quarta-feira, 10 de setembro de 2025

“Que diabos Lula está fazendo?” O Brasil e a diplomacia da corda esticada: Entrevista Matias Spektor (Brazil Journal)

Economia
“Que diabos Lula está fazendo?”
O Brasil e a diplomacia da corda esticada

Giuliano Guandalini
Brazil Journal, 24 de fevereiro de 2024

https://braziljournal.com/que-diabos-lula-esta-fazendo-o-brasil-e-a-diplomacia-da-corda-esticada/

A estratégia da política externa de Lula é tensionar a relação com os EUA e a Europa e, assim, conquistar concessões dos mais ricos para as nações mais pobres. “O grande risco disso tudo é que, ao esticar demais a corda, ela pode arrebentar do lado mais fraco – que, no caso, somos nós,” diz o especialista em relações internacionais Matias Spektor, professor da FGV.
Para Spektor, essa política – concebida por Celso Amorim – parte de “uma leitura equivocada a respeito de como funciona o sistema internacional.”
Spektor é o autor do ótimo 18 dias, livro publicado em 2014 que conta os bastidores do trabalho diplomático feito em 2002 para mitigar as desconfianças dos EUA em relação ao PT e conquistar o apoio de George W. Bush ao Governo Lula. Vinte anos depois, Lula foi recebido em fevereiro de 2023 por Joe Biden “com tapete vermelho” na Casa Branca, mas a relação Brasil-EUA permanece gélida.
O conjunto de declarações de Lula desde a posse – culpando a Ucrânia pela invasão russa, apoiando o ditador Nicolás Maduro, passando pano para Vladimir Putin e, mais recentemene, comparando a ação de Israel em Gaza ao Holocausto – contaminam suas credenciais como líder democrático capaz de fazer a ponte entre o Ocidente e o resto do planeta.
“Lula parece muito mais um justificador de ditaduras,” diz Spektor. Na estratégia de Amorim, os BRICS devem ser o bloco de pressão sobre os países ricos. Mas, segundo Spektor, o mundo vê os BRICS cada dia mais como “um projeto chinês para disputar poder com os EUA, não para fazer pontes com os ricos, que é a agenda do Lula.” Um ponto pouco notado, diz o professor, é que o Governo Biden já disse explicitamente que apoia uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, um pleito histórico de Lula-Amorim. “Quem breca a reforma hoje? A China, que, supostamente, é a nossa principal aliada.”
Na estratégia de Amorim, os BRICS devem ser o bloco de pressão sobre os países ricos. Mas, segundo Spektor, o mundo vê os BRICS cada dia mais como “um projeto chinês para disputar poder com os EUA, não para fazer pontes com os ricos, que é a agenda do Lula.” Um ponto pouco notado, diz o professor, é que o Governo Biden já disse explicitamente Spektor é também autor de Kissinger e o Brasil, de 2009, que trouxe novas informações sobre a colaboração dos EUA com a ditadura militar.

Abaixo, a íntegra da conversa.
Há 20 anos, quando Lula assumiu pela primeira vez o governo, o mundo era outro. A China havia acabado de entrar na OMC, os BRICS eram uma invenção de um executivo de um banco de investimentos, havia um ambiente de colaboração internacional após o 11 de setembro. Agora o contexto é de polarização lá fora entre potências e polarização interna. Os países e os políticos são forçados a escolher lados. Como isso impacta a atual política externa brasileira?

Antes havia uma única grande potência, os EUA. O mundo tem hoje três potências: EUA, China e Rússia, que demonstrou ser capaz de impedir que os EUA consigam impor o seu ordenamento na Europa do Leste. Essa mudança faz uma enorme diferença. Lá atrás a violência internacional pesada vinha da política externa americana, como foi na invasão do Iraque e do Afeganistão. Agora a violência pipoca pelo mundo, tem muitas áreas de tensão entre as potências. São diferenças importantes, mas é importante ressaltar que tanto o Lula de 2003 quanto o Lula de hoje têm uma visão comum e única do que deve ser a estratégia da política externa brasileira. É a ideia de que o papel do Brasil é organizar coalizões com países em desenvolvimento para aumentar as concessões dos ricos aos pobres. A visão é a mesma, de arrancar concessões do Norte Global para o Sul Global. No passado isso era feito, por exemplo, construindo uma coalizão para a Rodada Doha com a Índia, construindo uma coalizão na América do Sul para criar o Unasul (União de Nações Sul-Americanas), construindo diálogo com os países africanos, diálogo com os países da Ásia. Mais tarde, formando a coalizão dos BRICS. A estratégia era ter uma posição de força para obter concessões do Ocidente. Mas para isso, era preciso ter boas relações com o Ocidente. Por isso lá atrás o Lula saiu de sua zona de conforto, construindo um laço produtivo de trabalho com líderes com os quais ele não concordava em quase nada, a começar por Bush.

Como operar essa mesma visão de política externa em um mundo fragmentado?

O Lula escolheu como pedra angular dessa estratégia a dobradinha G20 em 2024 e COP 30 em 2025. Serão dois fóruns nos quais ele vai tentar repetir o que fez lá atrás. Algumas das prioridades serão o perdão da dívida dos países mais pobres e o maior financiamento dos ricos aos pobres na transição energética. Para essa estratégia vingar, Lula precisa se apresentar como um estadista experiente, com reputação para fazer a coalizão com o Sul e a negociação com o Norte – e que seja um líder político com credenciais democráticas impecáveis, algo que o Narendra Modi, da Índia, não tem. Há um ambiente favorável para isso. O desmatamento na Amazônia diminuiu, a economia brasileira está mais forte do que se imaginava, e o País superou uma tentativa de golpe.

Com Bolsonaro afastado pelo Supremo, Lula tem uma perspectiva de poder até 2030. Conseguiu trazer o G20 e a COP para cá. Então, a pergunta que fica é: que diabos Lula está fazendo?

A tática utilizada desde a sua posse não poderia ser pior. A maior ameaça para a sua visão de política externa tem sido a sua própria diplomacia.

Por quê?

