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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Para Brasil sair do Tribunal Penal Internacional, como quer Lula, é preciso mudar a Constituição - Daniel Gateno (Estadão)

Para Brasil sair do Tribunal Penal Internacional, como quer Lula, é preciso mudar a Constituição 


Ainda que Lula patrocine uma tentativa de abandonar o TPI pela via legislativa, não há consenso entre juristas se seria possível sair da Corte de Haia via PEC 

Por Daniel Gateno 
ESTADÃO INTERNACIONAL, 15/09/2023

 As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre oTribunal Penal Internacional (TPI) abriram um debate no governo sobre uma possível saída do país do Estatuto de Roma, que rege as relações entre os Estados-parte e a Corte. Na quarta-feira, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que o Executivo poderia rever a adesão do Brasil ao tratado. 

Especialistas em direito constitucional consultados pelo Estadão, alertam, no entanto, que um rompimento com o TPI, se colocado em curso, não seria de competência do Executivo. Além disso, é impossível abandonar a Corte sem uma alteração da Constituição Federal e um longo debate jurídico e político sobre o tema. Ainda que Lula patrocine uma tentativa de abandonar o TPI pela via legislativa, não há consenso entre juristas se seria possível sair da Corte de Haia com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). 

Isso acontece porque o Estatuto de Roma, aprovado no Brasil em 2002, foi incluído no Artigo 5º da Constituição, considerado uma cláusula pétrea da Carta Magna. Para o professor de direito constitucional da FGV-SP, Oscar Vilhena Vieira, Lula não pode sozinho decidir abandonar o TPI. “Para renunciar ao tratado, o presidente precisaria de autorização do Congresso, com procedimento e quórum de emenda (à Constituição). Lula não pode por si só romper o compromisso do Estado brasileiro“, avalia o jurista. “Mas mesmo que o Congresso autorize o presidente a modificar, o STF teria que avaliar se a emenda é constitucional.” 

 O Brasil sempre foi apoiador do tribunal, não esperava isso do governo Lula. Se fosse o governo Bolsonaro eu teria acreditado mais facilmente Sylvia Steiner, ex-juíza brasileira do TPI Ainda de acordo com Vilhena Vieira, a PEC teria poucas chances de ser validada pelo Supremo, já que, em sua visão, uma saída do TPI, violaria outro artigo da Constituição, o 4º. “O artigo 4ºdetermina que no campo internacional o Brasil deve se pautar pela prevalência dos direitos humanos e o Tribunal é uma instância de defesa dos direitos humanos”, pondera Vieira. “No plano internacional, apontaria uma mudança radical da postura brasileira, em contraposição a tradição de sua diplomacia em tempos democráticos”, acrescenta. Uma PEC precisa do apoio de 3/5 da Câmara e do Senado em dois turnos para ser aprovada. 

Não é uma negociação política simples e geralmente é reservada a temas de grande interesse do governo, como foi o caso recente, por exemplo, do arcabouço fiscal. Sylvia Steiner, ex-juíza do TPI e única brasileira a ter integrado o colegiado, tem uma leitura ligeiramente distinta. Para ela, a mudança proposta por Lula é inviável, já que o artigo 5º inteiro (ele tem 79 parágrafos) não seria passível de mudança. “Lula teria que convocar uma Constituinte e fazer uma nova Constituição para sair do TPI”, aponta Steiner. “Esta medida é muito desproporcional, então não vai acontecer.” 

 Para a ex-juíza do TPI, é difícil entender as motivações que um governo que se diz progressista tem para sair da Corte. “O Brasil sempre foi apoiador do tribunal, não esperava isso do governo Lula. Se fosse o governo Bolsonaro eu teria acreditado mais facilmente. As declarações do ministro da Justiça, Flavio Dino, foram preocupantes porque ele foi juiz federal, deveria saber que a possibilidade de sair do TPI é remota.” 

 O afago a Putin 
A discussão em torno do TPI começou após as declarações de Lula durante a cúpula do G-20, em que o presidente brasileiro defendeu a presença do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que tem um mandado de prisão emitido pelo TPI, na próxima reunião do bloco, que será realizada no Rio de Janeiro em novembro do ano que vem e disse que, uma vez no Brasil, Putin não seria preso por uma questão de soberania. “O que eu posso dizer é que, se eu sou o presidente do Brasil e ele for para o Brasil, não há por que ele ser preso”, afirmou em entrevista ao canal indiano Firstpost em Nova Délhi. 

 Quando questionado sobre o mandado emitido pelo TPI contra Putin por crimes de guerra por causa de seu suposto envolvimento em sequestros e deportação de crianças de partes da Ucrânia ocupadas pela Rússia durante a guerra, Lula afirmou que “ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil.” 

Na realidade, o Estado brasileiro seria obrigado a entregar o líder russo à Corte de Haia. Obrigação legal Ao Estadão, o ex-ministro do Supremo Celso de Mello lembra que o Estatuto de Roma está formalmente incorporado ao ordenamento positivo interno do Estado brasileiro desde a sua promulgação pelo Decreto no 4.388, de 25/09/2002. “Impende observar, ainda, que se impõe, ao Brasil, em sua condição de Estado Parte do Estatuto de Roma, a “Obrigação geral de cooperar” com o Tribunal Penal Internacional “, diz Celso de Mello. Após a polêmica provocada declarações, o presidente brasileiro recuou de blindar Putin. 

O presidente também disse que o tribunal funciona somente com países “bagrinhos”, referência aos menos desenvolvidos e que nem sabia da existência do TPI. Ele deixou em aberto uma eventual retirada do Brasil do Estatuto de Roma. “Eu não sei se a Justiça brasileira vai prender. Quem decide é a Justiça, não é o governo nem o parlamento. 

Quem toma a decisão é a Justiça e temos que ver se vai acontecer alguma coisa”, disse o presidente, em entrevista coletiva antes de decolar de volta ao Brasil. “Se o Putin decidir ir ao Brasil, quem toma a decisão se vai prendê-lo ou não é a Justiça, não é o governo, nem o Congresso.” O chamado Tribunal de Haia foi estabelecido pelo Estatuto de Roma, em 1998 e entrou em vigor em 2002. Sua missão é investigar, processar e julgar indivíduos por violações que dizem respeito à comunidade internacional, mais especificamente genocídios, crimes contra humanidade, de guerra e de agressão. Esse último caracterizado pelo uso da força de um Estado contra a integridade territorial de outro país. O TPI conta com 123 países signatários com destaque para França, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Japão. 

A África do Sul também é signatária do TPI, motivo pelo qual Putin não compareceu de forma presencial à cúpula do Brics, que foi realizada em Johannesburgo, em agosto. Países como Estados Unidos, Rússia e China não fazem parte da Corte. “A não adesão de países autoritários era esperada. O grande ausente entre as democracias são os Estados Unidos, que patrocinaram a sua construção, mas se negaram a aderir ao Tribunal, como aliás se negam a ratificar inúmeros tratados de direitos humanos. É uma posição reprovável”, aponta Vieira, professor de direito constitucional da FGV-SP. 

