Não creio que os cubanos estejam se divertindo com este remake. Já não diria que eles temem ficar no sol por 5 ou 6hs ouvindo discursos inúteis, mas quando eles pensavam que já estavam livres de um dos hermanos, e prontos para entrar numa nova era, eis que a múmia retorna para infernizar as suas vidas...
Paulo Roberto de Almeida
Fidel Castro warns of nuclear risk in 1st speech to Cuban parliament in 4 years
By Will Weissert
The Washington Post, Sunday, August 8, 2010
Fidel Castro's first government appearance since 2006 raises questions about how much of a leadership role he is ready to reassume.
HAVANA -- A lively and healthy-looking Fidel Castro appealed to President Obama to stave off global nuclear war in an emphatic address to the Cuban parliament Saturday that marked his first official government appearance since emergency surgery four years ago.
Castro, who turns 84 in a week, arrived on the arm of a subordinate who steadied him as he walked. The nearly 600 lawmakers present sprang to their feet and applauded as he took the podium, grinning broadly and waving. "Long live Fidel!" they chanted.
Castro has been warning in opinion columns for months that the United States and Israel will launch a nuclear attack on Iran and that Washington could also target North Korea -- predicting Armageddon-like devastation.
"Eight weeks ago, I thought that the imminent danger of war didn't have a possible solution. So dramatic was the problem that I didn't see another way out," Castro told the National Assembly. "I am sure that it won't be like that and, instead . . . one man will make the decision alone, the president of the United States."
His address, along with a spate of recent appearances after a four-year absence from public view, is likely to raise more questions about how much of a leadership role he is ready to reassume.
The speech lasted barely 11 minutes -- possibly a record for the man who became famous for his hours-long discourses during his 49 years in power.
He took a seat after his speech and was briefly approached by his wife, Delia Soto del Valle. In the past, the couple rarely appeared in public together, but Soto has been seen with Castro more frequently of late.
It was Castro's first appearance in parliament or at a government act since shortly before a health crisis in July 2006 that forced him to cede power to his younger brother Raúl -- first temporarily and then permanently.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 8 de agosto de 2010
Joaquim Nabuco: lancamento de livro sobre sua vida e obra
Um livro de que participei, no capítulo Wisconsin, está sendo lançado proximamente no Rio de Janeiro, conforme convite abaixo.
David K. Jackson (Yale) e Severino Oliveira (Wisconsin), organizadores:
Conferências sobre Joaquim Nabuco (Yale e Wisconsin)
Rio de Janeiro: Editora Bem-te-vi, 2010

Meu capítulo tem este título:
O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Nabuco: uma avaliação de desempenho relativo no plano do desenvolvimento social
Transcrevo os parágrafos iniciais:
A participação de dois grandes países no mundo moderno
O objetivo principal deste ensaio é o de oferecer uma visão comparada do desempenho relativo, em termos de realizações materiais e intelectuais, da sociedade e da economia dos Estados Unidos, por um lado, e do Brasil, por outro, no espaço dos últimos cem anos. O ponto de partida é dado pela releitura da avaliação geral feita pelo Embaixador Joaquim Nabuco sobre a contribuição dos Estados Unidos – uma designação que ele não usa em seu ensaio original, adotando o termo usado pelos próprios americanos, de “América” – à civilização mundial, na sua aula inaugural preparada para a abertura do ano acadêmico de 1909 na Universidade do Wisconsin em Madison.
Em sua ‘Madison lecture’ – cujo título exato é “The Share of America in Civilization”, publicado oportunamente na The American Historical Review (15.1 [1909] 54-65) – Nabuco apresentou o que ele entendia serem as mais importantes contribuições dos Estados Unidos à civilização moderna, que listou assim: imigração, democracia, igualdade de condições sociais para todas as classes da Nação, iniciativa individual, competição e, finalmente, educação, ou melhor, o sistema americano de educação, baseado na autonomia do indivíduo, ou self-reliance. Ele notou, também, o papel da ciência e da inovação no desenvolvimento da civilização contemporânea; mas considerou que, naquele momento, os Estados Unidos não estavam totalmente preparados para desafiar as realizações européias nesses terrenos.
No que se refere ao Brasil e a América Latina, ele comentou, en passant, que os países ibéricos ainda não estavam preparados para desempenhar um grande papel na disseminação da civilização: “É ainda muito cedo para falar da parte reservada à América Latina na história. Ainda não nos foi dada a ordem para entrar no palco; as peças de Deus são muito longas; seus atos são eras inteiras.” (Nabuco, “The Share…”, p. 64). Ele reconhecia as dificuldades que enfrentavam esses países, referiu-se a algumas de suas contribuições, como a participação na Segunda Conferência da Paz da Haia e o vôo de Santos-Dumont, e elogiou a postura pacifista da Constituição brasileira de 1891, única no mundo ao recusar a guerra de conquista.
Este ensaio examinará o ponto de partida dos Estados Unidos e do Brasil, no momento da independência, seguirá seus respectivos processos de desenvolvimento econômico ao longo do século 19 – testemunhado por Nabuco – e estenderá essa avaliação para os cem anos seguintes ao seu discurso. Obviamente, taxas de crescimento do PIB e indicadores nacionais de renda per capita representam abordagens parciais, incompletas e insuficientes aos caminhos divergentes de modernização seguidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil durante o “longo século 20”, isto é, aquele que se estende da última década do século anterior até nossa própria época. Provavelmente, mais importante do que as realizações materiais foram: a construção institucional, ou seja, a qualidade da democracia; a natureza meritocrática do sistema educacional, que premia o desempenho individual e a competição saudável; e aquele traço de caráter e de organização institucional especificamente Anglo-Saxão, que sequer possui um equivalente hispânico, chamado accountability (prestação de contas, ou ‘responsabilização’ no desempenho de qualquer cargo público).
David K. Jackson (Yale) e Severino Oliveira (Wisconsin), organizadores:
Conferências sobre Joaquim Nabuco (Yale e Wisconsin)
Rio de Janeiro: Editora Bem-te-vi, 2010

Meu capítulo tem este título:
O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Nabuco: uma avaliação de desempenho relativo no plano do desenvolvimento social
Transcrevo os parágrafos iniciais:
A participação de dois grandes países no mundo moderno
O objetivo principal deste ensaio é o de oferecer uma visão comparada do desempenho relativo, em termos de realizações materiais e intelectuais, da sociedade e da economia dos Estados Unidos, por um lado, e do Brasil, por outro, no espaço dos últimos cem anos. O ponto de partida é dado pela releitura da avaliação geral feita pelo Embaixador Joaquim Nabuco sobre a contribuição dos Estados Unidos – uma designação que ele não usa em seu ensaio original, adotando o termo usado pelos próprios americanos, de “América” – à civilização mundial, na sua aula inaugural preparada para a abertura do ano acadêmico de 1909 na Universidade do Wisconsin em Madison.
Em sua ‘Madison lecture’ – cujo título exato é “The Share of America in Civilization”, publicado oportunamente na The American Historical Review (15.1 [1909] 54-65) – Nabuco apresentou o que ele entendia serem as mais importantes contribuições dos Estados Unidos à civilização moderna, que listou assim: imigração, democracia, igualdade de condições sociais para todas as classes da Nação, iniciativa individual, competição e, finalmente, educação, ou melhor, o sistema americano de educação, baseado na autonomia do indivíduo, ou self-reliance. Ele notou, também, o papel da ciência e da inovação no desenvolvimento da civilização contemporânea; mas considerou que, naquele momento, os Estados Unidos não estavam totalmente preparados para desafiar as realizações européias nesses terrenos.