Dou vários exemplos. Biden fez de tudo e mais um pouco para apoiar Lula contra Bolsonaro. Quando Lula ganhou, a Casa Branca estendeu um tapete vermelho. A viagem a Washington, entretanto, acabou sendo uma visita completamente frustrada em função dos comentários de Lula sobre a Ucrânia. Primeiro colocou a culpa no Zelensky, depois colocou a culpa na Ucrânia, que é a vítima. Por fim, colocou a culpa da guerra na OTAN e nos EUA, fechando o diálogo com a Casa Branca. Hoje em dia, os países mantêm uma relação gelada, como vimos na visita de Antony Blinken (o secretário de Estado dos EUA) na última semana. Lula fez coisa parecida com os europeus. O Brasil tem dois grandes aliados na Europa: Portugal e Alemanha. Chefes de governo de ambos os lados se sentiram humilhados com as falas do Lula quando o Lula os encontrou. As falas do Lula sobre Israel reforçam esse ponto, assim como as declarações sobre Alexei Navalny, dando justificativas para Putin. Ou ainda quando ele passa pano para o Maduro, o chefe de uma cleptocracia que expulsou da Venezuela mais de 10% da população.

O Lula do primeiro governo buscava uma maior posição de equilíbrio, e hoje ele pende mais para um lado?

Minha percepção é que ele está esticando a corda. Um projeto interessante, progressista, de emplacar um G20 que seja a consagração do Sul Global, arrancando concessões do Norte, poderá fracassar por causa disso. É interessante, porque, pela primeira vez, ele está esticando a corda não só com os EUA e a Europa, mas com governos de esquerda na América do Sul. Criou fricções com o Boric, do Chile, e o Petro, da Colômbia. A tentativa de reviver a Unasul não deu em nada. Na Argentina, Lula saiu abertamente em campanha pelo governo de situação – e, quando a oposição ganhou, não foi à posse do presidente eleito. Quando a relação Brasil e Argentina está quebrada, não há a menor chance de o Brasil construir uma diplomacia regional que funcione. Na Venezuela, Lula incitou Maduro a permanecer no poder e resistir às pressões para liberalizar o regime. A ideia de que o Lula é o líder democrático com credenciais impecáveis – que é central para esse projeto dele de ser a ponte entre o Ocidente e o resto do planeta – fica contaminada. Faz Lula parecer muito mais um justificador de ditaduras. Essa percepção internacional se consolida em um momento no qual o mundo inteiro vê nos BRICS, a cada dia mais, um instrumento da China.

Por que essa atitude do Lula? Agora, ao contrário do passado, ele não vê mais a necessidade de cultivar o apoio do Ocidente?

O Lula de hoje parece estar mais convicto de que o Ocidente somente faz concessões quando o Sul Global tensiona a corda. Tensionar a corda é essencial, segundo essa visão. Isso foi muito bem colocado numa entrevista de Celso Amorim ao Valor Econômico. Amorim diz assim: o Ocidente não dava a menor bola para o G20 até aparecerem os BRICS. Na hora que a gente criou os BRICS, o Ocidente se assustou. Então, a precondição para o Ocidente dar algo aos países em desenvolvimento é ter a ameaça de pressão global via BRICS. Amorim concluiu que os BRICS foram a melhor coisa que aconteceu nos últimos anos e acho que o Lula está convicto dessa leitura da história. Mas os BRICS hoje não são como há dez anos. O bloco é percebido essencialmente como um projeto chinês para disputar poder com os EUA, não para fazer pontes com os ricos, que é a agenda do Lula. Essa visão de mundo do governo, oriunda das décadas de 60 e 70, tem Celso Amorim como seu principal expoente no Governo. Amorim tem uma relação umbilical com Lula, construída ao longo de duas décadas. Nas decisões de política externa, o que Lula ouve é isso. Haddad, Marina Silva, Simone Tebet, que têm pastas com gigantescas repercussões internacionais, não são consultados para as grandes decisões de política externa. Quando um chefe de governo ouve apenas uma pessoa, um samba de uma nota, ele tende a cometer muito mais erros na política externa. Vozes rivais ajudam o Presidente a calcular riscos e oportunidades. Isso a gente não vê hoje. No primeiro governo, Lula ouvia outras visões.

Como avaliar se o Governo vai alcançar os seus objetivos?

Pessoalmente, acho que os ganhos até agora são parcos. Sabe o que é interessante? O Governo Biden já disse explicitamente que topa apoiar uma reforma na ONU. Quem breca a reforma hoje? A China – que, supostamente, é a nossa principal aliada. Então a declaração importante a favor da reforma deveria vir dos BRICS. Mas a resistência vem da China.

Por que a China é contra?

Uma reforma do Conselho de Segurança poderia botar para dentro o Japão, por exemplo, e diluir o poder da China.

A Rússia também tem incentivo zero para mexer nisso, não?

Zero. O grande risco disso tudo é que ao esticar a corda ela arrebente do lado mais fraco – que, no caso, somos nós. Essa política parte de uma leitura equivocada do Celso Amorim a respeito de como funciona o sistema internacional. Em função dos comentários do Lula fazendo analogia do que Israel faz em Gaza ao Holocausto, Amorim disse que é uma boa chacoalhada emocional. Acho que ele está profundamente enganado. É uma leitura equivocada de como funciona o sistema internacional. Não me refiro apenas ao Ocidente, me refiro também ao mundo árabe. Ninguém no mundo árabe fez uma declaração dessa natureza. Desde a ditadura militar, desde o governo Costa e Silva, em 67, a política do Brasil para o Oriente Médio é o que se chama de equidistância: convocar a solução dos dois estados e manter boas relações com ambos os lados para, quando houver condições de implementar essa solução, o Brasil poder ser ponte. Quem quebrou essa política pela primeira vez foi o Bolsonaro. Quando assumiu, decidiu quebrar com essa tradição da política externa brasileira, anunciando a promessa de mudar a embaixada do Brasil para Jerusalém, em flagrante violação ao espírito da solução dos dois estados. Estou totalmente de acordo de que a política de Israel para a Palestina é absolutamente brutal. É desproporcional, viola todas as regras internacionais. É contraproducente, não só para a causa Palestina, mas também para Israel. Agora, em vez de restaurar o que era um acervo da diplomacia brasileira, o que a gente vê é apenas uma inversão de sinal com Lula.

No melhor dos cenários, qual tipo de concessão o Brasil poderá obter das nações ricas?