 A Ucrânia também não assina o Estatuto de Roma. Mesmo assim, Kiev permitiu que o TPI atuasse em seu território, abrindo portas para que o mandado de prisão contra Vladimir Putin fosse expedido. A importância do TPI Steiner aponta que apesar do tribunal não ter países importantes como signatários, a representatividade do TPI é inegável. “Estamos do lado certo da história, Lula falou que não havia países do Conselho de Segurança da ONU no TPI, mas França e Reino Unido estão lá. Nós estamos juntos com toda a Europa, América Latina, Canadá, Japão. 

O TPI é um avanço civilizatório e o Brasil faz muito bem de ser signatário.” Para o professor da FGV, apesar de críticas ao TPI, a Corte segue sendo importante. “Embora o TPI seja desbalanceado, a Corte tem gerado constrangimento a alguns criminosos, ainda que não tenha sido capaz de punir figuras como Putin.”, pondera. “O processo de consolidação de uma Justiça universal de proteção dos direitos humanos é lento. O Brasil se colocou ao lado do processo. 

Não me parece coerente politicamente, nem válido juridicamente, buscar agora se contrapor a esse processo”, completa o especialista. Discurso x ação Para a Diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Laura Trajber Waisbich, a possível saída do Brasil do TPI foi mais repercutida a nível doméstico do que internacional. “Por enquanto estamos falando do nível discursivo, que é diferente do Brasil tomar alguma ação para tirar o País do TPI”, acrescenta a analista. “A proteção internacional dos direitos humanos está sendo questionada, mas menos pelo conteúdo direitos humanos e mais por uma visão que é política sobre como esse órgão deveria funcionar e seus limites dentro de um cenário geopolítico complexo”, destaca a especialista. Waisbich avalia que a participação brasileira na Corte é importante para proteger os próprios brasileiros de seus governantes. “O órgão não diz respeito apenas à Rússia, o TPI protege brasileiros de eventuais crimes contra a humanidade cometidos por governantes brasileiros, independente de qual governo.”

Pensando com a minha falta de botões: a Rússia ainda pertence à família da ONU? - Paulo Roberto de Almeida

Pensando com a minha falta de botões: a Rússia ainda pertence à família da ONU?

Paulo Roberto de Almeida

Uma sugestão para Lula incluir no discurso da AGNU: que a Assembleia Geral adote medidas para expulsar a Rússia do CSNU por violar as suas resoluções, ao comerciar com a RPDC, um país submetido a sanções pelo próprio CSNU.

Aliás, quem estava no CS era a URSS, não a Rússia. Não é?

Quando foi da substituição da República da China (Taiwan) pela República Popular da China, em 1972, o caso teve de ser submetido à AGNU, e a RC foi completamente ignorada no CSNU.

Se der, a Rússia deveria até ser expulsa da ONU, por violar sistematicamente a sua Carta e muitas outras convenções humanitárias e protocolos sobre as leis de guerra. Putin é um criminoso de guerra e suas forças armadas vêm cometendo continuados crimes de guerra.

Nada mais lógico, portanto. 

Anotado, Mister Lula?

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e acadêmico.

Brasília, 15/09/2023

Lula-Putin, vidas paralelas? A miséria moral do socialismo — Paulo Roberto de Almeida

Lula-Putin, vidas paralelas, e a miséria moral do socialismo

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre certas incongruências do lulopetismo.

  

Lula teve de parar com sua ofensiva sobre temas que não consegue mais impor ao Congresso e se rendeu ao Centrão. Putin não consegue mais derrotar o país invadido e só avança para a retaguarda. Ambos perderam credibilidade no plano internacional. Quais convite para visitas ou perspectivas de viagens eles mantêm na agenda?

A Putin só restou o tirano mais desprezado e isolado do mundo como opção; nem a China pretende mais atar sua diplomacia a serviço de uma causa já notoriamente perdida. Lula teve de aceitar uma ampliação chinesa do Brics, outrora o seu maior projeto diplomático. O que sobrou a Putin no plano diplomático regional ou global? Pouquíssimas opções. O que resta a Lula como novas iniciativas internacionais? Apoiar o candidato peronista na Argentina? Ser líder de um fragmentado Sul Global? Apoiar Putin e Xi no quimérico projeto de uma “nova ordem global”?

Manterem-se no poder, com os meios que tiverem à disposição, parece ser o caminho mais previsível para cada um. Mas Lula vai continuar insistindo em apoiar seu amigo Putin, um ditador notoriamente de direita, inimigo de certas causas defendidas pelos companheiros?

Dito de outra forma: Lula vai insistir em continuar objetivamente apoiando Putin, independentemente do que isso significa para as relações do Brasil com parceiros ocidentais? A verdade é que, matematicamente, paralelas não se encontram nem no infinito!

Antes de ser uma questão geopolítica, diplomática ou econômica, a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia é sobretudo uma questão MORAL, pela dimensão dos desastres humanos e sociais inéditos na Europa nos últimos 80 anos, talvez no mundo. O Brasil de Lula, infelizmente para todos nós e para a diplomacia brasileira, ficou do lado i-amoral! 

A longa marcha da Rússia para o declínio, parcialmente contida pela China, que também perpetra um erro estratégico ao lançar-se na aventura da “nova ordem global”. 

Lula, que não tem visão de estadista e tem raiva dos EUA, juntou-se, infelizmente para o Brasil, às duas autocracias. Antes de se dirigir a Nova York, passou por Havana, para uma reunião do G77 e encontros bilaterais com dirigentes comunistas de Cuba.

Cabe aqui minha avaliação dos regimes socialistas que conheci, que visitei, onde morei. As grandes lembranças que tenho de todos os países socialistas que visitei (conheci quase todos, e morei em um) são de estantes vazias de supermercados, uma total carência de itens básicos (supérfluos nem se cogita).

Na verdade, o que mais me impressionou, em todos os socialismos que visitei, conheci e até vivi, não foi nem a miséria material, comum a todos, mas a MISÉRIA MORAL, do Estado policial, do regime de delação, da decrepitude ética e da mediocridade intelectual. Um clima pesadíssimo!

A Rússia ainda vive num semi-stalinismo: pode não ter mais o Arquipélago do Gulag, mas sob Putin tem assassinatos, prisões arbitrárias, repressão total aos opositores, de fato a TODOS os democratas. O atual tirano pretenderia ser um Pedro o Grande e de fato é um Ivan o Terrível, eliminando todos os que possam lhe fazer sombra.