No que se refere ao Brasil e a América Latina, ele comentou, en passant, que os países ibéricos ainda não estavam preparados para desempenhar um grande papel na disseminação da civilização: “É ainda muito cedo para falar da parte reservada à América Latina na história. Ainda não nos foi dada a ordem para entrar no palco; as peças de Deus são muito longas; seus atos são eras inteiras.” (Nabuco, “The Share…”, p. 64). Ele reconhecia as dificuldades que enfrentavam esses países, referiu-se a algumas de suas contribuições, como a participação na Segunda Conferência da Paz da Haia e o vôo de Santos-Dumont, e elogiou a postura pacifista da Constituição brasileira de 1891, única no mundo ao recusar a guerra de conquista.
Este ensaio examinará o ponto de partida dos Estados Unidos e do Brasil, no momento da independência, seguirá seus respectivos processos de desenvolvimento econômico ao longo do século 19 – testemunhado por Nabuco – e estenderá essa avaliação para os cem anos seguintes ao seu discurso. Obviamente, taxas de crescimento do PIB e indicadores nacionais de renda per capita representam abordagens parciais, incompletas e insuficientes aos caminhos divergentes de modernização seguidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil durante o “longo século 20”, isto é, aquele que se estende da última década do século anterior até nossa própria época. Provavelmente, mais importante do que as realizações materiais foram: a construção institucional, ou seja, a qualidade da democracia; a natureza meritocrática do sistema educacional, que premia o desempenho individual e a competição saudável; e aquele traço de caráter e de organização institucional especificamente Anglo-Saxão, que sequer possui um equivalente hispânico, chamado accountability (prestação de contas, ou ‘responsabilização’ no desempenho de qualquer cargo público).
Uma revista de historia dos tempos presentes - França
Chronique
Le contemporain, objet d'histoire
Thomas Wieder
Le Monde, 06.08.2010
En ouverture du premier numéro, en janvier 1984, la question posée était claire : "Que voulons-nous ?" La réponse tout autant : "Faire une revue du contemporain." En deux phrases, l'essentiel était dit : l'aventure de Vingtième siècle pouvait commencer. Vingt-six ans plus tard, elle se poursuit, et il n'est pas exagéré de dire que cette publication trimestrielle éditée par les Presses de Sciences Po et qui compte un peu moins de 1 000 abonnés est devenue une petite institution.
Une "revue du contemporain" ? Le projet semble aujourd'hui aller de soi. Il l'était beaucoup moins en 1984. A l'époque, l'historien qui s'intéressait à la guerre d'Algérie ou à Mai 68 appartenait à une espèce encore rare. L'histoire, la vraie, la noble, la sérieuse, était celle des siècles passés. Et celui qui voulait faire carrière à l'ombre de Clio n'était guère encouragé par ses maîtres à arpenter un terrain que de nombreux universitaires considéraient, avec dédain, comme tout juste bon à laisser en pâture aux journalistes.
Une telle conception de l'histoire commença à être battue en brèche à partir des années 1960. En 1964, René Rémond (1918-2007) inaugurait à l'université de Nanterre la première "chaire d'histoire du XXe siècle". En 1978, François Bédarida (1926-2001) prenait, au sein du CNRS, la direction du tout nouvel Institut d'histoire du temps présent (IHTP). Au même moment, Pierre Nora créait, à l'Ecole des hautes études en sciences sociales, un enseignement sur le thème "Histoire du présent".
Rétrospectivement, la création de la revue Vingtième siècle, dont le premier rédacteur en chef fut Jean-Pierre Rioux, élève de René Rémond et collègue de François Bédarida à l'IHTP, apparaît donc comme le prolongement logique de ce début d'institutionnalisation de l'histoire contemporaine.
Mais elle correspond aussi au retour en force de l'histoire politique. Dans les années 1950-1960, celle-ci était regardée de haut par la plupart des historiens, qui ne juraient que par l'histoire économique et sociale, celle défendue par une "école des Annales" alors triomphante (du nom de la revue fondée, en 1929, par Marc Bloch et Lucien Febvre).
En 1974, dans un livre piloté par Jacques Le Goff et Pierre Nora (Faire de l'histoire, Gallimard), Jacques Julliard résumait de façon synthétique les reproches faits à l'histoire politique : elle "est psychologique et ignore les conditionnements ; elle est narrative et ignore l'analyse ; elle est idéaliste et ignore le matériel ; elle est idéologique et n'a pas conscience de l'être ; elle est partielle et ne le sait pas davantage ; elle s'attache au conscient et ignore l'inconscient ; elle est ponctuelle et ignore la longue durée ; en un mot, car ce mot résume tout dans le jargon des historiens, elle est événementielle".
Retour du contemporain et du politique : c'est dans cette conjoncture historiographique qu'est né Vingtième siècle. Mais sa création s'inscrit également dans un climat plus général d'engouement pour la discipline historique. En cela, on ne peut isoler sa fondation de celles d'autres périodiques, qu'il s'agisse de magazines grand public (L'Histoire, en 1978, Histoire magazine, en 1980, ou Notre Histoire, en 1984) ou de revues spécialisées (Communisme, en 1982, Sources. Travaux historiques, en 1985, ou Matériaux pour l'histoire de notre temps, la même année).
Depuis sa création, Vingtième siècle a évolué. Nicolas Roussellier, membre du comité de rédaction et auteur d'un article consacré à l'histoire de la revue ("A la fenêtre de Vingtième siècle", no 69, 2001), a ainsi montré que, au fil des années, l'histoire politique avait eu tendance à céder du terrain face à l'histoire culturelle. Cela tient à l'évolution de certains "piliers" de la revue, comme Jean-Pierre Rioux et Jean-François Sirinelli. En 1997, neuf ans après avoir participé à l'ouvrage collectif dirigé par René Rémond sous le titre Pour une histoire politique (Seuil), ils publiaient un plaidoyer Pour une histoire culturelle (Seuil).
Comme le remarque cependant Nicolas Roussellier, la réussite de Vingtième siècle est d'avoir su conjuguer les deux domaines, en consacrant des numéros spéciaux à des thèmes situés à la charnière du politique et du culturel ("Les populismes", en 1997, "Les engagements du XXe siècle", en 1998, "Publicité et propagande", en 2009).
Ces dernières années, Vingtième siècle s'est également davantage ouvert sur l'étranger. Comme le notait Nicolas Roussellier dans son article de 2001, la revue était devenue, entre 1984 et la fin des années 1990, de plus en plus "hexagonale" (dans le comité de rédaction de 1984, les spécialistes de la France étaient 11 sur 19 ; en 2000, ils étaient 24 sur 35).
Depuis le milieu des années 2000, et avec l'arrivée à la tête de la rédaction d'Olivier Wieviorka, professeur à l'Ecole normale supérieure de Cachan et spécialiste de la seconde guerre mondiale, la tendance est à un certain rééquilibrage. Les signatures étrangères sont plus nombreuses. Et les numéros spéciaux consacrés à des problématiques internationales plus fréquents : ("L'Amérique de George W. Bush" et "Aristocraties européennes et césure de la Grande Guerre", en 2008 ; "Proche-Orient : foyers, frontières et fractures", en 2009).
Plus féminine, la revue s'est également rajeunie. Si certains des enfants de la "Rémondie", pour reprendre le terme de Jean-François Sirinelli, sont toujours là (Jean-Jacques Becker, Serge Berstein, Jean-Noël Jeanneney, Pierre Milza, Jean-Pierre Rioux, Michel Winock), une nouvelle génération d'historiens, représentée notamment par Ludivine Bantigny et Quentin Deluermoz, occupe aujourd'hui une place grandissante dans la vie de la revue.
