quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Memórias do Barão do Rio Branco (2): ah, los argentinos...


Los hermanos, siempre tan hermosos...

Transcrição e modernização da ortografia  destas “memórias” por Paulo Roberto de Almeida, a partir de manuscritos encontrados nos papéis deixados pelo próprio.
Rio de Janeiro, 2 de maio de 1910
Pronto! Acabo de confirmar ao Senhor Presidente, que me havia interrogado a esse respeito, que o Brasil participará das comemorações do assim chamado “centenário da independência argentina” (com aspas, comme il faut), neste próximo 10 de maio, com uma delegação normal, isto é, por meio do nosso próprio ministro em Buenos Aires, e não com alguma embaixada especial ou enviado extraordinário. A decisão, é bom que se diga, foi só minha, e a considero plenamente justificada, como expliquei ao Senhor Presidente. Meus auxiliares, todavia, me dizem, desde já algum tempo atrás, quando, refletidamente, tomei tal decisão, que se trata de um erro monumental. Alguns deles, inclusive, parecem ter ficado abalados com o que chamam de descortesia gratuita de minha parte, enfim, mais uma demonstração de birra pouco diplomática vis-à-vis nuestros hermanos...
Curiosa essa menção a erro, porque isto me lembra de uma frase à propos, que já ouvi há muito tempo, de um desses nuestros hermanos justamente, mas já não sei dizer de quem, de onde ou quando: He cometido un error fatal! Y el peor es que no sé cual...
Talvez eu também tenha cometido algum erro fatal, mas não sei dizer exatamente qual, embora minha impressão sincera é a de que o equívoco está com eles, não comigo. O erro, terrível, no dizer de meus auxiliares – que se desesperam com esta minha decisão – teria sido representado pelo fato de não termos enviado nenhuma delegação especial, representando a nação brasileira, às comemorações oficiais do centésimo aniversário do 10 de maio argentino, quando tantos países o fizeram. Muitos outros países, justamente, designaram plenipotenciários especiais, alguns a nível de ministros de relações exteriores, uns poucos até com o deslocamento de seus chefes de governo, o que me parece um pouco exagerado, mais laissons cela à leur critère. Chacun est maître de ses décisions...
Descarto qualquer erro de minha parte, mas como não posso externar minha opinião au grand large, o faço aqui para a posteridade (e a devida fidelidade a esta musa sempre tão conspurcada que atende pelo nome de História). A sinceridade é uma dessas virtudes que, infelizmente, poucos homens públicos podem externar em todas as circunstâncias.
Qual erro cometi, afinal, já que não vejo nenhum em minha decisão de não ver nesse dia nada de realmente extraordinário? Seria o 10 de maio uma efeméride suscetível de mudar dramaticamente o curso da História, na mesma categoria dessas de que me ocupei largamente no passado? (É bem verdade que me ocupei também, nas efemérides, de fatos corriqueiros, mas isso foi mais por distração do que por verdadeiro culto a essa musa, que no entanto respeito e venero, como uma das minhas preferidas, ao lado daquela que comanda aos prazeres da mesa, se por acaso existir uma tão gourmande quanto eu...)
Os argentinos estão festejando, com orgulho indevido em minha opinião, o 10 de maio de 1810, que é quando nossos vizinhos acreditam que “conquistaram” a sua independência da Espanha (ou de Napoleão, sejamos mais claros). O fato, absolutamente verdadeiro, é que no 10 de maio de 1810, não foi proclamada nenhuma independência argentina. Nada aconteceu nesse dia, a não ser o reconhecimento, pelo cabildo de Buenos Aires, de algo absolutamente fáctico, tão evidente que sequer havia necessidade de qualquer proclamação em torno disso: o trono de Espanha, o legítimo, tornou-se obviamente vacante – mas não foi nesse dia – em função da “destituição”, de seu real cargo, de um desses Bourbons que os próprios franceses tinham se esforçado para colocar no trono de Espanha um século antes. Mais uma querela dos Pirineus...
