O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 11 de maio de 2014

Argentina e Venezuela: dois desastres latino-americanos - Estadao

Os desastres econômicos da Argentina e da Venezuela
Países apresentam os mais graves exemplos de distorções econômicas da América Latina
O Estado de S. Paulo10 de maio de 2014

Como um pesadelo para seus cidadãos, Argentina e Venezuela empurram o crescimento da América Latina para baixo e registram os mais graves exemplos de distorções econômicas da região. Os indicadores negativos hoje prevalecem em ambos os países que, em momentos diferentes do passado, experimentaram a riqueza concentrada e o sonho de ingressar no mundo desenvolvido. A Argentina crescerá apenas 0,5% neste ano. A Venezuela, dona da maior reserva de petróleo do mundo, provará o recuo de 0,5% em sua atividade.
Em ambos os países, a inflação crescente corrói a renda das famílias, sobretudo das mais pobres. Na Argentina, deve fechar o ano em torno de 30%, conforme estimativas extraoficiais. O cálculo do governo, menos robusto, não é tido como confiável. Na Venezuela, a inflação chegará a 75%, de acordo com previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI).
No coração de Buenos Aires, a Avenida Alvear e a favela do Retiro tornaram-se símbolos da decadência econômica acelerada e da expansão da pobreza nas últimas quatro décadas. Em Caracas, as filas nas portas de supermercados e as prateleiras vazias das farmácias alimentam os protestos nas ruas por mudanças no governo, de estilo autoritário.

A insatisfação popular é expressa também na queda do apoio e da avaliação dos presidentes Cristina Kirchner, em seu último ano de governo, e Nicolás Maduro, no primeiro ano de mandato. Entre analistas econômicos, prevalece a condenação dos modelos adotados desde 2003, na Argentina, e desde 1999, na Venezuela.
No fim do ano passado, com reservas internacionais em apenas US$ 13 bilhões, a Argentina adotou medidas de correção de rumo enquanto se engajou no diálogo com o FMI sobre a construção de um novo indicador de preços ao consumidor - passo inicial para uma possível retomada da sua relação com o Fundo.
O governo venezuelano resiste em reconhecer o fracasso das políticas econômicas ao longo dos últimos 15 anos. A estatal PDVSA deu mostras de debilidade ao recorrer a empréstimo de US$ 40 bilhões do Banco Central em 2013, mas continua a municiar boa parte da máquina social chavista. Sua fragilidade está na raiz das quatro taxas de câmbio vigentes no país e na própria crise de desabastecimento que afeta ricos e pobres.

A forca ascensional da democracia, e o descenso dos Estados autoritarios - G. John Ikenberry (Foreign Affairs)

A ilusão da geopolítica
Putin ganhou pequenas batalhas, mas está perdendo a guerra; Rússia e China estão cercadas por democracias
G. John Ikenberry * 
Foreign Affairs - O Estado de S.Paulo, 11/05/2014