Vejo dois pontos para medir o sucesso da política externa. No G20, o Brasil pode conseguir que na declaração final de sua presidência no grupo, os ricos perdoem dívidas de países pobres e aumentem o financiamento para a transição para a economia verde nos países em desenvolvimento. A declaração final poderá trazer uma convocatória do G20, das Nações Unidas, do Banco Mundial e do FMI, aumentando a representação de países em desenvolvimento e ampliando políticas de redução da desigualdade. É uma pauta progressista, que faz sentido o Lula defender. As conquistas nesses dois pontos serão a maneira de medir o sucesso do Brasil. Só conheceremos a declaração final em novembro. No passado, a política externa obteve resultados positivos por meio das coalizões. O Brasil conseguiu abrir mercados, houve aumentos expressivos nas trocas comerciais. O Brasil liderou a formação da Unasul, com projetos de grandes obras do Brasil na região. O que dinamitou isso foi a corrupção endêmica das construtoras brasileiras, usando o dinheiro público do BNDES em conluios do governo brasileiro com governos estrangeiros. Quando isso veio à tona, esse projeto brasileiro da Unasul implodiu.

Como reconstruir esse projeto de integração regional?

Seria útil para o Brasil poder reconstruir uma Unasul em novas bases, reconstruir a reputação internacional do BNDES no momento pós-Lava Jato. Para isso, seria importante conseguir não apenas o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, mas também construir um projeto de cooperação para eliminar a maior ameaça internacional que o Brasil enfrenta hoje, que não existia lá atrás, mas que existe agora, que é o crime organizado transnacional – sobre o qual você não ouve o governo se manifestar. O Governo odeia a OTAN, não quer saber de cooperação de segurança com os europeus. Mas, sem cooperação europeia, não tem como o Brasil reverter a situação atual, com o Porto de Santos sendo o maior porto de escoamento das drogas com destino à Europa. Então, será que você arranca concessões esticando a corda? Ou esticando a corda você quebra a corda e fica com um pedaço menor de corda na mão?

As pesquisas eleitorais nos EUA indicam uma alta probabilidade de vitória de Donald Trump. Como ficaria a política externa brasileira? Há chance de uma surpresa positiva, como foi a boa relação de Lula com George W. Bush?

O melhor cenário para a política externa do Lula é um governo nos EUA sensível à causa dos países em desenvolvimento. A teoria da política externa do Lula é de formar uma coalizão do Sul para conseguir concessões do Norte. Então, o que acontece se Trump ganhar? Essa teoria vai por água abaixo. Trump é abertamente hostil a esse processo e, portanto, num cenário em que ele ganhe as eleições, a política externa brasileira precisaria fazer um ajuste de objetivo. Teria que ser feito um ajuste para uma redução de danos. Em seu governo, Trump, por exemplo, tentou promover um golpe contra Maduro. Isso é péssimo para o Brasil. Reduzir danos com Trump é muito difícil para um país como o Brasil. Vejo duas opções. Primeira opção: o governo Lula se afasta completamente dos EUA e fica sem instrumento nenhum para fazer redução de danos. Segunda opção: construir pontes com o Partido Republicano. Alguém poderia dizer que Trump jamais se engajaria com Lula. Mas em março de 2002, se alguém dissesse que Lula e Bush construiriam uma relação de trabalho produtiva, daríamos risada. Como foi que o Lula fez para destravar esse processo? Começou um trabalho de bastidor, construindo pontes. Não sei se, em segredo, o governo brasileiro está construindo pontes com o Partido Republicano. Tomara, porque a vitória do Trump é um cenário plausível. O Brasil precisa estar preparado para, se necessário, fazer contenção de danos – e a única maneira é por meio de laços com o Partido Republicano.

E como fica a relação com Javier Milei?

Milei fez campanha criticando o Lula. Criticar o Lula fazia parte da campanha. Foi como Milei construiu a identidade política dele. As bravatas que ele falou contra o Brasil, no entanto, não foram implementadas. Ele não as implementou porque a Argentina depende do Mercosul. Mesmo moribundo, o Mercosul tem algo fundamental para a Argentina, que é a indústria automobilística, que fica na província de Córdoba – uma das províncias mais poderosas e influentes, que tem um governador forte e que apoia Milei. Milei não tem bala na agulha para lançar um projeto internacional contra o Brasil. Então, o que que a gente pode esperar? A relação nunca será um mar de rosas. Tende a ser a mesma relação que teria com um eventual governo Trump – nunca será ótima, mas pode acabar sendo péssima. Para o Brasil, a Argentina é um mercado importante, sobretudo para a Zona Franca de Manaus. Além disso, é muito difícil para o Brasil conseguir emplacar qualquer projeto na América do Sul se a diplomacia argentina estiver fazendo pressão contrária, com força. No G20, a Argentina é um jogador relevante. Por todas essas razões, as bravatas deveriam ser deixadas de lado.

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Lula’s gaffes are dulling Brazil’s G20 shine - The Economist (fevereiro 2024)

 A matéria abaixo é da Economist de FEVEREIRO DE 2024!!!

Não temos ideia de que tenha havido algum progresso. Lula já decidiu que Brasil ele quer? Parece que sim, já escolheu o seu lado, e não é obviamente o do Ocidente ou de outros países médios...

The Americas | Bringing back Brazil
Lula’s gaffes are dulling Brazil’s G20 shine
Its relationships with the West are healing. But Brazil has not decided what kind of country it will be
The Economist, Feb 27th 2024
São Paulo

            The summit is not until November, but the meetings have already begun. Foreign ministers arrived in Rio de Janeiro on February 21st to inaugurate Brazil’s presidency of the G20, an intergovernmental talking shop for countries representing over 80% of global GDP. Finance ministers and central-bank governors held their own opening pow-wow in São Paulo on February 28th and 29th. Brazil’s president, Luiz Inácio Lula da Silva (known as Lula), aims to use his year at the helm of the G20 to convince the world of his most repeated promise, that “Brazil is back”.
        The world’s ninth-largest economy spent four years prior to Lula’s inauguration as something of an international pariah. His predecessor, far-right populist Jair Bolsonaro, allowed destructive development of the Amazon rainforest and aligned himself with autocrats. He told Brazilians to “stop being a country of sissies” during the covid-19 pandemic, urged them to take hydroxychloroquine, a malaria drug, and speculated that vaccines might cause AIDS (they do not). Mr Bolsonaro made few international trips and pulled out of hosting COP25, the UN’s climate summit.
        After being in power between 2003 and 2010, the first year of Lula’s third term in office has, for the most part, been a repudiation of conspiracy and insularity. He has already made 27 foreign trips, more than Mr Bolsonaro did through his entire term, including to the G7 in Japan, the UN General Assembly in New York, and high-profile bilateral visits to Washington and Beijing.
        Relations with the United States have improved, even if more in terms of goodwill than substantive cooperation. Lula and President Joe Biden have bonded over attacks on government buildings by their predecessors’ followers, and their shared support for labour rights. Brazilian officials want to emulate Mr Biden’s industrial policy.         Speaking in Rio on February 21st, Antony Blinken, America’s secretary of state, proclaimed that ties between the two countries were “stronger than ever”.