Vingtième siècle. Rédacteur en chef : Olivier Wieviorka. Trimestriel, 20 euros.
Le contemporain, objet d'histoire
Thomas Wieder
Le Monde, 06.08.2010
En ouverture du premier numéro, en janvier 1984, la question posée était claire : "Que voulons-nous ?" La réponse tout autant : "Faire une revue du contemporain." En deux phrases, l'essentiel était dit : l'aventure de Vingtième siècle pouvait commencer. Vingt-six ans plus tard, elle se poursuit, et il n'est pas exagéré de dire que cette publication trimestrielle éditée par les Presses de Sciences Po et qui compte un peu moins de 1 000 abonnés est devenue une petite institution.
Une "revue du contemporain" ? Le projet semble aujourd'hui aller de soi. Il l'était beaucoup moins en 1984. A l'époque, l'historien qui s'intéressait à la guerre d'Algérie ou à Mai 68 appartenait à une espèce encore rare. L'histoire, la vraie, la noble, la sérieuse, était celle des siècles passés. Et celui qui voulait faire carrière à l'ombre de Clio n'était guère encouragé par ses maîtres à arpenter un terrain que de nombreux universitaires considéraient, avec dédain, comme tout juste bon à laisser en pâture aux journalistes.
Une telle conception de l'histoire commença à être battue en brèche à partir des années 1960. En 1964, René Rémond (1918-2007) inaugurait à l'université de Nanterre la première "chaire d'histoire du XXe siècle". En 1978, François Bédarida (1926-2001) prenait, au sein du CNRS, la direction du tout nouvel Institut d'histoire du temps présent (IHTP). Au même moment, Pierre Nora créait, à l'Ecole des hautes études en sciences sociales, un enseignement sur le thème "Histoire du présent".
Rétrospectivement, la création de la revue Vingtième siècle, dont le premier rédacteur en chef fut Jean-Pierre Rioux, élève de René Rémond et collègue de François Bédarida à l'IHTP, apparaît donc comme le prolongement logique de ce début d'institutionnalisation de l'histoire contemporaine.
Mais elle correspond aussi au retour en force de l'histoire politique. Dans les années 1950-1960, celle-ci était regardée de haut par la plupart des historiens, qui ne juraient que par l'histoire économique et sociale, celle défendue par une "école des Annales" alors triomphante (du nom de la revue fondée, en 1929, par Marc Bloch et Lucien Febvre).
En 1974, dans un livre piloté par Jacques Le Goff et Pierre Nora (Faire de l'histoire, Gallimard), Jacques Julliard résumait de façon synthétique les reproches faits à l'histoire politique : elle "est psychologique et ignore les conditionnements ; elle est narrative et ignore l'analyse ; elle est idéaliste et ignore le matériel ; elle est idéologique et n'a pas conscience de l'être ; elle est partielle et ne le sait pas davantage ; elle s'attache au conscient et ignore l'inconscient ; elle est ponctuelle et ignore la longue durée ; en un mot, car ce mot résume tout dans le jargon des historiens, elle est événementielle".
Retour du contemporain et du politique : c'est dans cette conjoncture historiographique qu'est né Vingtième siècle. Mais sa création s'inscrit également dans un climat plus général d'engouement pour la discipline historique. En cela, on ne peut isoler sa fondation de celles d'autres périodiques, qu'il s'agisse de magazines grand public (L'Histoire, en 1978, Histoire magazine, en 1980, ou Notre Histoire, en 1984) ou de revues spécialisées (Communisme, en 1982, Sources. Travaux historiques, en 1985, ou Matériaux pour l'histoire de notre temps, la même année).
Depuis sa création, Vingtième siècle a évolué. Nicolas Roussellier, membre du comité de rédaction et auteur d'un article consacré à l'histoire de la revue ("A la fenêtre de Vingtième siècle", no 69, 2001), a ainsi montré que, au fil des années, l'histoire politique avait eu tendance à céder du terrain face à l'histoire culturelle. Cela tient à l'évolution de certains "piliers" de la revue, comme Jean-Pierre Rioux et Jean-François Sirinelli. En 1997, neuf ans après avoir participé à l'ouvrage collectif dirigé par René Rémond sous le titre Pour une histoire politique (Seuil), ils publiaient un plaidoyer Pour une histoire culturelle (Seuil).
Comme le remarque cependant Nicolas Roussellier, la réussite de Vingtième siècle est d'avoir su conjuguer les deux domaines, en consacrant des numéros spéciaux à des thèmes situés à la charnière du politique et du culturel ("Les populismes", en 1997, "Les engagements du XXe siècle", en 1998, "Publicité et propagande", en 2009).
Ces dernières années, Vingtième siècle s'est également davantage ouvert sur l'étranger. Comme le notait Nicolas Roussellier dans son article de 2001, la revue était devenue, entre 1984 et la fin des années 1990, de plus en plus "hexagonale" (dans le comité de rédaction de 1984, les spécialistes de la France étaient 11 sur 19 ; en 2000, ils étaient 24 sur 35).
Depuis le milieu des années 2000, et avec l'arrivée à la tête de la rédaction d'Olivier Wieviorka, professeur à l'Ecole normale supérieure de Cachan et spécialiste de la seconde guerre mondiale, la tendance est à un certain rééquilibrage. Les signatures étrangères sont plus nombreuses. Et les numéros spéciaux consacrés à des problématiques internationales plus fréquents : ("L'Amérique de George W. Bush" et "Aristocraties européennes et césure de la Grande Guerre", en 2008 ; "Proche-Orient : foyers, frontières et fractures", en 2009).
Plus féminine, la revue s'est également rajeunie. Si certains des enfants de la "Rémondie", pour reprendre le terme de Jean-François Sirinelli, sont toujours là (Jean-Jacques Becker, Serge Berstein, Jean-Noël Jeanneney, Pierre Milza, Jean-Pierre Rioux, Michel Winock), une nouvelle génération d'historiens, représentée notamment par Ludivine Bantigny et Quentin Deluermoz, occupe aujourd'hui une place grandissante dans la vie de la revue.
Vingtième siècle. Rédacteur en chef : Olivier Wieviorka. Trimestriel, 20 euros.
Not Doing Business in Venezuela: prejuizos a vista (Editorial do Estadao)
Bem, tudo isso podia ser antecipado, aliás, desde 2002, quando começou, de verdade, a onda de nacionalizações e de atentados à propriedade privada no governo do caudilho.
O que vai abaixo é uma antecipação do que pode vir a ocorrer de pior (e bota pior nisso) com os investimentos e negócios brasileiros nesse país em franco processo de desagregação econômica.
Paulo Roberto de Almeida
Prejuízos à vista na Venezuela
Editorial - O Estado de S.Paulo
08 de agosto de 2010
Empresas brasileiras poderão pagar caro por haver acreditado no presidente Hugo Chávez e, mais que isso, por ter levado a sério o entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao companheiro bolivariano, grande arauto do socialismo do século 21. A Braskem já sabe onde se meteu e retirou 25 das 30 pessoas que mantinha na Venezuela para tocar dois projetos no valor de US$ 3,5 bilhões. O investimento seria realizado em associação com a estatal Pequiven, mas o governo venezuelano descumpriu sua parte, segundo uma fonte conhecedora do assunto, citada por nossa enviada a Caracas, Patricia Campos Mello. Companhias exportadoras descobriram bem mais cedo o risco enorme dos negócios com o mercado venezuelano. Já ocorreram muitos atrasos de pagamento e o perigo do calote é considerável, porque os importadores dependem de um sistema de câmbio sujeito a controle oficial e a decisões arbitrárias.