 Eles, os argentinos, que nisso são equivocadamente seguidos por meus auxiliares, acreditam que sua independência começou nesse dia – eles comemoram, na verdade, duas ou três datas, dependendo da utilidade – quando ela só se firmou, de verdade, muito tempo depois, mais até do que seu orgulho nacional o permitiria. Ela de fato só ocorreu, e mesmo assim de maneira passavelmente confusa, depois que San Martin andou fazendo valer o que de fato vale na vida das nações: a crítica das armas, não as armas da crítica. Estas, como grande parte do palavrório dos diplomatas, se traduzem muitas vezes em declarações chorosas, que falam da “opressão dos invasores”, ou da “usurpação do trono”, enfim, essas frases ocas, em que comprazem nossos colegas de carreira.
Todas essas construções intencionais, de uma pré-ciência de “momentos históricos”, de fato delineados a posteriori, servem apenas para alimentar os mitos nacionais, quando a realidade é que a soberania e a independência de uma nação só se garantem na ponta dos sabres, como afirmava o velho Bismarck, ou numa eventual carga de cavalaria, como parecia preferir seu colega de conquistas, o general Moltke. Seja como for, esses nuestros hermanos, siempre tan hermosos, inventaram o mito do 10 de maio apenas para ter precedência sobre nossa própria independência, e querem que acreditemos nisso. Sinto muito, mas não caio nessa peta!
Se me permito aqui parafrasear o general Roca, nosso amigo sincero – dos poucos que temos naquele país de arrogantes gaúchos que se creem ingleses dos pampas – eu diria que muitas coisas nos unem, mas algumas nos separam (mas isso eu não posso afirmar de público). Já não me refiro ao esporte bretão, que parece começar a empolgar multidões dos dois lados do Prata, mas sim a interesses concretos, com destaque para o equilíbrio de nossas forças navais, cruciais na nova conformação dos fatores de guerra que teve início pela construção dos primeiros dreadnoughts pela Royal Navy. Não acredito que possamos levar muito longe essa insana competição por encouraçados cada vez maiores e poderosos, inclusive porque o nosso pobre orçamento não o suportaria (e esta é uma das poucas razões pelas quais apoio esse difícil pacto ABC, quando preferia ter apenas o Chile como aliado constante e fiel, junto a nosso grande irmão do norte, um pouco inconstante, este).
Os argentinos são, sem sombra de dúvida, muito mais ricos do que nós; aliás, mais até do que vários europeus (e, ouvi dizer, até mais do que os franceses, que cunharam a frase, muito frequente em suas operetas, de riche comme un argentin...). Nossos vizinhos podem, portanto, se permitir essas loucuras com seus orçamentos militares, ainda que a quebra do Barings – quando eu começava a me ocupar, justamente, do nosso conflito em torno de Palmas – comprove que, mesmo assim, nem tudo é possível de se fazer com o dinheiro alheio. Os pobres venezuelanos, aliás, sabem muito bem disso, ao terem tido de suportar o peso de canhoneiras estrangeiras, porque um desses coronéis malucos que frequentemente se apossam do poder naquele confuso país andino e caribenho se recusou a cumprir com suas obrigações financeiras, algo que nosso Império, sempre tão endividado, jamais chegou a cogitar. Se tivemos de negociar nosso último funding loan em termos que não foram certamente os mais flâteurs para nossa dignidade nacional, foi porque um bando de bárbaros do sertão nos obrigou a levar uma guerra frustrante, em quatro sucessivas expedições, que consumiu nossos parcos recursos do café, como antes já tinha ocorrido com a maldita guerra contra o ditador Solano Lopez.