        Economic revival after a decade-long slump has lent Lula more heft. Analysts initially reckoned GDP might grow by just 0.8% in 2023, the year he took office. Official figures, due to be published as The Economist went to press, are expected to show it grew by 3%. Growth is likely to slacken in 2024 due to a weak harvest, but Elijah Oliveros-Rosen of S&P, a ratings agency, thinks Brazil is relatively well placed for strong performance

Gift of the gaffe
        The most generous interpretation is that remarks of this kind are a cynical ploy to galvanise the leftist base of Lula’s Workers’ Party. Even if that is working, it is having severe side-effects. As well as irking Western allies, Lula has forged common ground on which Brazil’s right wing and alienated centrists have come together.
        On February 25th Mr Bolsonaro called on his followers to march in São Paulo against an investigation into his role in the events of January 8th 2023, when his supporters attempted to overturn the results of the presidential election. Mr Bolsonaro and thousands of his fans, many of whom are evangelical Christians who support Israel, arrived at the march draped in Israeli flags. Senators and congressmen who had been attempting to avoid association with Mr Bolsonaro felt compelled to show up in the wake of Lula’s outburst.
        These inconsistencies risk weakening the overall effect of Lula’s foreign policy, says Rubens Ricupero, a former Brazilian ambassador. Lula wants Brazil to be all things to all people: a friend of the West and a leader of the global south, a defender of the environment and a global oil power, a promoter of peace and an ally for autocrats. Brazil may well be back, but the part it is playing on the world stage is murkier than it should be.


Os autores do Plano Real mereceriam um Prêmio Nobel - Tony Volpon (artigo de 2024)

Por que o Plano Real funcionou? 

Nunca houve na história saída tão indolor de um processo de quase hiperinflação crônica.

Por Tony Volpon*

Artigo publicado em 22/03/2024


Como já defendi várias vezes nas redes sociais, os idealizadores e gestores do Plano Real merecem um prêmio Nobel de Economia e, se não fosse o viés americano/europeu nas escolhas, não duvido que ganhariam. Nunca houve uma saída tão indolor de um processo de quase hiperinflação crônica na história econômica.

Acho que não deve haver dúvidas ou questionamentos que o plano também teve enorme importância social, dado que o acesso a "tecnologias de indexação" dependia do nível de renda, com os mais ricos ganhando - e bastante - com a "ciranda financeira" e os mais pobres pagando a conta. Realmente nunca houve, de uma vez só, um ato que distribuiu tanta renda.

Também não devemos debater (como aconteceu nas redes) "quem merece" os louros do sucesso do plano. Houve personagens centrais - como obviamente Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco - e personagens mais periféricas, mas que deram sua contribuição, como Marcílio Marques Moreira. Também tivemos vários que lutaram contra o plano. O Real foi uma obra coletiva.

Queria aqui endereçar um ponto consensual na narrativa sobre o Plano Real que eu acho exatamente ao contrário da verdade: que o Real elegeu FHC presidente.

A tese parece óbvia: o Real foi um sucesso, houve um "boom" inicial de consumo (não tão intenso ou insustentável como no Cruzado, mas ainda assim um "boom"), e assim FHC facilmente venceu Lula.

Enquanto cronologicamente isso foi verdade, olhando a lógica econômica do plano, vemos que foi exatamente o contrário.

O ponto chave - e mais crítico e frágil - do Plano Real era a passagem do "inflacionado" indexador URV para o que se desejava, uma estável nova moeda.

A instituição da URV resolvia um dos grandes problemas dos planos de estabilização anteriores: o desequilíbrio de preços relativos quando se tentou congelar os preços para frear a inflação inercial.

Se, por exemplo, no momento do congelamento o valor dos salários estivesse "no pico", quando houvesse o eventual descongelamento haveria uma inflação "residual" para ajustar a relação salários/preços. Apesar de ser um ajuste de preços relativos, o ajuste apareceria como inflação, recomeçando tudo de novo (com novo agravante: as remarcações preventivas devido aos temores de futuros congelamentos).

A URV permitiu a negociação e coordenação via mecanismo de mercado (e não "tablitas" e outros mecanismos de controle central) dos preços relativos. Esse problema já era reconhecido em uma publicação conjunta de 1986 de Pérsio Arida e André Lara Resende, a contribuição teórica mais importante para o Plano.

Mas a URV não resolvia o problema do "lastro" da nova moeda, um problema grave, especialmente quando era óbvio que a arrecadação do governo deveria cair com o fim do imposto inflacionário (a despeito do "Fundo Social de Emergência"), piorando o déficit fiscal, o que de fato aconteceu - até o segundo mandato o governo FHC teve déficits primários.

Enquanto hoje muitos lembram as críticas ao plano pela esquerda (por exemplo, Maria da Conceição Tavares), houve várias críticas ortodoxas antevendo o fracasso do Real pela falta de um ajuste fiscal estrutural prévio. Exemplo: Sérgio Werlang e Rubens Cysne publicaram artigo na "Folha de S. Paulo", em janeiro de 1994, intitulado "Esqueçam a URV", no qual escreveram: "O governo errou... por ter desperdiçado os últimos sete meses sem o necessário detalhamento dessas reformas...se o governo não foi capaz de conter a inflação com uma moeda, como poderia combatê-la com duas?".

A equipe econômica sabia disso. Foi a razão para que no lançamento do Real houvesse a tentativa de impor várias âncoras ao mesmo tempo: alta de juros com apreciação cambial (o Real nasceu flutuante) e metas de crescimento da oferta monetária.