Empresas brasileiras ficariam livres do risco de estatização, segundo prometeu o presidente Hugo Chávez a seu amigo Lula. A promessa foi feita logo depois da desapropriação de uma indústria de capital argentino. E foi recebida sem sinal de indignação pela presidente Cristina Kirchner. Ela e seu marido também têm sido aliados muito próximos do chefão bolivariano. Mas parte do empresariado argentino teve uma reação à altura do ultraje e acusou seu governo de usar a parceria com Chávez para se vingar de desafetos. Agora é a vez de brasileiros perderem o sono por causa da ameaça de desapropriação.
Uma nova lei permitirá ao governo venezuelano confiscar equipamentos e apropriar-se de obras públicas paralisadas ou atrasadas. O projeto foi aprovado pela Assembleia Nacional em primeiro turno e deverá ser aprovado também no segundo, porque o Legislativo é controlado pelo governo.
"Se for aprovada, a lei poderá ser um enorme problema para empreiteiras brasileiras", disse o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela, Fernando Portela. Empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, estão envolvidas em grandes empreendimentos na Venezuela e sujeitas, portanto, às variações de humor de um chefão autoritário.
Mesmo agora, a única segurança dessas empresas é a proximidade entre os presidentes Chávez e Lula. Mas o mandachuva bolivariano poderá investir contra empresas brasileiras, a qualquer momento, quando julgar necessário para manter a ascendência sobre uma população cada vez mais sacrificada pela inflação, pela escassez de comida, pelos apagões e por uma prolongada crise econômica. Neste ano, só dois países da América Latina e do Caribe devem permanecer em recessão. Um deles é o Haiti, muito pobre e ainda sob os efeitos de um devastador terremoto. O outro é a Venezuela, nação rica em petróleo e com grande potencial de desenvolvimento, mas devastada por um governo irresponsável.
No ano passado o PIB venezuelano diminuiu 3,3% e a inflação ficou pouco acima de 25%. Os preços continuam subindo aceleradamente e a economia encolhe. O governo desviou os petrodólares ganhos em tempos de prosperidade para armar o país, transferir renda sem criar empregos produtivos e distribuir favores a aliados estrangeiros.
Nesse jogo, negligenciou a produção de petróleo e destruiu boa parte da economia. Foi preciso aumentar a importação de alimentos, mas nem o produto importado chega aos consumidores. Neste ano, milhares de toneladas de comida - algumas estimativas indicam 130 mil - apodreceram em contêineres.
Enquanto o país afunda, Chávez continua tentando criar inimigos externos. Ao mesmo tempo, recorre a truques macabros, como a exumação e a exibição dos ossos de Simón Bolívar, numa tentativa, talvez, de vincular sua morte - possivelmente por envenenamento - a uma conspiração da oligarquia colombiana do século 19.
Se o país de Chávez se tornar sócio pleno do Mercosul, como deseja o amigão Lula, o chefão bolivariano poderá ampliar o alcance de sua ação desagregadora. Mas alguns empresários brasileiros - poucos, é verdade - também apoiam essa insensatez. Talvez os novos desmandos cometidos na Venezuela possam mostrar-lhes o tamanho desse erro.
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Ainda assim, tem gente que insiste:
Com Chávez, Lula agradece a empresários
Flávia Marreiro
Folha de S. Paulo, 7.08.2010
Presidente diz que brasileiros confiaram em seu convite para negociar com a Venezuela, que vive grave crise
Líderes assinam 27 acordos bilaterais envolvendo uma petroquímica e três construtoras brasileiras
O presidente Hugo Chávez, o secretário-geral da Unsaul, Néstor Kirchner, e Lula durante encontro na capital Caracas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu aos empresários brasileiros ontem em Caracas por confiarem em suas propostas para fazer negócios com a Venezuela de Hugo Chávez, que acelera a agenda parlamentar de transição ao socialismo e atravessa o segundo ano consecutivo de recessão.
Quero agradecer aos empresários brasileiros porque, apesar da preocupação com algumas notícias de que a Venezuela vai estatizar as empresas brasileiras, de que não paga as empresas brasileiras, quero dizer da confiança deles cada vez que os convido ao país, disse.
Lula assinou com o colega venezuelano 27 acordos bilaterais envolvendo as grandes construtoras brasileiras (OAS, Andrade Gutiérrez, Queiroz Galvão), concentrados nas áreas de infraestrutura e energia, e com a petroquímica Braskem, para importação de nafta.
Quando mencionou preocupação empresarial, o presidente brasileiro fazia referência a reportagem de ontem de O Estado de S. Paulo que afirmara que a petroquímica Braskem reduziu planos de investimento no país, entre outros motivos, pelo não cumprimento por parte da Venezuela de aporte de fundos conjunto em outro projeto.
Na plateia, Sérgio Thiesen, superintendente da Braskem no país, disse que a crise venezuelana -o risco-país alcançou o da Grécia- é um fator considerado, mas que a empresa seguirá no país de quem comprará, com um acordo assinado ontem, ainda mais nafta.
A crise afeta empresas, construtoras e exportadores brasileiros. As vendas de alimentos -maior parte do US$ 1,7 bilhão vendido ao país no primeiro semestre- não sofrem com a rigidez do controle cambial, intensificado neste ano, porque têm tratamento preferencial.
Mas importações como as de cosméticos e produtos naturais sofrem com o sumiço do mercado permuta -único acesso livre ao dólar, ainda que bem mais alto que o oficial. Esse setor, que deve compor US$ 40 milhões da pauta, está em stand-by, diz Fernando Portela, da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela.
Diz que investimentos em agricultura e energia também estão em stand-by. A Assembleia Nacional da Venezuela, chavista, passou há pouco uma nova lei de terras que abre mais brechas para expropriações.
O que vai abaixo é uma antecipação do que pode vir a ocorrer de pior (e bota pior nisso) com os investimentos e negócios brasileiros nesse país em franco processo de desagregação econômica.
Paulo Roberto de Almeida
Prejuízos à vista na Venezuela
Editorial - O Estado de S.Paulo
08 de agosto de 2010
Empresas brasileiras poderão pagar caro por haver acreditado no presidente Hugo Chávez e, mais que isso, por ter levado a sério o entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao companheiro bolivariano, grande arauto do socialismo do século 21. A Braskem já sabe onde se meteu e retirou 25 das 30 pessoas que mantinha na Venezuela para tocar dois projetos no valor de US$ 3,5 bilhões. O investimento seria realizado em associação com a estatal Pequiven, mas o governo venezuelano descumpriu sua parte, segundo uma fonte conhecedora do assunto, citada por nossa enviada a Caracas, Patricia Campos Mello. Companhias exportadoras descobriram bem mais cedo o risco enorme dos negócios com o mercado venezuelano. Já ocorreram muitos atrasos de pagamento e o perigo do calote é considerável, porque os importadores dependem de um sistema de câmbio sujeito a controle oficial e a decisões arbitrárias.
Empresas brasileiras ficariam livres do risco de estatização, segundo prometeu o presidente Hugo Chávez a seu amigo Lula. A promessa foi feita logo depois da desapropriação de uma indústria de capital argentino. E foi recebida sem sinal de indignação pela presidente Cristina Kirchner. Ela e seu marido também têm sido aliados muito próximos do chefão bolivariano. Mas parte do empresariado argentino teve uma reação à altura do ultraje e acusou seu governo de usar a parceria com Chávez para se vingar de desafetos. Agora é a vez de brasileiros perderem o sono por causa da ameaça de desapropriação.
