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terça-feira, 30 de julho de 2019

Itaipu Binacional: revisão acordo abre crise no Paraguai (OESP)

O chanceler paraguaio acaba de renunciar ao posto, e o presidente corre risco de sofrer processo no Parlamento, que julga lesivo ao Paraguai a revisão do acordo sobre Itaipu Binacional com o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de julho de 2019


Acordo sobre Itaipu abre crise no Paraguai
O Estado de S. Paulo, 27/07/2019

Críticas. Oposição diz que termos do pacto assinado por representantes do presidente Mario Abdo Benítez são ‘extorsivos’, afetariam o preço da energia pago pelos paraguaios e ameaça abrir processo de impeachment por mau desempenho das funções presidenciais.

O acordo firmado entre Brasil e Paraguai para a exploração da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu criou uma crise para o presidente Mario Abdo Benítez. O Partido Liberal, principal da oposição paraguaia, criticou os termos assinados, que seriam “extorsivos e degradantes”, e planeja abrir um “julgamento por mau desempenho das funções presidenciais” contra Abdo Benítez.

A mudança nos termos do acordo para a exploração da energia da usina hidrelétrica, compartilhada pelos dois países, estava sendo negociada desde março, mas apenas em maio Brasil e Paraguai chegaram a um acordo. A oposição diz que as novas condições impostas aumentariam o preço que os paraguaios pagam pela energia.

O presidente do Partido Liberal, Efraín Alegre, disse ontem em entrevista que o acordo, assinado no último dia 24 de maio, deve ser “rejeitado de maneira categórica por atentar contra os direitos do Paraguai em Itaipu”.

Além disso, Alegre criticou Abdo Benítez pela demora em divulgar o acordo, só revelado ao público após a renúncia do presidente da Administração Nacional de Eletricidade (Ande), Pedro Ferreira, que teria entregado o cargo por discordar dos termos do acordo.

A renúncia de Ferreira foi aceita na quinta-feira pelo presidente paraguaio, que indicou para substituí-lo o ex-ministro da Fazenda Alcides Jiménez. Segundo o novo presidente da Ande, o acordo não lesa a soberania nacional nem afetará as tarifas de energia no país, como afirmam a oposição e alguns veículos da imprensa.

O ex-chanceler do Paraguai Miguel Abdón Saguier, também do Partido Liberal, afirmou que a Constituição obriga o presidente a submeter o acordo à avaliação do Congresso. “Ele vai incorrer em mau desempenho das suas funções”, disse Saguier, abrindo caminho para um possível processo de impeachment.

Axel Benítez, assessor técnico do Partido Liberal, explicou à agência EFE que o acordo representará um aumento do custo da energia para os paraguaios. Segundo ele, o documento estabelece dois tipos de energia diferentes, a “garantida” e a “excedente”, e prevê que o Paraguai receba maior quantidade da primeira, de custo mais elevado.

Transparência. Os termos do atual acordo foram estabelecidos em 2009, quando o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, negociou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condições que permitiram ao Paraguai receber US$ 360 milhões ao ano por negociar a energia excedente de Itaipu com o Brasil. Antes, o montante era de US$ 120 milhões.

Ontem, Fernando Lugo, que atualmente ocupa uma cadeira no Senado pelo partido de oposição Frente Guasú, disse que não é aconselhável se apressar quando se fala de impeachment de Abdo Benítez por mau desempenho das funções.

Lugo, que foi destituído em um julgamento político relâmpago em 2012, expressou cautela. “Muitas vezes nos apressamos. Deve haver muitos condimentos para um julgamento político e uma discussão muito mais ampla em todos os partidos políticos que fazem parte do Congresso Nacional”, disse o senador.

O embaixador paraguaio em Brasília, Hugo Saguier, que colocou sua assinatura no acordo, esclareceu que não houve “nenhuma renúncia de soberania” do Paraguai em relação ao Brasil.

O documento foi assinado sem que nenhuma autoridade tivesse informado à opinião pública, o que fez com que parte da oposição denunciasse que o governo paraguaio estaria fazendo concessões ao Brasil.

Impasse. Saguier reconheceu que a questão não foi resolvida em nível técnico e disse que, por esse motivo, os representantes diplomáticos dos dois países se reuniram novamente. “Mas isso não representará nenhum aumento de tarifa de energia elétrica para os paraguaios”, garantiu o embaixador.