Mas é óbvio que, como se viu em planos anteriores, tais âncoras "nominais" deveriam fracassar se não houvesse mudanças estruturais na política econômica.

Como vimos, grande parte do debate foi sobre a natureza dessas mudanças. Muitos - até aqueles da equipe econômica - argumentaram que elas deveriam acontecer antes do lançamento do Real - que sem um ajuste fiscal/estrutural prévio, a inflação voltaria. O que FHC apostou foi que a expectativa de mudanças em um momento de desordem política pós-impeachment seria o suficiente para lastrear o Real.

Veja o que FHC disse em 1998: "Ninguém acreditava que fosse possível acabar com a inflação num governo de transição... Só eu achava... Começou a discussão, entre nós, e a equipe achava que não dava... Diziam que era preciso ter controle sobre o Banco do Brasil, a Caixa Econômica... eu achava o contrário.... Dizia: "vocês estão rigorosamente equivocados. A única possibilidade de pôr ordem no orçamento é aproveitar que o Congresso está uma desordem... Portanto, só pode passar numa situação caótica, em que não haja força política organizada".

FHC, estudante de Maquiavel, entendeu que não era nenhum utópico "pacto político" - muito defendido na época pela esquerda - que levaria à estabilização, mas sim a rápida implementação do plano em um momento de desordem do establishment político, gerando a expectativa de eleição de um governo reformista dando lastro ao Real.

E a aposta - genial e perigosa - deu certo! A perspectiva de reformas lastreou o Real, o que levou a um "boom" inicial, que ajudou a eleger FHC. O Plano Real foi um perfeito exemplo de uma "profecia autorrealizável".

 

*Tony Volpon foi diretor do Banco Central do Brasil e é atualmente professor-visitante da George Washington University, em Washington D.C.

Bolsonaro não vale uma missa - Editorial Estadão

Bolsonaro não vale uma missa

Os partidos devem refletir se vale a pena ampliar as tensões institucionais, paralisando o País neste momento importante, só para livrar da cadeia um desqualificado como o ex-presidente
Editorial Estadão, Notas & Informações, 10/09/2025

Ao aceitar pagar o preço de se converter ao catolicismo para ser coroado rei da França, o protestante Henrique de Navarra, em 1593, saiu-se com esta: “Paris bem vale uma missa”. E Jair Bolsonaro, vale uma missa?

Em outras palavras: vale a pena ampliar as tensões institucionais e paralisar o avanço de projetos importantes para o Brasil só para tentar livrar da cadeia um completo desqualificado como Bolsonaro?

Parte considerável do establishment político parece considerar que sim. Bolsonaro é muito útil para essa turma, pois desde as eleições de 2018 provou-se capaz de eleger muita gente só ao abrir a boca e declarar apoio. Nem sempre foi assim: recorde-se que na campanha de 2018, mesmo aparecendo bem nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro teve de se abrigar num partido nanico, o PSL, para disputar a Presidência, porque a maior parte do Centrão estava na coligação do tucano Geraldo Alckmin, que terminou o primeiro turno com vergonhosos 5% dos votos. Antes visto como tóxico, Bolsonaro, após o estrondoso triunfo de 2018, passou a ser tido como a grande liderança de uma direita que até então não se assumia publicamente como tal. Não é algo trivial, num país em que chamar alguém de direitista era (e para muita gente continua a ser) equivalente a xingar de reacionário e golpista.

Bolsonaro, portanto, foi uma espécie de libertação. Deu corpo e voz a uma multidão de eleitores que gostariam de se assumir orgulhosamente de direita e não tinham representantes na política tradicional que refletissem essa aspiração. Os partidos invertebrados que farejam o poder logo perceberam que havia um grande mercado do voto pronto para ser conquistado, e Bolsonaro era o produto ideal: boquirroto, indiferente a partidos e saudoso da ditadura militar – considerada uma “era de ouro” que precisava ser resgatada antes que a baderna esquerdista terminasse de destruir o Brasil. Quando se provou extremamente competitivo contra o demiurgo Lula da Silva e o poderoso PT, Bolsonaro ganhou status de “mito”, que conserva até hoje.

O problema de ganhar uma eleição para presidente, contudo, é que o vencedor precisa governar, e Bolsonaro até então havia sido apenas um deputado do baixíssimo clero que só administrava os lucrativos negócios da família com rachadinhas e compra e venda de imóveis em dinheiro vivo. Sem qualquer experiência executiva e sem nenhum cacoete democrático, Bolsonaro não passou de um histrião, incapaz de articular qualquer pensamento coerente para conduzir o Brasil. O resultado disso foi um governo desastroso, irresponsável durante a pandemia e que não entregou quase nada do que prometeu, notabilizando-se apenas pelas crises institucionais que criou. De quebra, ressuscitou Lula da Silva.

Sua grande marca no governo foi o golpismo, do qual resultaram os planos para se aferrar ao poder com a ajuda de militares, culminando no famigerado 8 de Janeiro. Só isso deveria bastar para desmoralizar Bolsonaro perante os partidos que, malgrado tenham lucrado muito ao se associarem ao ex-presidente, bem ou mal precisam da plena democracia para existir e atuar. Hoje, estar com Bolsonaro equivale a considerar a ruptura democrática como algo moralmente aceitável.

Definitivamente, Bolsonaro não vale essa missa. Mas, ao que consta, ganhou impulso a pressão política pela aprovação de uma anistia ao ex-presidente, ao mesmo tempo que cresce no Congresso a ameaça de emparedar ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pretende-se perdoar um golpista declarado, que nada de bom fez para o País, e punir os magistrados que, malgrado seus abusos e erros, fizeram seu trabalho em defesa da democracia.

Aqui não cabe ingenuidade: nenhum dos empenhados em livrar Bolsonaro e em constranger o Supremo está minimamente interessado em preservar a democracia e as liberdades. O que eles querem é conservar o potencial eleitoral que a marca Bolsonaro representa – e, de quebra, impedir que o Supremo complique a vida dos muitos parlamentares que se lambuzam de emendas ao Orçamento sem prestar contas a ninguém.

Eu adoro discorrer sobre as balanças de poder, sobretudo as novas, como esta...