Uma nova lei permitirá ao governo venezuelano confiscar equipamentos e apropriar-se de obras públicas paralisadas ou atrasadas. O projeto foi aprovado pela Assembleia Nacional em primeiro turno e deverá ser aprovado também no segundo, porque o Legislativo é controlado pelo governo.
"Se for aprovada, a lei poderá ser um enorme problema para empreiteiras brasileiras", disse o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela, Fernando Portela. Empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, estão envolvidas em grandes empreendimentos na Venezuela e sujeitas, portanto, às variações de humor de um chefão autoritário.
Mesmo agora, a única segurança dessas empresas é a proximidade entre os presidentes Chávez e Lula. Mas o mandachuva bolivariano poderá investir contra empresas brasileiras, a qualquer momento, quando julgar necessário para manter a ascendência sobre uma população cada vez mais sacrificada pela inflação, pela escassez de comida, pelos apagões e por uma prolongada crise econômica. Neste ano, só dois países da América Latina e do Caribe devem permanecer em recessão. Um deles é o Haiti, muito pobre e ainda sob os efeitos de um devastador terremoto. O outro é a Venezuela, nação rica em petróleo e com grande potencial de desenvolvimento, mas devastada por um governo irresponsável.
No ano passado o PIB venezuelano diminuiu 3,3% e a inflação ficou pouco acima de 25%. Os preços continuam subindo aceleradamente e a economia encolhe. O governo desviou os petrodólares ganhos em tempos de prosperidade para armar o país, transferir renda sem criar empregos produtivos e distribuir favores a aliados estrangeiros.
Nesse jogo, negligenciou a produção de petróleo e destruiu boa parte da economia. Foi preciso aumentar a importação de alimentos, mas nem o produto importado chega aos consumidores. Neste ano, milhares de toneladas de comida - algumas estimativas indicam 130 mil - apodreceram em contêineres.
Enquanto o país afunda, Chávez continua tentando criar inimigos externos. Ao mesmo tempo, recorre a truques macabros, como a exumação e a exibição dos ossos de Simón Bolívar, numa tentativa, talvez, de vincular sua morte - possivelmente por envenenamento - a uma conspiração da oligarquia colombiana do século 19.
Se o país de Chávez se tornar sócio pleno do Mercosul, como deseja o amigão Lula, o chefão bolivariano poderá ampliar o alcance de sua ação desagregadora. Mas alguns empresários brasileiros - poucos, é verdade - também apoiam essa insensatez. Talvez os novos desmandos cometidos na Venezuela possam mostrar-lhes o tamanho desse erro.
=============
Ainda assim, tem gente que insiste:
Com Chávez, Lula agradece a empresários
Flávia Marreiro
Folha de S. Paulo, 7.08.2010
Presidente diz que brasileiros confiaram em seu convite para negociar com a Venezuela, que vive grave crise
Líderes assinam 27 acordos bilaterais envolvendo uma petroquímica e três construtoras brasileiras
O presidente Hugo Chávez, o secretário-geral da Unsaul, Néstor Kirchner, e Lula durante encontro na capital Caracas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu aos empresários brasileiros ontem em Caracas por confiarem em suas propostas para fazer negócios com a Venezuela de Hugo Chávez, que acelera a agenda parlamentar de transição ao socialismo e atravessa o segundo ano consecutivo de recessão.
Quero agradecer aos empresários brasileiros porque, apesar da preocupação com algumas notícias de que a Venezuela vai estatizar as empresas brasileiras, de que não paga as empresas brasileiras, quero dizer da confiança deles cada vez que os convido ao país, disse.
Lula assinou com o colega venezuelano 27 acordos bilaterais envolvendo as grandes construtoras brasileiras (OAS, Andrade Gutiérrez, Queiroz Galvão), concentrados nas áreas de infraestrutura e energia, e com a petroquímica Braskem, para importação de nafta.
Quando mencionou preocupação empresarial, o presidente brasileiro fazia referência a reportagem de ontem de O Estado de S. Paulo que afirmara que a petroquímica Braskem reduziu planos de investimento no país, entre outros motivos, pelo não cumprimento por parte da Venezuela de aporte de fundos conjunto em outro projeto.
Na plateia, Sérgio Thiesen, superintendente da Braskem no país, disse que a crise venezuelana -o risco-país alcançou o da Grécia- é um fator considerado, mas que a empresa seguirá no país de quem comprará, com um acordo assinado ontem, ainda mais nafta.
A crise afeta empresas, construtoras e exportadores brasileiros. As vendas de alimentos -maior parte do US$ 1,7 bilhão vendido ao país no primeiro semestre- não sofrem com a rigidez do controle cambial, intensificado neste ano, porque têm tratamento preferencial.
Mas importações como as de cosméticos e produtos naturais sofrem com o sumiço do mercado permuta -único acesso livre ao dólar, ainda que bem mais alto que o oficial. Esse setor, que deve compor US$ 40 milhões da pauta, está em stand-by, diz Fernando Portela, da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela.
Diz que investimentos em agricultura e energia também estão em stand-by. A Assembleia Nacional da Venezuela, chavista, passou há pouco uma nova lei de terras que abre mais brechas para expropriações.
PRAlmeida: um artigo corrosivo sobre as universidades
Eu já tinha divulgado antecipadamente este meu artigo quando ele foi postado aqui, nesta forma:
2169. “A Ignorância Letrada: ensaio sobre a mediocrização do ambiente acadêmico”
Dubai-São Paulo, 17/07/2010; Shanghai, 30/07/2010, 10 p.
Ensaio sobre a crescente deterioração da qualidade da produção acadêmica brasileira na área de humanas, examinando a natureza do problema, suas causas, suas consequências mais evidentes e as evidências disponíveis.
Disponível no blog Diplomatizzando (1.08.2010).
Agora ele foi publicado, devidamente, como abaixo (em formato pdf):
A Ignorância Letrada: ensaio sobre a mediocrização do ambiente acadêmico
Paulo Roberto de Almeida
Revista Espaço Acadêmico
(vol. 10, n. 111, agosto 2010, p. 120-127).
Publicados n. 985.
2169. “A Ignorância Letrada: ensaio sobre a mediocrização do ambiente acadêmico”
Dubai-São Paulo, 17/07/2010; Shanghai, 30/07/2010, 10 p.
Ensaio sobre a crescente deterioração da qualidade da produção acadêmica brasileira na área de humanas, examinando a natureza do problema, suas causas, suas consequências mais evidentes e as evidências disponíveis.
Disponível no blog Diplomatizzando (1.08.2010).
Agora ele foi publicado, devidamente, como abaixo (em formato pdf):
A Ignorância Letrada: ensaio sobre a mediocrização do ambiente acadêmico
Paulo Roberto de Almeida
Revista Espaço Acadêmico
(vol. 10, n. 111, agosto 2010, p. 120-127).
Publicados n. 985.
sábado, 7 de agosto de 2010
Uma pequena licao de politica monetaria - Rubem de Freitas Novaes
ALERTA MONETÁRIO
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 05/10/2004
Money matters
Milton Friedman
Pela importância da Teoria Monetária, é pouco e insuficiente o conhecimento dos diversos agentes econômicos sobre os seus principais aspectos. De início, cabem alguns comentários sobre os conceitos de moeda. A Base Monetária (High Powered Money) corresponde à emissão primária de moeda decorrente de déficits públicos, de operações de open market e/ou de acúmulo de reservas externas. Da Base Monetária chega-se ao conceito de M1 = Meios de Pagamento (Papel Moeda em Poder do Público + Depósitos à Vista nos Bancos) através de um mecanismo de multiplicação bancária que depende fundamentalmente dos recolhimentos compulsórios dos bancos junto ao Bacen. A partir de M1 derivam-se outros conceitos de moeda à medida que se agregam ativos financeiros com diferentes graus de liquidez (moneyness). Assim é que, para chegar ao conceito mais amplo de M4, adicionamos, aos tradicionais Meios de Pagamento, os Depósitos de Poupança, CDB`s, Letras de Câmbio e Imobiliárias, Quotas de Fundos de Renda Fixa e os Títulos Públicos Federais, Estaduais e Municipais mantidos pelo setor não-financeiro.
