O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Brasil: campeao de desigualdade no G20 (BBC)

Algumas coisas merecem muita atenção: do governo, da imprensa, dos comentaristas e colunistas habituais, etc. 
Como por exemplo, a questão da Sexta Potência Econômica Mundial.
Parece que nossas vidas foram inteiramente transformadas por essa informação transcendente...
Eu até me senti mais rico, vejam vocês.
E tudo graças ao governo, claro, que produziu as riquezas que fizeram o Brasil se situar na sexta posição do campeonato mundial de PIBs.
Se não fosse o governo, nós ainda estaríamos lá atrás, amargando pobreza, miséria, desigualdades, etc.
Por exemplo: ninguém fala de nosso último lugar, ou quase, em matéria de educação. Ninguém parece se preocupar com essa vergonha (só eu, claro, e mais meia dúzia de fieis leitores).
E quanto à desigualdade, objeto da matéria abaixo?
Aposto que não vão falar nada, vão ficar quietinhos, esperando a notícia passar...
Mas, se falarem em PIB, preparem as trombetas da glória: nada a ver com câmbio, efeito-China, etc. Não, tudo por obra e graça do governo, sem o qual nossas vidas seriam um inferno de atraso...
Mas, voltando à história da desigualdade, que tal esta matéria abaixo?
Nada que eu lamente muito, pois desigualdade sempre houve, e não é por causa dela que os brasileiros em geral são pobres. Eles são pobres porque nossa produtividade é reduzida, não por causa da desigualdade.
Mas, claro, a desigualdade reflete ou é o resultado, justamente, da baixa qualidade da educação e dos baixíssimos níveis de produtividade humana do trabalho. Padrões baixos, em educação e produtividade representam pobreza e miséria, e desigualdade associada.
Por isso o Brasil não é um país de pessoas ricas, a despeito de ter muita riqueza acumulado pelo grande número de pessoas. A China também. A diferença é que a China cresce rápido, e possui padrões satisfatórios de educação, e está produzindo ciência e tecnologia. Ela vai ficar rica mais rapidamente do que nós, e nos ultrapassar em renda per capita dentro de alguns anos. Sorte dos chineses. Azar nosso.
Mas, a China também tem um dos maiores crescimentos do mundo em termos de desigualdade.
Isso é um grande problema?
Depende. Se todos estiverem ficando mais ricos, isso pode ser atenuado. Mas se a desigualdade se dá em meio à estagnação ou baixo crescimento, aí a coisa pode ficar complicada.
Os chineses precisam crescer. Nós também. Eles vêm conseguindo, rapidamente. Nós muito lentamente.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil é segundo país mais desigual do G20, aponta estudo