A China libertou-se da miséria típica dos socialismos graças à adoção do sistema capitalista, ainda que com muita intervenção estatal (ou melhor, do partido, que manda em tudo). Não é mais o totalitarismo arbitrário que já foi, mas virou uma autocracia pesada, com um novo imperador à frente do Partido e do Estado.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4479, 14 setembro 2023, 2 p.


Joe Biden deveria renunciar à reeleição - The New York Times

Joe Biden é um presidente impopular e sem alguma recuperação ele poderia facilmente perder para Donald Trump em 2024. 

 THE NEW YORK TIMES, 13/09/2023

O que, em si, não é nenhuma surpresa: seus dois antecessores também eram impopulares neste ponto de suas presidências e também corriam perigo em suas postulações à reeleição. Mas com Trump e Barack Obama havia explicações razoavelmente simples. Para Obama, o índice de desemprego de 9,1% em setembro de 2011 e os ferimentos das batalhas do Obamacare. Para Trump, o fato dele jamais ter sido popular, tornando índices baixos de aprovação o padrão natural de sua presidência. 

 Para Biden, contudo, houve uma lua de mel normal, meses de índices de aprovação razoavelmente altos que terminaram apenas com a caótica retirada do Afeganistão, e desde então tem sido difícil condensar uma explicação para o que tem prejudicado sua popularidade. A economia está melhor do que no primeiro mandato de Obama, a inflação está baixando e a temida recessão não se materializou. As guerras lacradoras e as batalhas sobre a covid que prejudicaram os democratas não são mais fatores centrais, e as guerras culturais pós-Roe parecem um terreno mais amigável. A equipe de política externa de Biden tem defendido a Ucrânia sem uma escalada perigosa com os russos (até aqui), e Biden alcançou até legislações bipartidárias, cooptando promessas trumpistas sobre política industrial no caminho. Isso criou uma mistificação entre democratas sobre por que tudo isso não é suficiente para dar ao presidente uma vantagem decente nas pesquisas. Eu não compartilho dessa mistificação. 

Mas acredito que há uma incerteza real a respeito de quais são as forças mais importantes prejudicando os índices de Biden. Comecemos com a teoria de que os problemas de Biden ainda decorrem principalmente da inflação — que as pessoas simplesmente odeiam ver os preços aumentando e que o presidente não recebe crédito por evitar a recessão porque os aumentos de salários foram consumidos pela inflação até recentemente. Se for esta a questão principal, a Casa Branca não terá muitas opções além de paciência. O pecado original inflacionário do governo, o gasto excessivo no Plano Americano de Resgate Econômico, não se repetirá, e exceto pela possibilidade de um armistício na Ucrânia aliviar parte da pressão sobre os preços do gás, não há muitas outras alavancas políticas a se acionar. 

A esperança tem de ser que a inflação continue a baixar, os salários reais aumentem consistentemente e, em novembro de 2024, Biden receba o crédito que não está recebendo agora pela condição da economia. Um afastamento do centro Mas talvez não seja só a economia. Em várias pesquisas Biden parece estar perdendo apoio de eleitores de minorias, continuando uma tendência da era Trump. Isso levanta a possibilidade da existência de um repuxo para os democratas em relação a temas sociais, no qual mesmo que lacração não seja frontal e central, o fato de que o núcleo ativista do partido está posicionado tão à esquerda gradualmente empurra afro-americanos e hispânicos culturalmente conservadores para o Partido Republicano — num movimento muito parecido com o de democratas brancos conservadores que vaguearam gradualmente para a coalizão republicana entre os anos 60 e 2000. Bill Clinton conteve temporariamente esse movimento rumo à direita comprando brigas públicas com facções à sua esquerda. 

Mas a estratégia de Biden não é esta. Ele se moveu um pouco para a direita em temas como imigração, no qual a visão de políticas do progressismo vai mal. Mas Biden não faz alarde sobre suas diferenças com o flanco progressista. Eu não espero que isso mude — mas isso pode estar lhe cobrando de maneiras um tanto invisíveis para os progressistas neste momento. Um presidente idoso Ou talvez o grande problema seja apenas a ansiedade latente sobre a idade de Biden. Talvez seus índices de aprovação despencaram primeiro na crise do Afeganistão porque a retirada americana evidenciou o absentismo público que com frequência caracteriza sua presidência. 

Talvez alguns eleitores assumam agora que um voto por Biden é um voto na desafortunada Kamala Harris. Talvez exista simplesmente um vigor intensificado em campanhas presidenciais que dê vantagem a Trump. Em qualquer caso, um líder diferente com as mesmas políticas poderia ser mais popular. Sem nenhuma maneira de elevar um líder assim, porém, tudo o que os democratas podem fazer é pedir para Biden mostrar mais vigor público, com todos os riscos que isso pode implicar. Pelos menos é uma — espécie de — estratégia. 

O problema mais difícil para Biden abordar poderá ser o tormento da depressão privada e do pessimismo geral que paira sobre os americanos, especialmente os mais jovens, que foi piorado pela covid mas parece arraigado em tendências sociais mais profundas. Eu não vejo nenhuma maneira óbvia de Biden tratar dessa questão por meio de algum posicionamento normal. Eu não recomendaria atualizar o “discurso do mal-estar” de Jimmy Carter com a terminologia terapêutica do progressismo contemporâneo. E também não considero que o presidente seja o político adequado para travar uma cruzada contra o desarranjo digital ou algum arauto do reavivamento religioso. Biden elegeu-se, em parte, definindo a si mesmo como uma figura transicional, uma ponte para um futuro mais jovial e otimista. 

Agora ele precisa de alguma crença generalizada nesse futuro melhor para ajudá-lo a reeleger-se. Mas onde quer que os americanos venham a encontrar esse otimismo, nós provavelmente passamos bastante do ponto em que um presidente de aparência decrépita poderia esperar ser capaz de, ele próprio, gerá-lo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A novela do TPI, desde o G20 da Índia, até 14/09/2023 - revista Veja, FSP, Hoje no Mundo Militar

Much ado about nothing?

O Itamaraty e o discurso de Lula sobre o Tribunal Penal Internacional

  • Na Índia, o presidente disse que estudaria por que o Brasil aderiu ao TPI; já Flávio Dino comentou que "a diplomacia brasileira pode rever essa adesão"

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/o-itamaraty-e-o-discurso-de-lula-sobre-o-tribunal-penal-internacional/amp/#amp_tf=De%20%251%24s&aoh=16947102346044&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com 

Até o momento, pelo menos, ficou só no discurso do presidente Lula e na defesa do ministro Flávio Dino a ideia de rever a adesão ao Tribunal Penal Internacional. No Itamaraty, não houve nenhuma instrução nesse sentido.

Durante sua passagem pela Índia, onde participou da Cúpula do G20, Lula causou polêmica ao defender, em uma entrevista, a visita do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao Brasil na reunião do grupo que acontecerá no Rio de Janeiro em 2024 e dizer que ele não será preso no país se ele for presidente.