Aqui chegamos às primeiras questões importantes relativas à condução da política monetária: Que conceito usar? Qual das definições de moeda tem mais a ver com as flutuações da demanda agregada e, por conseguinte, com as variações do PIB nominal (PIB real + inflação)? Seguindo um passo adiante, perguntamos: Com que defasagem a moeda influencia o Produto? Terá esta defasagem constância no tempo, dependente que é da velocidade de circulação da moeda? Finalmente, e sem muita chance de obtenção de uma resposta precisa: Como se distribui o impacto da política monetária entre crescimento real e inflação?
Algumas destas questões fizeram com que diversos Bancos Centrais optassem por trabalhar dentro de regimes de metas de inflação, focados preferencialmente no controle das taxas básicas de juros, o que já foi motivo de análise em outro artigo (“Meta de inflação na encruzilhada”, O Estado de S. Paulo, 02/03/2003). Para a nossa análise presente, importa notar que, se as “zonas cinzentas” mostradas justificam cautelas no manejo das rédeas da política monetária, não justificam, entretanto, o grau de desconsideração que está havendo no acompanhamento dos principais agregados, como se moeda, de repente, não mais importasse. (Já repararam que a imprensa especializada do Brasil, com raras exceções, deixou de publicar os dados de expansão monetária e de crédito em suas séries estatísticas? A ausência destes indicadores até que se justificava quando o ritmo inflacionário mudava constantemente de patamares, tornando muito volátil a velocidade de circulação da moeda. Mas não se justifica hoje, quando a quase constância da inflação estabiliza o impacto monetário sobre a economia).
Não precisa ser formado na Universidade de Chicago para levar a moeda muito a sério. Algumas conclusões sobre o tema são aceitas por todos os economistas de ponta, oriundos das mais diferentes escolas. Vejamos, por exemplo, o que diz a respeito o professor Olivier Blanchard, ex Harvard e hoje no MIT, quando apresenta os consensos da profissão em seu livro-texto “Macroeconomia”: - “A política monetária afeta o produto real no curto-prazo, mas não no médio ou longo-prazo. Eventualmente, uma taxa maior de expansão monetária acaba por se traduzir, numa relação um por um, em maior taxa de inflação”. Segundo Blanchard, só não há consenso sobre a extensão do “curto-prazo”.
Pois bem, as estatísticas fornecidas pelo Bacen nos mostram que os indicadores monetários para o país estão crescendo a taxas anuais extremamente exageradas. No final de julho, M1 apresentava expansão anual, ponta a ponta, de 23% e M4 de 21%. O volume total de operações de crédito do sistema financeiro, imagem espelhada da evolução monetária, também em final de julho, apresentava crescimento anual de 17%. Estes dados, como não poderia deixar de ser, estão refletidos na forte expansão de demanda agregada hoje verificada.
É indiscutível que nossa economia necessitava de uma injeção de ânimo, após a estagnação de 2003. Mas há de se agir com cautela. Segundo nossos melhores especialistas, com a exceção honrosa do professor Delfim Netto (que acredita na possibilidade de substancial mudança no ânimo empreendedor de nosso empresariado privado), estamos hoje restritos, pela escassez de investimentos, a um crescimento sustentável não muito superior a 3% ao ano. Como não crescemos em 2003, podemos crescer até 6% este ano. Mas, a partir daí, a manutenção do ritmo atual esbarrará em muitos gargalos, inclusive infraestruturais. Dadas as limitações da oferta, uma expansão da moeda e do crédito próxima de 20% ao ano, se não for apenas pontual, comandará certamente uma inflação na casa dos dois dígitos.
Como vimos, de início, o controle monetário se dá fundamentalmente no controle da Base (emissão primária). Para agir, o governo terá de alargar ainda mais o seu superávit operacional, oferecer remuneração atrativa que evite a “monetização” da dívida pública (como a dívida pública tem ordem de grandeza dez vezes superior à da Base Monetária, basta 1% de monetização para expandir a moeda em cerca de 10%) e/ou postergar os planos porventura existentes de acumular reservas externas. O câmbio contido na faixa atual e uma fortíssima austeridade fiscal (leia-se: contenção de despesas correntes a ponto de praticamente eliminar o déficit nominal) podem aliviar o peso incidente sobre a política de financiamento da dívida pública. Caso contrário, o Bacen só poderá conduzir-nos a taxas responsáveis de crescimento monetário, praticando taxas muito altas de juros reais. Fica o alerta!
* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 05/10/2004
Money matters
Milton Friedman
Pela importância da Teoria Monetária, é pouco e insuficiente o conhecimento dos diversos agentes econômicos sobre os seus principais aspectos. De início, cabem alguns comentários sobre os conceitos de moeda. A Base Monetária (High Powered Money) corresponde à emissão primária de moeda decorrente de déficits públicos, de operações de open market e/ou de acúmulo de reservas externas. Da Base Monetária chega-se ao conceito de M1 = Meios de Pagamento (Papel Moeda em Poder do Público + Depósitos à Vista nos Bancos) através de um mecanismo de multiplicação bancária que depende fundamentalmente dos recolhimentos compulsórios dos bancos junto ao Bacen. A partir de M1 derivam-se outros conceitos de moeda à medida que se agregam ativos financeiros com diferentes graus de liquidez (moneyness). Assim é que, para chegar ao conceito mais amplo de M4, adicionamos, aos tradicionais Meios de Pagamento, os Depósitos de Poupança, CDB`s, Letras de Câmbio e Imobiliárias, Quotas de Fundos de Renda Fixa e os Títulos Públicos Federais, Estaduais e Municipais mantidos pelo setor não-financeiro.
Aqui chegamos às primeiras questões importantes relativas à condução da política monetária: Que conceito usar? Qual das definições de moeda tem mais a ver com as flutuações da demanda agregada e, por conseguinte, com as variações do PIB nominal (PIB real + inflação)? Seguindo um passo adiante, perguntamos: Com que defasagem a moeda influencia o Produto? Terá esta defasagem constância no tempo, dependente que é da velocidade de circulação da moeda? Finalmente, e sem muita chance de obtenção de uma resposta precisa: Como se distribui o impacto da política monetária entre crescimento real e inflação?
Algumas destas questões fizeram com que diversos Bancos Centrais optassem por trabalhar dentro de regimes de metas de inflação, focados preferencialmente no controle das taxas básicas de juros, o que já foi motivo de análise em outro artigo (“Meta de inflação na encruzilhada”, O Estado de S. Paulo, 02/03/2003). Para a nossa análise presente, importa notar que, se as “zonas cinzentas” mostradas justificam cautelas no manejo das rédeas da política monetária, não justificam, entretanto, o grau de desconsideração que está havendo no acompanhamento dos principais agregados, como se moeda, de repente, não mais importasse. (Já repararam que a imprensa especializada do Brasil, com raras exceções, deixou de publicar os dados de expansão monetária e de crédito em suas séries estatísticas? A ausência destes indicadores até que se justificava quando o ritmo inflacionário mudava constantemente de patamares, tornando muito volátil a velocidade de circulação da moeda. Mas não se justifica hoje, quando a quase constância da inflação estabiliza o impacto monetário sobre a economia).