BBC – 19/01/2012

De acordo com pesquisa, país está à frente apenas da África do Sul

O Brasil é o segundo país com maior desigualdade do G20, de acordo com um estudo realizado nos países que compõem o grupo.
De acordo com a pesquisa Deixados para trás pelo G20?, realizada pela Oxfam – entidade de combate à pobreza e a injustiça social presente em 92 países -, apenas a África do Sul fica atrás do Brasil em termos de desigualdade.
Como base de comparação, a pesquisa também examina a participação na renda nacional dos 10% mais pobres da população de outro subgrupo de 12 países, de acordo com dados do Banco Mundial. Neste quesito, o Brasil apresenta o pior desempenho de todos, com a África do Sul logo acima.
A pesquisa afirma que os países mais desiguais do G20 são economias emergentes. Além de Brasil e África do Sul, México, Rússia, Argentina, China e Turquia têm os piores resultados.
Já as nações com maior igualdade, segundo a Oxfam, são economias desenvolvidas com uma renda maior, como França (país com melhor resultado geral), Alemanha, Canadá, Itália e Austrália.
Avanços
Mesmo estando nas últimas colocações, o Brasil é mencionado pela pesquisa como um dos países onde o combate à pobreza foi mais eficaz nos últimos anos.
O estudo cita dados que apontam a saída de 12 milhões de brasileiros da pobreza absoluta entre 1999 e 2009, além da queda da desigualdade medida pelo coeficiente de Gini, baixando de 0,52 para 0,47 no mesmo período (o coeficiente vai de zero, que significa o mínimo de desigualdade, a um, que é o máximo).
A pesquisa prevê que, se o Brasil crescer de acordo com as previsões do FMI (3,6% em 2012 e acima de 4% nos anos subsequentes) e mantiver a tendência de redução da desigualdade e de crescimento populacional, o número de pessoas pobres cairá em quase dois terços até 2020, com 5 milhões de pessoas a menos na linha da pobreza.
No entanto, a Oxfam diz que, se houver um aumento da desigualdade nos próximos anos, nem mesmo um forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) poderá retirar um número significativo de brasileiros da pobreza.
“Mesmo que o Brasil tenha avanços no combate da pobreza, ele é ainda um dos países mais desiguais do mundo, com uma agenda bem forte pendente nesta área”, disse à BBC Brasil o chefe do escritório da Oxfam no Brasil, Simon Ticehurst.
Para ele, é importante que o governo dê continuidade às políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e que o Estado intervenha para melhorar o sistema de distribuição.
“Os mercados podem criar empregos, mas não vão fazer uma redistribuição (de renda)”, afirma.
Outras questões
Ticehurst diz que, para reduzir a desigualdade, o Brasil também precisa atacar as questões da sustentabilidade e da resistência a choques externos.
“As pessoas mais pobres são as mais impactadas pela volatilidade do preço dos alimentos, do preço da energia, dos impactos da mudança climática. O modelo de desenvolvimento do Brasil precisa levar isso mais em conta.”
Para o representante da Oxfam, a reforma agrária e o estímulo à agricultura familiar também é importante para reduzir a desigualdade.
“Da parcela mais pobre da população brasileira, cerca de 47% vive no campo. Além disso, 75% dos alimentos que os brasileiros consomem são produzidos por pequenos produtores, que moram na pobreza“, afirma TiceHurst.
“É preciso fechar esse circuito para que os produtores que alimentam o país tenham condições menos vulneráveis e precárias.”
Segundo o estudo da Oxfam, a maioria dos países do G20 apresenta uma tendência “preocupante” no sentido do aumento na desigualdade.
A entidade afirma que algumas dessas nações foram “constrangidas” pelas reduções significativas da desigualdade registradas nos países de baixa renda nos últimos 15 anos.
“A experiência do Brasil, da Coreia do Sul e de vários países de renda baixa e média-baixa mostra que reduzir a desigualdade está ao alcance dos dirigentes do G20″, afirma o texto.
“Não existe escassez de potenciais alavancas para políticas (de redução da desigualdade). Em vez disso, talvez exista uma escassez de vontade política”, diz o estudo.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Sobre este blogueiro e alguns de seus blogs


Recebo, de um leitor, o comentário imediatamente transcrito, sobre o meu blog, postado em algum outro blog, do qual não possuo agora a referência (mas isso não tem importância, pois o que vale é o comentário, não quem o fez, ou onde fez):
(primeiro transcrevo, depois comento, sendo que o post original vai reproduzido in fine)

Diplomatizzando
O blog Diplomatizzando ( clique aqui) é escrito pelo diplomata e também professor Paulo Roberto de Almeida. Ele é daquelas pessoas brilhantes, digo novamente, brilhantes, mas também polêmico, porque muitas vezes suas ideias são radicais. Suas posições são firmes: não gosta da esquerda, acha o MEC uma máquina social imbecilizante ,e por muito pouco não chama você de idiota. Mas, tenho que dar o braço a torcer, às vezes ele tem argumentos... e por pouco não te convence que o governo Lula foi nocivo para o país. Porém, ele tem outro blog, o Vivendo com os livros ( link abaixo), onde fala, é claro, de suas preferências literárias. Fiz um “copy-paste” do último (acho) post do blog, onde, humildemente, ele se coloca como um aprendiz de escritor. E, olha, ele que tem uma penca de livros publicados. Frasezinhas soltas, mas sempre rrricas ( como diziam meus hóspedes Argentinos nessa semana)