Pois bem, voltando às “comemorações do 10 de maio”, imagino que um dos meus críticos argentinos – me refiro ao inacreditável Estanislao Zeballos – possa estar agora falando de mim: “Maldito barón” – com b minúsculo, para me diminuir um pouco mais – “siempre depreciando a nuestra patria, como si Brasil no fuera una porqueria, un cambalache, yá lo sé...”. Foi ele mesmo que nos levou a esta situação absurda de competição naval, com sua agressividade militarista tão desproporcional quanto às supostas ameaças do Brasil e do Chile, que o próprio presidente José Figueroa Alcorta teve de demiti-lo em meio ao seu mandato. Zeballos nunca engoliu o que continua a chamar de “desmembración” do território argentino, mas que foi apenas um laudo impecável do presidente americano, em face de meus argumentos absolutamente fundamentados na história – e na nossa boa cartografia lusitana – em defesa do nosso pedaço das Missões. O mesmo belicoso Zeballos, quando ministro, queria controlar nossas aquisições de fragatas na Europa, e até “dividi-las” com eles (o absurdo!), mas nunca hesitou em exigir de seu próprio presidente aumentos fabulosos das compras militares argentinas, como tampouco se eximiu de propor a preparação de suas forças navais para eventualmente ocupar o Rio de Janeiro pela força.
Como querem, agora, que eu conceda em enviar uma delegação de alto nível a um país que falseia sua história, que mantém sonhos ridículos de grande potência e que, além do mais, reincide num protecionismo renitente, que prejudica nossas legítimas exportações de açúcar e de algodão? Como querem meus auxiliares que eu me disponha a assinar um acordo de comércio preferencial com nossos vizinhos – concedendo-lhes as mesmas vantagens que eu concedi às farinhas americanas – se eles continuam a comprar quantidades ínfimas do nosso precioso café? Não! No que depender de mim, não haverá acordo comercial de nenhum tipo com os argentinos, até que eles nos reconheçam como uma nação tão merecedora de consideração como aquela que eles estão sempre tão dispostos a conceder à velha Albion, que eles, também ridiculamente, estimam ser o seu modelo a imitar, ainda que não exibam toda a pompa e circunstância da Corte de St. James.
Sei que o dileto amigo Julio Roca sempre propugnou por uma estreita união dos dois países, afirmando, ao nosso Campos Salles que, ao desenvolver “laços da mais íntima amizade”, Brasil e Argentina, juntos, seriam “ricos, fortes, poderosos e livres”. Pode ser que, um dia, de fato cheguemos a essa situação, de sólidos vínculos entre nossas duas economias, mas não antes que nuestros hermanos abandonem sua ideia de preeminência militar, mesmo que continuem mais ricos do que nós por certo tempo ainda. Atualmente, eles quase se igualam à riqueza americana, mas essa situação pode não perdurar, e o Brasil chegará a ser também, um dia, rico e poderoso, se para tal lhe ajudarem o descortino e a capacidade intelectual de nossos líderes, hoje, infelizmente, tão carentes de educação econômica e tão pouco propensos a educar o povo, como preconizou para a Argentina, tão justamente, o genial Sarmiento. Quando teremos um intelectual como ele, entre nós?
Esse dia chegará, estou seguro, mas certamente não será do meu tempo; talvez dos meus netos, mas sobre isso falarei um outro dia...
Rio de Janeiro, 2 de Maio de 1910