Não precisa ser formado na Universidade de Chicago para levar a moeda muito a sério. Algumas conclusões sobre o tema são aceitas por todos os economistas de ponta, oriundos das mais diferentes escolas. Vejamos, por exemplo, o que diz a respeito o professor Olivier Blanchard, ex Harvard e hoje no MIT, quando apresenta os consensos da profissão em seu livro-texto “Macroeconomia”: - “A política monetária afeta o produto real no curto-prazo, mas não no médio ou longo-prazo. Eventualmente, uma taxa maior de expansão monetária acaba por se traduzir, numa relação um por um, em maior taxa de inflação”. Segundo Blanchard, só não há consenso sobre a extensão do “curto-prazo”.
Pois bem, as estatísticas fornecidas pelo Bacen nos mostram que os indicadores monetários para o país estão crescendo a taxas anuais extremamente exageradas. No final de julho, M1 apresentava expansão anual, ponta a ponta, de 23% e M4 de 21%. O volume total de operações de crédito do sistema financeiro, imagem espelhada da evolução monetária, também em final de julho, apresentava crescimento anual de 17%. Estes dados, como não poderia deixar de ser, estão refletidos na forte expansão de demanda agregada hoje verificada.
É indiscutível que nossa economia necessitava de uma injeção de ânimo, após a estagnação de 2003. Mas há de se agir com cautela. Segundo nossos melhores especialistas, com a exceção honrosa do professor Delfim Netto (que acredita na possibilidade de substancial mudança no ânimo empreendedor de nosso empresariado privado), estamos hoje restritos, pela escassez de investimentos, a um crescimento sustentável não muito superior a 3% ao ano. Como não crescemos em 2003, podemos crescer até 6% este ano. Mas, a partir daí, a manutenção do ritmo atual esbarrará em muitos gargalos, inclusive infraestruturais. Dadas as limitações da oferta, uma expansão da moeda e do crédito próxima de 20% ao ano, se não for apenas pontual, comandará certamente uma inflação na casa dos dois dígitos.
Como vimos, de início, o controle monetário se dá fundamentalmente no controle da Base (emissão primária). Para agir, o governo terá de alargar ainda mais o seu superávit operacional, oferecer remuneração atrativa que evite a “monetização” da dívida pública (como a dívida pública tem ordem de grandeza dez vezes superior à da Base Monetária, basta 1% de monetização para expandir a moeda em cerca de 10%) e/ou postergar os planos porventura existentes de acumular reservas externas. O câmbio contido na faixa atual e uma fortíssima austeridade fiscal (leia-se: contenção de despesas correntes a ponto de praticamente eliminar o déficit nominal) podem aliviar o peso incidente sobre a política de financiamento da dívida pública. Caso contrário, o Bacen só poderá conduzir-nos a taxas responsáveis de crescimento monetário, praticando taxas muito altas de juros reais. Fica o alerta!
* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.
Esquizofrenia na politica comercial - Andre Nassar
Este articulista captou muito bem o sentido da atual política comercial brasileira: um expediente a serviço de uma ideia política. Ele apenas se equivoca ligeiramente em atribuir ao Itamaraty a responsabilidade na formulação dessas ideias ou na condução do processo.
Isso não tem a ver tanto com o Itamaraty como com o Palácio do Planalto. A despeito de toda a execução estar a cargo do Itamaraty, as linhas principais não tem tanto a ver com o que emergeria, naturalmente digamos assim, do staff técnico do MRE, e sim com os conselheiros presidenciais, inclusive diplomatas, mas que neste caso não estão raciocinando como diplomatas -- se alguma vez estiveram -- e sim como serviçais de uma causa, que é justamente a causa do protagonismo, não do Brasil, mas do presidente, no que André Nassar foi muito feliz em detectar.
Gêmeas Siamesas
André M. Nassar
O Estado de S. Paulo, 21/07/2010
Quando o debate internacional sobre o programa de enriquecimento de urânio do Irã estava bombando, o ministro Celso Amorim escreveu artigo em jornal estrangeiro no qual, ao defender a crescente importância dos países emergentes no cenário internacional, exaltou, entre outros fatos, as conquistas obtidas por esse grupo de países na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Colocar na mesma cesta uma negociação com objetivos comerciais e questões de segurança e governança global revela - sem nenhum julgamento de valor da magnitude da importância de cada uma delas - um grande problema da política externa brasileira: o desinteresse em reconhecer que diplomacia política e política comercial são uma via de mão dupla que não se estabelece se a primeira subjuga a segunda. Viabilizar o desenvolvimento destas gêmeas siamesas, portanto, é a saída disponível para que a comercial volte a florescer no Brasil. Não se põe em dúvida o objetivo definido pela política externa brasileira de tornar o Brasil protagonista mundial em temas como segurança e paz, ajuda humanitária e, com um pouco de otimismo, governança global e integração regional. Mas será possível atingir esse protagonismo com uma política comercial nanica? A meu ver, não. Embora essa busca por protagonismo possa ser exercida de muitas outras formas que não as escolhidas pelo governo Lula, muitas razões podem ser evocadas para justificar a opção feita pela diplomacia no poder. Além disso, o Itamaraty é uma burocracia reconhecida como competente e capacitada para dialogar com outras nações e, principalmente, com o devido grau hierárquico e estabilidade necessários para que os diplomatas sigam à risca as opções tomadas pelos cabeças do Ministério.
Até pouco tempo atrás a diplomacia brasileira, em suas declarações públicas, ainda se preocupava em explicar as decisões tomadas em política comercial, sobretudo no contexto da Rodada Doha, com argumentos de comércio exterior. Após o episódio das negociações com o Irã e encorajada por diversas reações positivas no exterior quanto ao papel do Brasil no assunto, a diplomacia esqueceu suscetibilidades e deixou aflorar a real razão das ações de política externa do País: a busca de protagonismo internacional na área de segurança e governança global. E as recentes afirmações enaltecendo a criação do G-20 da OMC como estratégia de mudança na relação de poder nas negociações comerciais multilaterais jogaram uma pá de cal na esperança de quem, como eu, ainda acreditava que havia alguma motivação comercial nas ações da diplomacia na Rodada Doha. A culpa pelo esquecimento da política comercial, ao longo do tempo e no governo atual, não é só do Itamaraty. Num país que ainda utiliza tarifas de importação como um mecanismo démodé de política industrial não se poderia esperar nada diferente. Sem pressão alguma das demais áreas do governo, do Congresso Nacional e dos setores industriais para dar resultados na área comercial, a diplomacia encontrou um meio de cultura ideal para privilegiar o componente político e negligenciar o componente comercial da política externa.
Com as coisas às claras na política externa, fica mais fácil explicar os insucessos do Brasil em liderar o Mercosul para fazer um acordo de comércio com a União Européia e o enterro da negociação da Área de Livre Comércio das Américas. O governo brasileiro simplesmente não tinha interesse em finalizar os dois acordos porque nenhum deles contribuía para a estratégia de protagonismo mundial. Agora que o Brasil já se tornou um protagonista mundial e finalmente, na perspectiva da diplomacia, colocou o "pé na porta" no jogo da segurança global, é hora de o Itamaraty colaborar para que a política comercial caminhe por suas próprias pernas.