A questão é que o Brasil é signatário do chamado Tribunal de Haia, que emitiu um mandado de prisão contra Putin, acusado de ter deportado forçadamente crianças ucranianas, e seria obrigado a cumprir a ordem.

“O que eu posso dizer para você é que se eu for presidente do Brasil e ele for para o Brasil não há por que ele ser preso, ele não será preso”, disse o petista ao jornal “Firstpost”, da Índia.

Após a repercussão das declarações, ele foi questionado sobre o assunto e tentou recuar, afirmando que a eventual decisão seria da Justiça brasileira. Disse ainda que desconhecia o TPI e questionou por que países como os Estados Unidos e a própria Rússia não aderiram ao tribunal.

“É importante, eu, inclusive, quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal porque os Estados Unidos não é signatário dele. A Rússia não é signatário dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceita. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe? Agora, quem toma decisão é a Justiça, o Brasil tem um Poder Judiciário que funciona, e funciona perfeitamente bem”, comentou.

Indagado se tiraria o Brasil do tribunal, Lula disse não saber e que iria estudar o tema. “Eu quero saber por que que nós entramos. A Índia não entrou, a China não entrou, a Índia não entrou, os Estados Unidos não entrou, a Rússia não entrou e eu vou saber por que o Brasil entrou”, declarou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, também foi questionado sobre as falas do chefe e comentou que “muitos países do mundo, inclusive os mais poderosos”, não aderiram ao Tribunal de Haia.

“Então, o que o presidente Lula alertou, alertou corretamente, é que há um desbalanceamento, em que alguns países aderiram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional e outros, não, como os Estados Unidos, a China e outros países importantes do mundo. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever essa adesão a esse acordo, uma vez que não houve essa igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento”, declarou.

“É um alerta que o presidente fez. É claro que a diplomacia brasileira vai saber avaliar isso em outro momento”, acrescentou Dino.

Na sequência, o ministro usou suas redes sociais para esclarecer que “não há nenhuma proposta, nesse momento, de saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional”.

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Dino diz que Tribunal Penal Internacional é desequilibrado e endossa críticas de Lula Ministro afirma que Itamaraty pode debater participação do Brasil no Estatuto de Roma 


 BRASÍLIA O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo "desequilibrado" e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são. "O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros", disse o ministro. É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto", sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. "Ou todos os países aderirem. 

Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado", completou ao participar de evento no Senado. O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é "um debate muito novo". Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em "algum momento" —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso. "O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento." Na última segunda-feira (11), Lula disse que "não sabia da existência" do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. "Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os 'bagrinhos'",afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20. 

 Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países. A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso. A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações. 

 O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

 O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.

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Hoje no Mundo Militar, 14/09/2023

O Tribunal Penal Internacional (TPI) inaugurou um escritório em Kiev com o objetivo de facilitar a investigação em curso sobre os supostos crimes de guerra ocorridos durante a invasão russa da Ucrânia.

As investigações preliminares resultaram em dois mandados de prisão: um contra Vladimir Putin e outro contra Maria Alekseyevna Lvova-Belova, ambos acusados de crimes de guerra que envolvem a deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.

Recentemente, o presidente Lula afirmou que não cumprirá o mandado de prisão caso Putin vá ao Brasil, apesar de o país ser signatário do TPI. Em resposta, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, criticou o TPI como "desequilibrado" e indicou que o Brasil está reavaliando sua participação no único tribunal internacional habilitado para investigar e julgar crimes como genocídio e crimes contra a humanidade em contextos de guerra.

Se o Brasil sair do TPI, Lula poderá então receber Putin de braços abertos.



quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Uma aposta sobre o futuro do G20 na gestão do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Uma aposta sobre o futuro do G20 na gestão do Brasil

Creio que Lula ainda não se deu conta que está diante do mais crucial desafio à paz e à segurança internacionais desde a IIGM, justo ao começar a sua presidência do G20 em 2024. 

Ou seja, ele vai tentar presidir esse foro de debates focando sua atenção sobre questões totalmente secundárias em relação aos temas tradicionais do G20, mas deixando a guerra de agressão à Ucrânia completamente de lado? 

E ainda aderindo ao lado errado?

Ele tem certeza de que quer continuar do lado da China e da Rússia?

Ele pensa ter algum sucesso com seus dotes de retórica grandiloquente em torno apenas de questões sociais?

Tenho a impressão de que a diplomacia profissional terá de fazer enormes esforços de convencimento de parceiros externos para conseguir algum consenso em torno dos seus temas preferenciais numa deterioração constante das relações internacionais.

Não gostaria de parecer pessimista, mas vou registrar esta postagem no meu calendário justo na cúpula do G20 no segundo semestre de 2024, para verificar se acertei ou errei redondamente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/09/2023

Ampliação do Brics - artigo do chanceler de Lula 3 (FSP)

 O chanceler de Lula 3 tem certeza de que os “tubarões” do Brics+ querem um mundo mais justo e equilibrado?

Paulo Roberto de Almeida 

 Brics, o consenso como norma Interesse de 23 países em unir-se ao bloco é exemplo eloquente do seu êxito.
Mauro Vieira Ministro das Relações Exteriores 
Folha de S. Paulo, 14/09/2023

A recente cúpula do Brics em Joanesburgo, na qual foram anunciados convites para que seis novos países (Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã) integrem o grupo, tem gerado acalorados debates —aos quais o Itamaraty presta atenção como chancelaria de uma nação de indiscutíveis credenciais democráticas. Da posição privilegiada de quem acompanhou o processo desde sua formulação como exercício teórico pelo economista Jim O’Neill, em 2001, e sobretudo de quem viu o grupo consolidar-se como ferramenta diplomática e liderou a negociação para a ampliação do Brics, de janeiro até a semana passada, sob a orientação do presidente Lula, procuro contribuir para o debate com algumas observações. 

 Para começar, sugiro cuidado com análises que têm como pontos de partida lógicas importadas que fazem lembrar as da Guerra Fria do século passado. O Brasil e sua diplomacia sempre souberam navegar em momentos de fratura, como nas duas guerras mundiais e também na Guerra Fria, sem alinhamentos automáticos ou alianças excludentes —e não será diferente caso cenários semelhantes se repitam no futuro. Não nos faltam, para isso, experiência, acesso a todos os interlocutores, clareza sobre o interesse nacional e visão estratégica. Lógicas de soma zero, que especulam sobre diluição de poder do Brasil com a ampliação, tampouco aplicam-se, a meu ver. 