Comento, agora (PRA):
Agradeço pelo “pessoa brilhante”, mas sinceramente não creio que seja o caso: existem pessoas muito mais brilhantes do que eu, mas isso tampouco importa. Eu sou apenas um gajo esforçado, que está sempre lendo.
Agradeço também pelas “ideias radicais”. Não tenho certeza de que sejam, eu as pretendo apenas conforme à realidade, e por isso mesmo recuso a caracterização seguinte, que pretende que eu não gosto da “esquerda” (seja lá o que isso queira dizer).
Eu mesmo me pretendo de esquerda, se por isso entendermos uma pessoa que gostaria de acabar com certos privilégios – de políticos e juízes, por exemplo --, de introduzir mais igualdade na sociedade – via mercado, porém, e não via Estado, que sempre distribui para os mais espertos, que costumam ser, via de regra, os ricos e os mandarins do Estado, justamente --, que defende causas progressistas – e não o regressismo do século XIX, como certos indivíduos reacionários a ponto de achar que prescrições de 180 anos atrás ainda servem para os nossos tempos, enfim, eu sou de esquerda nesse sentido moderno, não no sentido arcaico de alguns que se pretendem de esquerda sem sê-lo, de verdade.

Não é, portanto, que eu não gosto da esquerda, e isto precisa ficar claro. Eu apenas tenho alergia à burrice, e horror à desonestidade intelectual. Não tenho culpa se essas duas (más) “qualidades” se encontrem em volume desproporcionalmente superior em certos setores da opinião ideológica que costuma poluir nossas universidades.
Se a esquerda for inteligente, e honesta, eu não tenho nenhum problema em debater com ela, como debato com qualquer pessoa, independentemente do colorido político e do posicionamento partidário: não tenho preconceitos.

Acho, sim, o MEC uma máquina deplorável, mas não tenho nenhuma ilusão de que se ele fosse uma máquina razoável a educação no Brasil teria condições de melhorar, pela simples razão de que toda a pedagogia brasileira está pervertida e dominada por essas figuras que eu chamo de “saúvas freireanas”,  as pessoas que acham que Paulo Freire é um gênio da educação universal. Infelizmente, a idiotice capturou a educação brasileira e estacionou. Deve demorar mais um 25 anos (por baixo) para despoluir o ambiente, se isso algum dia ocorrer...

Por fim, não pretendo convencer ninguém que o governo Lula foi nocivo para o país: eu apenas me limito a expor fatos – que estão na imprensa – e a emitir algumas opiniões, que são as minhas, e não obrigo ninguém a partilhá-las.
Como disse, eu tenho alergia à burrice e horror à desonestidade intelectual. Sou contra mentirosos, fraudadores, pessoas sem caráter, etc e tal.
Cada um que encontre seus personagens.
Paulo Roberto de Almeida
PS. Abaixo o post original de onde saiu o comentário acima transcrito.

 um estimulo a escritores aprendizes (como eu)


Sobre o ato de escrever:-
- Toda pessoa tem o direito de dizer o que ela acha ser verdadeiro, e qualquer outra tem o direito de atacá-la por esta boa razão.

Samuel Johnson


- O talento, não está em escrever uma página, está em escrever trezentas.

Jules Renard


- Escrever, é uma relação de amor consigo mesmo, com as coisas, os momentos e as pessoas. Escrever, é como viver uma vida paralela à sua vida de cada dia; é o vaso purificador da alma e de seus movimentos.

Louise Portal

-
Escrever é também uma maneira de falar sem ser interrompido.

Jules Renard.

-
Escrever: a única maneira de emocionar alguém sem ser perturbado por uma face.

Jean Rostand

-
Custou-me quinze anos para descobrir que eu não tinha talento para escrever. Infelizmente, não consegui parar, eu já tinha me tornado famoso.

Robert Benchley

-
A História será indulgente comigo, porque eu tenho a intenção de escrevê-la.

Winston Churchill

-
Para escrever não se deve ser muito inteligente, é preciso ser um idiota resplandecente.

Antonio Lobo Antunes

-
A escrita tem isto de misterioso: ela fala.

Paul Claudel

-
A ecrita é uma aventura. No começo é um jogo, depois é uma amante, em seguida é um mestre, e aí se torna um tirano.

Winston Churchill

-
A única escrita válida é aquela que a gente inventa... É isto que torna as coisas reais.