Pausa para... a carreira diplomatica...

Uma velha piada, que sempre é objeto de novas versões.
Posso assegurar que é tudo verdade...
Paulo Roberto de Almeida

O TERROR, meu verdadeiro terror: cercado por...

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Memórias do Barão do Rio Branco, por ele mesmo - blog Coisas Internacionais


Sob esse título, prometedor, meu amigo Mario Machado transcreve em seu blog, Coisas Internacionais, a primeira parte das memórias do Barão do Rio Branco que venho organizando e transcrevendo, com o cuidado que requerem essas coisas antigas e por vezes confusas (de fato, o Barão deixou uma barafunda de papeis, que deve ter dado trabalho a seus "executores testamentais", entre eles o caderno a que me referi em minha introdução metodológica, curta, como devem ser esses prefácios a obras de grandes homens).

Paulo Roberto de Almeida 

Memórias do Barão do Rio Branco, por ele mesmo

O professor, diplomata e, sobretudo professor Paulo Roberto de Almeida (que gosto de considerar um amigo) nos presenteou por ocasião do centenário da morte do Barão do Rio Branco com o inicio da série – quiçá mais um livro do professor – em que transcreve memórias escritas pelo próprio Barão que foram encontradas entre seus papeis.
Nesse particular recomendo a leitura de nota explicativa a cerca da metodologia empregada na atualização ortográfica e na organização dos escritos. Que está disponível aqui.
Transcrevo na íntegra do que é encontrado no blog do professor e o faço com autorização. Original pode ser lido aqui. Não é preciso dizer que aguardo ansioso o desfecho dessa série. Espero que leiam não é sempre que uma figura histórica nos oferece uma janela ao seu pensamento.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Mais uma "previsao (mais do que) previsível": querem apostar?

Alguém quer apostar comigo que algum companheiro do "milieu" -- não confundir com o milieu -- ou um deputado idem, mais todos GLBTs disponíveis no mercado, ainda vão apresentar, neste ano (talvez até mesmo neste semestre), uma proposta parecida no Brasil?
Eu nunca erro nas previsões previsíveis.
Agora nas imprevisíveis, espero ser ajudado pelos companheiros para que elas nunca se realizem...
Paulo Roberto de Almeida




Le groupe de télécommunications a accepté le principe visant à accorder aux salariés de l'entreprise dont le conjoint homosexuel(le) a eu un enfant, un congé de "paternité" de 11 jours.


Brasil quer que China cometa os mesmos pecados protecionistas em que incide...

Não se trata, obviamente, de alguma frase usada e abusada do tipo "é a homenagem que o vício presta à virtude", mas sem dúvida o governo brasileiro quer obrigar os companheiros chineses -- são companheiros, pois não? -- a cometerem os mesmos pecados contra seus interesses nacionais a que ele obriga os industriais brasileiros -- para desgosto da FIESP, por exemplo -- no confronto com o protecionismo deslavado argentino: conter "voluntariamente" as exportações, um eufemismo tosco para dizer o seguinte: "olha aqui pessoal, se vocês não se comportarem, vou ser obrigado a usar meu arsenal protecionista e anti-ricardiano".
Patético, não é mesmo?
Sobretudo quando, como informa a matéria da BBC, o superávit bilateral brasileiro equivale a quase dois quintos de todo o superávit comercial brasileiro (mas, shrinking fast...).
Mas é a isso a que estamos assistindo nesse balé pouco diplomático, feito de meias palavras e intenções plenas, mas que não vão dar resultado, obviamente.
Ou alguém imagina o governo chinês dizendo a seus dinâmicos capitalistas: "Olha aí, pessoal, contenham-se, não exportem muito para o Brasil porque senão o governo deles vai querer abusar do protecionismo contra vocês" ?
Não imagino, eu pelo menos não. No máximo ele pode dizer: calma, pessoal, não façam dumping muito deslavadamente, pois isso pode virar contra vocês. De resto, virem-se, o mundo é de vocês e viva a globalização...
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil e China discutem temas sensíveis sem chegar a acordo
Terra Notícias, 13 de fevereiro de 2012 • 18h55 •  atualizado 19h49