O bloco é hoje, 15 anos após sua criação, muito mais relevante, e esse capital político ampliado continuará a crescer e a render dividendos políticos para todos os integrantes. O interesse de 23 países em unir-se ao espaço é exemplo eloquente do seu êxito, somado a conquistas tangíveis como a criação do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), o chamado "banco do Brics". Ademais, não seria coerente que o Brasil, que advoga a reforma da governança global e a ampliação da participação dos países em desenvolvimento nos órgãos decisórios, como o Conselho de Segurança da ONU, bloqueasse o acesso ao grupo. 

 A heterogeneidade de sistemas políticos, de níveis de desenvolvimento e de escalas de cada economia nacional, apontada por alguns, agora, como um pecado capital da ampliação, é e sempre foi uma marca distintiva do Brics —e também uma de suas maiores virtudes. O que une seus membros é o interesse em forjar um sistema internacional mais justo e que priorize o desenvolvimento para todos. É essa a identidade que uniu os primeiros integrantes, Brasil, Rússia, Índia e China, com respeito às divergências em outros campos, e que foi acolhida pela África do Sul quando do seu ingresso. 

 A ampliação ensejou também interpretações equivocadas sobre a suposta supremacia de um país sobre os demais, como se isso fosse possível em um bloco no qual impera o consenso como regra. A simples aritmética desmonta essa visão de viés conspiratório: afinal, ninguém questiona que o consenso entre 11 é mais difícil construir do que entre 5, seja em uma negociação diplomática entre países ou em um grupo de WhatsApp ou mesa de bar. O Brics não tem um só dono, e a negociação em Joanesburgo demonstrou essa realidade claramente. Já a partir do processo preparatório dos últimos meses, a delegação brasileira insistiu na necessidade de critérios e compromissos a serem assumidos pelos novos membros, caso da necessidade de reforma das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. 

Quem já se deu ao trabalho de ler a declaração da cúpula de Joanesburgo e de compará-la às declarações de encontros anteriores pôde comprovar uma evolução importante na posição do bloco e de todos os seus cinco integrantes, a ser seguida pelos países convidados que queiram ingressar. A abertura do debate técnico sobre o uso de moedas locais foi outro ponto prioritário para o Brasil plenamente atendido na mesa de negociação; e corretamente destacado pela mídia internacional pelo seu potencial impacto. 

 Por esses motivos, o governo brasileiro recebe com satisfação os resultados da cúpula, que atenderam plenamente os objetivos do Brasil. Eventuais problemas futuros, tanto os apontados agora como os que venham a surgir, serão tratados com o mesmo pragmatismo e independência que caracterizam a política externa brasileira.

Lula vê o Brasil como “bagrinho”; quer vê-lo como “tubarão” - William Waack (OESP)

  Lula torna situação do Brasil delicada ao se comportar como ‘bagrinho’ que acompanha China e Rússia 

William Waack
O Estado de S. Paulo, 14/09/2023
País depende do mundo ocidental nas mais diversas áreas e tem abandonado posição de equidistância no cenário global Lula divide o mundo entre países tubarões e bagrinhos. 

Os tubarões estão sentados no Conselho de Segurança da ONU e atacam conforme julgam necessário. Os bagrinhos obedecem a leis e aderem a entidades como o Tribunal Penal Internacional. Na visão do presidente brasileiro, o Brasil é um bagrinho com pretensões a tubarão, com boas chances de serem realizadas. Sua assessoria internacional lhe garante que o próprio eixo da Terra está mudando depois da recente expansão do Brics, comandada pela China, um dos tubarões pelos quais Lula tem grande admiração (o outro é a Rússia). 

 As mordidas que Lula distribuiu até aqui foram na direção dos Estados Unidos. Que ele tem como o principal responsável (senão o único) por uma ordem internacional que condena o Brasil a nadar como bagrinho. Mas agora o exclusivo clube ocidental do G-7, prossegue a assessoria internacional de Lula, não vale mais a mesma coisa e no G-20 o Global South fala de igual para igual com os riscos. Na verdade, a contestação da “ordem liberal” liderada pelos EUA pelo eixo autocrático China-Rússia criou para o Brasil uma situação extraordinariamente delicada. Já estamos numa guerra fria bem pior e muito mais perigosa do que a última. 

 Em termos brutalmente simples, o Brasil é parte do amplo mundo ocidental por conta de história, cultura e universo de valores (como direitos humanos). E depende da China como seu principal mercado de exportações de commodities. Mais ainda: parte relevante da tecnologia e insumos que fizeram do Brasil uma super potência na produção de alimentos depende de países ocidentais. Assim como o acesso a bens e tecnologias diretamente ligadas à segurança e defesa – Alemanha para o Exército, França para a Marinha e Suécia para a Aeronáutica, todos na Otan. Neste momento, as duas superpotências se empenham em solidificar alianças para contestar a hegemonia de uma ou a pretensão hegemônica de outra. 

Parecem deslizar para um conflito armado de consequências imprevisíveis na Ásia. A guerra na Ucrânia, que no jargão geopolítico é do tipo “localizada”, obrigou Putin e Xi Jinping a refazer cálculos estratégicos quanto à “decadência” do adversário ocidental. Mas boa parte do que Lula reproduz em seus discursos sobre a situação internacional são as mesmas avaliações que China e Rússia fazem de um ocidente em declínio e injusto com os bagrinhos. 

Acaba prejudicando o que seria o interesse óbvio do Brasil (potência regional média): manter equidistância como puder, enquanto puder. Não precisa se comportar como bagrinho.


Das assimetrias idiotas e do TPI assimétrico - Paulo Roberto de Almeida e FSP, Flavio Dino

 Desculpem dizer mas o ministro da “Justiça” também é um idiota. Qual é a assimetria que existe no TPI se mesmo um cidadão de um país que NÃO FAZ parte do TPI, como é o caso do tirano de Moscou, pode ser julgado pelo TPI como qualquer outro violador dos DH de QUALQUE PAÍS do mundo? Qual é a lógica de Dino?

Não tem lógica nenhuma: só está seguindo a idiotice do chefe dele.

Enquanto isso o ministro dos DH do país dos idiotas governamentais permanece caladinho.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 14/09/2023


Dino diz que Tribunal Penal Internacional é desequilibrado e endossa críticas de Lula Ministro afirma que Itamaraty pode debater participação do Brasil no Estatuto de Roma 

 BRASÍLIA O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo "desequilibrado" e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são. "O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros", disse o ministro. É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto", sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. "Ou todos os países aderirem. 

Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado", completou ao participar de evento no Senado. O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é "um debate muito novo". Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em "algum momento" —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso. "O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento." Na última segunda-feira (11), Lula disse que "não sabia da existência" do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. "Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os 'bagrinhos'",afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20. 

 Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países. A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso. A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações. 

 O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

 O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.



