segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Paraguai, moderado, de volta ao Mercosul e a Unasul - ABC Color

ABC Color, 02 DE SETIEMBRE DE 2013 13:34


“Ya estamos en el Mercosur”

El canciller paraguayo Eladio Loizaga dijo que Paraguay “ya está en el Mercosur”, solamente que con una participación limitada. Reconoció que hubo avances en la relación con Venezuela.
“Nosotros ya estamos en el Mercosur, nuestra participación solo tiene una limitación del Congreso”, expresó hoy el ministro de Relaciones Exteriores.
Dijo que tras la cumbre de Unasur de jefes de Estado en Surinam, Paraguay logró fortalecer las relaciones diplomáticas con los países que no asistieron a la asunción del presidente Horacio Cartes, especialmente con Venezuela.
Loizaga destacó la actitud del mandatario venezolano Nicolás Maduro, lo que significó un avance para ambos países. Adelantó que próximamente se tendrán otras reuniones para “seguir avanzando”.
“Aquí no se abdicó ningún principio ni se compensó la dignidad paraguaya con nada, eso quiero dejar bien claro”, manifestó el canciller en contacto con Radio Ñandutí. Dijo que lo último que se agotará es el diálogo, y que se buscará la vía más prudente para reestablecer las relaciones.
Cartes participó en su primera actividad como mandatario en el exterior en la cumbre de la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) y oficializó su reingreso al bloque, del que fuera suspendido tras el juicio político a Fernando Lugo.
Paraguay fue suspendido por la misma causa del Mercado Común del Sur (Mercosur). Luego, sin su participación, se aprobó el ingreso de Venezuela como país miembro, hecho que se retrasaba por la oposición del Congreso paraguayo.

Big Brother, small brothers, como os franceses, por exemplo, igualmente espionados...

Se isto pode servir de consolo, bem magro, para os brios ofendidos de patriotas indignados, os franceses, aliados do Big Brother, também foram devidamente espionados.
Acho que só Deus escapou, mas não tenho muita certeza...
Paulo Roberto de Almeida


'Success Story': NSA Targeted French Foreign Ministry

French Foreign minister Laurent Fabius in Paris this month.Zoom
AFP
French Foreign minister Laurent Fabius in Paris this month.
Espionage by the US on France has already strained relations between the two countries, threatening a trans-Atlantic trade agreement. Now a document seen by SPIEGEL reveals that the NSA also spied on the French Foreign Ministry.
America's National Security Agency (NSA) targeted France's Foreign Ministry for surveillance, according to an internal document seen by SPIEGEL.
Dated June 2010, the "top secret" NSA document reveals that the intelligence agency was particularly interested in the diplomats' computer network. All of the country's embassies and consulates are connected with the Paris headquarters via a virtual private network (VPN), technology that is generally considered to be secure.Accessing the Foreign Ministry's network was considered a "success story," and there were a number of incidents of "sensitive access," the document states.
An overview lists different web addresses tapped into by the NSA, among them "diplomatie.gouv.fr," which was run from the Foreign Ministry's server. A list from September 2010 says that French diplomatic offices in Washington and at the United Nations in New York were also targeted, and given the codenames "Wabash" and "Blackfoot," respectively. NSA technicians installed bugs in both locations and conducted a "collection of computer screens" at the one at the UN.
A priority list also names France as an official target for the intelligence agency. In particular, the NSA was interested in the country's foreign policy objectives, especially the weapons trade, and economic stability.

US-French relations are being strained by such espionage activities. In early July, French President François Hollande threatened to suspend negotiations for a trans-Atlantic free trade agreement, demanding a guarantee from the US that it would cease spying after it was revealed that the French embassy in Washington had been targeted by the NSA."There can be no negotiations or transactions in all areas until we have obtained these guarantees, for France but also for all of the European Union, for all partners of the United States," he said at the time.
The NSA declined to comment to SPIEGEL on the matter. As details about the scope of the agency's international spying operations continue to emerge, Washington has come under increasing pressure from its trans-Atlantic partners. Officials in Europe have expressed concern that negotiations for the trade agreement would be poisoned by a lack of trust.

SPIEGEL/kla

O caso Saboia, por Rubens Ricupero: reconhecimento, nao castigo (FSP)