Ernest Hemingway

A Perola da Fome do Caribe: mais um para a conta do futuro livro negro de Cuba

Um "novo" (se me permitem o qualificativo) prisioneiro político da ilha de Cuba acaba de morrer na prisão, por greve da fome.
Pode-se sempre alegar, como fez vergonhosamente um ex-presidente de um desses países em que existem mais obesos do que desnutridos -- mas isso não impede o próprio de pretender erradicar politicamente uma fome que foi transformada em mais uma demagogia eleitoral -- que só alguém muito estúpido (creio que foi este o termo empregado, e se não foi era essa mesma a intenção) pode-se deixar morrer de fome voluntariamente.
Pois é: gostaria agora de ver a cara, ouvir o comentário, interrogar um desses companheiros que acham que Cuba é um país heroico, uma ilha na qual as pessoas passam fome, literalmente, não por falta de comida, mas porque o imperialismo ianque, ou estadunidense (como eles dizem), faz um bloqueio perverso contra o único regime verdadeiramente independente de todo o hemisfério. Enfim, eles não sabem que o imperialismo estadunidense é hoje o maior fornecedor de alimentos e de remédios para Cuba, mas acho que eles não gostam que se lembre esse tipo de coisa.
Não creio que algum desses companheiros -- com exceção daquele subacadêmico abjeto que sempre escreve em defesa de uma das duas últimas ditaduras stalinistas do planeta -- tenha a coragem de defender o regime, no caso do mais novo sacrificado do totalitarismo caribenho.
Se alguém tiver, pode escrever para cá, defendendo o regime.
Terei (des)prazer em publicar...
Paulo Roberto de Almeida

Republica Mastodontica do Brasil: a sexta maior do mundo...

Não, não é do PIB que estou falando: apenas do número de ministérios.
Deve ter cinco países que possuem mais ministérios do que o Brasil, nenhum deles avançado ou desenvolvido, se quiserem apostar...

Relação dos 38 Ministérios: Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Cidades, Ciência e Tecnologia, Comando da Aeronáutica, Comando da Marinha, Comando do Exército, Comunicações, Cultura,  Defesa, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Educação, Esporte, Fazenda, Integração Nacional, Justiça, Meio Ambiente, Minas e Energia, Planejamento, Orçamento e Gestão, Previdência Social, Relações Exteriores, Saúde, Trabalho e Emprego, Transportes.

FHC entrevistado pela Economist sobre o Brasil


Fernando Henrique Cardoso on Brazil's future
More personal security, less inequality
Jan 19th 2012, 20:05 by The Economist online

OUR São Paulo bureau chief talks with the former president about Brazil's challenges and its increasing global power 

Une Saison en Academie, 3 - chegando...