 


Onde está a oposição moderada? - Ação e reação - Marcelo Guterman

 

Ação e reação

O jornalista Marcelo Godoy é mais um que já está rouco de tanto clamar por uma “direita moderada”. O desespero é tanto que Godoy lista até Ciro Gomes no rol de “políticos moderados”, talvez porque ele fale mal tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Mas, convenhamos, chamar Ciro de “moderado” é a própria definição de contradição em termos.

Mas voltemos ao leito do rio principal. A questão sempre omitida nesse clamor por uma “direita anti-bolsonarista” é que Bolsonaro foi somente uma reação à extrema-esquerda representada pelo PT.

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Alguns podem estranhar o termo “extrema-esquerda” aplicada ao PT. Afinal, a esquerda somente seria “extrema” no caso de partidos nanicos como PSTU ou PCO ou mesmo o PSOL. Eu diria que esses partidos são mais folclóricos do que radicais. Em outras palavras, o seu radicalismo é caricato. “Extrema” mesmo, operacional, é o PT.

Durante duas décadas, houve a impressão de que o PT era a esquerda e o PSDB era a direita brasileira, mas ambos mais ao centro do espectro ideológico. À esquerda do PT havia os partidos folclóricos, enquanto à direita do PSDB havia… o nada, o que permitiu ao PT levar adiante esse jogo de ilusão de ótica. Não à toa, nessa época os petistas chamavam os tucanos de “fascistas”.

O truque se desfez como uma bolha de sabão com o surgimento de Bolsonaro. Os tucanos voaram para o ninho petista, FHC apertou a mão de Lula e Alckmin, tucano histórico, cantou a Internacional Socialista. O fato é que, nesses anos todos, nunca houve uma direita política. Houve uma centro-esquerda (os tucanos) e o PT mais à esquerda. A esquerda da esquerda é chamada de extrema-esquerda. CQD.

Em reação a essa extrema-esquerda surge uma extrema-direita, personificada em Bolsonaro. Para que haja espaço para os moderados da direita, é necessário que haja espaço para os moderados da esquerda. Mas procure artigos e editoriais clamando por políticos à esquerda que se descolem de Lula. Eles até existem, mas não têm, obviamente, nenhuma chance eleitoral. É o beneplácito de Lula que atrai votos, como se viu em 2018, quando um poste desconhecido foi ao 2o turno.

Adoraria ter um segundo turno, por exemplo, entre Eduardo Leite e Kim Kataguire. Um de esquerda, outro de direita, ambos críticos tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Mas a vida real não é assim. Enquanto a esquerda estiver dominada por Lula e seus extremistas, a direita estará dominada por Bolsonaro e seus extremistas. Ação e reação, como diria Newton.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

Vamos resumir a história —Paulo Roberto de Almeida

Vamos resumir a história:

Donald já tinha estado na URSS em 1987, com sua primeira mulher (descontando todas as outras, até garotas), e parece que gostou das oportunidades imobiliárias. Voltou em 2013, e foi aí que um ex-oficial do KGB, convertido em patrão do FSB, transformou-o não só em um ativo fácil de manipular — e não só pelo dinheiro, mas jamais por ideologia —, mas igualmente em um aspirante controlado e direcionado à disputa à Casa Branca em 2016.

Foi o mais fantástico e barato dos investimentos feitos em assets russos em toda a história das relações bilaterais: algumas poucas dezenas de milhões de dólares, repassados por meio de bilionários cleptocratas circulando em volta do cleptocrata maior do Kremlin.

O investimento pagou, justamente logo após a invasão e anexação ilegais da península ucraniana da Crimeia, um aperitivo para a operação militar especial em 2022, mesmo tendo o incômodo de ter perdido por algum tempo o controle da Casa Branca, a despeito da tentativa desesperada de mantê-la, mesmo ao custo de uma insurreição teleguiada em 2021.

Finalmente, o investimento se mostrou ainda mais rentável com o retorno do querido amigo, em 2025, ao centro decisório do império em declinio. 

Tudo parece rodar na mais perfeita paz (ops), na mais cruel das guerras desde 1945, só faltando mesmo aquele maldito Prêmio Nobel que não parece dar as caras. Não tem importância: os próximos negócios na Rússia e em Gaza devem trazer grandes compensações financeiras, maiores, em todo caso do que qualquer premiozinho norueguês.

Pelo resumo da história:

Paulo Roberto de Almeida

(Um inventor de histórias)

Brasília, 10/09/2025


Revista del Ateneo de Ciencias Sociales de Argentina: homenaje a Rubens Ricupero como miembro de honor



O número da revista do Ateneo de Ciencias Sociales de Argentina que tem a homenagem especial ao embaixador Rubens Ricupero como membro de honra:

embaixador-rubens-ricupero-activity-7371368501720207360-_PIs?utm_source=share&utm_medium=member_desktop&rcm=ACoAADvGb-YB3aIKFxJR1BfHwXX5pt2aw8-giDA


terça-feira, 9 de setembro de 2025

Independência e a política externa - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

Independência e a política externa
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma ‘potência transatlântica’
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 9/09/2025