O tema de política comercial está a um passo de ser sepultado no Brasil. Como se as razões de sempre não fossem suficientes - alta carga tributária, elevado custo de logística, baixo nível de investimento em inovação e câmbio valorizado -, o argumento de que a economia se está desindustrializando pela concorrência dos produtos importados e pela crescente concentração da pauta exportadora em commodities pode levar o País a esquecer por mais quatro anos os acordos comerciais. Vê-se que a política comercial precisa urgentemente de um patrocinador no governo, e esse patrocinador, ironicamente, tem o mesmo nome do seu algoz: Itamaraty.
Na busca por protagonismo mundial nos últimos oito anos, o Brasil abriu mão de quatro grandes benefícios que resultam de acordos comerciais: promoção de investimentos, transferência de tecnologia e inovação; apoio a mecanismos de agregação de valor às exportações, estimulando o crescimento de ambos os setores de valor adicionado e de commodities; suporte à estratégia de busca pelo protagonismo internacional; fonte de pressão para a execução das reformas estruturais de que o setor industrial necessita.
Para não excluirmos a política comercial de vez da agenda, duas mudanças são necessárias. A primeira é governo e setores industriais reconhecerem que acordos comerciais promovem o ganho relativo, e não o absoluto. Mesmo que um acordo comercial não promova ganhos absolutos evidentes para a economia brasileira (por exemplo, no saldo entre setores ganhadores e perdedores, que é um raciocínio simplista de avaliação de acordos muitas vezes utilizado no País), os ganhos relativos associados a se ter acesso privilegiado em comparação a outros países precisam ser avaliados. A segunda é dar independência para a formulação da política comercial, tirando de hibernação forçada a área econômica do Itamaraty e coordenando suas ações com as políticas de promoção comercial e as ações de promoção de investimento. Assim, o País pode perseguir os seus objetivos de diplomacia política sem canibalizar os de política comercial.
Isso não tem a ver tanto com o Itamaraty como com o Palácio do Planalto. A despeito de toda a execução estar a cargo do Itamaraty, as linhas principais não tem tanto a ver com o que emergeria, naturalmente digamos assim, do staff técnico do MRE, e sim com os conselheiros presidenciais, inclusive diplomatas, mas que neste caso não estão raciocinando como diplomatas -- se alguma vez estiveram -- e sim como serviçais de uma causa, que é justamente a causa do protagonismo, não do Brasil, mas do presidente, no que André Nassar foi muito feliz em detectar.
Gêmeas Siamesas
André M. Nassar
O Estado de S. Paulo, 21/07/2010
Quando o debate internacional sobre o programa de enriquecimento de urânio do Irã estava bombando, o ministro Celso Amorim escreveu artigo em jornal estrangeiro no qual, ao defender a crescente importância dos países emergentes no cenário internacional, exaltou, entre outros fatos, as conquistas obtidas por esse grupo de países na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Colocar na mesma cesta uma negociação com objetivos comerciais e questões de segurança e governança global revela - sem nenhum julgamento de valor da magnitude da importância de cada uma delas - um grande problema da política externa brasileira: o desinteresse em reconhecer que diplomacia política e política comercial são uma via de mão dupla que não se estabelece se a primeira subjuga a segunda. Viabilizar o desenvolvimento destas gêmeas siamesas, portanto, é a saída disponível para que a comercial volte a florescer no Brasil. Não se põe em dúvida o objetivo definido pela política externa brasileira de tornar o Brasil protagonista mundial em temas como segurança e paz, ajuda humanitária e, com um pouco de otimismo, governança global e integração regional. Mas será possível atingir esse protagonismo com uma política comercial nanica? A meu ver, não. Embora essa busca por protagonismo possa ser exercida de muitas outras formas que não as escolhidas pelo governo Lula, muitas razões podem ser evocadas para justificar a opção feita pela diplomacia no poder. Além disso, o Itamaraty é uma burocracia reconhecida como competente e capacitada para dialogar com outras nações e, principalmente, com o devido grau hierárquico e estabilidade necessários para que os diplomatas sigam à risca as opções tomadas pelos cabeças do Ministério.
Até pouco tempo atrás a diplomacia brasileira, em suas declarações públicas, ainda se preocupava em explicar as decisões tomadas em política comercial, sobretudo no contexto da Rodada Doha, com argumentos de comércio exterior. Após o episódio das negociações com o Irã e encorajada por diversas reações positivas no exterior quanto ao papel do Brasil no assunto, a diplomacia esqueceu suscetibilidades e deixou aflorar a real razão das ações de política externa do País: a busca de protagonismo internacional na área de segurança e governança global. E as recentes afirmações enaltecendo a criação do G-20 da OMC como estratégia de mudança na relação de poder nas negociações comerciais multilaterais jogaram uma pá de cal na esperança de quem, como eu, ainda acreditava que havia alguma motivação comercial nas ações da diplomacia na Rodada Doha. A culpa pelo esquecimento da política comercial, ao longo do tempo e no governo atual, não é só do Itamaraty. Num país que ainda utiliza tarifas de importação como um mecanismo démodé de política industrial não se poderia esperar nada diferente. Sem pressão alguma das demais áreas do governo, do Congresso Nacional e dos setores industriais para dar resultados na área comercial, a diplomacia encontrou um meio de cultura ideal para privilegiar o componente político e negligenciar o componente comercial da política externa.
Com as coisas às claras na política externa, fica mais fácil explicar os insucessos do Brasil em liderar o Mercosul para fazer um acordo de comércio com a União Européia e o enterro da negociação da Área de Livre Comércio das Américas. O governo brasileiro simplesmente não tinha interesse em finalizar os dois acordos porque nenhum deles contribuía para a estratégia de protagonismo mundial. Agora que o Brasil já se tornou um protagonista mundial e finalmente, na perspectiva da diplomacia, colocou o "pé na porta" no jogo da segurança global, é hora de o Itamaraty colaborar para que a política comercial caminhe por suas próprias pernas.
O tema de política comercial está a um passo de ser sepultado no Brasil. Como se as razões de sempre não fossem suficientes - alta carga tributária, elevado custo de logística, baixo nível de investimento em inovação e câmbio valorizado -, o argumento de que a economia se está desindustrializando pela concorrência dos produtos importados e pela crescente concentração da pauta exportadora em commodities pode levar o País a esquecer por mais quatro anos os acordos comerciais. Vê-se que a política comercial precisa urgentemente de um patrocinador no governo, e esse patrocinador, ironicamente, tem o mesmo nome do seu algoz: Itamaraty.
Na busca por protagonismo mundial nos últimos oito anos, o Brasil abriu mão de quatro grandes benefícios que resultam de acordos comerciais: promoção de investimentos, transferência de tecnologia e inovação; apoio a mecanismos de agregação de valor às exportações, estimulando o crescimento de ambos os setores de valor adicionado e de commodities; suporte à estratégia de busca pelo protagonismo internacional; fonte de pressão para a execução das reformas estruturais de que o setor industrial necessita.
Para não excluirmos a política comercial de vez da agenda, duas mudanças são necessárias. A primeira é governo e setores industriais reconhecerem que acordos comerciais promovem o ganho relativo, e não o absoluto. Mesmo que um acordo comercial não promova ganhos absolutos evidentes para a economia brasileira (por exemplo, no saldo entre setores ganhadores e perdedores, que é um raciocínio simplista de avaliação de acordos muitas vezes utilizado no País), os ganhos relativos associados a se ter acesso privilegiado em comparação a outros países precisam ser avaliados. A segunda é dar independência para a formulação da política comercial, tirando de hibernação forçada a área econômica do Itamaraty e coordenando suas ações com as políticas de promoção comercial e as ações de promoção de investimento. Assim, o País pode perseguir os seus objetivos de diplomacia política sem canibalizar os de política comercial.
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