 

Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre: relato de uma prisioneira na Guerra do Paraguai (1870) - Francisco Doratioto

Um novo livro do grande historiador  Francisco Doratioto: 

Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre: relato de uma prisioneira na Guerra do Paraguai (1870

Organização e posfácio: Francisco Doratioto
Indicação editorial: José Murilo de Carvalho
Chão Editora, 2023, 168 páginas 

ISBN 978-65-80341-28-3

R$ 54,00
Lançamento: setembro de 2023

Os livros da Chão Editora são distribuídos com exclusividade pela Editora 34

A Guerra do Paraguai (1864-70) foi uma hecatombe humana, política e financeira para os países que dela participaram. A confirmação dos atos sangrentos praticados pelo ditador paraguaio Francisco Solano López, relatados por suas vítimas ou por observadores, interessava a setores políticos nos países envolvidos no conflito, e ao mesmo tempo descreve com honestidade as experiências pessoais de seus autores.

As Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre são o único depoimento de uma mulher a respeito do conflito. A autora não só assistiu à violência da guerra, mas viveu na pele os desmandos da ditadura de López. Seu relato, escrito no calor dos acontecimentos, expõe os sofrimentos causados pela guerra na população civil, particularmente nas mulheres paraguaias.

A pesquisa de Francisco Doratioto em arquivos brasileiros, argentinos e paraguaios revela fatos inéditos sobre a vida de Dorothée, que durante a guerra fez parte de um grupo de mulheres chamadas de destinadas. Arbitrariamente tachadas de traidoras por López, foram obrigadas a caminhar, sob escolta de soldados, para o interior do Paraguai. Doentes, maltrapilhas e à beira da inanição, as sobreviventes da extenuante jornada foram libertadas em dezembro de 1869, já no final do conflito, pelo Exército imperial brasileiro.

Exausta, física e psicologicamente, ainda assim Dorothée aceitou o desafio de escrever suas memórias, a pedido do coronel Francisco Pinheiro Guimarães, no início de 1870. Finda a guerra, teve ainda uma intensa vida pública em Chivilcoy, na Argentina, onde morreu em 1932.

Sobre Dorothée Duprat de Lasserre

Dorothée Duprat (1845-1932), nascida na França, imigrou com os pais em 1856 para a colônia agrícola de Nueva Burdeos, no Paraguai. Em 1859, casou-se com o comerciante Narcise Lasserre. Em 1868, durante a Guerra do Paraguai, seu pai, irmão e marido foram sequestrados e assassinados pelas forças de Francisco Solano López. No ano seguinte, junto com a mãe, Dorothée tornou-se prisioneira de guerra. O grupo das chamadas destinadas chegou a reunir 2800 prisioneiros, em sua maioria mulheres, mas também crianças e anciãos. No fim desse ano, as destinadas foram libertadas pelo Exército imperial brasileiro. Dorothée mudou-se para Chivilcoy, Argentina, em 1872.

Sobre Francisco Doratioto

Francisco Doratioto é bacharel em história e em ciências políticas pela Universidade de São Paulo e mestre e doutor em história das relações internacionais do Brasil pela Universidade de Brasília, onde é professor nos cursos de graduação e pós-graduação em história. É autor, entre outros livros, de Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai General Osorio: a espada liberal do Império.

Trecho

Acabaram-se novamente as laranjas, então a sra. Leite determinou-se; também chegou um soldado da guarda contando que o sargento tinha ido denunciar todas as destinadas que fugiam. Isso fez com que muitas se decidissem, e voltamos a fazer trato com outro índio. Nós o carregamos de roupa, redes, ponchos... e fomos embora. Essa noite era o 14 de dezembro; ao cruzar o estuário cortei-me num lado da perna, atrás de mim vinha a sra. Jaona, que machucou as duas pernas. Para nos salvar, nos desvencilhamos da roupa, estávamos banhadas em sangue. Em poucos instantes ouviu-se um pedido de socorro, a sr.a Leite havia entrado no barro até metade do corpo, pareceu-me um mau agouro, mas seguimos o índio em silêncio [...]. Caminhamos até meia-noite, alcançamos uma ponta de monte, nosso guia ordenou que sentássemos em silêncio e o aguardássemos.

Informações para imprensa:

Gabriela Toledo
(11 98227-0770 / obaramail@gmail.com)

Informações para professor:

Mariana Mendes professor@chaoeditora.com.br


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Videocast Rio Bravo: As Instituições Estão Funcionando? - Paulo Roberto de Almeida fala sobre o Itamaraty a Fábio Cardoso

Fui entrevistado pelo jornalista Fabio Cardoso para uma série que já teve outras emissões – uma com Gustavo Franco, por exemplo – sempre em torno da funcionalidade das instituições. 

A entrevista tem o seu link abaixo. Mas antes da entrevista, eu tinha preparado algumas notas em torno do assunto principal, que transcrevo abaixo. 

4464. “Itamaraty: uma instituição de Estado, pouco independente de governos”, Brasília-São Paulo, 27-30 agosto 2023, 6 p. Nota elaboradas para entrevista na Rio Bravo Investimentos, com o jornalista Fábio Cardoso, em 1/09/2023; revisão: Brasília, 9/09/2023. Divulgada no dia 13/09/2023, sob o título de “Videocast Rio Bravo: As Instituições Estão Funcionando? - Paulo Roberto de Almeida” (29m-56s; link: https://www.youtube.com/watch?v=1JJC4Q9eB7E); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/106584032/4464_Itamaraty_uma_instituição_de_Estado_pouco_independente_de_governos_2023_). Relação de Publicados n. 1522.  



Itamaraty: uma instituição de Estado, pouco independente de governos

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota para entrevista na Rio Bravo Investimentos em 1/09/2023.

  

O Itamaraty, conhecido por esse nome apenas a partir da República, é uma das mais antigas e importantes instituições de Estado, tanto no regime colonial português, como na transição da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e nos dois séculos desde o estabelecimento do Estado brasileiro independente. A antiga secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros sempre disputou com Marinha, Fazenda e Justiça a primazia entre os ministérios mais relevantes para a preservação do Estado e seu funcionamento normal em face de tantas ameaças internas e externas nas diversas dinastias lusitanas, até chegar aos Braganças, que ainda governaram os dois reinos até o final do século XIX. 

As relações exteriores sempre foram estratégicas na defesa dos interesses e da própria sobrevivência do Estado português, desde antes e sobretudo após a Restauração de 1640. Tanto foi que um dos tratados de defesa possivelmente mais antigos teoricamente ainda em vigor foi aquele contraído entre os dois soberanos, o de Portugal e o da Inglaterra, poucos anos depois da retomada da soberania portuguesa em face dos vizinhos espanhóis, do tempo dos Habsburgos. Registre-se, também, que o território da América portuguesa representava menos de 1/3 das atuais dimensões do Brasil, sendo que significativos ganhos territoriais foram adquiridos pacificamente pela excelente diplomacia portuguesa, no caso pelo súdito santista Alexandre de Gusmão, que negociou o tratado de Madri, de 1750, aposentando a linha de Tordesilhas e adquirindo vastos espaços no planalto central, na Amazônia e no Sul (com a exceção da Colônia do Sacramento, fundada pelos portugueses, mas por esse tratado cedida definitivamente aos espanhóis). 