Walter Russell Mead pinta um retrato perturbador das mazelas geopolíticas dos EUA (em artigo republicado no domingo passado pelo Estado). Tal como ele as vê, uma coalizão cada vez mais formidável de potências não liberais - China, Irã e Rússia - está determinada a desmontar o acordo pós-Guerra Fria e a ordem global liderada pelos EUA que o sustenta.
Por toda a Eurásia, ele argumenta, esses Estados insatisfeitos estão propensos a construir esferas de influência para minar os fundamentos da liderança americana e a ordem global. Em vista disso, os EUA precisariam repensar seu otimismo, incluindo sua crença pós-Guerra Fria de que Estados não ocidentais em ascensão podem ser persuadidos a se unir ao Ocidente e jogar pelas suas regras. Para Mead, chegou o momento de enfrentar as ameaças desses inimigos geopolíticos cada vez mais perigosos.
O alarmismo de Mead tem base num equívoco colossal sobre a realidade das potências modernas. A ordem mundial existente é mais estável e expansiva do que Mead retrata. Ele se equivoca sobre China e Rússia, que não são potências revisionistas em plena escala, mas, na melhor das hipóteses, desmancha-prazeres em tempo parcial, tão desconfiadas uma da outra como são do mundo em geral.
É fato que elas buscam oportunidades para resistir à liderança global dos EUA e, recentemente, como no passado, elas a peitaram, particularmente quando confrontadas em suas próprias vizinhanças. No entanto, mesmo esses conflitos são alimentados mais por fraqueza - de seus líderes e seus regimes - do que por força. Elas não têm uma marca atraente. E, no que toca seus interesses dominantes, a Rússia e, em especial a China estão profundamente integradas na economia mundial e em suas instituições governantes.
Mead também caracteriza de maneira equivocada os fundamentos da política externa americana. Desde o fim da Guerra Fria, ele argumenta, os EUA ignoraram questões geopolíticas envolvendo territórios e esferas de influência. Adotaram uma ênfase excessivamente otimista na construção da ordem mundial. Mas essa é uma falsa dicotomia.
Os EUA não se concentram em questões de ordem global, como controle de armas e comércio, por supor que o conflito geopolítico acabou de uma vez por todas; eles empreendem tais esforços precisamente porque querem gerir a competição entre grandes potências. A construção da ordem não tem como premissa o fim da geopolítica, ela diz respeito a como responder às grandes questões da geopolítica.
Aliás, a construção de uma ordem global liderada pelos EUA não começou com o fim da Guerra Fria; ela venceu a Guerra Fria. Nos quase 70 anos desde a 2.ª Guerra, Washington empreendeu esforços contínuos para construir um abrangente sistema de instituições multilaterais, alianças, acordos comerciais e parcerias políticas.
Esse projeto ajudou a atrair países para a órbita dos EUA. Ele ajudou a fortalecer normas e regras globais que questionaram a legitimidade das esferas de influência, tentativas de dominação regional e roubos territoriais ao estilo do século 19. E deu aos EUA as capacidades, parcerias e princípios para enfrentar grandes potências estraga-prazeres e revisionistas de hoje, tal como são. Alianças, parcerias, multilateralismo, democracia - essas são as ferramentas da liderança americana e elas estão vencendo, não perdendo, as disputas do século 21 sobre geopolítica e ordem mundial.
Em 1904, o geógrafo inglês Halford Mackinder escreveu que a grande potência que controlasse o coração da Eurásia comandaria "a Ilha do Mundo" e, com isso, o próprio mundo. Para Mead, a Eurásia voltou a ser o grande prêmio da geopolítica. Nos extremos longínquos de seu supercontinente, ele argumenta, China, Irã e Rússia procuram estabelecer suas esferas de influência e desafiam interesses americanos, tentando lenta, mas inexoravelmente, dominar a Eurásia e, com isso, ameaçar os EUA e o restante do mundo. Essa visão desconsidera uma realidade mais profunda. Em questões de geopolítica (para não mencionar de demografia, de política e de ideias), os EUA têm uma vantagem decisiva sobre China, Irã e Rússia.
Embora os EUA algum dia certamente descerão do pico de hegemonia que ocuparam durante a era unipolar, seu poder continua sem rival. Sua riqueza e vantagens tecnológicas continuam muito fora do alcance de China e Rússia, que dizer do Irã. Sua economia em recuperação, agora fortalecida por novos e volumosos recursos em gás natural, lhes permite manter uma presença militar global e compromissos de segurança confiáveis. Aliás, Washington tem uma habilidade única para ganhar amigos e influenciar Estados.
Segundo um estudo chefiado pelo cientista político Brett Ashley Leeds, os EUA mantêm parcerias militares com mais de 60 países, enquanto a Rússia tem oito aliados formais e a China apenas um (Coreia do Norte). Como me contou um diplomata britânico, "a China não parece fazer alianças". Mas os EUA sim e elas pagam um dividendo duplo: não só fornecem uma plataforma global para a projeção do poder americano, como distribuem a carga de fornecer segurança. A capacidade militar agregada nesse sistema de alianças liderado pelos EUA sobrepuja qualquer coisa que China ou Rússia possam criar nas próximas décadas.