No dia 29 de agosto, há 200 anos, Portugal reconheceu a Independência do Brasil.
Um dos objetivos da revolução liberal do Porto, em 1820, estimulada pela elite portuguesa, foi forçar a volta de D. João VI e restabelecer o reinado controlado por Lisboa. Seu filho, Dom Pedro, decidiu ficar no Brasil, rebelando-se contra as Cortes (Parlamento), e em 7 de setembro de 1822 proclamou a separação de Portugal.
O processo de Independência do Brasil foi difícil em razão da tentativa das Cortes do Porto de manter o País como colônia portuguesa. A consolidação da Independência não foi pacífica, em vista das sucessivas revoltas estimuladas e financiadas pelas Cortes, com intenção de dividir o País em dois: toda a Região Norte e Nordeste até Minas Gerais continuaria sob o domínio de Lisboa, e o Sul do País permaneceria independente. As revoltas no Pará, Jenipapo, no Piauí, no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia tinham esse objetivo.
Pouco depois da derrota do exército português na Bahia, em 2 de julho de 1823, Portugal e Brasil assinaram, em 29 de agosto de 1825, o tratado que oficializou o reconhecimento da Independência brasileira. O acordo contou com a mediação da Grã-Bretanha, que teve papel decisivo nas negociações.
O reconhecimento do Brasil como país independente, a integridade territorial, a afirmação de sua soberania e a formulação dos princípios básicos da política externa, independente de Portugal, foram alguns aspectos iniciais da ação externa do novo país, mesmo enquanto havia a tentativa de organização de forças de Portugal e Espanha para continuar a manter o Brasil como Reino unido a Portugal.
A relação com a Grã-Bretanha foi dominante nas primeiras décadas depois da Independência e das mais difíceis para a diplomacia imperial brasileira: o esforço para o reconhecimento da Independência (depois de várias tentativas das Cortes de buscar o apoio de Londres contra a separação), para manter uma esquadra estacionada na Bahia para manter a separação de Portugal, para evitar a concessão de novos empréstimos leoninos ao Brasil e, sobretudo, a questão da escravidão, pela pressão britânica para o Império pôr fim ao tráfico de escravos. Apesar dessas questões e da pressão das Cortes, o governo de Londres, de forma pragmática, atendendo a seus interesses comerciais e financeiros, também assinou o Tratado Portugal-Brasil e reconheceu, na mesma data, a Independência do novo Estado, garantindo a integridade territorial brasileira e a continuidade de seus privilégios junto à ex-colônia (renovação em 1827 do acordo de comércio, concessão do primeiro empréstimo internacional) e pela promessa de proteção e fornecimento de material bélico e embarcações. A estreita relação política e comercial com a Grã-Bretanha, que colocou o Brasil quase na condição de um protetorado, teve na questão do tráfico de escravos por mais de 40 anos o maior trabalho da diplomacia para contornar compromissos não cumpridos, tornando os entendimentos com a Grã-Bretanha crescentemente tensos.
Outro relacionamento central no Império foi com os EUA. A história oficial no Brasil registra um equívoco no tocante ao início do relacionamento com os EUA. Dá-se como pacífico que o reconhecimento ocorreu em 1824, com o governo Monroe. Repete-se, inclusive, que os EUA foram o primeiro país a reconhecer a Independência do Brasil. Na realidade, há um duplo equívoco. A Independência só foi oficialmente reconhecida em Washington por um tratado assinado entre o Brasil e os EUA em fins de 1825, depois do reconhecimento de Portugal e da Grã-Bretanha. A razão desse erro histórico talvez resida no fato de o credenciamento do primeiro encarregado de negócios do Brasil em Washington, José Silvestre Rebelo, ter ocorrido em maio de 1824. Rebelo recebeu instruções detalhadas de que tinha como missão obter o reconhecimento da nossa Independência por Washington, visto que o governo norte-americano não reconhecia a Independência brasileira. Na realidade, o primeiro país a reconhecer a Independência não foi nem Portugal, nem os EUA, nem a Grã-Bretanha, foi a Argentina, em 1823, por razões relacionadas com a disputa pela Província Cisplatina, hoje Uruguai.
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma “potência transatlântica” que não poderia aceitar subordinação aos interesses de potências estrangeiras, principalmente europeias, que, por seu poderio econômico e militar, eram as principais ameaças à consolidação do Brasil independente. Já nesse início da autonomia em relação a Portugal, a política externa, comandada por José Bonifácio, atuava com um pensamento mais amplo procurando projetar os interesses do País em várias áreas. O essencial para a política externa do novo país era manter a unidade territorial e a soberania. Para isso, trabalhou para equipar as forças de defesa para resistir a alguns focos de resistência à Independência, de modo a defender efetivamente o território nacional e para desenvolver uma ação diplomática que procurasse preservar a autonomia decisória nacional.
Salve a política externa da Independência.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/independencia-e-a-politica-externa/

Restabelecendo a verdade histórica - Paulo Roberto de Almeida

Restabelecendo a verdade histórica

Paulo Roberto de Almeida

Duas “comemorações” totalmente equivocadas, pelos “80 anos de vitórias” contra a agressão fascista, derrotada em 1945, nos eventos organizados em Moscou, em maio, e em Beijing, em agosto, com a presença, na primeira, do presidente brasileiro, e, na segunda, do seu assesdor internacional. 

A comemoração de maio “esquece” que a segunda guerra mundial começou justamente pela aliança entre a URSS e a Alemanha nazista desde 1939, que só terminou com a traição e invasão brutal da primeira por esta última em 1941.

A comemoração dos 80 anos em Beijing “esquece” que a RPC não existia em 1945 e que a vitória sobre o Japão foi obtida com ajuda feita pelo Reino Unido e pelos EUA à República da China e aos guerrilheiros do PCC. 

Taiwan, diga-se de passagem, nunca pertenceu à soberania da RPC, tendo sido uma província do Império do Meio conquistada pelo Japão em 1870 e “devolvida” à RC em 1945. 

Certos fatos históricos não deveriam ser esquecidos.

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 9/09/2025


Meu posicionamento pessoal sobre o discurso diplomático de Lula no dia 8 de setembro de 2025 - Paulo Roberto de Almeida

Meu posicionamento pessoal sobre o discurso diplomático de Lula no dia 8 de setembro de 2025

Paulo Roberto de Almeida

O presidente Lula usou a cúpula virtual do Brics, em 8 de setembro de 2025, para expor, de forma abrangente, a posição do Brics com respeito aos principais problemas da atualidade internacional, com isso reiterando, ademais da postura da diplomacia brasileira sobre esses problemas, os posicionamentos da Rússia e da China sobre as mesmas questões. 

É certo que as turbulências atuais vêm sendo causadas por um presidente notoriamente despreparado para encaminhar essas questões com base no multilateralismo, no diálogo e na cooperação entre Estados soberanos, mas os grandes problemas não começaram em sua segunda gestão, sequer na primeira, cuja efetivação teve como origem a interferência de uma grande potência nos assuntos internos dos EUA, a mesma potência que está na origem da crise atual do sistema internada, que é a Rússia de Putin. 

Em nenhum momento, o discurso de Lula se refere à fonte primacial da crise atual do sistema multilateral, que  remetem à invasão e anexação ilegais da península ucraniana da Crimeia, em 2014, por forças clandestinas da Rússia, ou à invasão geral do território da Ucrânia pela Rússia em 2022, outra grave violação da Carta da ONU e do Direito Internacional.