Une Saison en Academie, 3

Paulo Roberto de Almeida
Em voo, São Paulo-Paris, 15/01/2012

O que me espera, na França, e na Europa, de janeiro a maio? O que teria a fazer, como viagens, atividades acadêmicas, observações interessantes? Resumindo, duas categorias de atividades, eventos ou processos: as certezas e as surpresas.
Dentre as primeiras, duas certezas mais destacadas; uma proverbial, recorrente, insistente e irritante: as greves. Ah, as famosas greves de l’Hexagone. Elas são tão francesas quanto o camembert, o roquefort, as brioches, os vins de Bordeaux, a baguette e milhares de outras coisas mais, incluindo La Joconde, la Gioconda, a Mona Lisa, que os italianos continuam a reivindicar ainda hoje, a despeito de Leonardo Da Vinci também ter morado na França. Bem, como vocês podem constatar, eu me deixo levar pelos estereótipos, mas não existe nada de mais francês do que o estereótipo, sobretudo quando imortalizado em filmes de Hollywood.
Enfim, ficando nas minhas preferências, vamos ver quantas greves eu consigo contabilizar – só as que forem reportadas no Le Monde, claro –, esperando que elas me afetem o mínimo possível. Só vou protestar se tocarem o Le Monde, justamente, a baguette, o fromage de chèvre, o mercado de vinhos e as livrarias, mas creio que, à part ça, eu consigo sobreviver a várias greves francesas. Talvez elas me incomodem um pouco nos transportes, não que eu pretenda depender deles, mas é que podem provocar embouteillages excepcionais tratando de escapar de Paris (já que na cidade eles são tradicionais).
A outra certeza é, obviamente, a campanha presidencial, uma regularidade na Quinta República, já que na Quarta os presidentes eram escolhidos pela Assembleia (a Câmara dos Deputados, pois os senadores têm poucos poderes no sistema constitucional inventado por De Gaulle). Já assisti algumas campanhas presidenciais, inclusive a que elegeu François Mitterrand, na coalizão de esquerda que venceu a direita (Giscard D’Estaing) em 1981. Confesso que elas me atraem, tanto pelo debate político que ocorre em todas as grandes cadeias, como pelo besteirol emitido por alguns candidatos de esquerda (sempre grandiosos na sua luta contra o capitalismo e a realidade). Esse confronto direto entre os candidatos, sem o auxílio de assistentes ou tele-prompters, em torno dos grandes temas da política doméstica e internacional, com ênfase nas questões econômicas é sempre interessante, mesmo quando risíveis no provincianismo dos políticos franceses (que se permitem criticar o império, como se eles tivessem poder para mudar algo de realmente relevante no cenário internacional).
Desta vez, candidatos e eleitores podem se municiar de dados fiáveis e de informações densas e esclarecedoras, num blog que pretende desmontar, justamente, por vezes desmentir, todas as promessas grandiosas dos políticos irrealistas. O blog Chiffrages et Déchiffrages, associado ao site do Institut Montaigne (onde vou fazer uma palestra no capítulo dos países emergentes logo mais em fevereiro), traz um exame tecnicamente responsável de todas e cada uma das promessas mal pensadas dos políticos. Posso assegurar que se trata de una análise fria, bem embasada – muito bem vinda, se algo desse tipo existisse no Brasil – em torno do custo orçamentário (ou em termos de indicadores econômicos como crescimento, juros e outros) e de suas vantagens e desvantagens do ponto de vista da economia francesa e do bem estar de seus cidadãos. C’est passionant et dépassionant, en même temps.
