganosa
(...)
8. Sou contra paternalismos e pretensas familiaridades
(...)
9. Sou contra políticos de duas faces e que praticam ambiguidades
(...)
10. Sou contra a utilização de símbolos populares para fins de exploração política, inclusive a religião, supostos artistas populares, figuras do passado, etc.
(...)

Para ler o texto publicado ver neste link.

Para o texto original, com uma última parte que foi publicada em separado, ver aqui : “Declaração de voto: um manifesto quase marxista”,
Blog Textos PRA (link).

Independencia: uma explicacao para a data do 7 de Setembro

Por que se comemora no dia 07 de setembro a independencia do Brasil ? A cientista política e historiadora Isabel Lustosa explica, em esclarecedor artigo, porque o dia 07 de setembro foi "inventado" para a comemoração da Independencia do Brasil...

A invenção do 7 de Setembro
Isabel Lustosa
O Estado de S.Paulo, 7/09/2010

Quando se deu realmente a Independência do Brasil? Porque, quando consultamos os jornais de 1822, não há nenhuma referência ao que se passou nas margens do Ipiranga em 7 de setembro? Porque aquele episódio foi escolhido em detrimento de outros, quando sabe que, em 1822, a data tomada como marco da Independência foi o 12 de outubro, dia do aniversário de dom Pedro I e de sua aclamação como imperador? Essas e outras questões foram respondidas, em artigo de enorme valor acadêmico, porém pouco conhecido, publicado em 1995, pela historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Intrigada com o silêncio da documentação e das publicações do ano de 1822 sobre o 7 de setembro, Lourdes Lyra devassou essa história e estabeleceu ponto por ponto o processo e os interesses envolvidos na escolha do 7 de setembro como data da Independência. Um ponto que merece realce é que os documentos que supostamente dom Pedro I teria lido às margens do Ipiranga no dia 7 só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de setembro. Outro é que o primeiro relato detalhado do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, em momento de desprestígio do imperador diante dos brasileiros que tinham feito a Independência e que se indignaram com as bases do tratado assinado com Portugal.

A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização. O patente interesse de dom Pedro em conservar seus direitos à sucessão do trono de Portugal, que essa fórmula do tratado revelava, apontava no sentido de uma posterior reunificação dos dois reinos.

Um príncipe que se declarara constitucional, que desde o Fico (9 de janeiro de 1821) vinha sendo aclamado até pelos setores mais liberais, que rompera com Lisboa e convocara eleições para uma Assembleia Constituinte, tão amado que recebera da Câmara o título de Defensor Perpétuo do Brasil, fora pouco a pouco se convertendo num tirano. Primeiro, ao dissolver a Assembleia Constituinte, depois, pela forma violenta com que reprimiu a Confederação do Equador e, finalmente, pela assinatura do vergonhoso tratado.

É nesse contexto que a escolha do 7 de setembro como data da Independência ganha sentido. Segundo Lourdes Lyra, até então tinham sido consideradas as seguintes datas decisivas para o processo: o 9 de janeiro, dia do Fico; o 3 de maio, dia da inauguração da Assembleia Constituinte Brasileira; e o 12 de outubro, dia da Aclamação. Foi o esforço concentrado do Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) do Rio de Janeiro, durante o mês de setembro de 1822, enviando mensagem à Câmaras das principais vilas do Brasil - num tempo em que eram as vilas e cidades as instâncias decisivas da política portuguesa -, que fez com que, na fórmula consagrada, constasse que dom Pedro fora feito imperador pela "unânime aclamação dos povos". Foi o apoio das Câmaras e de setores da elite e do povo do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais que deu forças ao príncipe para se contrapor às decisões de Lisboa.

Segundo bem demonstra Lourdes Lyra, a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império. Essa obra in progress foi reforçada ainda naquele ano pela publicação do famoso relato do padre Belchior, a primeira descrição minuciosa dos fatos que se verificaram às margens do Ipiranga por uma testemunha ocular da História. Ao lado deste, dois outros relatos publicados bem mais tarde por membros do grupo que acompanhou dom Pedro a São Paulo passariam a ser a fonte privilegiada para o estudo da data.

O coroamento da obra se deveria ao Visconde de Cairu, intelectual respeitado que se conservou sempre aos pés do trono. Em sua História do Brasil, publicada em partes entre 1827 e 1830, Cairu afirma que a Independência do Brasil foi "obra espontânea e única" de dom Pedro, que a tinha proclamado "estando fora da Corte, sem ministros e conselheiros de Estado, sem solicitação e moral força de requerimento dos povos". Estava entronizado o mito do herói salvador, e postos na sombra os outros protagonistas, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo e os membros de todas as Câmaras que impulsionaram e sustentaram o príncipe em suas decisões. Sem esse poderoso elenco de coadjuvantes, ao contrário do que afirma Cairu, não teria ocorrido a Independência.

É interessante como símbolos forjados a partir de circunstâncias fortuitas se podem transformar com o tempo. Prova de que na memorabilia pátria menos que os fatos importam o peso que a tradição lhes imprimiu. Foi assim, durante todo o Império com a Constituição de 1824. O gesto de sua criação - ela foi outorgada, e não resultou da deliberação de uma Assembleia - não impediu que ela fosse respeitada e sacramentada até muito depois da deposição de dom Pedro I. O mesmo se deu com o 7 de setembro. A data impôs-se sobre as demais, hoje esquecidas, e continuou a ser festejada com o mesmo entusiasmo depois da abdicação, em 7 de abril de 1831, e bem depois de proclamada a República.

Isabel Lustosa (Cientista Política pelo IUPERJ, é historiadora da Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro). Artigo publicado no O ESTADO DE S. PAULO ( terça-feira, 7 de setembro de 2010)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Five Myths About US Exports - The Washington Post

Opinion: Five myths about U.S. exports
By Bruce Katz and Jonathan Rothwell
The Washington Post, Sunday, September 5, 2010

Since January, when he announced his goal of doubling U.S. exports within five years, President Obama has argued that increasing exports is key to lifting our economy out of the doldrums. As he put it this summer, "Ninety-five percent of the world's customers and fastest-growing markets are beyond our borders." But the recent news that, after more than a year of growth, American exports declined in June (as countries such as Germany saw their exports surge) has some wondering how well "Made in the USA" can still sell overseas. Will we be stuck forever selling less and buying more? Not necessarily: Many widespread assumptions about what the United States sells, and to whom, are wrong.

1. Exports have been a shrinking share of the economy.
Given our sizable trade deficit, many people assume that we must be selling less to the rest of the world than we once did. This is not true. Despite the drop in June, U.S. exports grew 14.1 percent from the second quarter of 2009 to the second quarter of 2010, a pace far outstripping the 3 percent growth of the economy overall. In fact, the share of our economy devoted to exports has been growing continuously since its modern low during the Great Depression. Exports now account for roughly 12 percent of GDP, up from 3 percent in the 1930s.

Yet it's true that we should increase our exports. We still buy more than we sell. And compared with other countries, our exports make up a small segment of our economy. Moreover, recent census data show that most U.S. businesses are focused solely on the domestic market: Only 1 percent of them are exporters.

Our relatively low export levels represent a lost economic opportunity. While domestic consumers struggle with unemployment and debt, demand in many other countries is booming, and that demand could be translated into U.S. job growth. The metropolitan areas that enjoyed the fastest increases in exports from 2003 to 2008 -- places such as Wichita, Houston and Portland, Ore. -- experienced rapid growth in export-related jobs during that period.

2. Exports come only in boxes.
Although the word "exports" conjures images of gantry cranes and shipping containers, it actually encompasses all purchases of U.S. products by foreign residents. Our exports include not only manufactured objects but also services and intellectual property. Indeed, services account for roughly a third of all U.S. exports, and this share has been growing.

In 2008, the United States exported more than $500 billion in commercial services. The largest segment of these -- $113 billion worth -- was business, professional and technical services, including management and consulting, research and development, and computer services. Our other service exports include travel and tourism (the services we sell to international tourists, from restaurant meals to hotel stays, count as exports, even though they are enjoyed on U.S. soil), financial services, and Hollywood films.

And when foreigners pay licensing fees or royalties to use intellectual property that has been patented or trademarked by an American individual or company, they're buying American exports, too. If, for example, a pharmaceutical company in Sweden wants to make a drug invented in New York, a U.S. company can license its intellectual property for a fee. Payments such as these amounted to $91.6 billion in exports in 2008.

