Primeiro ano de Maduro traz caos econômico e repressão
JANAÍNA FIGUEIREDO, 23/02/14
BUENOS AIRES — O economista venezuelano Francisco Faraco tem uma maneira muito simples de explicar por que desde a morte de Hugo Chávez, anunciada ao mundo em 5 de março de 2013, seu país mergulhou numa crise econômica, social e política que nas últimas semanas alcançou seu auge: “Quando assumiu o poder, Nicolás Maduro sentou-se numa cadeira elétrica”. Para ele e outros analistas locais ouvidos pelo GLOBO, nos últimos 12 meses o chefe de Estado não soube lidar com a pesada herança deixada por seu líder e antecessor e hoje enfrenta uma delicadíssima situação, cujo desfecho é imprevisível. Sem o carisma e a esperteza de Chávez, o novo chefe da revolução não conseguiu conter a disparada da inflação, a onda de insegurança, o dramático desabastecimento, equilibrar as contas públicas, nem recuperar a capacidade de produção da Petróleos da Venezuela (PDVSA), base da economia bolivariana. Os flagelos sociais e econômicos foram o combustível dos protestos opositores e estudantis, que provocaram a maior onda de repressão da era chavista.
Hoje, os problemas da vida real saíram do centro da cena, e a principal demanda opositora é o fim da violência. Mas a origem da crise que Maduro não conseguiu contornar é essencialmente econômica.
— Em Táchira (estado onde começaram os protestos) querem comida, Nicolás, não tanques de guerra — declarou, semana passada, Henrique Capriles, governador de Miranda e ex-candidato presidencial. — Aqui funcionam os serviços públicos? Temos segurança? Não fazemos filas quilométricas para conseguir alimentos?
No sábado, milhares de pessoas saíram às ruas de Caracas e de outras grandes cidades venezuelanas em novos protestos contra o governo. Venezuelanos no exterior também protestaram em várias partes do mundo. A capital venezuelana teve ainda uma marcha convocada pelo governo, de “mulheres pela paz”, que caminharam até o Palácio Miraflores, onde foram saudadas por Maduro.
No último ano de governo Chávez, o Banco Central do país estimava que a taxa de desabastecimento alcançava em torno de 20%. Em 2013, com Maduro no comando, o percentual chegou a 28%. Em 2012, a inflação alcançou 19,7%. No primeiro ano de gestão de Maduro, bateu um novo recorde: 56,2%, uma das taxas mais altas do mundo.
— Chávez deixou uma herança com ativos e passivos. Quando Maduro chegou ao poder, o país já estava em estado de ebulição — diz Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela.
Para ele, a decisão do presidente de acentuar o perfil estatizante e controlador de Chávez foi um dos principais erros cometidos:
— O esquema socialista bolivariano é a origem do problema, e Maduro o aprofundou. A equipe econômica está dividida e navega sem rumo.
Tortura, violência e censura
Inflação, escassez de alimentos e medicamentos, empresas e Estado cada vez mais endividados e uma crise cambial que obrigou o governo a fazer várias desvalorizações do bolívar nos últimos meses. De acordo com recente documento elaborado por 47 economistas locais, a Venezuela de Maduro vem atravessando uma crise provocada por “por excessos cometidos com os recursos fiscais e petroleiros dentro e fora do país”. Para este grupo, autodenominado “Pensar na Venezuela”, o principal problema que paira sobre o Palácio Miraflores é a escassez de divisas, que afeta todos os setores da economia. O documento menciona, com luxo de detalhes, a situação da PDVSA: em 2013 sua produção caiu 1,7% frente ao ano anterior, e seu faturamento por exportações recuou 6,4%. Até 2012, último dado oficial, o balanço financeiro da empresa mostrava umadívida de US$ 16,7 bilhões com fornecedores e terceirizados, montante que continuou aumentando em 2013.
— O pior de Maduro foi a indecisão econômica. Com este governo, o câmbio se complicou, a inflação aumentou, o crédito diminuiu e o desabastecimento se aprofundou — analisa o jornalista Vladimir Villegas, um ex-chavista, irmão do ministro das Comunicações, Ernesto Villegas. — Claro que a censura é grave, a insegurança, a falta de pluralismo no Congresso... mas para sair deste buraco é preciso resolver o drama da economia.
Descontentes com os rumos do país, os estudantes venezuelanos nas últimas semanas sofreram violações dos direitos humanos inéditas na era chavista, confirmou o advogado Gonzalo Himiod, da ONG Foro Penal. Com Chávez, disse ele, a perseguição era mais controlada, menos evidente.
— Hoje o governo tem menos dinheiro, a escassez é crítica e Maduro não tem capacidade para controlar a tropa chavista — afirma.
Himiod afirmou que as primeiras denúncias de torturas a estudantes chegaram às mãos da ONG quando Chávez ainda era presidente. Mas com Maduro, enfatizou,“os casos se multiplicaram”.
O número de mortos nos protestos também não para de crescer. Ontem, a estudante Geraldine Moreno, baleada durante os protestos de quarta-feira em Valencia, no estado de Carabobo, não resistiu aos ferimentos. Ao menos dez pessoas já morreram desde o início dos protestos, há duas semanas.
Fora das manifestações, a insegurança também aumentou no país no governo Maduro. O assassinato da ex-miss Monica Spear provocou comoção nacional e foi difícil de digerir para Maduro, que convocou a oposição para um diálogo que não prosperou. O Observatório Venezuelano da Violência estima que ocorreram 24.763 assassinatos só em 2013.
Sem boas notícias para transmitir, Maduro optou por apertar o cerco à imprensa. Em seu governo foi vendido o canal de TV Globovision, no passado forte opositor do chavismo; suspensa a liberação de divisas para que os jornais possam comprar papel importado (alguns correm sério risco de fechar); cortado o sinal de transmissão do canal colombiano NTN 24; e redobrado o ataque a jornalistas críticos — as mais recentes vítimas foram os repórteres do canal americano CNN, que tiveram cassadas suas credenciais para atuar na Venezuela. De acordo com Carlos Correa, da ONG Espaço Público, “a política de Estado em relação à mídia é a mesma, mas a perseguição aumentou”.
— Hoje, os venezuelanos se informam pelas redes sociais, não temos um canal de TV sequer que seja independente do governo — lamentou Correa.
Capriles convoca mais protestos
Em seus primeiros meses de governo, Maduro realizou, em média, 90 minutos diários de cadeia nacional de rádio e TV. Chávez teve uma média de 54 minutos diários, ao longo de 14 anos de governo. Em 12 de fevereiro passado, um dos piores dias de violência e repressão, o presidente fez duas cadeias e durante algumas horas milhões de venezuelanos não sabiam o que estava acontecendo.
Ontem, Capriles instou os venezuelanos a continuarem saindo às ruas até que o governo liberte o opositor Leopoldo López e anistie os demais manifestantesdetidos. Ele disse que a oposição não se deixará intimidar pela repressão do governo:
— Maduro foi um erro na História do país. Somos amantes da paz, mas jamais nos poremos de joelhos diante dos corruptos.
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