Era atômica. Depois, há as armas nucleares. Essas armas, que EUA, China e Rússia possuem (e o Irã está buscando), ajudam Washington de duas maneiras. Primeiro, graças à lógica da destruição mútua garantida, elas reduzem radicalmente a probabilidade de uma guerra entre grandes potência. Tais confrontos forneceram oportunidades para grandes potências do passado, incluindo os EUA na 2.ª Guerra, firmarem suas próprias ordens internacionais. A era atômica privou a China e a Rússia dessa oportunidade. Segundo, armas nucleares também tornarão China e Rússia mais seguras, dando-lhes uma garantia de que os EUA jamais as invadirão. Isso é uma coisa boa, porque reduz a probabilidade de que elas recorram a medidas desesperadas, nascidas da insegurança, que possam provocar uma guerra e solapar a ordem liberal.
A geografia reforça outras vantagens dos EUA. Como única grande potência não rodeada por outras grandes potências, o país pareceu menos ameaçador a outros Estados e conseguiu ascender dramaticamente ao longo do último século sem provocar uma guerra. Após a Guerra Fria, quando os EUA eram a única superpotência do mundo, outras potências globais, a oceanos de distância, nem sequer tentaram se equiparar a eles. Aliás, a posição geográfica levou outros países a se preocupar mais com abandono do que com domínio. Aliados na Europa, Ásia e Oriente Médio tentaram fazer os EUA jogar um papel maior em suas regiões. O resultado é o que o historiador Geir Lundestad chamou de "império por convite".
A vantagem geográfica dos EUA está plenamente evidente na Ásia. A maioria dos países da região vê a China como um perigo potencial maior - em razão de sua proximidade - do que os EUA. Tirando os EUA, toda grande potência do mundo vive numa vizinhança geopolítica apinhada onde mudanças no poder rotineiramente provocam contramedidas.
A China está descobrindo essa dinâmica com a reação de Estados circundantes que em resposta a sua ascensão estão modernizando suas forças militares e reforçando suas alianças. A Rússia a conheceu há décadas e a enfrentou mais recentemente na Ucrânia, que nos últimos anos vinha aumentando seus gastos militares e tentando estreitar laços com a União Europeia (UE).
O isolamento geográfico também deu aos EUA razão para capitanear a defesa de princípios universais que lhe permitem acesso a várias regiões do mundo. O país promove há muito uma política de porta aberta e o princípio da autodeterminação, e se opôs ao colonialismo - menos por um senso de idealismo do que pelas realidades práticas de manter Europa, Ásia e Oriente Médio abertos ao comércio e à diplomacia.
No fim dos anos 1930, a principal questão que se colocava para os EUA era qual espaço geopolítico, ou "grande área", eles precisariam para existir como grande potência num mundo de impérios, blocos regionais e esferas de influência. A 2.ª Guerra deixou clara a resposta: prosperidade e segurança do país dependiam do acesso a cada região. E nas décadas seguintes, com algumas exceções importantes e danosas, como o Vietnã, os EUA adotaram princípios pós-imperiais.
Foi durante esses anos do pós-guerra que geopolítica e construção da ordem convergiram. Um arcabouço internacional liberal foi a resposta que estadistas como Dean Acheson, George Kennan e George Marshall ofereceram ao desafio do expansionismo soviético. O sistema que eles construíram fortaleceu e enriqueceu os EUA e seus aliados, em detrimento de seus oponentes não liberais. Também estabilizou a economia mundial e estabeleceu mecanismos para enfrentar problemas globais. O fim da Guerra Fria não mudou a lógica por trás desse projeto.
Felizmente, os princípios liberais que Washington promoveu gozam de um apelo quase universal, porque eles tenderam a se ajustar bem às forças modernizadoras do crescimento econômico e do progresso social. Como colocou o historiador Charles Maier, os EUA surfaram a onda de modernização do século 20. Mas alguns disseram que essa congruência entre o projeto americano e as forças da modernidade enfraqueceu nos últimos anos. A crise financeira de 2008, dizem, marcou um ponto crítico da história mundial no qual os EUA perderam seu papel de vanguarda na promoção do progresso econômico.
Mesmo que isso fosse verdade, não seria por isso que a China e a Rússia substituiriam os EUA como paradigmas da economia global. Nem Mead defende que China, Irã ou Rússia oferecem ao mundo um novo modelo de modernidade. Para essas potência não liberais realmente ameaçarem Washington e o restante do mundo capitalista liberal, elas terão de encontrar e surfar a próxima grande onda de modernização. É improvável que o façam.
Democracia. A visão de Mead de uma disputa pela Eurásia entre EUA e China, Irã e Rússia não leva em consideração a transição de poder mais profunda em curso: a crescente ascendência da democracia capitalista liberal. De fato, neste momento, muitas democracias liberais estão às voltas com lento crescimento econômico, desigualdade social e instabilidade política.
Mas a disseminação da democracia liberal pelo mundo, a partir de fins da década de 1970, acelerando-se após a Guerra Fria, fortaleceu dramaticamente a posição dos EUA e endureceu o círculo geopolítico em torno de China e Rússia.
É fácil esquecer como era rara a democracia liberal no passado. Até o século 20, ela estava confinada ao Ocidente e partes da América Latina. Após a 2.ª Guerra, começou a ir além desses domínios à medida que Estados agora independentes estabeleciam sua autodeterminação. Durante os anos 50, 60 e começo dos 70, golpes militares e novos ditadores frearam transições democráticas. Mas no fim dos anos 70, o que o cientista político Samuel Huntington chamou de "a terceira onda" de democratização varreu o sul da Europa, a América Latina e o Leste Asiático. Aí a Guerra Fria terminou, e uma legião de ex-Estados comunistas na Europa Oriental foram trazidos para o redil democrático. Em fins dos anos 90, 60% de todos os países haviam se tornado democracias.