3. U.S. exports are no longer internationally competitive.
With so much emphasis on the decline of American manufacturing (we were once the world's top exporter), many people don't realize that the United States ranks third in the world in merchandise exports, just behind Germany and China, according to the World Trade Organization. Certain industries that specialize in high-value exports (integrated circuits, say, or other electronic components) are particularly strong. Exports of transportation equipment, to take another example, grew by 10.6 percent between 2003 and 2008, outpacing the growth in transportation imports.

Once services are added to the calculation, the United States exports a higher value of products than any other country in the world -- $1.5 trillion in 2009, compared with Germany's $1.3 trillion and China's $1.3 trillion.

Although exports make up a smaller share of our economy than in export-oriented Germany and China, our strength in high-quality services and high-value goods shows that we can compete in the fields where innovation matters most. The U.S. metropolitan areas with the highest rates of innovation (as measured by the number of patents issued per worker) are also the most export-oriented. Moreover, we have found that for every $1 billion in exports by a given industry in a given metropolitan area, wages in that industry in that area increase 2 percent over the wages paid to other workers in the region, regardless of workers' education levels. This belies the notion -- as does Germany's success -- that only low-wage workers can produce goods for the world.

4. Trade with developing countries eliminates jobs for U.S. workers.
In fact, the rise of developing countries has created a substantial number of jobs in the United States. In research we conducted with our Brookings Institution colleague Emilia Istrate, we found that from 2003 to 2008, the value of U.S. exports to Brazil, India and China doubled in inflation-adjusted dollars, accounting for 8.8 percent of U.S. exports in 2008. Put another way, our exports to these countries increased 121 percent over that time period, compared with a 46 percent increase in U.S. exports overall.

Brazil, India and China are increasingly buying American. And as their economic development continues, it will continue to increase demand for U.S. exports. The International Monetary Fund predicts that these three countries will together account for more than 25 percent of world GDP in just five years' time. This represents an enormous opportunity for American businesses.

Economic theory holds that trade between rich and poor countries raises the wages of low-skilled workers in poor countries but lowers them in rich countries, and there is some evidence that trade between the United States and developing nations reduces the wages of low-skilled U.S. workers and increases their chances of job loss. For this reason, as our economy benefits from increased trade with such countries, we should fund more aggressive and comprehensive unemployment insurance and retraining programs. According to economists at the Peterson Institute, the United States spends less than 1 percent of its annual gains from trade on such "trade adjustment assistance." Given how much trade is benefiting our economy, that figure should be higher.

5. U.S. exports won't increase until other countries "play by the rules."
Politicians frequently complain that other countries aren't "playing by the rules" when it comes to free trade. What they mean, typically, is that these countries are manipulating their currencies, imposing high tariffs on U.S. products and subsidizing industries that compete with U.S. companies -- all of which undercut American exports.

Certainly, these tactics can hurt us. Trade analysts at the Peterson Institute have found that countries such as China, and to a lesser extent Singapore, Taiwan and Switzerland, have undervalued their currencies. This acts like a tax on U.S. exports, making our products more expensive to their citizens. And when foreign governments offer their businesses low-interest loans and direct subsidies, U.S. companies are put at a disadvantage.

But other countries don't deserve all the blame for the fact that we don't export more. We have many ways of boosting exports, and we don't exploit all of them. Innovation, infrastructure and education policy all fundamentally affect the competitiveness of U.S. businesses. Our leaders would do well to study the strategies of cities such as San Jose, Indianapolis and Wichita, which are more export-oriented than the rest of the country.

Wichita doubled its exports between 2003 and 2008, thanks in large part to the success of its cluster of aviation companies. This cluster is supported by a variety of federal, state and local institutions, including nonprofits and private-public partnerships. In addition, the Kansas state government encourages financing for innovative start-ups through the Kansas Technology Enterprise Corporation, which administers the state's "angels" tax credit for venture capital investments. Such efforts are market-led and market-tested, in contrast to the heavy-handed interventions some other countries use to boost exports.

Bruce Katz is a vice president and Jonathan T. Rothwell is a senior research analyst at the Brookings Institution. Together with Emilia Istrate, they are co-authors of "Export Nation: How U.S. Metros Lead National Export Growth and Boost Competitiveness."

Integracao: a visao paraguaia (nao podia ser mais sincera)

Nem sempre os funcionários diplomáticos mencionam as integrações "não-oficiais", digamos assim, para não dizer claramente ilegais, clandestinas, criminosas.
Mas, isso também é integração, como reconhece esse jornal paraguaio.
Paulo Roberto de Almeida

ANÁLISIS DE LA REGIÓN
Brasil y Paraguay: Integración amplia y mejorable
Ultima Hora, Sábado, 04 de Septiembre de 2010

Nuestra integración al Brasil, primera potencia económica de América Latina y octava del orbe, es abarcante. Tiene lugar no sólo con transacciones legales, sino también con clandestinas, ilegales y en casos extremos incluso criminales.

Como se constataba ya aquí mismo en columnas anteriores, el gigante sudamericano es, por razones de tamaño, nuestro principal mercado comprador y vendedor, uno de los principales orígenes de inversión extranjera directa así como de cooperación empresarial y de transferencia de tecnología. Mega-bisagra de este estrecho acercamiento es la Itaipú Binacional. Esta corriente integradora de bienes y servicios se realiza en términos legales, es buena y puede ser mejorada aún más.

INTEGRACIÓN LEGAL E ILEGAL. Pero la integración en términos ilegales es igualmente importante: se articula por un lado en el contrabando de mercaderías de comercialización expresamente prohibida, como drogas, armamentos, rollos de madera y pieles silvestres. Las estimaciones son diversas, pero de difícil confiabilidad en precisión cuantitativa. Es obvio. En los casos de drogas y armamentos la clandestinidad e ilegalidad es total. En los de rollos de madera y pieles silvestres, si bien su comercialización es ilegal, su transporte se realiza frecuentemente a plena luz del día. Esto habla poco a favor de las instituciones y de los controles en la frontera de Paraguay.
Por otro lado, en el contrabando de aquellas mercaderías de comercialización permitida, la cuantificación fidedigna también se hace difícil por tratarse de exportaciones o importaciones ilícitas. Ejemplos son diversos bienes de capital, intermedios y de consumo, entre los cuales descuellan el de tabaco y sus derivados por su magnitud extraordinariamente grande. Algunas aproximaciones: el 90% de la producción local de cigarrillos se exporta de contrabando, la mayor parte del cual va al Brasil. Hoy en día ya el 10% del comercio ilícito mundial de cigarrillos tiene lugar en Paraguay.

TRANSACCIONES CRIMINALES. Existe también simultáneamente otro tipo de integración, directamente criminal: tiene que ver con las mafias, los sicarios y el terrorismo. Estas actividades criminales en auge en la mencionada frontera paraguayo-brasileña están directamente relacionadas con el contrabando múltiple de mercaderías de comercialización prohibida, llegando a los extremos del asesinato por encargo. Son las de las transnacionales del delito cruento.
Todas estas actividades ilegales mueven una inmensa cantidad de dinero tanto en la compraventa cash de mercaderías y servicios como en las transferencias monetarias de diverso tipo, ya sea emitiendo órdenes de pago como recibiéndolas. Esta actividad financiera se realiza, como es obvio, también de forma ilegal, a través de diversos entes financieros al margen de la ley a lo largo de la mencionada zona limítrofe, pero que pululan en la así llamada "Zona de las Tres Fronteras" (Ciudad del Este, Paraguay; Foz do Iguaçu, Brasil, y Puerto Iguazú, Argentina). Como del lado paraguayo las instituciones son débiles y los controles laxos, es de suponer que la mayor parte de dicha actividad financiera clandestina se realiza en el territorio de nuestro país.
Tales actividades de la ilegalidad criminal y de las transnacionales del delito tienen, en parte significativa, como origen o destino el Brasil, frecuentemente con complicidad de ciudadanos argentinos, brasileños y paraguayos (aquí en orden meramente alfabético) así como de otras múltiples nacionalidades con radicación en uno de estos países o de paso en ellos. No es de extrañar que una parte considerable de dichas transferencias se realice a otras partes del mundo, con objetivos non-santos. El lavado de dinero en estas actividades, con estos ciudadanos y con tales destinos, se supone masivo. Con seguridad, una parte importante del mismo se invierte en Paraguay.