O tratado de Madri conformou o Brasil no mapa que conhecemos hoje, com outras pendências arbitradas ou negociadas diretamente com os vizinhos sul-americanos, acordos geralmente alcançados pelo Barão do Rio Branco, inclusive a compra do Acre à Bolívia. O Barão chegou inclusive a fazer um tratado preventivo de limites com o Equador – seguido de um tratado secreto de defesa mútua –, não implementado pelo fato de o país amazônico, andino e pacífico ter perdido terras interiores para seus dois grandes vizinhos. As relações exteriores do Brasil, durante tudo o Império e no começo da República, foram justamente dominadas por questões de fronteiras, felizmente resolvidas pacificamente, não incluída aqui a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, que se deu por outros motivos, e certamente provocada pelo ditador paraguaio Solano Lopes. Outras pendências que nossa primeira diplomacia teve de resolver logo em seus primeiros momentos foi a guerra da Cisplatina e os conflitos com a Grã-Bretanha em torno do tráfico escravo, duas heranças portuguesas que ocuparam os diplomatas – vários nascidos em Portugal – durante o primeiro Reinado. 

José Bonifácio, nosso primeiro chanceler, além de ministro do Império, tinha concebido uma política externa brasileira e americanista, mas os interesses de D. Pedro na sucessão portuguesa desviaram a atenção da Secretaria dos Negócios Estrangeiros durante o seu período, finalmente terminado em 1831; vários historiadores acreditam que esse foi o ano em que finalmente se consolidou a independência do Brasil. As regências conduziram efetivamente uma política americanista, enviando encarregados de negócios para várias repúblicas sul-americanas, mas as pendências com a Grã-Bretanha sobre o tráfico, e com outras potências em torno de acordos comerciais, continuaram ocupando a diplomacia até o início do Segundo Império. Agiganta-se, nos anos 1840 e 1850, a figura de Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai, que moldou institucionalmente o corpo diplomático, inclusive instituindo concursos de seleção – não muito diferentes dos que são feitos ainda hoje – e resolvendo a questão do tráfico com a Lei de 1850, conjuntamente com Eusébio Queiroz; Paulino também atuou nos conflitos do Prata, entre o ditador Rosas, da Argentina, e os demais caudilhos da região, inclusive na própria Argentina e no Uruguai. 

A diplomacia imperial foi muito eficiente, tanto nas relações regionais, como no confronto com as grandes potências, pois que chegamos a romper relações diplomáticas com a principal potência da época, a Grã-Bretanha, nosso principal parceiro comercial. A dependência financeira não foi afetada, porque contratos de empréstimos e investimentos estrangeiros eram resolvidos diretamente com os banqueiros ingleses da City, em especial os Rothschild, banqueiros oficiais do Brasil até praticamente as vésperas da Segunda Guerra Mundial (quando saímos da esfera da libra britânica para a do dólar). O Visconde do Rio Branco e outros estadistas do Segundo Reinado conduziam as principais negociações externas, havendo, de toda forma, uma grande rotação de chanceleres, dada a sucessão de gabinetes. Aliás, Rio Branco foi um dos únicos chanceleres diplomatas (ele era originalmente apenas cônsul, até ser designado ministro em Berlim em 1990, como prêmio à sua atuação), pois todos os demais chanceleres eram parlamentares eleitos, segundo o modelo inglês.

O serviço exterior estava segmentado em três carreiras: a diplomática propriamente dita, que circulava principalmente entre postos no exterior; a dos funcionários da Secretaria de Estado, trabalhando no Rio de Janeiro, e raramente indo servir em postos no exterior; e, finalmente, a classe consular, exclusivamente dedicada a assuntos consulares típicos (vistos, permissões e documentos de direito internacional privado), além de assunto comerciais, como estampilhas em notas e faturas de comércio, dando direito ao recebimento de uma fração dos emolumentos consulares. Rio Branco, por exemplo, foi cônsul durante 20 anos em Liverpool, o mais ativo do comércio exterior britânico e mais importante no comércio bilateral com o Brasil, o que lhe facultava receber emolumentos suficientes para manter casa e família em Paris, para onde viajava frequentemente.

Procedimentos e métodos de trabalho foram evoluindo paulatinamente à construção do Estado brasileiro no século XX, notadamente a partir da era Vargas. Ao longo do século XX, o Itamaraty aperfeiçoou o processo de seleção dos quadros do Serviço Exterior, embora o próprio Barão do Rio Branco não tenho feito nenhum concurso: ele preferia, ele mesmo, selecionar os candidatos, entre muitos “indicados” pelas autoridades costumeiras. Importante reforma institucional ocorreu entre o governo provisório, sob o chanceler Afrânio do Melo Franco, e o Estado Novo, sob o chanceler Oswaldo Aranha, no sentido de unificar as três vertentes das carreiras do Serviço Exterior: o pessoal diplomático, servindo no exterior, os funcionários da Secretaria de Estado e o pessoal consular. Numa primeira etapa, sob o governo provisório, se procedeu à unificação dos funcionários diplomatas lotados em postos no exterior e o pessoal da Secretaria de Estado; mais adiante, os cônsules passaram a ser equiparados aos diplomatas, 

O Estado Novo instituiu o DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público, que passou a organizar processos de seleção para cargos públicos, inclusive para o Itamaraty. Roberto Campos, por exemplo, passou no primeiro exame de seleção do Itamaraty pelo DASP, em 1938, com a peculiaridade de que não se exigia diploma de curso superior: ele só tinha feito seminário e estava dando aulas no interior de São Paulo. Seu colega José Oswaldo de Meira Penna, que passou no mesmo concurso, afirmou que além dos que passaram no concurso, entraram alguns “pela janela”, por indicação política. Ao final do Estado Novo, em 1945, ocorreram falcatruas similares, seja pelas mãos do ditador – que só foi derrubado em outubro desse ano, pelo fato de que pretendia se manter na presidência, como comprovado pelo movimento “queremista”, “Queremos Vargas” –, seja pelo presidente interino, José Linhares, presidente do STF. Este, no espaço de poucos meses, colocou dezenas de amigos e familiares em cargos públicos, inclusive no Itamaraty. Na época se repetia o bordão, segundo o qual “os Linhares eram milhares”. 