Apesar de alguns retrocessos, a tendência mais significativa tem sido o surgimento de um grupo de potências médias democráticas, entre as quais Austrália, Brasil, Índia, Indonésia, México, Coreia do Sul e Turquia. Essas democracias ascendentes estão agindo como partes interessadas no sistema internacional: promovendo a cooperação multilateral, buscando maiores direitos e responsabilidades, exercendo influências por meios pacíficos.
Tais países levaram a ordem mundial liberal a novas alturas geopolíticas. Como observou o cientista político Larry Diamond, se Argentina, Brasil, Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia recuperarem seu equilíbrio econômico e fortalecerem seu regime democrático, o G-20, que também inclui os EUA e países europeus, "se tornará um forte 'clube de democracias', deixando de fora apenas Rússia, China e Arábia Saudita". A ascensão de uma classe média global de Estados democráticos transformou China e Rússia em pontos fora da curva - e não, como Mead teme, legítimos disputantes da liderança global.
Aliás, o crescimento democrático foi extremamente problemático para ambos os países. No Leste Europeu, ex-Estados soviéticos e satélites tornaram-se democráticos e se uniram ao Ocidente. Por preocupantes que possam ter sido as medidas do presidente russo, Vladimir Putin, na Crimeia, elas refletem a vulnerabilidade geopolítica da Rússia e não sua força. Nas duas últimas décadas, o Ocidente foi paulatinamente se aproximando das fronteiras da Rússia.
Em 1999, República Checa, Hungria e Polônia entraram na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Juntaram-se a elas em 2004 outros sete antigos membros do bloco soviético e, em 2009, Albânia e Croácia. Nesse intervalo, seis ex-repúblicas soviéticas tomaram o caminho da participação ao aderir ao programa Partnership for Peace da Otan.
Mead dá muita importância às façanhas de Putin na Geórgia, Armênia e Crimeia. Apesar de Putin estar ganhando algumas pequenas batalhas, ele está perdendo a guerra. A Rússia não está em ascensão; ao contrário, está experimentando uma das maiores contrações geopolíticas de qualquer grande potência na era moderna.
A democracia também está cercando a China. Em meados dos anos 80, Índia e Japão eram as únicas democracias asiáticas, mas de lá para cá, Indonésia, Mongólia, Filipinas, Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia entraram no clube. Mianmar deu passos cautelosos rumo a um regime pluripartidário - passos que vieram acompanhados, como a China não deixou de notar, de um aquecimento das relações com os EUA. A China vive hoje, decididamente, numa vizinhança democrática.
Essas transformações políticas puseram a China e a Rússia na defensiva. Considerem-se os recentes desdobramentos na Ucrânia. As correntes econômicas e políticas na maior parte do país estão fluindo inexoravelmente para oeste, uma tendência que apavora Putin. Seu único recurso foi pressionar a Ucrânia para resistir à UE e permanecer na órbita russa. Embora ele possa ser capaz de manter a Crimeia sob controle russo, seu domínio sobre o restante do país está diminuindo.
Como observou o diplomata da UE Robert Cooper, Putin pode tentar retardar o momento em que a Ucrânia "se filiará à UE, nas não pode impedi-lo". Na verdade, Putin pode nem ser capaz de fazer isso, pois suas medidas provocadoras só aceleraram a aproximação da Ucrânia da Europa.
A China enfrenta um problema similar em Taiwan. Dirigentes chineses sinceramente acreditam que Taiwan faz parte da China, mas os taiwaneses não. A transição democrática na ilha tornou as pretensões de independência de seus habitantes mais profundamente sentidas e legítimas. Uma pesquisa de opinião em 2011 revelou que se os taiwaneses pudessem receber garantias de que a China não atacaria Taiwan, 80% deles apoiariam a declaração de independência. Como a Rússia, a China quer o controle geopolítico sobre sua vizinhança. Mas a disseminação da democracia para todos os cantos da Ásia tornou a dominação à moda antiga a única maneira de alcançar isso e essa opção é dispendiosa e autodestrutiva.
Enquanto a ascensão de Estados democráticos torna a vida mais difícil para China e Rússia, ela torna o mundo mais seguro para os EUA. Essas duas potências podem se considerar rivais dos EUA, mas a rivalidade ocorre num campo de jogo muito desigual: os EUA têm mais amigos e os mais capazes também. Washington e seus aliados respondem por 75% dos gastos militares globais. A democratização pôs China e Rússia numa caixa geopolítica.
O Irã não está cercado de democracias, mas é ameaçado por um movimento pró-democracia insubmisso em casa. Mais importante, o Irã é o membro mais fraco do eixo de Mead, com economia e capacidade militar muito menores do que os EUA e as outras grandes potências. Ele é alvo também do mais forte regime de sanções internacionais jamais montado, com ajuda da China e da Rússia.
A diplomacia do governo Obama para o Irã pode ter sido bem-sucedida ou não, mas não está claro o que Mead faria de diferente para impedir o país de conseguir armas nucleares. A abordagem de Obama tem a virtude de oferecer a Teerã um caminho pelo qual ele pode mudar de potência regional hostil para ser um membro não nuclear mais construtivo da comunidade internacional - um fator de mudança de jogo que Mead não analisa.
O revisionismo revisitado por Mead não só subestima a força dos EUA como a ordem que eles construíram. Ele também exagera no grau em que China e Rússia estão buscando resistir. Tirante suas ambições nucleares, o Irã parece um Estado empenhado mais em protestos fúteis do que numa verdadeira resistência, por isso não deve ser considerado próximo de uma potência revisionista.