UN NUEVO GRITO DE IPIRANGA... CONTRA LAS TRANSACCIONES ILEGALES Y CRUENTAS. El Día de la Independencia de Brasil se conmemora cada 7 de septiembre. En esa fecha del año 1822, a orillas del río Ipiranga que baña São Paulo, el príncipe regente Pedro renunció al dominio portugués. Este hecho es conocido como El grito de Ipiranga. Al conmemorar ese día de emancipación del vecino país del yugo colonial, podríamos exhortar a lanzar dicho grito de liberación de nuevo, esta vez en forma conjunta, contra las mafias, los terroristas, los evasores, los contrabandistas y los demás ilegales u organizaciones criminales.
El desorden que reina en esa zona trinacional hace necesaria ya la acción mancomunada de los tres países para mejorar los controles, fortaleciendo la formalización y, con ello, la legalidad y la transparencia. La acción coordinada de los poderes del Estado de los tres países involucrados directamente puede ser acompañada por acuerdos de cooperación binacionales. En el caso de Paraguay, urge la articulación de tales acuerdos especialmente con Brasil. Y aunque el camino sea largo y difícil, hay que empezarlo cuanto antes para por lo menos disminuir el riesgo de la columbianización o mexicanización de la inseguridad en tales fronteras. Por la vigencia real de la democracia, del estado de derecho y del desarrollo sostenible

Embaixador Roberto Abdenur e a diplomacia brasileira (2) - Veja 2010

Alguns posts mais abaixo, reproduzi, pela segunda vez, a entrevista concedida pelo Embaixador Roberto Abdenur às Páginas Amarelas da revista Veja, em 2007 (Nem na Ditadura).
Agora reproduzo em claro a entrevista concedida mais recentemente.
Pode-se conferir os temas e os argumentos, comparando ambas...
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia de palanque
Entrevista: Roberto Abdenur
Diogo Schelp
Revista Veja, 06/09/2010

O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos diz que o Itamaraty orientou mal o presidente e que seu sucessor precisa incorporar os valores ocidentais à diplomacia

Aceita um copo d"água, um café ou, quem sabe, um pouco do caviar que me envia sempre um cerro amigo iraniano?"", oferece Roberto Abdenur, de 68 anos, ao receber a reportagem de VEJA em seu agradável apartamento no Rio de Janeiro. No humor característico dos diplomatas, a referência ao caviar é apenas uma ironia sobre um dos temas que deixam estupefatos especialistas em política externa, a estreita relação do governo brasileiro com o regime do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. As ambições nucleares e a violação assumida de direitos humanos, como o apedrejamento de mulheres por adultério, fizeram do Irã um pária internacional. Com seus 44 anos de carreira diplomática, três deles como embaixador em Washington durante o primeiro mandato do presidente Lula, Abdenur é uma das pessoas mais habilitadas para avaliar o Brasil no quadro diplomático mundial. Na entrevista a seguir, ele demonstra o seu assombro diante da maneira como os preconceitos ideológicos e o gosto de Lula por um palanque prejudicaram a imagem do Brasil no exterior.

Que balanço o senhor faz da política externa do governo Lula?
A diplomacia brasileira tem uma trajetória quase secular de buscar maior presença e mais influência nos foros internacionais. Nesse ponto, o governo Lula não inventou nada de novo. O problema é a maneira como isso vem sendo feito. A política externa brasileira, nos últimos oito anos, atuou com base na visão de que no mundo ainda há claramente uma contraposição entre ricos e pobres, norte e sul. Isso não faz mais sentido em um mundo globalizado, em que o poder internacional é difuso, a China está em ascensão e outros países dinâmicos e de grande porte, como o Brasil, ganham espaço. Apesar dessa nova realidade. a política externa de Lula tem procurado apresentar o Brasil como líder dos países pobres. É preciso abandonar essa visão.


O senhor escreveu que a diplomacia brasileira precisa recuperar o seu "lado ocidental". Por quê?

O Brasil, nos últimos anos, relegou a um plano de quase irrelevância o compromisso com dois valores fundamentais para a política externa: a democracia e os direitos humanos. Estes são valores ocidentais e, também. brasileiros. Não podemos esquecer que a cultura política do nosso país descende do Iluminismo, da Renascença, do Humanismo, da Revolução Americana, da Declaração dos Direitos Humanos e do multilateralismo. O Brasil precisa incorporar ao seu arsenal diplomático uma maior adesão a esses valores. Está nas mãos do próximo presidente fazer isso, seja ele quem for.

Como?
Eu não prego a adoção de atitudes ingênuas, em que o Brasil se sinta a palmatória do mundo e saia por aí batendo nos países que não se comportem bem. Tampouco precisamos nos privar de ter relações, dentro dos limites dos nosso interesses, com países autocráticos ou violadores dos direitos humanos. A diplomacia tem de ser pragmática e realista o suficiente para entender que, até certo ponto, você pode e deve levar adiante intercâmbios econômicos e até diálogo político com certos países. Incorporar os valores ocidentais também não significa ser submisso ao que dizem americanos ou europeus.

O chanceler Celso Amorim disse que "negócios são negócios" ao justificar a visita de Lula a uma ditadura africana. Esse é o pragmatismo de que o senhor fala?
Não. Há limites para a diplomacia presidencial. Quando o presidente entra em cena, atribui-se à relação com determinado país um peso político muito maior. O presidente é a instância mais elevada da diplomacia, e é preciso dosar a sua exposição. pois ela traz consigo o endosso e a imagem de todo o país. O problema é que o Itamaraty não sabe dizer "não" a Lula, e isso cria situações como as que envolveram recentemente o Brasil e o Irã. Há uma empatia clara entre Lula e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, da mesma forma que, paradoxalmente, houve entre Lula e o seu colega americano George W. Bush. Como Brasil e Estados Unidos têm laços estabelecidos, a afinidade entre Lula e Bush podia ser usada para conseguir avanços nas relações bilaterais. Não há benefício algum, no entanto, em aproximar-se do Irã, muito menos em nível presidencial. Ahmadinejad é o líder de um regime teocrático, violento e isolado internacionalmente. Apesar disso, Lula diz que tem uma relação de carinho com o iraniano. O brasileiro entrou nisso movido por seu instinto positivo de projetar o país no cenário internacional. Faltou alguém dizer a ele: "Presidente, atenção. Veja as circunstâncias: o que está acontecendo no Irã é muito sério". O que explica essa atitude? Há um palanquismo na política externa, algo que reflete muito a natureza pessoal de Lula. A preocupação maior do Itamaraty tem sido armar palanques para o presidente. Essa diplomacia cenográfica tinha até pouco tempo atrás um bom público lá fora. Até a eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008, Lula era o governante mais respeitado e estimado no exterior. Ele acumulou um bom capital político, principalmente pela conjuntura econômica favorável. Por mais atuante e charmoso que Lula seja, ele não teria a mesma audiência nem o mesmo prestígio se tivesse posto a economia brasileira no chão.

Como Lula usou esse prestígio?
Lula, por sua sofreguidão em ser popular com todo o mundo e por ignorar as circunstâncias das situações em que se meteu, pôs a perder uma parte considerável do capital político adquirido para si e para o Brasil. Quando Ahmadinejad veio a Brasília e disse apoiar a candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança, nós perdemos muito voto. Todos os que se preocupam com o Irã - e na lista estão a maior parte dos vizinhos árabes, os europeus, os americanos, os canadenses, os australianos e os japoneses - veem com desconfiança esse tipo de apoio. O ocaso da diplomacia brasileira, portamo, acarreta uma perda não apenas para a persona do Lula, mas também para a imagem do Brasil. Dói imensamente ver as credenciais do Brasil para ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU serem seriamente prejudicadas por todos esses erros de política externa. Não se trata de uma perda irreversível, mas não podemos ignorá-la.

Como o senhor avalia as relações do governo brasileiro com o presidente venezuelano Hugo Chávez?
É uma aberração diplomática. O Brasil é condescendente com Chávez, com Evo MoraIes, da Bolívia, e com Rafael Correa, do Equador, apenas por representarem regimes identificados com o de esquerda. Isso é um erro, porque não existe política externa de esquerda. A diplomacia tem de refletir os interesses do estado. não de um partido. O governo brasileiro é ativamente solidário e conivente com Chávez, um líder que está em etapa internas da Venezuela. que enfrenta uma crise de desabastecimento e não pode se dar ao luxo de cortar os laços comerciais com a Colômbia.