O impasse entre as empresas de energia do Brasil e do Paraguai, Eletrobrás e Ande, existe por conta da diferença no preço que cada uma paga pela energia de Itaipu. Essa questão tem sido objeto de tensão entre os dois países porque, enquanto a Eletrobrás contrata toda a potência de que vai necessitar, dos 75 milhões de megawatts-hora (MWh) que Itaipu produz anualmente, a Ande contrata praticamente a metade do que vai consumir.

No entanto, sempre que precisa de mais energia, o Paraguai usa essa chamada energia adicional, que é bem mais barata, o que desagrada ao Brasil. Essa diferença impacta no preço diferenciado, muito menor, pago pelos paraguaios pela energia de Itaipu, em relação aos brasileiros. Em 2018, o Brasil pagou, em média, US$ 38,72 por megawatt-hora (MWh), enquanto o Paraguai pagou, em média, US$ 24,60.

“(O acordo) deve ser discutido e depois rejeitado pelo Congresso por ser extorsivo e degradante” 
Efraín Alegre, PRESIDENTE DO PARTIDO LIBERAL, PRINCIPAL DA OPOSIÇÃO NO PARAGUAI

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Paraguai decide deixar "sem efeito" acordo com Brasil sobre Itaipu


O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni, anunciou na noite desse domingo (28/07/2019) a decisão do governo de Mario Abdo Benítez de “deixar sem efeito o acordo bilateral” com o Brasil de contratação de energia da represa de Itaipu, documento que estabelecia um cronograma de compra até 2022. São informações do Estadão.
Embora a assinatura do acordo tenha acontecido em maio, os paraguaios só souberam de sua existência na semana passada. O ex-titular da estatal paraguaia Administração Nacional de Energia (Ande) Pedro Ferreira renunciou na semana passada após vazamento do conteúdo da ata que tinha solicitado em fevereiro a intervenção do ministério para solucionar uma crise de contratação entre a Ande e a brasileira Eletrobras.
O governo paraguaio também pedirá ao Brasil uma convocação das Altas Partes Contratantes para que o acordo volte a ser tratado na esfera técnica e não na diplomática, como ocorreu nesta ocasião por desavenças entre ambas as partes.
“Decidimos solicitar ao Brasil a convocação das Altas Partes no transcurso desta semana que se inicia, quando solicitaremos a anulação – deixar sem efeito – o acordo bilateral e, ao mesmo tempo, que volte às instâncias eminentemente técnicas, onde sempre se tem decidido e tratado”, disse o chanceler em entrevista coletiva.
Mais sobre o assunto
  • Rafaela Felicciano/Metrópoles
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Castiglioni adiantou que já se comunicou com seu colega brasileiro Ernesto Araújo para informá-lo sobre a decisão do Paraguai de convocar a reunião e afirmou que ele aceitou “com muito gosto”.
Déficit na comunicação
Com esta decisão, o governo paraguaio, segundo o chanceler, espera que “no transcurso desta semana tudo isto seja resolvido”, depois da repercussão causada entre a oposição paraguaia e parte dos cidadãos, após o acordo chegar ao conhecimento da opinião pública.
Sobre este ponto, Castiglioni reconheceu que houve “um déficit na comunicação e na informação” e que isso provocou “grande desinformação e manipulação por parte de setores interessados”.
Apesar disso, ele afirmou que houve comunicação prévia desses encontros entre os representantes da Ande e da Eletrobras, assim como dos encontros posteriores entre diplomatas.
Tratado de Itaipu
Brasil e Paraguai assinaram em 24 de maio uma ata que estabelecia um cronograma de compra de energia de Itaipu até 2022, um ano antes que ambas as partes tenham de negociar o Anexo C do Tratado de Itaipu, de 1973.
Os dois países estabelecem no início de cada ano a sua contratação de energia da usina geradora de Itaipu, mas este ano o acordo de compra não pôde ser fechado no âmbito técnico e teve de recorrer à esfera diplomática, já que o Brasil solicitou ao Paraguai que cumprisse com o tratado e estabelecesse seu cronograma de compra adequado a seu consumo.
A oposição paraguaia criticou o documento ao considerá-lo uma entrega de soberania energética para o governo brasileiro de Jair Bolsonaro (PSL) e ameaçou o presidente Abdo Benítez com a abertura de um procedimento de impeachment, acusando-o de “vendedor da pátria”.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Crise Japao-Coreia do Sul se agrava: pode ficar pior - Reuters, Kyodo, July 29, 2019