Sem dúvida, China e Rússia desejam uma maior influência regional. A China exibiu pretensões agressivas a direitos marítimos e ilhas próximas contestadas. Embarcou num reforço de armamentos. Putin pretende reclamar o domínio da Rússia sobre seu "exterior próximo". As grandes potências se eriçam contra a liderança americana e resistem a ela quando podem.
Mas China e Rússia não são verdadeiras revisionistas. Como disse o ex-chanceler israelense Shlomo Ben-Ami, a política externa de Putin é "mais um reflexo de seu ressentimento com a marginalização geopolítica da Rússia do que um grito de guerra de um império em ascensão".
A China, é claro, é uma genuína potência em ascensão e isso convida a uma competição perigosa com aliados americanos na Ásia. Mas a China não está tentando romper essas alianças ou derrubar o sistema mais amplo de governança da segurança regional concretizado na Associação de Nações do Sudeste Asiático e na Cúpula do Leste Asiático. E mesmo que ela abrigasse ambições de eventualmente fazê-lo, as parcerias de segurança americanas na região são, no mínimo, mais fortes, não mais fracas.
China e Rússia são, na melhor hipótese, estraga-prazeres. Elas não têm interesses - para não mencionar ideias, capacidade ou aliados - para levá-las a subverter regras e instituições globais existentes.
Soberania e interesses. Aliás, embora se ressintam de que os EUA estão no topo do sistema geopolítico atual, elas adotam a lógica subjacente desse arcabouço, e por boa razão. A abertura lhes dá acesso a comércio, investimentos e tecnologia de outras sociedades. As regras lhes dão ferramentas para proteger sua soberania e seus interesses. Apesar das controvérsias sobre a nova ideia de "responsabilidade de proteger" (que só tem sido aplicada seletivamente), a ordem mundial atual só preserva normas antigas de soberania de Estado e não intervenção. Aqueles princípios westfalianos continuam sendo a base da política mundial - e a China e a Rússia amarraram neles seus interesses nacionais (apesar do irredentismo perturbador de Putin).
Não deve surpreender, portanto, que China e Rússia tenham se integrado profundamente na ordem internacional existente. Ambas são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito de veto, e ambas participam ativamente na Organização Mundial de Comércio (OMC), no Fundo Monetário Internacional (FMI), no Banco Mundial e no G-20. Elas são atores geopolíticos, participando de todos os organismos de peso na governança global.
A China, a despeito de sua rápida ascensão, não tem uma agenda global ambiciosa. Ela continua concentrada em sua situação interna, em preservar o regime do Partido Comunista. Algumas figuras políticas e intelectuais chineses, como Yan Xuetong e Zhu Chenghu, têm uma lista de desejos de objetivos revisionistas. Elas veem o sistema ocidental como uma ameaça e estão à espera do dia em que a China poderá reorganizar a ordem internacional. Mas essas vozes não vão muito além da elite política. Aliás, a liderança chinesa se afastou de seus primeiros apelos a uma mudança radical.
Em 2007, numa reunião de seu Comitê Central, o Partido Comunista Chinês substituiu propostas anteriores de uma "nova ordem econômica internacional" por apelos a reformas mais modestas centradas em equidade e justiça. O pesquisador chinês Wang Jisi argumentou que esse movimento é "sutil, mas importante", mudando a orientação da China para as de uma reformadora global. A China agora deseja um papel maior no FMI e no Banco Mundial, mais influência em fóruns como o G-20 e maior uso global de sua moeda. Essa não é a agenda de um país tentando revisar a ordem econômica.
China e Rússia também são membros em boa posição no clube nuclear. O centro do acordo da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética (e depois a Rússia) foi um esforço compartilhado para limitar armas nucleares. Apesar de as relações russo-americanas terem azedado depois disso, o componente nuclear de seu acordo se manteve. Em 2010, Moscou e Washington assinaram o tratado New Start, que dispõe sobre reduções mútuas em armas nucleares de longo alcance.
Antes dos anos 90, a China era uma estranha no clube nuclear. Apesar de ter um arsenal modesto, ela se via como uma voz do mundo em desenvolvimento não nuclear e criticava os acordos de controle de armas e proibição de testes. Numa mudança notável, a China passou a apoiar o conjunto dos acordos nucleares, incluindo o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares. Ela tem afirmado uma doutrina de "não ser a primeira a usar", tem mantido pequeno seu arsenal e tirou da condição de alerta toda sua força nuclear. A China também jogou um papel ativo na Cúpula de Segurança Nuclear, uma iniciativa proposta por Obama em 2009, e entrou no "processo P5", um esforço cooperativo para proteger essas armas.
Em todo um amplo leque de questões, China e Rússia estão agindo mais como grandes potências estabelecidas do que como revisionistas. Elas com frequência optam por evitar o multilateralismo, mas isso também ocorre com os EUA e outras democracias poderosas. Pequim ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; Washington não.
China e Rússia estão usando regras e instituições globais para defender seus próprios interesses. Suas disputas com os EUA referem-se a ganhar influência dentro da ordem existente e manipulá-la para servir a suas necessidades. Elas querem melhorar suas posições no sistema, mas não estão tentando substituí-lo. 
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