Ao contrário, o discurso de Lula incorpora totalmente as posições de Putin sobre esse grave atentado à paz e à segurança internacionais, como se depreende do parágrafo abaixo, totalmente condizente com as escusas inaceitáveis da Rússia sobre sua grave violação da Carta da ONU:


“No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.”


Todas as demais propostas feitas no discurso de Lula correspondem a posicionamentos amplamente coincidentes com a visão chinesa das relações internacionais, sobretudo a de considerar que o BRICS “já é o novo nome da defesa do multilateralismo”, o que infelizmente não corresponde à realidade da crise atual do sistema internacional.

As posições de política externa do presidente Lula, mas não apenas em relação à grave crise atual do sistema multilateral da ONU, estão, conceitualmente e operacionalmente, distantes do que recomendariam os padrões habituais de atuação da diplomacia profissional brasileira. As dissonâncias e divergências entre uma e outra são profundas e persistentes, em função de concepções inadequadas e incompatíveis com a história e as tradições da diplomacia brasileira.

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 9/09/2025


Discurso do presidente Lula na Cúpula Virtual do BRICS

 

Discurso do presidente Lula na Cúpula Virtual do BRICS

Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula Virtual do BRICS, em 8 de setembro de 2025

Na Cúpula do Rio de Janeiro, mostramos que o BRICS é capaz de aportar soluções concretas para os dilemas enfrentados pela humanidade.

Aprovamos decisões importantes em matéria de mudança do clima, saúde global, governança da inteligência artificial e integração econômico-comercial.

Passados apenas dois meses, vivemos um momento de crescente instabilidade.

Está cada vez mais claro que a crise de governança não é uma questão conjuntural.

Os pilares da ordem internacional criada em 1945 estão sendo solapados de forma acelerada e irresponsável.

A Organização Mundial do Comércio está paralisada há anos.

Em poucas semanas, medidas unilaterais transformaram em letra morta princípios basilares do livre-comércio como as cláusulas de Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional.

Agora assistimos ao enterro formal desses princípios.

Nossos países se tornaram vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais.

A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas.

A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições.

Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos.

Dividir para conquistar é a estratégia do unilateralismo.

Cabe ao BRICS mostrar que a cooperação supera qualquer forma de rivalidade.

Regras e normas mutuamente acordadas são essenciais para o desenvolvimento.

O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo.

Possuímos inúmeras complementaridades econômicas.

Juntos, representamos 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial.

Temos entre nós grandes exportadores e consumidores de energia.

Reunimos as condições necessárias para promover uma industrialização verde, que gere emprego e renda em nossos países, sobretudo nos setores de alta tecnologia.

Reunimos 33% das terras agricultáveis e respondemos por 42% da produção agropecuária global.

O Banco do BRICS contribui de forma crescente na diversificação de nossas bases econômicas e na promoção de uma transição justa e soberana.

Temos, portanto, a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento.

Para isso, precisamos chegar unidos na 14ª Conferência Ministerial da OMC no próximo ano, no Cameroun.

Caros amigos,

Quando o princípio da igualdade soberana dos estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum.

A solução pacífica de controvérsias dá lugar a condutas belicosas.

Sem amparo no direito internacional, os fracassos vivenciados no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria voltarão a se repetir. 

No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.

O encontro no Alasca e seus desdobramentos em Washington são passos na direção correta para pôr fim a esse conflito.

A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir por meio da promoção do diálogo e da diplomacia.

A decisão de Israel de assumir o controle da Faixa de Gaza e a ameaça de anexação da Cisjordânia requer nossa mais firme condenação.

É urgente colocar fim ao genocídio em curso e suspender as ações militares nos Territórios Palestinos.

O Brasil decidiu entrar como parte na ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça.

Reiterar o compromisso com a Solução de Dois Estados estará no centro da atuação brasileira na Conferência de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina.

No vazio de tantas crises não solucionadas, o terrorismo continua a assombrar a humanidade. O Brasil repudiou o sequestro e assassinato de inocentes pelo Hamas, bem como os atentados na Caxemira. 

Sabemos que o terrorismo não está associado a nenhuma religião ou nacionalidade.

Também não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam.

São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional.

A América Latina e o Caribe fizeram a opção, desde 1968, por se tornar livres de armas nucleares. Há quase 40 anos somos uma Zona de Paz e Cooperação.

A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região.

Caros amigos,

Em duas semanas, estaremos reunidos em Nova York para a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

Será oportunidade para falarmos com uma só voz em defesa de um multilateralismo revigorado.

Devemos avançar na ampliação do Conselho de Segurança, incorporando novos membros permanentes e não permanentes da América Latina, da África e da Ásia.

Outra lacuna central na arquitetura multilateral refere-se ao âmbito digital.

Sem uma governança democrática, projetos de dominação centrado em poucas empresas de alguns países vão se perpetuar.

Sem soberania digital, seremos vulneráveis à manipulação estrangeira.

Isso não significa fomentar um ambiente de isolacionismo tecnológico, mas fomentar a cooperação a partir de ecossistemas de base nacional, independentes e regulados.

O impacto do unilateralismo também é grave na esfera ambiental.

Os países em desenvolvimento são os mais impactados pela mudança do clima. 

A COP30, em Belém, será o momento da verdade e da ciência.

Além de trabalhar pela descarbonização planejada da economia global, podemos utilizar os combustíveis fósseis para financiar a transição ecológica.

Precisamos de uma governança climática mais forte, capaz de exercer supervisão efetiva.

O Brasil convida seus parceiros do BRICS a considerar a criação de um Conselho de Mudança do Clima da ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje se encontram fragmentados.

Chamo a atenção para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que queremos lançar na COP30, com o objetivo de remunerar os serviços ecossistêmicos prestados ao planeta.

O Sul Global tem condições de propor outro paradigma de desenvolvimento e de refutar uma nova Guerra Fria.

A futura presidência indiana do BRICS contará com todo o apoio do Brasil para seguir na defesa desses ideais.

A Cúpula do G20, sob a presidência sul-africana, também será espaço para um diálogo abrangente sobre os possíveis caminhos para a ordem internacional.

O unilateralismo jamais conduzirá à realização dos propósitos de paz, justiça e prosperidade que nossos antecessores delinearam em 1945.

O BRICS já é o novo nome da defesa do multilateralismo.

Muito obrigado.

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...