Há semelhanças entre a política externa lulista e a do presidente Ernesto Geisel (1974·1979), que também deu ênfase à aproximação com países do chamado Terceiro Mundo?
A diplomacia do governo Lula assemelha-se mais à dos primeiros anos da ditadura militar, porque ambas se deixaram guiar por preconceitos ideológicos. Os erros do atual governo nascem de uma orientação supostamente esquerdizante e da simpatia por regimes populistas e antiamericanos. Já a diplomacia da primeira década da ditadura militar era excessivamente pautada pela ideologia anticomunista. A submissão a essa agenda incluiu episódios lamentáveis, como a participação de tropas brasileiras na invasão americana da República Dominicana. em 1965. e o apoio a Portugal, na ONU. contra os movimentos de libertação nacional na África. O governo Geisel corrigiu erros como esses ao reconhecer o governo pós-independência em Angola, iniciar relações com a China e fechar um acordo nuclear com a Alemanha.

Há aspectos positivos na política externa de Lula?
Tenho muito respeito pelo presidente Lula, com quem tive uma relação muito amena e respeitosa durante o período em que fui embaixador sob sua gestão. Não desmereço, portanto, suas realizações, entre as quais está a participação no G-20, grupo que reúne os 5 países mais ricos do mundo e as principais potências emergentres, em que o Brasil exerce um papel relevante na prevenção de novas crises financeiras. Outra medida valiosa, adotada logo no início do primeiro mandato, foi aliar-se a Alemanha, Japão e Índia no chamado G-4, para levar adiante o debate para a ampliação do Conselho de Segurança. Essa iniciativa perdeu força com a decisão brasileira de envolver-se na questão nuclear iraniana. O Brasil, que antes passava uma imagem de campeão da não proliferação nuclear, agora parece aceitá-la com rabugice.

A política externa recebe a devida atenção na campanha eleitoral?
Esse nunca é um tema de destaque no debate político, mas alguns de seus componentes foram levantados quando os candidatos da oposição ralaram de direitos humanos no Irã e da produção de coca na Bolívia. Nesse ponto específico. as críticas não deveriam ter sido direcionadas contra o governo boliviano. mas contra o brasileiro. Evo Morales é um cocaleiro e, como tal, obviamente quer que seu país produza mais coca. Já o governo Lula, com seu desejo de ser bonzinho com os outros países. nunca usou os canais políticos para cobrar da Bolívia uma atitude mais severa para barrar a saída de cocaína para o Brasil. Esse fato foi confirmado para mim por uma fonte boliviana muito bem informada.

Como é a relação de Lula com Obama?
Lula começou a bater em Obama antes de eleito e não cansa de dar canelada no americano. Creio que há, aí, um elemento de ciúme, porque Obama tirou de Lula a posição privilegiada no palanque global.

Carta Tributaria Brasileira: simplesmente escorchante

Sim, já falei muito disso, e vou continuar a falar. Inclusive porque o Ministério da Fazendo publica dados sobre o nível da carga fiscal, que ficou abaixo do índice da OCDE, sem explicar que ocorreu, três anos atrás uma revisão metodológica das contas nacionais, que redundou no rebaixamento de uma carga fiscal que, provavelmente, já estaria três ou quatro pontos acima do que se pretendo hoje.
Mas, deixo a palavra hoje com quem entende melhor do assunto do que eu.
Paulo Roberto de Almeida

A carga tributária brasileira e os impostos sobre os mais pobres
Por Leandro Roque
Extraído do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil
[pelo meu colega blogueiro Kleber Pires, em Libertatum]

A imprensa vem alardeando com pompa e circunstância o fato de que a carga tributária brasileira em 2009 — em porcentagem do PIB — foi menor que a média dos países da OCDE (33,6% contra 35%).

Não sei muito bem qual a grande vantagem de termos uma carga tributária 1,4 ponto percentual menor que a de Portugal, mas, se a imprensa está eufórica, então deve ser coisa boa. (...)

Mas a questão a ser abordada aqui não é essa. Houve um detalhe embutido nessa notícia que fez a imprensa verter lágrimas, compensando sua euforia com a notícia principal: o Brasil, em média, tributa bem menos a renda e a propriedade, e sobrecarrega de impostos os bens de consumo e os serviços.

Aparentemente, o pessoal quer assistencialismo e bem-estar social, mas não quer saber dureza para financiá-los. Querem ir a um restaurante fino, empanturrar-se de escalopes, belugas e vinhos franceses, mas não querem fazer cara de espanto quando chega a conta.

Em primeiro lugar, vale notar que, não fosse o Banco Central e sua capacidade de expandir continuamente a oferta monetária, a carga tributária necessária para financiar todos os serviços e funcionários estatais seria muito maior. Estamos trocando mais impostos por inflação monetária. A consequência desse arranjo é inevitável: preços constantemente em ascensão ao invés de preços em queda, o que realmente seria bom para os mais pobres. Mas como são muito poucas as pessoas que realmente entendem a perversidade desse mecanismo fraudulento, todo mundo acha normal.

Porém, e finalmente entrando na questão principal, uma coisa precisa ser dita, sem qualquer juízo de valor: se os gastos do governo não caírem, se é para ter impostos para financiar um estado deste tamanho, e se é para permitir que haja um mínimo de crescimento econômico, então o único arranjo correto é de fato tributar o consumo, e não a renda e a propriedade. Mais ainda (só para deixar evidente a perversidade da coisa): é preferível que a carga tributária seja pequena sobre os ricos e mais alta sobre os mais pobres. E tudo isso para o bem destes.

Explico.

Poupança, produção e consumo
Para uma economia enriquecer e melhorar o padrão de vida de todos, ela precisa produzir bens e serviços de qualidade. Quanto maior a abundância desses bens e serviços de qualidade, menor o preço deles. O nível de riqueza de um país é proporcional à quantidade e à variedade de bens disponíveis em sua economia.

Porém, para que eles sejam produzidos, é necessário haver capital. Capital, no caso, refere-se não a dinheiro, mas a ativos físicos das empresas e indústrias. Capital são as instalações, os maquinários, as ferramentas, os estoques e os equipamentos de escritório de uma fábrica ou de uma empresa qualquer. Ou seja, capital é tudo aquilo que auxilia um modo de produção

Quanto maior a quantidade desse capital, maior será a intensidade, a abundância e a qualidade dos produtos criados. Portanto, para uma economia crescer e melhorar o padrão de vida das pessoas, ela precisa ser intensiva em capital.

Qualquer outra maneira de melhorar o padrão de vida de um país que não seja por meio do aumento do capital acumulado será completamente insustentável. Essa, aliás, é a grande falácia do pensamento keynesiano, que diz que é o consumo que gera a riqueza. Porém, se não houver produção, como pode haver consumo? Como você pode consumir algo que não foi produzido? Antes do consumo, tem de vir a produção. E, para haver produção, é preciso acumular capital.

O problema é que o capital não surge do nada; ele não cai do céu. Para haver um acúmulo de capital que possibilite toda essa produção, é preciso antes haver poupança. E poupança nada mais é do que a abstenção do consumo. O sujeito que poupa é aquele que deixa de consumir. Ao se abster do consumo, esse indivíduo estará liberando bens de consumo para serem usados nos processos de produção que irão criar os bens de capital.

Funciona assim: se grande parte da população deixa de comprar computadores, laptops, carros, motos, celulares, iPhones, televisões, DVDs etc., isso fará com que haja uma maior abundância desses bens, reduzindo seus preços e liberando as indústrias da necessidade de produzir mais destes bens apenas para suprir a escassez deles. Tal atitude estará liberando os fatores de produção dessas indústrias, que agora poderão utilizá-los em outros processos de produção, resultando em uma abundância ainda maior de bens de consumo.

Mais ainda: os bens que já foram produzidos e não consumidos — isto é, os bens que foram poupados — poderão ser empregados em outros processos de produção cujos produtos finais, embora irão estar prontos somente daqui a algum tempo, trarão óbvias satisfações para os consumidores.

Como disse Mises,
Aqueles que poupam — isto é, que consomem menos que a sua parcela dos bens produzidos — inauguram o progresso em direção à prosperidade geral. As sementes que eles semearam enriquecem não apenas eles próprios, mas também todas as outras camadas da sociedade. Sua poupança beneficia os consumidores.

Portanto, a poupança dos indivíduos permite que haja uma maior quantidade de bens (recursos) a serem empregados na produção, ajudando na criação de bens de capital, os quais, por sua vez, irão produzir mais e ampliar a abundância de produtos na economia.