Os problemas comerciais entre Brasil e China foram amplamente discutidos nesta segunda-feira durante a segunda reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), mas nenhum acordo foi anunciado pelos dois países, que apesar de terem incrementado a corrente de comércio acumulam reclamações recíprocas.
O vice-presidente Michel Temer, que representou o governo brasileiro, pediu que os chineses façam um "dimensionamento voluntário das exportações" para o Brasil, principalmente em setores sensíveis. "Nos preocupamos com o aumento maciço e indiscriminado de produtos chineses no mercado brasileiro e somos obrigados a registrar que ocasionam deslocamentos da produção brasileira", discursou Temer para a comitiva chinesa.
O dimensionamento voluntário pedido pelo Brasil serve justamente para proteger setores como o têxtil e calçadista e evitar que sejam adotadas medidas drásticas como a adoção de salvaguardas contra produtos chineses, segundo disse a jornalistas um diplomata que participou das negociações da Cosban.
O vice-primeiro ministro chinês, Wang Qishan, que chefiou a delegação chinesa, assumiu o compromisso de aumentar as importações de bens manufaturados brasileiros para a China, mas não se comprometeu publicamente a controlar as exportações chinesas. "A parte chinesa vai continuar a aumentar a importação de produtos de alto valor agregado do Brasil", afirmou em breve declaração à imprensa no final do encontro.
Segundo um diplomata, que pediu para não ter seu nome revelado, o governo chinês entendeu "perfeitamente" o recado brasileiro e se comprometeu tratar a questão com "urgência". Apesar disso não ficou acertado nenhum mecanismo ou cotas. Ele contou que os chineses reclamaram das recentes medidas adotadas pelo governo brasileiro na área automobilística, aumentando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre carros que não tenham pelo menos 60% de conteúdo nacional. "Dissemos que essa era uma medida temporária", disse o diplomata brasileiro.
Brasileiros e chineses também falaram sobre problemas específicos da Vale e da Embraer, mas nos dois casos também não houve grande avanço. No caso da Embraer, o governo brasileiro voltou a pedir que a China acelere as liberações de entrada dos aviões já encomendados e que a autorização para produção do jato Legacy naquele país seja concedida. Os chineses disseram que estão analisando os pedidos e que já tinham permitido a entrada de 14 aeronaves E-190, segundo uma fonte do governo que participou das reuniões.
O governo brasileiro também pediu que os chineses permitissem a atracação dos supercargueiros usados pela mineradora Vale e argumentaram que as embarcações tinham sido fabricadas na China e, portanto, não havia motivo para restrições. Segundo relato da fonte do governo, que falou sob condição de anonimato, os chineses alertaram que eram responsáveis "pelo aço e a pela mão-de-obra" usados para fabricar os supernavios, mas não pelo seu projeto. A fonte diplomática disse que há espaço para negociações em relação aos supercargueiros, dependendo de cada transporte, e que as restrições são por questões técnicas e não comerciais.
Economia internacional
Os dois países voltaram a reafirmar que querem ter posições conjuntas no âmbito internacional e nos fóruns do G20 e no grupo dos Brics, que também inclui Índia, Rússia e África do Sul.
"As duas partes concordaram que na atual conjuntura internacional de grande complexidade a tarefa mais importante é assegurar a recuperação da economia mundial. A China e o Brasil como dois grandes emergentes devem reforçar a nossa cooperação", afirmou Qishan. Na reunião que manteve com a presidente Dilma Rousseff, o chinês informou que o primeiro-ministro Wen Jiabao comandará a comitiva chinesa na Cúpula da Rio+20 no Brasil.
O governo brasileiro tem se esforçado para atrair o maior número de chefes de Estado e de governo para a Conferência das Nações Unidas Sobre o Desenvolvimento Sustentável, que será realizada no Rio de Janeiro em junho.
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Brasil pede à China que controle exportações ao país