Korean Air to suspend flights between South Korea’s Busan and Japan’s Sapporo as trade row deepens

  • Reuters, Kyodo, July 29, 2019
  • The airline cited falling demand amid the trade conflict as a reason, and said it was also considering cutting the number of flights between both countries
  • The move comes as several South Korean cities said they would suspend administrative exchanges with Japan until the bilateral relationship improved

Korean Air Lines will suspend its flights between the South Korean city of Busan and Japan’s Sapporo from September 3 because of falling demand amid a worsening diplomatic and economic row between the two neighbours.
South Korea’s top carrier is also considering cutting the number of flights between the two countries or shifting to smaller aircraft from mid-August, a spokesman said.
The number of travellers from South Korea was second only to those from China, accounting for 24.2 per cent of visits last year, according to data from Japan National Tourism Organisation.
The carrier revealed this as several South Korean cities said they would suspend administrative exchanges with Japan including its officials’ visits to the neighbouring country until the bilateral relationship improved.
Among the schemes suspended was the signing of an accord on goodwill exchanges between Busan, South Korea’s second-largest city, and Nagasaki Prefecture.
Busan, connected to Fukuoka city in southwestern Japan by high-speed boats, is known for its active exchanges with Japan.
Its mayor, Oh Keo Don, last Tuesday criticised Japan’s tightening of export controls and indicated the city would consider whether to continue its exchange programmes with Japan.
Japanese chief cabinet secretary Yoshihide Suga on Monday expressed regret over Busan’s suspension.
“Although ties between Japanese and South Korean governments are in a tough situation, municipal and people-to-people exchanges should continue as the basis of mutual understanding,” said the top Japanese government spokesman.
The East Asian neighbours have been at loggerheads over compensation for wartime labour during Japan’s 1910-1945 colonial rule of the Korean peninsula.
Last month, Japan tightened controls of exports of hi-tech materials to South Korea, in apparent retaliation for a South Korean court ruling over wartime forced labour.
Such disputes have prompted a widespread boycott of Japanese products and services, from beer to clothes and travel in South Korea.
A student visit to Ogaki in Gifu Prefecture by some 20 students from Changwon, South Korea, was also postponed “due to the difficult relationship between Japan and South Korea”, according to the central Japan city.
The students were expected to play football and stay at private lodgings during the four-day trip from Sunday under the exchange programme that began in 1996. But an athletic association of Changwon requested its counterpart in Ogaki last Friday to postpone the visit.
Adding to the export curbs, Japan is preparing for Cabinet approval as early as August 2 to 
remove South Korea from a so-called white list status  with minimum trade restrictions, Japanese media have reported.
Seoul has protested against the plan, saying it would undermine their decades-old economic and security cooperation and threaten free trade.
Japanese daily Sankei on Monday reported that Japanese Prime Minister Shinzo Abe was unlikely to meet South Korean President Moon Jae-in during the United Nations general assembly in September, the latest sign of frosty relations between the key US allies.
Abe will not hold talks with Moon unless Seoul takes constructive steps over forced labour and other issues, the paper said.
Abe will also forgo meeting Moon during other opportunities, including an Association of Southeast Asian Nations (Asean) meeting in October and an Asia-Pacific Economic Cooperation (Apec) gathering in November for the same reason, the Sankei said.

Additional reporting by Associated Press
This article appeared in the South China Morning Post print edition as: Korean Air mulls reducing flights to Japan as cities downgrade relations
  

Governo Bolsonaro facilita deportação de brasileiros dos EUA de Trump (O Globo)

Pessoalmente, considero uma vergonha que o governo Bolsonaro colabore com as medidas restritivas do governo Trump em relação aos brasileiros indocumentados nos Estados Unidos. Muitos deles esperam, com a intervenção de advogados, conseguir suspensão da expulsão, provando que estão trabalhando honestamente há muitos anos nos EUA.
Os consulados brasileiros nunca emitiram tais documentos de retorno ao Brasil sem o consentimento dos próprios brasileiros, geralmente quando não havia mais recurso possível.
Paulo Roberto de Almeida