Do lado das surpresas, algumas são programáveis, outras menos programáveis. Já morei em Paris, e conheço razoavelmente bem a cidade. Desta vez, sem maiores obrigações profissionais (pelo menos que consumam a maior parte do tempo útil, de maneira desproporcional), poderemos, Carmen Lícia e eu, desfrutar de Paris em tudo o que a cidade tem de oferecer de melhor: museus (são dezenas, apenas os mais importantes), bibliotecas, bistrôs, restaurantes, foires, cafés, monumentos, enfim, uma dedicação constante àquilo que em francês, justamente, se chama de flanêrie, se balader dans les rues de Paris, sans autre propos que d’être surpris par l’inattendu, justement.
Das surpresas menos programáveis, nada posso dizer, por enquanto. Elas virão, certamente, basta esperar...
Voilà, c’est l’heure de l’arrivée à Charles De Gaulle...

Voo São Paulo-Paris, 15/01/2012

Une Saison en Academie, 2 - quase chegando...


Une Saison en Academie, 2

Paulo Roberto de Almeida
Em voo, Brasília-São Paulo, 14/01/2012

Ça y est: en vol! Não mais na véspera, mas no próprio dia em que começa minha licença para incursionar intelectualmente na Europa, que pretendo a mais produtiva possível, retomando aqui algumas reflexões em torno de minha pequena “estação na academia”, iniciadas poucos dias atrás.
Não pretendo, obviamente, repetir experiências, alimentar dúvidas ou sofrer as angústias existenciais do autor original do poema pré-surrealista Une Saison en Enfer. Arthur Rimbaud pode continuar tranquilo no panteão dos poetas malditos, que não é minha intenção reescrever qualquer peça do gênero. Inclusive porque Paris não é exatamente o que poderíamos chamar de inferno, embora não seja o paraíso que muitos cantam e incensam, ao contrário. Claro, em meio a uma campanha presidencial e a um intenso debate eleitoral, algumas greves – daquelas bem perversas, em que são especialistas as máfias sindicais francesas – serão inevitáveis, sobretudo nos transportes públicos e em alguns outros serviços essenciais (estes são os mais visados, sempre).
Como pretendo morar a walking distance do meu local de “trabalho”, espero poder escapar dos mau-humores desses sindicalistas, habitués em levar adiante seu combate de retaguarda. Claro, eles sempre podem atrapalhar, também, viagens de lazer, e por isso mesmo pretendo viajar o mais possível em carro alugado, o que todavia não garante escapar dos proverbiais embouteillages dos périphériques parisienses. A solução para esse tipo de incômodo está em viajar em horas impossíveis e por vias inesperadas, o que me será facultado pelo ritmo excepcionalmente leve das obrigações acadêmicas (aulas só às terças e quartas, duas horas de cada vez, já que ninguém é de ferro).
Terei algumas outras obrigações secundárias – como acompanhamento e orientação de mestrandos, palestras em fundações, entrevistas com jornalistas, contatos no mundo acadêmico e governamental francês, pesquisas de meu interesse – mas nada que atrapalhe muito o objetivo principal: as muitas viagens que pretendo fazer. Hoje em dia é muito fácil planejar, preparar e empreender viagens – com a ajuda de ferramentas como o Google Maps, Via Michelin, Wikipedia e milhares, literalmente milhões de sites turísticos – e o mais difícil, justamente, é escolher uma ou duas, selecionar dentre as dezenas de possibilidades interessantes, todas elas atraentes e apetitosas. Como já conheço muito bem a Europa mediterrânea e meridional, desde a península ibérica , sul da França, Itália, os Balcãs e a Grécia, pretendo desta vez me concentrar na Europa central e setentrional, revendo ou conhecendo velhos e novos lugares na Alemanha, República Tcheca, Polônia, países bálticos, com uma possível esticada a Kaliningrad – na verdade não sei o que restou da histórica e kantiana Koenigsberg – e a St. Petersburg.
Muitas leituras, muitas pesquisas e estudos, alguns trabalhos escritos completarão esta “saison académique”. Il me reste à souhaiter bon séjour!

