Governo diz que ainda
procura parceria com Cuba para trazer médicos
Jornal Ciência Hoje, 5/08/2013
Segundo o Ministério da
Saúde, o governo não desistiu da importação dos profissionais cubanos. Mas não
há prazo para a definição da parceria
A vinda de 6 mil médicos
cubanos para suprir a falta de profissionais em áreas carentes do Brasil,
anunciada pelo ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) em maio deste ano,
foi suspensa temporariamente pelo governo brasileiro, que decidiu priorizar as
inscrições individuais de médicos estrangeiros com o lançamento do programa
Mais Médicos. Segundo o Ministério da Saúde, a pasta não tem "nenhum
preconceito" com a medicina cubana, e um termo de cooperação ainda deve
ser assinado entre os dois países.
"O ministério está
trabalhando com o modelo de chamamento individual e, encerrado esse processo, o
ministério está aberto a discutir com outros países, incluindo Cuba, a possibilidade
de fazer outras formas de cooperação, seja com governos ou universidades",
informou o ministério por meio de sua assessoria. No entanto, a pasta disse que
não existe definição de quando isso será feito, já que a prioridade é colocar
em prática o modelo de inscrições individuais pelo Mais Médicos.
A primeira adesão ao
programa teve o período de inscrições encerrado no fim de julho. De acordo com
balanço do Ministério da Saúde, 1.753 profissionais homologaram a inscrição até
quinta-feira (o prazo vai até o dia 5), número muito inferior ao número de
vagas disponíveis: cerca de 15 mil. Uma nova etapa será aberta no dia 15 deste
mês. A partir daí, quando o programa tomar forma, o governo vai saber as
carências e definir outras formas de cooperação.
As negociações com Cuba
para a vinda de 6 mil médicos foram paralisadas no começo de julho, com o
lançamento do Mais Médicos, que entre outras medidas prevê a
"importação" de profissionais estrangeiros para preencher vagas não
ocupadas por brasileiros nas regiões carentes. Como o programa determina a
inscrição de forma individual, Cuba ficou de fora - o país caribenho faz
convênios coletivos com governos.
A participação da ilha é
estratégica para o Brasil, já que atende aos requisitos principais do programa:
número de médicos superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) e idioma semelhante ao português. Além disso, a medicina cubana prioriza
o atendimento básico, um dos pilares da proposta do governo.
Segundo informações
divulgadas pela rede BBC em junho deste ano, 15 mil médicos cubanos atuam em 60
países, gerando lucros milionários ao regime - as cifras mais otimistas falam
em até US$ 5 bilhões ao ano. Uma das maiores parcerias em andamento é com a
Venezuela. No convênio firmado entre os dois países, Cuba funciona como uma
empresa que presta o serviço médico. O profissional recebe apenas uma parte do
valor, que é repassado diretamente pelo governo venezuelano a Havana.
Vamos para onde ninguém
que ir, diz médico formado em Cuba
O brasileiro Marcus Dutra
faz parte do contingente de médicos formados em Cuba que trabalha na Venezuela.
Em 2014 ele deixou a cidade de Bom Jesus, no interior gaúcho, para estudar na
Escola Lationamericana de Medicina (Elam). Seis anos depois, já formado, ele se
integrou ao Batalhão 51, um exército - como ele mesmo define - de jovens que
trabalha nos lugares de mais difícil acesso, comunidades indígenas e
fronteiras.
Por meio da parceria entre
Cuba e a Venezuela, o brasileiro passou a viver em uma comunidade indígena
isolada - são necessárias quatro horas de barco para chegar ao local.
"Logicamente que essa experiência e essa disposição de ir onde outros
médicos se recusam a ir foi inculcada em mim pela formação médica que tive em
Cuba, lugar onde a atenção médica é realmente impressionante", diz ao
citar como exemplos o controle de doenças, a baixa mortalidade infantil -
morrem menos crianças no nascimento ou no primeiro ano de vida que nos Estados
Unidos - e a preocupação com o paciente.
"É do exemplo que se
aprende, e os cubanos nos ensinaram que o que realmente importa é estar onde
mais te necessitam, e não onde se vive melhor. Acredito que além dos serviços
de alta qualidade, reconhecidos por todas as organizações de saúde do planeta,
os cubanos podem deixar esse exemplo, da medicina humana, solidária. E isso é
justamente o que assusta a elite brasileira, que é racista desde sempre",
afirmou o brasileiro, ao fazer referência às críticas ao programa Mais Médicos.
Vivendo no Brasil há 15 anos,
o médico cubano Juan Carlos Raxach também diz que o que prejudica a vinda de
profissionais da ilha é o preconceito de alguns grupos. Raxach, que trabalha
para a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), no Rio de
Janeiro, chegou a escrever uma carta de desabafo após ouvir de representantes
de entidades médicas que "Cuba só tem charutos para exportar".
"O que existe é preconceito. O profissional formado em Cuba já demonstrou
êxito em programas de saúde não só na Venezuela, como na África e até em
Portugal. (...) Esse olhar da prevenção, eu acho que vai ajudar muito no
Brasil", afirmou em entrevista ao Terra.
No entanto,Juan Carlos
afirma que a contratação de médicos precisa vir acompanhada de investimentos na
melhoria do sistema de saúde. "Não é só falta de profissionais. É só ver a
situação do Rio de Janeiro, os hospitais estão sucateados, não tem leitos,
falta articulação entre municípios, Estados e o governo federal", criticou
Juan Carlos, que trabalha com a gestão de projetos na Abia e não exerce a
medicina no Brasil.
CFM fala em 'importação de
ideologia'
Contrário à vinda de
médicos estrangeiros sem passar pela revalidação dos diplomas, o Conselho
Federal de Medicina (CFM) faz duras críticas à proposta de trazer médicos
cubanos. "São médicos ideológicos, que vêm para propagar o sistema cubano.
Muitos brasileiros ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) e ao
PT foram fazer medicina em Cuba, agora querem legitimar esse modelo",
critica o diretor do CFM, Desiré Callegari.
O conselho pediu
investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre o modelo de
inscrições no Mais Médicos. Segundo a entidade, o sistema prejudicou a
inscrição de médicos brasileiros - o CFM alega que muitos não conseguiram
anexar documentos e que o programa não reconheceu registros profissionais
expedidos recentemente. Para Desiré Callegari, essas dificuldades podem ter a
intenção de garantir a vinda de profissionais do exterior.
Ele argumenta que não é
contra os médicos cubanos, mas diz que para virem trabalhar no Brasil precisam
revalidar os diplomas. "Se não houver revalidação do diploma no Brasil
somos contra, porque estaremos dando para a população uma medicina de segunda
linha", disse. Callegari argumenta que é temeroso liberar a entrada desses
profissionais, já que na última edição do exame de revalidação dos diplomas
médicos apenas 20 dos 182 profisisonais formados em Cuba inscritos conseguiram
a aprovação. "Não passam porque o curso de medicina em Cuba deixa muito a
desejar", argumenta.
(Portal Terra)