O capital advém da poupança. É a poupança que permite a formação de capital, o qual, por sua vez, irá produzir uma maior quantidade de bens de consumo.

Gastos do governo, tributação, pobres e ricos
O governo atrapalha esse processo de formação de capital de três maneiras: gastando, tributando e incorrendo em déficits orçamentários.

Quando o governo gasta — seja comprando recursos para fazer obras, seja comprando bens para políticos, seja dando salários para funcionários públicos, os quais irão consumi-los —, ele está impedindo diretamente a formação de capital. Afinal, os gastos do governo fazem com que haja uma menor quantidade de bens na economia, anulando a poupança dos indivíduos (eles se abstiveram do consumo mas não terão o benefício da abundância futura de produtos, pois o governo consumiu boa parte) e interrompendo o processo de formação de capital acima descrito.

Para financiar seus gastos, o governo utiliza em grande parte as receitas provenientes de impostos. Se a incidência de impostos for sobre a renda — e sobre a poupança advinda dessa renda —, então o governo estará impedindo que esses recursos sejam destinados a investimentos produtivos, levando aos mesmos efeitos acima.

Por fim, se o governo incorre em déficits orçamentários, ele terá de pegar empréstimos para cobrir esse rombo. Na maioria dos casos, ele venderá títulos em troca do dinheiro poupado por indivíduos e empresas, e utilizará esse dinheiro para cobrir seus gastos. Obviamente, essa apropriação de renda de indivíduos e empresas também surtirá os mesmos efeitos acima.

Portanto, se uma economia quiser aumentar a poupança e a formação de capital, o governo terá de ter um orçamento equilibrado, impostos baixos e gastos idem. E, principalmente, os impostos não devem recair sobre a produção e nem sobre a renda, pois isso seria um enorme obstáculo à poupança e à formação de capital.

Sendo assim, o artifício de reduzir impostos sem uma concomitante redução de gastos — uma medida que soa muito positiva para muitos liberais —, não ajuda no processo de formação de capital. Ao contrário, pode piorá-lo ainda mais, pois, os fundos que o governo agora deixou de confiscar via impostos, ele irá recolher via empréstimos. O governo está trocando um real de impostos por um real de endividamento. Cada real adquirido pelo governo desta forma significa um real a menos disponível para o resto do sistema econômico, e com um agravante: a pressão sobre os juros que tal medida pode criar. Afinal, como o governo está desviando poupança para si próprio, haverá menos fundos disponíveis para investimentos produtivos, aumentando o preço (juros) deles.

Portanto, cortes de impostos que causam um aumento no déficit do governo não promovem a poupança e nem a formação de capital. São, portanto, contrários a esse propósito. O mesmo é válido para os déficits que, ao invés de serem financiados por mais endividamento, sejam financiados pelo aumento da expansão monetária praticada pelo banco central. A inflação desestimula a poupança e estimula o consumo do capital numa velocidade ainda maior — afinal, poupar deixa de ser uma atividade benéfica, dado que seu dinheiro está perdendo poder de compra.

Da mesma forma, dado que a inflação provoca um aumento nominal da renda e dos lucros, isso faz com que as empresas tenham de pagar uma quantidade maior de impostos sobre a renda e sobre o lucro — a tabela do imposto de renda não é corrigida anualmente pela inflação —, reduzindo ainda mais sua capacidade de investimento.

Os críticos da alta carga tributária que recai sobre os bens de consumo — prejudicando, portanto, os mais pobres — querem que haja mais impostos sobre a renda e sobre a propriedade dos mais ricos, exatamente a medida mais destrutiva para a formação de capital, algo que seria ainda mais prejudicial para os mais pobres no longo prazo. É dos ricos e das grandes empresas que vem a poupança necessária para os investimentos produtivos.

Ironicamente — e essa é a parte chocante —, a única maneira de haver um estado assistencialista, provedor e gastador, sustentado por uma alta carga tributária, e que, ao mesmo tempo, permita uma relativa formação de capital, é fazendo com que a carga tributária se concentre majoritariamente sobre os mais pobres (tanto sobre sua renda quanto sobre os bens de consumo). Isso simplesmente porque os pobres poupam relativamente menos de sua renda do que os ricos, de modo que eles pouco contribuem para o processo de formação de capital.

Assim, a única forma de haver uma maior poupança e uma maior formação de capital em uma economia como a brasileira, cujo governo só faz aumentar seus gastos, é mantendo um orçamento equilibrado por meio de impostos que recaem maciçamente sobre os mais pobres. Mais ainda: para aumentar a poupança, e com isso acelerar o processo de formação de capital, os impostos sobre os ricos teriam de ser reduzidos, o que significa que os impostos sobre os pobres teriam de ser aumentados ainda mais — dado que o governo se recusa a cortar gastos.

Portanto, se uma pessoa se recusa a aceitar que o governo tem de reduzir gastos, e ao mesmo tempo ela quer que haja crescimento econômico, então ela está logicamente obrigada a defender aumentos de impostos sobre a renda dos mais pobres e sobre os bens de consumo, de modo a compensar a necessária redução de impostos sobre a renda dos mais ricos.

Como bem explicou George Reisman,
Ironicamente, um aspecto dessa abordagem existe — dentre todos os lugares — justamente na Suécia! O que permite que a Suécia tenha uma das mais altas cargas tributárias do mundo e, ao mesmo tempo, se mantenha como um país moderno, com avanços moderados, é o fato de que a carga tributária na Suécia recai mais pesadamente no assalariado sueco médio, e não nas empresas suecas, cuja carga tributária é na realidade menor do que a das empresas de muitos outros países ocidentais. (Por exemplo, quando consideramos o fato de que as empresas suecas podem deduzir 50 por cento de seus lucros para reinvesti-los no futuro, o que os torna uma reserva isenta de impostos, o imposto de renda de pessoa jurídica efetivo se torna menor na Suécia do que nos EUA: 26 por cento versus 35 por cento). Se as empresas suecas tivessem de arcar com a mesma carga tributária que incide nos assalariados suecos, a economia sueca há muito já estaria em ruínas.

Conclusão
Um estado inchado como o brasileiro não oferece almoço grátis. Ao contrário: ele cobra muito caro até pelo couvert.

Se os brasileiros querem manter um estado com esse mesmo nível de gastos, então não apenas a carga tributária não pode ser reduzida, como, pior ainda, ela tem de ser aumentada sobre os mais pobres e concomitantemente reduzida sobre os mais ricos, de modo que a arrecadação final se mantenha. Esse seria o único arranjo compatível com um crescimento econômico sustentável — embora muito abaixo do crescimento possível caso houvesse uma redução dos gastos do governo.

Portanto, um estado desse tamanho pode até permitir que haja crescimento econômico. Mas não será nada bondoso com os mais pobres, que só começarão a se beneficiar do capital acumulado em um futuro longínquo — e isso levando-se em conta um nível constante de gastos do governo. Quanto mais estes forem elevados, pior para eles.

Finalmente, uma vez compreendida a real natureza da poupança, torna-se compreensível por que a mera expansão monetária — isto é, criação de dinheiro pelo banco central — não pode gerar investimentos. Como Mises nunca se cansou de explicar, bens de capital não podem ser criados por meio de uma expansão monetária. Inundar uma economia de dinheiro não vai fazer com que os bens de capital necessários para os processos de produção surjam do nada. O que importa não é a quantidade de dinheiro em circulação, mas sim a quantidade de capital acumulado pela economia. E esse capital só pode crescer se houver poupança — isto é, abstenção do consumo.

Resta saber o que os intelectuais acham disso. Por que não defender a redução de gastos do governo? Não é nada impossível.

Estabilidade dos mestres: uma praga, ao que parece...

...mas não só aqui.
De fato, não estou falando da terrível -- sou contra -- estabilidade dos professores universitários. Aliás, sou contra estabilidade para qualquer funcionário público, mesmo para membros do Judiciário, sendo apenas favorável à estabilidade de juizes no exercício de suas funções por um período limitado de tempo, sujeito a confirmação por um conselho da magistratura, encarregado de verificar a produtividade do dito cujo, mais cujo do que dito...
Enfim, mas eu queria falar do engodo que é a estabilidade do professor, um convite à preguiça, se ouso dizer.
Mas, não se preocupem, não vou falar. Deixo vocês com uma leitura mais amena.
Paulo Roberto de Almeida

Essay
The End of Tenure?
By CHRISTOPHER SHEA
The New York Times, Sunday Book Review, September 5, 2010

Education Life: Essay Adapted From ‘Higher Education?’ (July 25, 2010)

Books of The Times: ‘Higher Education?’ by Andrew Hacker and Claudia Dreifus (August 19, 2010)

In tough economic times, it’s easy to gin up anger against elites. The bashing of bankers is already so robust that the economist William Easterly has compared it, with perhaps a touch of hyperbole, to genocidal racism. But in recent months, a more unlikely privileged group has found itself in the cross hairs: tenured ­professors.