* É COLABORADOR DA FOREIGN AFFAIRS E PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE PRINCETON


Heranca maldita da era Lula: os refugiados haitianos - Claudio Humberto (Diario do Poder)


  • Claudio Humberto
  • Diário do Poder, 11 DE MAIO DE 2014

  • É SÓ GRITAR ‘REFÚGIO!’, E HAITIANOS ENTRAM NO BRASIL

    A Polícia Federal está proibida de conter a entrada dos haitianos no Brasil, como tem acontecido, sem qualquer controle, nem documentos. Entre os mais de 4 mil que chegaram este ano, pode haver criminosos comuns, fugitivos da Justiça, terroristas procurados etc, mas instruídos pelos “coiotes”, pagos para trazê-los do Haiti, apenas precisam gritar “refúgio!”, e os agentes são obrigados a permitir o ingresso no Brasil.

  • CASA DE MÃE JOANA
    Já no Brasil, os haitianos recebem “visto humanitário” de permanência, além de carteiras de trabalho com a identidade que declaram.

  • IRRESPONSABILIDADE
    O Brasil, irresponsável, nem sequer faz gestões junto aos governos da Bolívia e do Peru, por onde chegam os haitianos, para exigir vistos.

  • PF MARGINALIZADA
    O Ministério Público Federal e o governo paulista criaram comissão para examinar o problema dos haitianos. E excluíram a Polícia Federal.

  • É SÓ O COMEÇO
    Com estímulo inconsequente do governo, o problema deve se agravar: estudo recente mostra que 91% dos haitianos querem viver no Brasil

Copa do Mundo: mais uma heranca maldita dos companheiros - Der Spiegel

Capa da mais importante revista semanal da Alemanha:
Morte e Jogo: o Brasil antes da Copa do Mundo de Futebol

Chamada para a matéria especial:


"Justamente na Terra do Futebol, o Mundial poderá ser um fiasco. No ,lugar da festa, passeatas, greves e tiroteios. Os cidadãos estão enfurecidos com os estádios super-faturados e políticos corruptos - e ainda sofrem com uma economia em estagnação."

O Capital, do seculo XIX ao XXI. Esquerda francesa: do seculo XIX ao XVIII, sempre para tras...

Aqui está uma prova do atraso mental da esquerda francesa: ao resenhar o livro do social-democrata Thomas Piketty, que só pretende uma taxa sobre as grandes fortunas e o patrimônio dos muitos ricos, este socialista ainda pretende que o correto seria buscar o igualitarismo.
Enfim, nada mudou, e nada mudará...
Paulo Roberto de Almeida 

La gauche contre elle-même

LE MONDE | 
Par    facebook twitter google + linkedin pinterest

Thomas Piketty, économiste, à l'Assemblée nationale, le 13 mars.
Thomas Piketty, économiste, à l'Assemblée nationale, le 13 mars. | AFP/FRED DUFOUR

Il n'est pas très original, j'en ai conscience, de s'inquiéter de l'état dans lequel se trouvent aujourd'hui la gauche et la pensée de gauche, pour autant qu'il soit possible de distinguer ces deux registres. Mais dans la mesure où la gauchepolitique semble s'enfoncer dans les abîmes d'un désastre qui s'annonce historique, on peut comprendre que ceux qui croient encore aux vertus d'une démarche de transformation sociale cherchent à rattacher le peu d'espoir qui leur reste à tout ce qui ressemble, de près ou de loin, à une contribution progressiste à la réflexion théorique.