Atualizado em  13 de fevereiro, 2012 - 19:18 (Brasília) 21:18 GMT
Wang Qishan e Michel Temer. ABr
Qishan e Temer participaram da segunda reunião da Cosban; eles voltarão a se reunir ainda este ano
O vice-presidente Michel Temer cobrou nesta segunda-feira a China a controlar o fluxo de produtos chineses vendidos ao Brasil, para evitar prejuízos à indústria nacional.
"Nos preocupamos com o aumento maciço e indiscriminado de produtos chineses no mercado brasileiro, o que, somos obrigados a registrar, ocasiona o deslocamento da produção brasileira", afirmou Temer, em discurso durante o segundo encontro da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), em Brasília.
Em seu discurso, antes do almoço com o vice-premiê chinês, Wang Qishan, Temer disse ter solicitado à China que considere um "eventual dimensionamento voluntário" das exportações chinesas ao Brasil.
Segundo um diplomata brasileiro, o Brasil está preocupado com os efeitos de exportações chinesas de baixo custo sobretudo nos setores têxtil e calçadista, num momento em que a crise na Europa e nos EUA faz com que exportadores recorram ao mercado brasileiro para escoar sua produção.
O diplomata diz que, no encontro, o governo brasileiro defendeu que os dois países orientem seu comércio bilateral de modo a explorar a "complementariedade das economias". Em outras palavras, o Brasil gostaria que as exportações chinesas se concentrassem nas áreas em que a indústria nacional não é capaz de atender às demandas do mercado doméstico.
Temer também se queixou do predomínio de matérias-primas (commodities) nas exportações brasileiras à China. A reclamação ecoa posição expressa pela presidente Dilma Rousseff em viagem a Pequim em abril de 2011
À época, Dilma afirmou que o Brasil gostaria de exportar aos chineses mais produtos industrializados, com maior valor agregado. Hoje, os principais itens exportados pelo Brasil à China são minério de ferro, soja e petróleo, responsáveis por quase 80% das vendas brasileiras ao país asiático.
Segundo um diplomata brasileiro, durante a reunião da Cosban, a comitiva chinesa se comprometeu a trabalhar para atender às duas reivindicações do Brasil.
Antes do almoço e da declaração à imprensa, Wang se reuniu com a presidente Dilma Rousseff e com empresários brasileiros.

Queixas chinesas

No encontro com os chineses, o governo brasileiro também ouviu queixas. De acordo com o Itamaraty, o Brasil foi cobrado pela decisão de aumentar em 30 pontos percentuais o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para veículos importados que não usem ao menos 65% de componentes fabricados no Mercusul.
Adotada em setembro, a medida afetou principalmente montadoras chinesas e coreanas.
Segundo o Itamaraty, o governo chinês afirmou que gostaria de dialogar sobre a decisão e sobre formas de aumentar o uso de componentes fabricados no Mercosul em carros chineses.
No encontro, Temer disse ainda ter tratado do interesse brasileiro em ampliar a venda de carnes de frango, boi e porco à China, bem como da venda de aviões da Embraer ao país asiático.
Segundo o Itamaraty, já foi confirmada a compra de 13 das 35 aeronaves da Embraer cuja venda foi acordada na viagem de Dilma à China, em 2011.
Outros temas tratados no encontro, de acordo com Temer, foram a facilitação à instalação de empresas brasileiras na China, o andamento de acordo para que a China receba ao menos cem estudantes brasileiros intercambistas (no âmbito do plano Ciências Sem Fronteiras) e a crição de centros culturais Brasil-China.

Cosban

Criada em 2004, a Cosban é a comissão de mais alto nível entre os governos do Brasil e da China, responsável pelo acompanhamento de diferentes áreas do relacionamento bilateral. Integram sua estrutura onze subcomissões, encarregadas dos campos político; econômico-comercial; econômico-financeiro; de inspeção e quarentena; de agricultura; de energia e mineração; de ciência, tecnologia e inovação; espacial; de indústria e tecnologia da informação; cultural e educacional.
A comissão deveria se reunir a cada dois anos, mas este foi o segundo encontro – o anterior ocorreu em 2006. Nesta segunda-feira, Temer disse ter solicitado que o próximo encontro ocorra até o fim de 2012. Segundo ele, o vice-premiê chinês concordou com a sugestão.
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2011, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as trocas bilaterais alcançaram US$ 77,1 bilhões, com superavit brasileiro de US$ 11,5 bilhões.
O superávit comercial brasileiro com a China equivale a 38% do superavit global do Brasil.

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