Governo Bolsonaro facilita deportação de brasileiros dos EUA

Mudança começou a valer em junho; advogada critica tentativa de alinhamento com Trump, que apertou cerco aos 'sem papéis'

SÃO PAULO — O governo Jair Bolsonaro aceitou um pleito antigo dos americanos e facilitou a deportação de brasileiros que emigraram sem visto adequado aos Estados Unidos . Com o novo procedimento, baseado em parecer jurídico e adotado em junho, os consulados brasileiros poderão enviar ao governo americano documentos dos deportáveis à revelia. Embora a medida sirva, em um primeiro momento, para casos em que se esgotaram as chances legais de se permanecer nos EUA, especialistas acreditam que o novo mecanismo pode ser utilizado para casos de deportações expressas e tendem a afastar brasileiros dos consulados, por temerem a maior colaboração com autoridades americanas.
Até então, mesmo brasileiros sem papéis e com todo o processo imigratório nos EUA esgotado, tinham que pedir passaporte ou Autorização de Retorno de Brasileiro (ARB) para pegar um avião nos EUA e entrar no Brasil . Muitos preferiam seguir presos a voltar, alguns alegando até perseguição, e não assinavam o pedido dos documentos. Agora o governo brasileiro pode conceder atestados de nacionalidade, expedidos à revelia do preso. Como foi fechado um acordo com a Polícia Federal, este documento passou a ser aceito nos aeroportos brasileiros.
A Polícia Federal e o Itamaraty não atenderam ao pedido de entrevista. Por e-mail, o Ministério das Relações Exteriores disse que o atestado de nacionalidade é utilizado em situações excepcionais e que brasileiros que alegarem questões humanitárias não serão deportados contra a sua vontade. Fontes do Itamaraty afirmam que alguns brasileiros já começaram a ser deportados graças à mudança, que começou a valer em junho.
Segundo as fontes, que falaram ao GLOBO sob anonimato, o governo Bolsonaro atendeu a um pleito americano de anos — o Brasil temia que a medida pudesse afastar os brasileiros dos consulados nos EUA.
A decisão brasileira também aliviaria os custos americanos de prisão. Com a atual política de Washington de cerco aos “sem papéis”, as detenções para imigrantes estão superlotadas e os custos têm crescido. Assim, o governo americano tem tentado acelerar os casos de deportação e ampliado as possibilidades de “deportações sumárias”, onde os imigrantes que acabaram de entrar nos EUA sequer precisam passar por um processo judicial.
A advogada brasileira Renata Castro, especializada em imigração na Flórida, alerta que, embora a medida tenha sido até então utilizada para casos em que o processo migratório explorou todos os recursos, com o tempo poderá ser usada em novas brechas pelos americanos. Ela ressalta que não é segredo que o governo de Donald Trump quer acelerar as deportações sumárias.
— A forma como o atual governo tem se relacionado com os EUA e a falta histórica de estratégias do governo em alianças internacionais indica que esta certidão pode ter seu uso ampliado no futuro, em casos de deportações sumárias, sem o devido processo legal — disse. — O Brasil sempre foi muito passivo em auxiliar os brasileiros no exterior, e agora busca um alinhamento muito forte com o governo de Trump.
Outros países também possuem atestados e certidões iguais ao que o Brasil passou a adotar. Mas em geral possuem, segundo diplomatas ouvidos pelo GLOBO, uma postura de maior defesa de seus cidadãos. O México , por exemplo, chega a pagar advogados de imigração para encarcerados nos EUA por questões migratórias — com a fiança, eles continuam nos EUA, trabalham e, invariavelmente, enviam dinheiro para a família no México. Até a Guatemalaconseguiu impedir o plano americano para que seus cidadãos que buscam asilo no país esperem pela concessão da permissão em seu país de origem. Assim, podem esperar em solo americano enquanto os processos são analisados.
Castro afirma que esta deve ser a primeira de novas medidas brasileiras que podem prejudicar a vida do imigrante nos EUA. Com a atual política de aproximação entre os dois governos, ela espera mais parcerias no compartilhamento de informações entre os países e auxílio para avaliação sobre a concessão ou não de asilos a brasileiros. A advogada lembra que no último ano só foram concedidos 26 asilos a brasileiros, de um total de 1.546 pedidos analisados.