La tentation est grande, dans un tel contexte, de prendre pour d'extraordinaires avancées progressistes ce que, en d'autres temps, on aurait considéré comme des concessions destinées à sauver le système, et même d'aller jusqu'à sentir un souffle « révolutionnaire » dans ce qu'il conviendrait d'interpréter comme un aboutissement et un réaménagement de ce qu'a produit la « révolution conservatrice » depuis le début des années 1980.

LES CÉNACLES IDÉOLOGIQUES
Je pense, par exemple, au livre de l'économiste Thomas Piketty, Le Capital au XXIe siècle (Seuil, 2013), qui ne peut apparaître comme un livre de gauche que parce que les cénacles idéologiques dont il est proche se sont acharnés à démolirau préalable tout ce qui faisait que la gauche était la gauche. Il suffirait pour s'enconvaincre de constater que ceux qui l'applaudissent dans les journaux français sont les mêmes qui insultaient hier Pierre Bourdieu lorsqu'il dénonçait les ravages répandus par le néolibéralisme.
On ne s'en étonnera pas : le livre de Piketty paraît en France dans une collection dirigée par Pierre Rosanvallon, l'ancien animateur de la Fondation Saint-Simon, qui entendait réunir de manière durable des universitaires, des journalistes, des responsables politiques et des grands patrons avec pour objectif d'organiser le basculement du champ intellectuel de la gauche vers la droite, de Marx vers Tocqueville ou, plus exactement, de Sartre, Foucault et Bourdieu vers Raymond Aron.
Le regard porté sur le monde social par Piketty participe de cette problématique aronienne de l'individualisation construite contre l'idée même de classes sociales, contre l'idée de déterminismes sociaux et de reproduction et, par conséquent, contre toute approche en termes d'exploitation et de luttes, de domination et de conflictualité. C'est la démarche qui sous-tend tout son livre : ce qui définit la « modernité démocratique », répète-t-il, c'est que les inégalités sociales sont justes et justifiées si elles sont fondées sur le travail et le mérite individuels.
Son ouvrage constitue ainsi le deuxième temps de l'entreprise de destruction de la pensée de gauche : pour que le capitalisme soit acceptable et que les inégalités soient acceptées, il est nécessaire de limiter – par l'impôt – celles qui deviennent chaque jour un peu plus scandaleuses et un peu moins justifiables. La critique du « capital » et quelques mesures fiscales interviennent ici pour sauver le paradigme où l'on pense le monde social sans les classes et les antagonismes de classes.

SOUTENIR DES POLITIQUES DE REDISTRIBUTION
D'entrée de jeu, il nous avertit que le problème central n'est pas l'ampleur des inégalités, mais ce sur quoi elles s'appuient. Ceux qui possèdent des fortunes colossales les doivent non à leurs mérites, mais à l'accumulation du patrimoine et à sa transmission par l'héritage. D'où l'idée qu'il faut instaurer un impôt progressif sur le capital afin de soutenir des politiques de redistribution.
Qui pourrait être contre de telles mesures ? Et l'on est saisi de stupeur en voyant les gouvernements de gauche – en France notamment – les refuser. Au fond, si le livre de Thomas Piketty est reçu comme un livre de gauche, c'est parce que la gauche au pouvoir est encore moins à gauche que lui.
L'accueil réservé à la traduction anglaise de ce livre par quelques personnalités de l'establishment universitaire américain et le succès international qu'elles lui ont ainsi assuré devraient inciter ses lecteurs à une très grande prudence. Il faut vraiment que ces économistes titrés et nantis évoluent dans un monde coupé des réalités pour pouvoir s'émerveiller qu'un livre vienne, en 2014, leur révéler que le capitalisme est un système dans lequel la richesse produite par la société ne bénéficie pas à tous, mais seulement à une infime minorité. Et leur permettre d'entirer l'étonnante conclusion que cela prouve que le capitalisme, « ça ne marche pas »
On pourrait soutenir au contraire que cela prouve que « ça marche », et depuis longtemps, puisque c'est ce qui le définit. Si mes souvenirs d'étudiant ne me trompent pas, un livre intitulé Le Capital (au XIXe siècle) l'avait bien établi.
Dans un article paru dans la New York Review of Books, Paul Krugman opère un déplacement édifiant. Il oriente avant tout l'analyse sur la concentration du capital dans les mains de quelques-uns et non plus sur les inégalités de revenus entre les différentes couches de salariés, comme on le faisait jusqu'ici. Il y aurait d'un côté les (très) riches et de l'autre le reste de la population qui gagne sa vie en travaillant, et les écarts au sein de cette population seraient, dans un tel cadre, relativement secondaires. En ce sens, Paul Krugman ne trahit pas le livre qu'il promeut, et c'est même la raison pour laquelle il affirme le trouver si novateur.