Em voo, Brasília-São Paulo, 14/01/2012

Une Saison en Academie, 1 - Antes...


Une Saison en Academie, 1

Paulo Roberto de Almeida
Em voo, Porto Alegre-Brasília, 10/01/2012

Na véspera de partir para a Europa, onde vou ficar durante quase todo o primeiro semestre de 2012, ministrando aulas de pós-graduação no Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine, da Universidade de Paris-3 (Sorbonne), dou início a esta série de reflexões semi-acadêmicas e semi-turísticas (ou turístico-acadêmicas, já que a ordem correta é esta mesma, o prazer tendo precedência, e preeminência, sobre o trabalho). Esta é a forma escolhida para registrar minhas impressões, opiniões e percepções (e alguns fatos, também, não sejamos tão impressionistas e subjetivos), durante um período inteiro de descobertas e redescobertas, que promete ser dos mais agradáveis de minha vida intensamente nômade e extensamente estudiosa. Ela também tem sido – e promete continuar a ser – uma grande jornada recheada de pequenos prazeres e de grandes surpresas – vice-versa também serve –, com muitas variações, segundo o humor dos ventos e as circunstâncias da vida, tanto no plano cultural quanto no gastronômico, além, é claro, dos estudos aprofundados e das reflexões comparadas.
Serão quatro meses de estada em Paris, ou formalmente em Paris, mas não em Paris, efetivamente, ou seja, o tempo todo, pois temos de contar – e contarei, certamente – os muitos períodos fora da capital, para escapadas em França e alhures. As obrigações propriamente acadêmicas – ninguém é de ferro – se restringem a dois dias da semana, com um ou outro compromisso extra um dia ou outro. Isso nos dá, a Carmen Lícia e eu, pelo menos cinco dias e meio de andanças por todos os cantos de Paris, da França, nas mais variadas direções, e até algumas viagens maiores, velho continente adentro e afora.
Já tenho, no meu computador, roteiros e mapas para diversos pontos da Europa ocidental, e até uma esticada à Europa central e setentrional, mas deixo os detalhes (e a curiosidade dos leitores) para revelações de última hora (já que estamos sempre refazendo os planos, em função de leituras de guias, indicações turísticas, sugestões de visitas), o que nos permite alterar itinerários, alguns até no momento mesmo da viagem, o que é perfeitamente normal. Preferimos o carro, já que este modo habilita esticar, encurtar, mudar, adaptar qualquer roteiro, mas qualquer outro modo de locomoção é perfeitamente aceitável e até bem vindo, já que ser conduzido é perfeitamente compatível com o terrível vício da leitura e das anotações, em lugar da atenção sempre presa ao volante.
Algumas visitas de retorno são obrigatórias – como Bruxelas, ou Praga, por exemplo – pois que cidades já conhecidas são sempre um encanto, quando não se precisa sair correndo para conhecer tudo e se pode selecionar objetivos mais limitados e locais específicos para satisfazer o simples prazer dos olhos e reativar velhas lembranças. Outras visitas estavam justamente esperando uma oportunidade como esta, e a liberdade de movimentos nos deixa ampla flexibilidade para escolher o dia e a direção, ao sabor da meteorologia e das eventuais atrações temporárias – como exibições especiais em museus ou eventos comemorativos. O turismo bem feito é aquele calmo, não o da correria das excursões.
Pode-se deduzir, das palavras acima, que a “saison en académie” é bem mais turístico-gastrônomica do que propriamente de estudos e de atividades docentes, mas quem disse que um melhor conhecimento dos vinhos do terroir, das especialidades locais não faz parte de um aprendizado constante, de um enciclopedismo ambulante e permanente em torno dos prazeres da vida? Desse ponto de vista, pretendo preencher vários volumes de meus Moleskines de bolso, como este aqui, aliás, onde rabisco estas notas, numa viagem de avião entre Porto Alegre e Brasília. Comecemos pelo simples fato de que as aulas são só 24, de 2hs cada uma, e as viagens e randonnées prometem ser em maior número, tantas quantas forem humanamente possíveis (e orçamentariamente suportáveis), num período que deve ir do inverno europeu até o meio da primavera russa (devem se equivaler, um e outro), ambos suportáveis para passeios bem abrigados, desde que neve, chuvas e frio não incomodem demais.
Todos os meios de transporte, como disse, são cabíveis e bem-vindos: automóvel alugado (preferencial), trem, ônibus, avião, barco, talvez (quem sabe até peniche e charrete, e o que mais vier...), além de alguma bicicleta ou carro elétrico, que existem para aluguel temporário, até ocasional, em Paris. Um mínimo de planejamento é necessário, para calcular tempo e distâncias, reservar algum hotel determinado, buscar os melhores restaurantes (o Michelin Rouge está aí para isso mesmo), localizar os museus (aqui nos Michelin verts), identificar o patrimônio histórico e cultural, ler antecipadamente sobre a região, se inteirar de suas origens, desenvolvimentos, características atuais, etc. Guias, livros de viagens (já temos vários), roteiros especiais, mapas e GPS, tudo entra nesse planejamento, além, é claro, das informações online, das reservas de internet, de Google e Wikipedia, e das surpresas de sempre, inevitáveis. Estas são sempre bem-vindas em matéria de recomendações de viajantes calejados e nômades confirmados (como nós mesmos somos, diga-se de passagem).
Improvisações também são esperadas, aliás até desejadas, já que a oferta cultural desse mosaico de povos e tradições que é a Europa é absolutamente alucinante na sua diversidade de atrações identificadas, várias outras suspeitas, algumas sugeridas e outras ainda desconhecidas. Pretendemos, Carmen Lícia e eu, nos deixarmos levar pelos novos caminhos que os livros de viagens e os relatos de viajantes – históricos e atuais – nos sugerirem ao longo de mais de quatro meses de experimentos e descobertas. Se por acaso existe uma “musa” das viagens e dos viajantes, ela será nossa companheira constante.
Quando começamos? Imediatamente após o desembarque. Eu, que vou direto a Paris, começo alugando um carro no dia 15 de janeiro e deixando duas ou três malas na cidade; depois de me abastecer de cartões, de mapas e de outros utilitários de viagem, vou encarar, logo de cara – se me permitem a redundância – várias centenas de quilômetros até Lisboa, onde esperarei Carmen Lícia vinda de Brasília no dia 20, para um começo de estada em Évora. Depois, será um “recorrido” pelas estradas da Andaluzia, com paradas eventuais nas cidades da região, curtas visitas em Valência e Barcelona, antes de seguir para a Provence francesa, onde esperamos que a temperatura invernal não atrapalhe muito as visitas gastronômicas e culturais, que pretendemos fazer durante alguns dias.
Tenho de estar em Paris antes do dia 31, quando dou início ao ciclo de aulas, mas suspeito que um dia antes baste para me recuperar de pequenos prazeres turísticos e grandes exageros gastronômicos. Palestras e outras ocupações acadêmicas e intelectuais devem me ocupar alguma parte do tempo, enfim uma fração razoável de meu séjour académique. O resto, como disse, está reservado a voyages et randonnées, em Paris et ailleurs, já que não se pode frustrar certas vocações e obsessões. Não há nada a temer, senão a balança e a inadimplência. Temos um mundo a ganhar! Bon Voyage!
Voo Porto Alegre-Brasília, 10/01/2012