At a time when nearly one in 10 American workers is unemployed, here’s a crew (the complaint goes) who are guaranteed jobs for life, teach only a few hours a week, routinely get entire years off, dump grading duties onto graduate students and produce “research” on subjects like “Rednecks, Queers and Country Music” or “The Whatness of Books.” Or maybe they stop doing research altogether (who’s going to stop them?), dropping their workweek to a manageable dozen hours or so, all while making $100,000 or more a year. Ready to grab that pitchfork yet?

That sketch — relayed on numerous blogs and op-ed pages — is exaggerated, but no one who has observed the academic world could call it entirely false. And it’s a vision that has caught on with an American public worried about how to foot the bill for it all. The cost of a college education has risen, in real dollars, by 250 to 300 percent over the past three decades, far above the rate of inflation. Elite private colleges can cost more than $200,000 over four years. Total student-loan debt, at nearly $830 billion, recently surpassed total national credit card debt. Meanwhile, university presidents, who can make upward of $1 million annually, gravely intone that the $50,000 price tag doesn’t even cover the full cost of a year’s education. (Consider the balance a gift!) Then your daughter reports that her history prof is a part-time adjunct, who might be making $1,500 for a semester’s work. There’s something wrong with this picture.

The debate over American higher education has been reignited recently, thanks to two feisty new books. ­Higher Education? How Colleges Are Wasting Our Money and Failing Our Kids — And What We Can Do About It (Times Books, $26), by Andrew Hacker, a professor emeritus of political science at Queens College, and Claudia C. Dreifus, a journalist (and contributor to the science section of The New York Times), is if anything even harsher and broader than the cartoonish sketch above. It is full of sarcastic asides like “Say goodbye to Mr. Chips with his tattered tweed jacket; today’s senior professors can afford Marc Jacobs.” But its arguments have been praised in The Wall Street Journal and given a respectful airing on The Atlantic’s Web site. They are also echoed in Mark C. Taylor’s Crisis on Campus: A Bold Plan for Reforming Our Colleges and Universities (Knopf, $24), which is more measured in tone but no less devastating in its assessment of our unsustainable “education bubble.”

The higher-ed jeremiads of the last generation came mainly from the right. But this time, it’s the tenured radicals — or at least the tenured liberals — who are leading the charge. Hacker is a longtime contributor to The New York Review of Books and the author of the acclaimed study “Two Nations: Black and White, Separate, Hostile, Unequal,” while Taylor, a religion scholar who recently moved to Columbia from Williams College, has taught courses that Allan Bloom would have gagged on (“Imagologies: Media Philosophy”). And these two books arrive at a time, unlike the early 1990s, when universities are, like many students, backed into a fiscal corner. Taylor writes of walking into a meeting one day and learning that Columbia’s endowment had dropped by “at least” 30 percent. Simply brushing off calls for reform, however strident and scattershot, may no longer be an option.

The labor system, for one thing, is clearly unjust. Tenured and tenure-track professors earn most of the money and benefits, but they’re a minority at the top of a pyramid. Nearly two-thirds of all college teachers are non-tenure-track adjuncts like Matt Williams, who told Hacker and Dreifus he had taught a dozen courses at two colleges in the Akron area the previous year, earning the equivalent of about $8.50 an hour by his reckoning. It is foolish that graduate programs are pumping new Ph.D.’s into a world without decent jobs for them. If some programs were phased out, teaching loads might be raised for some on the tenure track, to the benefit of undergraduate education.

And if colleges are ever going to bend the cost curve, to borrow jargon from the health care debate, it might well be time to think about vetoing Olympic-quality athletic ­facilities and trimming the ranks of administrators. At Williams, a small liberal arts college renowned for teaching, 70 percent of employees do something other than teach.

But Hacker and Dreifus go much further, all but calling for an end to the role of universities in the production of knowledge. Spin off the med schools and research institutes, they say. University presidents “should be musing about education, not angling for another center on antiterrorist technologies.” As for the humanities, let professors do research after-hours, on top of much heavier teaching schedules. “In other occupations, when people feel there is something they want to write, they do it on their own time and at their own expense,” the authors declare. But it seems doubtful that, say, “Battle Cry of Freedom,” the acclaimed Civil War history by Princeton’s James McPherson, could have been written on the weekends, or without the advance spadework of countless obscure monographs. If it is false that research invariably leads to better teaching, it is equally false to say that it never does.

Hacker and Dreifus’s ideal bears more than a faint resemblance to Hacker’s home institution, the public Queens College, which has a spartan budget, commuter students and a three-or-four-course teaching load per semester. Taylor, by contrast, has spent his career on the elite end of higher education, but he is no less disillusioned. He shares Hacker and Dreifus’s concerns about overspecialized research and the unintended effects of tenure, which he believes blocks the way to fresh ideas. Taylor has backed away from some of the most incendiary proposals he made last year in a New York Times Op-Ed article, cheekily headlined “End the University as We Know It” — an article, he reports, that drew near-universal condemnation from academics and near-universal praise from everyone else. Back then, he called for the flat-out abolition of traditional departments, to be replaced by temporary, “problem-centered” programs focusing on issues like Mind, Space, Time, Life and Water. Now, he more realistically suggests the creation of cross-­disciplinary “Emerging Zones.” He thinks professors need to get over their fear of corporate partnerships and embrace efficiency-enhancing technologies.

Taylor’s eyes also seem to have been opened to the world beyond Williams and Columbia. After his Op-Ed article appeared, a colleague from a cash-short California State University campus wrote to say that the “mind-pulping” teaching load left no room for research of any kind, even if it fell short of the five-courses-a-semester load at some community colleges. “This is an extremely unfortunate situation,” Taylor writes, “because the escalating cost of higher education is driving more students to these institutions.”

Here we have the frightening subtext of all the recent hand-wringing about higher education: the widening inequality among institutions of various types and the prospects of the students who attend them. While the financial crisis has demoted Ivy League institutions from super-rich to merely rich, public universities are being gutted. It is not news that America is a land of haves and have-nots. It is news that colleges are themselves dividing into haves and have-nots; they are becoming engines of inequality. And that — not whether some professors can afford to wear Marc Jacobs — is the real scandal.

Christopher Shea writes the Brainiac blog for the Ideas section of The Boston Globe.

Embaixador Roberto Abdenur e a diplomacia brasileira

Tendo já postado uma entrevista recente nas Páginas Amarelas, creio ser útil repostar (ugh, que palavra horrível!) a entrevista anterior do mesmo diplomata nas mesmas páginas, que continuam amarelas. Não sei se a política externa melhorou, desde então, e se foi para melhor...
Para a mais recente, veja no índice, ou faça um search aqui ao lado...
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista: Roberto Abdenur
Nem na ditadura
Páginas Amarelas, Revista Veja, edição n. 1994 de 7 de fevereiro de 2007

O diplomata diz que a política externa do governo Lula é contaminada pelo antiamericanismo e pela orientação ideológica

"Há um sentimento generalizado de que hoje os diplomatas são promovidos de acordo com sua afinidade política e ideológica, e não por competência"

Roberto Abdenur, 64 anos, era um dos mais experientes diplomatas do quadro do Itamaraty até a semana passada, quando se aposentou depois de 44 anos de carreira. Seu último posto foi o de embaixador brasileiro nos Estados Unidos. Amigo do chanceler Celso Amorim há décadas, nos últimos meses desencantou-se com ele e com sua política. As divergências começaram depois que Abdenur disse publicamente que era uma ilusão o fato de o Brasil considerar a China como parceiro comercial, isso depois da decisão do governo brasileiro de reconhecer aquele país como uma economia de mercado. Amorim exigiu uma retratação de Abdenur. Ela nunca veio. Em entrevista a VEJA, o ex-embaixador preferiu não falar sobre o embate entre ele e o chanceler, mas não economiza palavras para criticar a política externa e a doutrinação ideológica em curso no Itamaraty. As decisões hoje, segundo ele, são pautadas pela miopia de um grupo de esquerdistas. As promoções internas têm como critério a afinidade de pensamento, e não a competência. Os acordos de cooperação privilegiam países menos desenvolvidos. Diz ele: "Um processo de doutrinação assim no Itamaraty não aconteceu nem na ditadura".