Comunidade com medo

O temor de que a maior aproximação entre os governos leve a prejuízos a imigrantes sem papéis nos EUA cresce na comunidade brasileira. A indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao posto de embaixador em Washington amplia esse cenário. Em março, o filho do presidente disse que os imigrantes brasileiros ilegais nos EUA são uma “vergonha” para o país.
— Vemos toda a comunidade com muito medo das políticas migratórias de Trump e o atual governo brasileiro, com sua aproximação a Washington, piora as coisas. Muitos se sentem abandonados — afirmou Natalicia Tracy, diretora do Centro do Trabalhador Brasileiro em Boston.
“Caso a situação seja classificada como de natureza humanitária, os consulados deverão desconsiderar a expedição de atestado de nacionalidade. Sendo assim, não cabe falar em recusa por questão humanitária, já que eventual identificação de razões humanitárias é realizada a priori”, informou o ministério.
Entretanto O GLOBO revelou, há dois meses, o caso de Paul Fernando Schreiner, de 36 anos, que foi deportado após ter vivido 31 anos no país , pelo fato de seus pais adotivos não terem regularizado sua situação quando foi levado ao estado de Nebraska.
Em e-mail enviado ao GLOBO, o Itamaraty informa que o atestado já é utilizado em países como Austrália e Japão : “Os atestados de nacionalidade não constituem objeto de solicitação de outros Estados. Trata-se de obrigação do Estado brasileiro, como já se referiu acima, de oferecer marco legal seguro a seus nacionais deportados”.

Entrevista da presidente da ADB sobre os embaixadores nos EUA


Diplomata vê ‘injustiça’ em crítica de Bolsonaro a embaixadores nos EUA
Maria Celina Rodrigues diz que presidente da República deveria analisar a ‘folha corrida’ dos ex-chefes em Washington
Entrevista com Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB)
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2019 | 05h00

BRASÍLIA – Para a presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB), Maria Celina de Azevedo Rodrigues, é “injusto” o presidente Jair Bolsonaro dizer que os embaixadores do Brasil nos Estados Unidos “não fizeram nada de bom” e a alegada proximidade do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com a família Trump “pode ser um trunfo, pode não ser”. Ela faz uma advertência: embaixadores “devem ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo, com acesso inclusive à oposição”.