Mas, nesse mesmo ano de 1945, na data comemorativa dos 100 anos de nascimento de Juca Paranhos, filho do Visconde do Rio Branco, foi criado o Instituto Rio Branco, que passou a exercer o monopólio da seleção, formação e treinamento dos candidatos à carreira, constituindo seu corpo de professores, que no Rio de Janeiro incluíam grandes nomes da intelectualidade nacional: José Honório Rodrigues, Carlos Delgado de Carvalho, Américo Jacobina Lacombe, Afonso Arinos de Melo Franco e grandes sumidades do Direito e da Magistratura, da própria Academia Brasileira de Letras e do IHGB. 

Essa seleção, primeiro dentro de um círculo mais restrito, de grandes famílias tradicionais e nas metrópoles mais importantes, depois, sobretudo a partir de Brasília, com pessoas recrutadas em estratos mais amplos e socialmente mais representativos da sociedade brasileira (filhos de imigrantes, por exemplo, pessoas de classe média-média, ou até baixa) aproximou o Itamaraty do universo estatal da fase nacional-desenvolvimentista (inclusive durante o regime militar) e imprimiu ao corpo profissional a mesma ideologia do desenvolvimento nacional que marcou o cerne do pensamento político e econômico das elites dominantes e dos setores dirigentes do Brasil.

O Itamaraty, como instituição nacional no Brasil do pós-guerra, combina elementos tradicionais, retirados da memória da Casa – os grandes estadistas do Império, a patrono incontornável na figura de Rio Branco – e os novos padrões criados a partir da fase do desenvolvimentismo nacionalista, que também reforçaram a endogenia típica do Itamaraty, sobretudo depois que os militares – irmãos estatais dos diplomatas – deixaram a Casa dirigir-se a si própria, nomeando funcionários da carreira como chanceleres (um ao início do regime, Vasco Leitão da Cunha, depois três na sequência: Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro). FHC e Lula preservaram esse encapsulamento burocrático, o que, de certa forma, reforçou o ethos corporativo dos diplomatas.

Por outro lado, a intensa competição interna também atuou no sentido de reforçar a dependência da trajetória individual dos diplomatas ao sabor das maiorias políticas ocasionais no plano congressual e do executivo, com o recurso ao tradiciona “pistolão” nos momentos das promoções (duas vezes por ano) e nas designações para os bons postos no exterior. Por outro lado, a estrutura decisória da Casa – que reproduz a hierarquia típica da carreira militar – e os comportamentos pessoais a ela subordinados – a disciplina, que lhe é associada – foram elevados a dogmas intocáveis no ethos coletivo, o se revela no caráter híbrido do Itamaraty: ele é, ao mesmo tempo, weberiano, no sentido de serem os rituais e métodos de trabalhos altamente formalizados e burocratizados, e feudal, no sentido em que os barões da Casa têm o comando incontestável e incontestado de todos os demais funcionários do Serviço Exterior. Desde os bancos escolares do Instituto Rio Branco, os jovens secretários são primeiro instruídos, depois relembrados, em praticamente todas as cerimônias oficiais do Itamaraty, dos dois dogmas sobre os quais supostamente se funda a excelência do corpo da diplomacia profissional: a hierarquia e a disciplina, exatamente como na vida militar. A estrita obediência aos cânones de comportamento explica a postura submissa da Casa.

Tais características contribuem para uma notável coesão interna no Itamaraty, uma adesão praticamente obrigatória aos métodos de trabalho e uma grande eficiência uma vez adotada uma linha de trabalho pelas autoridades dotadas de poder: o presidente e o chanceler. O resultado é que o Itamaraty se converte num operador muito obediente de toda e qualquer ordem que venha do chefe de Estado, o formulador da diplomacia, e do operador-condutor da diplomacia, ou seja, o chanceler. Raramente se desenvolvem, ou ganham corpo, dissensões internas, divergências ou contestações diretas às orientações dadas, mesmo se elas discrepam, por vezes fortemente, das práticas e opções anteriormente em curso. 

É verdade que as continuidades são mais presentes do que as rupturas no itinerário da política externa, em função de compromissos firmados, de tratados assinados e da imagem de credibilidade institucional da própria diplomacia, mas elas também existem. A mais notável, desde a redemocratização, foi a orientação partidária e a condução ideológica sob o chamado lulopetismo diplomático, ainda assim combinadas aos padrões habituais de trabalho do Itamaraty: multilateralismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, protecionismo, soberanismo e um antiamericanismo moderado. O lulopetismo partiu dessa base para construir suas prioridades, centradas não apenas no terceiro-mundismo dos anos 1960, mas também na visão sindicalista marcada pela oposição entre ricos e pobres, poderosos e oprimidos, centro e periferia, burgueses e proletários, daí a inclinação míope por uma diplomacia Sul-Sul e até a preferência por regimes de esquerda no continente e alhures.

A maior ruptura foi obviamente representada pelo mal designado de bolsonarismo diplomático, mas ele não correspondeu a nenhuma ideologia formalmente estabelecida, apenas a uma mixórdia de preconceitos emprestados a teorias conspiratórias da extrema-direita americana, importada acriticamente pela franja lunática que dominou o Itamaraty durante a primeira metade do governo Bolsonaro. No plano interno da Casa, se tratou de movimento marginal, que não ganhou a adesão sincera de praticamente nenhum diplomata profissional, a não ser dos poucos oportunistas de ocasião, que sempre existem. 

O fato é que o lulopetismo combina bem mais com a propensão dos diplomatas de serem condutores de iniciativas na frente externa, dado o grande protagonismo da diplomacia presidencial, falando a seus pares do mundo em desenvolvimento, um perfil mais parecido com o do próprio Brasil do que o dos países avançados da OCDE. Por sinal, os diplomatas se sentem bem mais confortáveis com a ideologia desenvolvimentista – e seus derivativos, como o cepalianismo, com o unctadianismo, o terceiro-mundismo, a latino-americanidade – do que com o mundo aparentemente distante das potências ocidentais, a cujo universo civilizatório estamos vinculados, mas numa posição de relativa inferioridade, dados os patamares insatisfatórios de desenvolvimento econômico e social. Os diplomatas continuam aderentes à divisão onusiana do mundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, fazendo questão de defender o princípio do tratamento diferencial e mais favorável a estes últimos, como se devêssemos pertencer eternamente a este universo dicotômico.

Finalmente, o patrimonialismo inerente à sociedade brasileira, o peso das oligarquias econômicas e políticas, o compadrio e o nepotismo característicos de relações baseadas mais em vínculos afetivos do que na impessoalidade burocrática das normas legais fazem com que o Itamaraty seja especialmente sensível a padrões de conduta fundados no “quem manda?” e no “quem indica?”, em lugar da autoridade racional-legal da dominação weberiana pura. Por isso mesmo, o Itamaraty continuará a ser esse corpo eficiente de funcionários colocados a serviço das ideias politicamente dominantes ao sabor da conjuntura vivida pela nação. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília-São Paulo, 4464, 27-30 de agosto de 2023, 6 p.; revisão: Brasília, 9/09/2023