Veja – O senhor está se aposentando depois de 44 anos de trabalho no Itamaraty e parece muito incomodado com a situação da diplomacia brasileira.
Abdenur – Existe um elemento ideológico muito forte presente na política externa brasileira. A idéia do Sul–Sul como eixo preponderante revela um antiamericanismo atrasado. Isso tem se manifestado dentro do Itamaraty de diversas maneiras. Está havendo uma doutrinação. Diplomatas de categoria, não apenas jovens, são forçados a fazer certas leituras quando entram ou saem de Brasília. Livros que têm viés dessa postura ideológica. É uma coisa vexatória. O Itamaraty não é lugar para bedel.

Veja – De que outras maneiras a doutrinação ideológica se manifesta no Itamaraty?
Abdenur – Há um sentimento generalizado de que os diplomatas hoje são promovidos de acordo com sua afinidade política e ideológica, e não por competência. Eu vi funcionários de competência indiscutível ser passados para trás porque não são alinhados. Há intolerância à pluralidade de opinião. O Itamaraty sempre teve um prestígio singular na diplomacia internacional pela continuidade da política externa, pelo equilíbrio, pela excelência de seus quadros e pelo apartidarismo. O Itamaraty precisa resgatar o profissionalismo a salvo de posturas ideológicas, de atitudes intolerantes e de identificação partidária com a força política dominante no momento.

Veja – Essa situação que o senhor descreve já aconteceu antes?
Abdenur – Nunca, nem na ditadura militar. De 1964 até o início do governo Ernesto Geisel, na primeira década do regime militar, adotou-se uma política externa simplória, baseada na ideologia anticomunista. Isso foi imposto à força pelos militares. Mas nunca houve tentativa de convencer os diplomatas dessa ideologia. O rumo foi imposto e se exigia o seu cumprimento, mas não se cobrava dos profissionais nenhuma afinidade com a ideologia que definia aquele rumo. Do governo Geisel até o fim do governo FHC, a pressão ideológica desapareceu. Agora, infelizmente, as decisões são permeadas por elementos ideológicos.

Veja – A difusão dessa política externa ideologizada é responsabilidade do ministro Celso Amorim ou do secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães?
Abdenur – Samuel, Celso e eu fomos grandes amigos, e eu tenho recordações muito gratas do tempo em que fomos amigos.

Veja – O senhor disse que foi amigo de Celso Amorim e de Samuel Guimarães. Com o verbo no passado.
Abdenur – Fica no passado. Fomos grandes amigos.

Veja – O senhor ficou magoado com a maneira como saiu da embaixada de Washington?
Abdenur – Acho que já falei demais.

Veja – Substantivamente, houve pontos positivos na política externa brasileira no primeiro mandato do presidente Lula?
Abdenur – Sim, sem dúvida. O Brasil engatou uma parceria com Índia, Japão e Alemanha para obter uma cadeira definitiva no Conselho de Segurança da ONU. É luta válida, que vai trazer resultados. Acho muito bom o que o governo tem feito para abrir novas frentes de comércio com países árabes, com o Sudeste Asiático, com a Ásia Central, com a África. Acho muito positiva também a forma inovadora de trabalho com o Ibas (grupo que reúne Índia, Brasil e África do Sul). É a primeira vez que três países grandes, de três continentes diferentes, se unem para buscar iniciativas conjuntas. Acho que o Brasil tem conduzido com amplo equilíbrio e proficiência as negociações da Rodada de Doha. O Brasil é um jogador decisivo, tem uma atuação de liderança no G20 muito importante. Há ainda a questão do Haiti, onde lideramos pela primeira vez uma ação de países latino-americanos em favor da paz. Enfim, houve acertos...

Veja – E os erros substantivos?
Abdenur – A minha maior crítica à atuação do Itamaraty está na dimensão exagerada dada à cooperação entre os países menos desenvolvidos como eixo básico da nossa diplomacia. Com a queda do Muro de Berlim, desapareceu completamente o paralelo que dividia o mundo em Ocidente e Oriente. O meridiano Norte-Sul não desapareceu de todo, mas se desvaneceu. O diálogo Norte-Sul é uma realidade. A esta altura da vida, com o mundo em transformação vertiginosa, não vale mais valorizar tanto a dimensão Sul-Sul. Isso é um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado. A nossa relação com a China e com a Índia também apresenta equívocos. É preciso ter parceria com os dois países, mas eles não podem ser considerados nossos aliados.

Veja – Há uma tendência no Itamaraty de priorizar as relações com os países da América do Sul em detrimento dos Estados Unidos?
Abdenur – Não é positivo superestimar o valor das afinidades ideológicas. Tem prosperado no Itamaraty uma idéia de que uma maior afinidade ideológica entre os governos da América do Sul tornaria nossa vida mais fácil. Estamos vendo que não. Apesar das afinidades que existem entre o Brasil e outros países da região, estamos enfrentando problemas para consolidar o Mercosul.

Veja – É crescente a influência de Hugo Chávez em países como Bolívia e Equador. Como o senhor avalia essa mudança de poder na América Latina?
Abdenur – Fui embaixador no Equador de 1985 a 1988 e, durante aqueles anos, a população mais pobre, de origem indígena, não tinha poder nem influência na vida política. A ascensão dessas camadas indígenas da população, como ocorre no Equador, na Bolívia e no Peru, é positiva. Mas há uma diferença básica entre Evo Morales e Hugo Chávez. O Morales vem de baixo, é um líder camponês que virou presidente da República. Mal comparando, uma trajetória semelhante à do presidente Lula. Já Chávez caiu de pára-quedas, tentou um golpe, depois chegou ao poder pela via democrática. Infelizmente, ele está acabando com a democracia na Venezuela.

Veja – O que o senhor acha da defesa feita pelo governo brasileiro a favor da entrada da Venezuela no Mercosul?
Abdenur – Foi um erro ter incorporado de chofre a Venezuela ao Mercosul. Devíamos ter privilegiado o aperfeiçoamento do Mercosul sobre a expansão a qualquer custo. Foi vexatório ver Chávez na última reunião dizendo que o Mercosul era um corpo que precisava ser enterrado. Chávez tem idéias sobre economia que não se coadunam com os pressupostos do Mercosul. Ele tem idéia de regresso ao escambo, de troca de mercadorias. Isso obviamente é um passo para trás. O Mercosul tem um compromisso democrático. Democracia, é bom lembrar, não é só realização de eleições. Acho que o Brasil tem a responsabilidade de soltar a voz para tornar menos cômoda a vida de governos autoritários e ditatoriais na região. Não se pode ignorar o que está acontecendo na Venezuela. O Brasil deve expressar claramente seu compromisso democrático amplo, profundo e irrestrito e denunciar situações como a que Chávez criou na Venezuela.

Veja – Como o senhor avalia a relação do Brasil com os Estados Unidos nos três anos em que serviu como embaixador em Washington?
Abdenur – Pode parecer paradoxal, mas a relação do Brasil com os Estados Unidos prosperou significativamente nos últimos anos. Graças a uma pessoa que manda muito no governo brasileiro, uma pessoa de extremo pragmatismo e lucidez, que é o presidente Lula. Ele não esconde seu desagrado com algumas coisas que o governo Bush tem feito, particularmente no Iraque. Mas Lula sabe que uma relação melhor com os Estados Unidos é de interesse do Brasil. Quando fui assumir a embaixada, ele me disse: "Roberto, quero deixar como legado para o futuro bases ainda mais sólidas e mais amplas na relação entre os dois países". Como embaixador, tive algumas dificuldades, mas nada que fosse impeditivo.

Veja – O senhor não deixou o cargo de embaixador espontaneamente, correto?
Abdenur – Há no Brasil setores, embora minoritários, que têm aversão aos Estados Unidos, inclusive dentro do governo e do Itamaraty. Há esse ranço, mas isso não atrapalhou meu trabalho. A relação Brasil-Estados Unidos nunca esteve tão bem. Lula inclusive deve visitar o presidente Bush nos próximos meses.