Para Maria Celina, é ‘muito difícil’ dizer se Eduardo Bolsonaro será ‘o trunfo’ na diplomacia com Trump e os EUA  Foto: JULIA SEABRA / ESTADÃO
Celina, hoje aposentada, foi embaixadora na Colômbia, cônsul em Paris e chefe da Missão do Brasil junto à Comunidade Europeia, em Bruxelas. Ela opina que o sucesso do filho do presidente nos EUA “vai depender da permeabilidade e da acessibilidade da família Trump no dia a dia”. E lembra: “Trump é muito ocupado...” A seguir, os principais trechos da entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro indicou seu filho Eduardo para a embaixada em Washington alegando que ele tem acesso à família Trump. Isso é mais importante do que a alta qualificação dos diplomatas, realçada em nota pela ADB?
Depende da real acessibilidade com a família Trump na vida, no dia a dia. Uma coisa é você ser amigo, outra é você ter acesso no dia a dia, porque o presidente Trump é muito ocupado, tem muito o que fazer. Então, é muito difícil você partir do princípio de que isso aí é “o trunfo”. Pode ser, pode não ser.
Mas não é mesmo importante ter um embaixador com acesso à Casa Branca, se isso for verdade?
Eu insisto: depende da permeabilidade da família Trump. Em se confirmando, pode ser positivo, sim, mas é importante ressaltar que todo embaixador, seja de carreira ou por indicação política, deve ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo. Tem de ouvir a opinião de todos, do mundo político, econômico, acadêmico, da mídia, dos meios diplomáticos de terceiros países, da sociedade civil e dos setores de oposição, para enviar relatos e análises o mais objetivos possíveis, que possam pautar as nossas ações.
E, em tese, o Trump pode não ser reeleito...
Ainda tem esse aspecto. Você não pode se comprometer demais com uma vertente só. Espero que o deputado Eduardo saiba dosar bem isso.
Na nota em que critica a escolha do deputado, a ADB...
Vou fazer uma correção. A associação não criticou a escolha, nem poderia, porque respeita o direito do presidente de indicar quem ele quiser. A nota não criticou a escolha nem entrou na discussão se é nepotismo, se é ética ou não. Não entrou na qualificação de ninguém. O que fizemos questão de ressaltar é que nós temos pessoas mais do que qualificadas para fazer isso, porque a gente carrega uma bagagem enorme que vai acumulando ao longo de anos e anos de experiência.
Então a nota foi para confrontar a qualificação de um diplomata com 35 anos de carreira com a de um deputado de 35 anos de idade que alega já ter fritado hambúrguer nos EUA?
Confrontar, não. Comparar.
Segundo o presidente, o Brasil teve muitos embaixadores nos EUA eles “não fizeram nada de bom”. A sra. concorda?
É injusto. Tenho certeza de que, se ele visse a folha corrida desses embaixadores e fizesse um levantamento do trabalho feito pelos que passaram por lá, iria ver o quanto eles contribuíram. O que ele entende por “nada de bom”? O trabalho do diplomata é quase silencioso, quieto, ele não sai gritando “eu fiz isso”, “eu fechei tal acordo”!. Você vai trabalhando aquilo ao longo de anos para frutificar dez, 15 anos depois. Tivemos muitas vitórias e fechamos muitos acordos assim, como o acordo do algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio). Aliás, como o próprio acordo Mercosul-União Europeia, que começou com o embaixador Jorio Dauster há mais de 20 anos. A conclusão desse acordo, como de todos os acordos, é resultado de sucessivos espaços que foram sendo criados e se somando. E ninguém vai sair tomando vinho francês amanhã. Ainda falta muito o que fazer.
O ministro Onyx Lorenzoni disse em entrevista que diplomatas “prestaram desserviço” e “achincalharam o Brasil” durante a campanha eleitoral. Houve isso?
Não vi, não ouvi, não soube nada disso. Se fizeram, a crítica procede, mas o que me entristece é o fato de, ao falar em diplomatas, embora não tenha falado do Itamaraty e da carreira diplomática, o ministro deixe a impressão na opinião pública de que “os” diplomatas fizeram isso. Não é verdade. Nós agimos institucionalmente e a própria defesa do governo tem de ser feita de acordo com instruções. Achincalhar? Isso não compete a diplomatas. Você não pode usar sua posição oficial para fazer críticas ao país a que serve. Não pode acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Fiquei profundamente entristecida de que se tenha passado essa imagem para a opinião pública.
Podcast – O que esperar de Eduardo Bolsonaro embaixador?
O ministro também criticou o uso de dinheiro público para coquetéis, automóveis, uísques. É isso a vida diplomática?
Coquetéis são local de trabalho. A vida diplomática é estabelecer relações e criar vínculos com o país, não permanentes, mas de maneira que você possa entender melhor o país onde você está servindo, para melhor defender o seu próprio país. Você precisa estabelecer uma ampla rede de contatos, com os mais diversos setores, para traçar um quadro mais complexo sobre aquele país. Muitas vezes, depois de um dia de trabalho longo, difícil, você tem de fazer o social, aliás, como qualquer empresário faz, porque aquele social vai te abrir portas que serão muito importantes.
Na questão dos navios iranianos, para onde ia a posição do presidente Bolsonaro, a favor de reabastecer ou de agradar aos EUA?
Eu ainda não entrei no pensamento do presidente da República, mas a resposta para o impasse está na independência entre os Poderes, que dá uma saída honrosa para todo mundo.
Como presidente da ADB, a sra. tem recebido queixas sobre uma caça às bruxas no Itamaraty?
Sinceramente, não. Há uma queixa ou outra, mas é difícil avaliar qual o interesse da pessoa que está magoada, ofendida. Não há nada generalizado e, afinal, toda freada de arrumação precisa ser decantada.
QUEM É
Nascida no Rio de Janeiro, Maria Celina Azevedo Alves ingressou na carreira diplomática em 1969. Foi Diretora Geral do Departamento Cultural, embaixadora em Bogotá (2002), chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias (2005) e cônsul-geral do Brasil em Paris (2008).
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