LE MYTHE DE L'IDÉOLOGIE MÉRITOCRATIQUE
La discussion critique que mène l'économiste américain ne se situe pas dans un espace de gauche : ses adversaires sont les économistes de l'école de Chicago, les tenants d'un libéralisme pur et dur, les éditorialistes de la droite américaine… Et, contre eux, il dit et redit que le livre de Thomas Piketty démontre que ceux qui possèdent des fortunes colossales ne les doivent pas à leur travail ou à leur mérite personnels, mais au patrimoine constitué et hérité. Et il peut donc lirel'ouvrage de Piketty comme un démontage en règle de l'idéologie méritocratique, qui sert de mythe fondateur à la société américaine ou en tout cas à ses classes dominantes.
Mais soit il se trompe grossièrement, soit il nous leurre. Car Thomas Piketty ne cesse de promouvoir l'idéologie méritocratique. Simplement, il la situe à l'étage du dessous. On pensera plutôt que la vision méritocratique et inégalitaire de Paul Krugman se trouve confortée par celle que lui offre  Thomas Piketty : le mérite ne se situe pas chez ceux dont la richesse est indécente, mais dans les autres strates de la société, où les inégalités de salaire, si amples soient-elles, se voient ainsi légitimées.
Au point qu'on peut se demander comment il est possible que personne, à ma connaissance, n'ait soulevé aux Etats-Unis une question aussi cruciale que douloureuse : en insistant sur le mérite personnel comme fondement juste des inégalités, on renvoie à leur responsabilité individuelle, à leur manque de talent ou de compétence tous ceux qui ne réussiront pas à sortir de la pauvreté. Et comme il est fort probable que cela concernera au tout premier chef les habitants des ghettos noirs des grandes villes, nous nous trouvons finalement devant une idéologie qui n'est pas très éloignée de celle de l'infériorité raciale.
Cela doit nous conduire à interroger les slogans d'un mouvement comme « Occupy Wall Street ». Si intéressant qu'ait pu être ce mouvement, et si prometteur d'un regain des mobilisations contre la violence économique et sociale exercée par le pouvoir de la finance internationale, il faut bien admettre que sa manière d'opposer le 1 % représentant la fraction la plus riche d'une nation aux 99 % qui représenteraient le « peuple » assemblé revient à effacer les différences considérables à l'intérieur d'un groupe si vaste. C'est comme si la hiérarchie entre les classes disparaissait dans le geste de la révolte contre quelques profiteurs et spoliateurs. Mais non !

PERPÉTUATION DES INÉGALITÉS SOCIALES
Ce « peuple » n'est pas un ensemble homogène, dans lequel régneraient simplement des différences secondaires (et méritées) de statuts ou de salaires.Or l'analyse focalisée sur les inégalités les plus obscènes tend à installer pour le reste du monde social un continuum entre les niveaux de revenus, séparés par des « déciles » ou des « centiles », et dans lequel les écarts seraient pleinement justifiés. Cette idéologie du mérite et du talent (attestés et ratifiés par les titres scolaires) est pourtant l'un des vecteurs les plus puissants de la légitimation et de la perpétuation des inégalités sociales.
En réduisant la notion de « capital » au seul capital économique, Thomas Piketty néglige délibérément – c'est inscrit dans sa perspective d'ensemble – le rôle majeur du capital culturel et du capital social comme formes décisives de l'héritage : l'implacable logique de la distribution différentielle des possibilités d'accès à ce qu'il estime fondé sur le mérite (les écoles d'élite, les professions les mieux rémunérées…)
Il n'est pas très difficile de reconstituer comment, en défaisant toute perception du monde en termes d'appartenance à une classe sociale, mobilisée ou potentiellement mobilisable par le moyen des luttes ou par celui du vote pour un parti de gauche, on s'exposait à ce qui allait fatalement se produire : la reconstitution de ce groupe par le moyen du vote pour un parti d'extrême droite.
Paul Krugman et son collègue Joseph Stiglitz promettent à Thomas Piketty le prix Nobel (décerné par la Banque de Suède). Cette médaille risque pourtant d'avoir un revers bien sombre : la montée du Front national en France et des partis fascistes en Europe.
Didier Eribon
Le Monde daté 10 mai 2014