Veja – Apesar dessa relação forte com os Estados Unidos, a Alca está em compasso de espera.
Abdenur – O Brasil está, na melhor das hipóteses, deixando de ganhar dinheiro. O mercado americano está se aproximando dos 2 trilhões de dólares. Seria vital para o Brasil ter vantagens preferenciais, de parceria, com os Estados Unidos. Não estou dizendo que deveríamos ter assinado a Alca de qualquer jeito, mas deveríamos ter seguido com a negociação. Os Estados Unidos têm assinado vários acordos de comércio bilaterais, e nós temos perdido competitividade no mercado americano. Nós estamos estacionados há dez anos em 1,4% do mercado americano. Há vinte anos, nossa participação era de 2,2%. Eu lamento que o único aspecto da relação Brasil-Estados Unidos em que não houve progresso tenha sido o comércio. Foram mínimos os recursos alocados para promoção comercial nos Estados Unidos pelo governo brasileiro.

Veja – Qual é a imagem do presidente Lula nos Estados Unidos? Ele ainda é um político respeitado ou sua imagem foi deteriorada pelos escândalos de corrupção?
Abdenur – É uma imagem positiva, os escândalos de corrupção não repercutiram muito por lá. Ele é o líder de uma democracia estável, um governante que tem uma biografia louvável. O governo Lula tem merecido respeito mundo afora por conciliar uma política econômica pragmática com políticas sociais efetivas e uma política externa séria. Isso começou com Fernando Henrique, mas o governo Lula avançou.

Veja – O senhor disse em um evento no ano passado em São Paulo que a China é nossa concorrente, não nossa parceira. O senhor mantém essa avaliação?
Abdenur – Fui nomeado embaixador na China no governo Sarney, trabalhei quatro anos e meio lá, tenho autoridade para falar desse país. Nós não podemos ter uma visão romântica daquela China do passado, pobre, atrasada, camponesa, isolada do mundo. A China deu um salto extraordinário e hoje é uma potência. Tem um comércio exterior de 1,8 trilhão de dólares, oito vezes o do Brasil. Nós temos de atualizar a visão da China e ver que, sem deixar de ser parceira valiosa, é cada vez mais nossa concorrente dentro do mercado brasileiro e no exterior. Isso não quer dizer que devamos construir uma muralha e nos fechar aos chineses. Pelo contrário. É preciso manter uma parceria estratégica com a China em novos termos e não ter ilusões. Quando criamos mitos e queremos dar a impressão de que a China é nossa aliada, que nós a lideramos, é uma bobagem. A China hoje busca o capitalismo, a globalização, o mercado.

Veja – O senhor acha que o Brasil errou ao reconhecer a China como economia de mercado?
Abdenur – Acho que foi precipitado. Embora o Estado chinês como produtor e empreendedor esteja diminuindo de tamanho, ele ainda interfere muitíssimo na economia, usa instrumentos arbitrários. Ao reconhecermos a economia de mercado, nós abrimos mão de usar mecanismos de defesa contra os produtos chineses. Isso tornou inevitável uma entrada cada vez maior de produtos chineses no Brasil. O prejuízo é inevitável.

Veja – A divulgação dessa posição do senhor sobre a China causou problemas dentro do Itamaraty?
Abdenur – Causou, sim.

Veja – É verdade que seu amigo antigo, o ministro Amorim, exigiu que o senhor se retratasse publicamente?
Abdenur – Não quero fulanizar essa discussão.

Como tornar-se um grande escritor...

...comece asfaltando estradas...
No, I was kidding...

Bem, também é uma forma de adquirir experiência.
Um escritor de best sellers, dos mais famosos, conta como começou. Justamente, asfaltando estradas...

Mas, você pode começar just writing...
Paulo Roberto de Almeida

Op-Ed Contributor
Boxers, Briefs and Books
By JOHN GRISHAM
The New York Times, September 6, 2010, page A19

I WASN’T always a lawyer or a novelist, and I’ve had my share of hard, dead-end jobs. I earned my first steady paycheck watering rose bushes at a nursery for a dollar an hour. I was in my early teens, but the man who owned the nursery saw potential, and he promoted me to his fence crew. For $1.50 an hour, I labored like a grown man as we laid mile after mile of chain-link fence. There was no future in this, and I shall never mention it again in writing.

Then, during the summer of my 16th year, I found a job with a plumbing contractor. I crawled under houses, into the cramped darkness, with a shovel, to somehow find the buried pipes, to dig until I found the problem, then crawl back out and report what I had found. I vowed to get a desk job. I’ve never drawn inspiration from that miserable work, and I shall never mention it again in writing, either.

But a desk wasn’t in my immediate future. My father worked with heavy construction equipment, and through a friend of a friend of his, I got a job the next summer on a highway asphalt crew. This was July, when Mississippi is like a sauna. Add another 100 degrees for the fresh asphalt. I got a break when the operator of a Caterpillar bulldozer was fired; shown the finer points of handling this rather large machine, I contemplated a future in the cab, tons of growling machinery at my command, with the power to plow over anything. Then the operator was back, sober, repentant. I returned to the asphalt crew.

I was 17 years old that summer, and I learned a lot, most of which cannot be repeated in polite company. One Friday night I accompanied my new friends on the asphalt crew to a honky-tonk to celebrate the end of a hard week. When a fight broke out and I heard gunfire, I ran to the restroom, locked the door and crawled out a window. I stayed in the woods for an hour while the police hauled away rednecks. As I hitchhiked home, I realized I was not cut out for construction and got serious about college.

My career sputtered along until retail caught my attention; it was indoors, clean and air-conditioned. I applied for a job at a Sears store in a mall. The only opening was in men’s underwear. It was humiliating. I tried to quit, but I was given a raise. Evidently, the position was difficult to fill. I asked to be transferred to toys, then to appliances. My bosses said no and gave me another raise.

I became abrupt with customers. Sears has the nicest customers in the world, but I didn’t care. I was rude and surly and I was occasionally watched by spies hired by the company to pose as shoppers. One asked to try on a pair of boxers. I said no, that it was obvious they were much too small for his rather ample rear end. I handed him an extra-large pair. I got written up. I asked for lawn care. They said no, but this time they didn’t offer me a raise. I finally quit.

Halfway through college, and still drifting, I decided to become a high-powered tax lawyer. The plan was sailing along until I took my first course in tax law. I was stunned by its complexity and lunacy, and I barely passed the course.

Around the same time, I was involved in mock-trial classes. I enjoyed the courtroom. A new plan was hatched. I would return to my hometown, hang out my shingle and become a hotshot trial lawyer. Tax law was discarded overnight.

This was 1981; at the time there was no public-defender system in my county. I volunteered for all the indigent work I could get. It was the fastest way to trial, and I learned quickly.

When my law office started to struggle for lack of well-paying work — indigent cases are far from lucrative — I decided to go into yet another low-paying career: in 1983, I was elected to a House seat in the Mississippi State Legislature. The salary was $8,000, which was more than I made during my first year as a lawyer. Each year from January through March I was at the State Capitol in Jackson, wasting serious time, but also listening to great storytellers. I took a lot of notes, not knowing why but feeling that, someday, those tales would come in handy.

Like most small-town lawyers, I dreamed of the big case, and in 1984 it finally arrived. But this time, the case wasn’t mine. As usual, I was loitering around the courtroom, pretending to be busy. But what I was really doing was watching a trial involving a young girl who had been beaten and raped. Her testimony was gut-wrenching, graphic, heartbreaking and riveting. Every juror was crying. I remember staring at the defendant and wishing I had a gun. And like that, a story was born.

Writing was not a childhood dream of mine. I do not recall longing to write as a student. I wasn’t sure how to start. Over the following weeks I refined my plot outline and fleshed out my characters. One night I wrote “Chapter One” at the top of the first page of a legal pad; the novel, “A Time to Kill,” was finished three years later.

The book didn’t sell, and I stuck with my day job, defending criminals, preparing wills and deeds and contracts. Still, something about writing made me spend large hours of my free time at my desk.

I had never worked so hard in my life, nor imagined that writing could be such an effort. It was more difficult than laying asphalt, and at times more frustrating than selling underwear. But it paid off. Eventually, I was able to leave the law and quit politics. Writing’s still the most difficult job I’ve ever had — but it’s worth it.

John Grisham is the author of the forthcoming novel “The Confession” and a contributor to the forthcoming collection “Don’t Quit Your Day Job: Acclaimed Authors and the Day Jobs They Quit.”