Rubens Ricupero,
Folha de S.Paulo, 2/09/2013

São raríssimos no Itamaraty e no Brasil casos como o de Eduardo Saboia, de funcionários que arriscam tudo por motivos de consciência. Só me lembro de dois em minha carreira: o do embaixador Jaime de Azevedo Rodrigues, que protestou contra o golpe de 64, e o de Miguel Darcy, que organizou rede para denunciar no exterior as torturas do regime militar.
É por isso que exemplos de coragem em defesa de princípios merecem medalha, não punições. Seria erro gravíssimo equiparar o ato de Saboia à insubordinação. Ele não agiu contra ordens do governo. Na verdade, não havia ordens e foi preciso agir no vazio calculado de instruções em que deixaram a embaixada.
A Convenção de Caracas sobre asilo diplomático é clara: compete ao país que concede o asilo julgar a natureza do delito e os motivos da perseguição, correspondendo ao governo local o dever de garantir imediatamente a saída do asilado do território. Tolerar que o governo boliviano recusasse o salvo-conduto por 15 meses é mais que condescendência culposa.
Trata-se de cumplicidade com o governo que já expropriou a Petrobras e ocupou suas instalações com tropas do Exército, recebendo em troca afagos, aumentos do preço do gás e apoio brasileiro na campanha eleitoral do presidente Morales.
Compare-se o silêncio frente à Bolívia com a indignação e a campanha pública do governo do Brasil no asilo do ex-presidente hondurenho Zelaya ou o desgaste do relacionamento com a Itália a fim de proteger criminoso condenado por vários homicídios. A diferença é que nesses dois casos os beneficiados eram companheiros de ideologia.
O que prova que, para este governo e o anterior, democracia, direitos humanos e asilo devem ser filtrados pelo prisma ideológico. Só valem se o favorecido pertence à mesma família ideológica.
Veja-se o contraste com o asilo, também na missão brasileira em La Paz, do presidente Hernando Siles, derrubado por golpe militar em 1930 e pai do futuro presidente Hernán Siles Zuazo.
Cercada a missão semanas a fio por turbas que exigiam a entrega do presidente, o então representante do Brasil temeu pela própria vida e quis deixar o posto. O Itamaraty, porém, exigiu que ele ficasse e defendesse o asilo com firmeza, obtendo finalmente a saída do asilado.
Desta vez, a decisão de retirar da Bolívia o senador perseguido foi tomada como medida extrema, depois de ter ficado claro pelas mensagens de e-mail que o empenho brasileiro pela libertação era um faz de conta. Se não tivesse feito nada e o asilado se suicidasse, como parecia iminente, o encarregado de negócios teria sido culpado de omissão de socorros.
Criminosos de guerra sempre alegaram que apenas cumpriam ordens. Nem o tribunal de Nuremberg, nem os posteriores, aceitaram a desculpa. Eichmann, exemplar funcionário do Holocausto, acabou enforcado. Valores como a vida, a liberdade e a proteção a perseguidos são incomparavelmente mais altos do que obedecer ordens. Se o governo se omite na sua defesa, cabe ao funcionário o dever de suprir a falha.

Ao mostrar ter a coragem que faltou a seus superiores, Saboia honrou os valores da Constituição e do povo brasileiro. Deve receber reconhecimento, não castigo.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Amazônia e do Meio Ambiente, ministro da Fazenda (governo Itamar), embaixador em Genebra, Washington e Roma. Escreve quinzenalmente, aos domingos, na versão impressa de "Mercado".

Idiotice: manual de como evitar - Olavo de Carvalho (via Reinaldo Azevedo)

De fato, não li em qualquer resenha da imprensa, em qualquer comentário na internet, nos blogs mais comumente citados como fonte de informações, alguma informação sobre este livro de Olavo de Carvalho, que como costuma ser com todos os seus artigos apresenta-se de imediato como polêmico e corrosivo.
Já devo ter lido uma boa parte desses artigos, no site do autor, nos jornais onde ele publicou os textos, enviados por amigos e leitores, enfim, catados aqui e ali. Tê-los reunidos num único livro sem dúvida é uma boa solução, assim como já tinha sido seu primeiro livro que li, e gostei, "O Imbecil Coletivo", um ataque exemplar aos nossos "intelequituais" (como diria o Millor) de academia.
Vou tentar ler este também, quando puder.
Por enquanto transcrevo do blog de um outro jornalista igualmente polêmico, pois foi a única referência que encontrei.

Apenas acrescento: quando ouço alguma idiotice sendo dita, saco logo o meu Cervantes, que no seu Don Quijote já se ocupou de algumas idiotices maiores da raça humana, e isso com o humor e a boa graça de que era capaz. Eu, sem ter muita graça, já me interroguei se o número de idiotas estava aumentando no mundo (deve ter um artigo com um título parecido no meu site). Minha resposta: sim e não. Sim, está aumentando o número de idiotas no mundo, pois hoje, qualquer idiota, usando os meios que lhe é oferecido gratuitamente na internet, consegue ter uma vasta audiência à sua (in)disposição, e os idiotas que gostam de ficar famosos estão se esbaldando, como se diz. Não, porque em última instância, a ciência e o trabalho honesto de um punhado reduzido de abnegados tem impedido, felizmente, o bando muito maior de idiotas de fazerem alguma atos catastróficos para a humanidade. Sim, os poucos inteligentes tem salvo os idiotas, em maior número, de suas próprias idiotices, o que mostra que a humanidade ainda não está condenada a desaparecer.
Mas que, em algumas países, estejamos sendo submergidos por um bando de idiotas que chegou ao poder, disso não tenho a menor dúvida...
Paulo Roberto de Almeida

Reinaldo Azevedo, 02/09/2013
 às 5:25

“O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”

É o título de uma coletânea de textos de autoria do filósofo sem carteirinha, crachá ou livro-ponto Olavo de Carvalho (foto), lançado há duas semanas pela Editora Record (615 páginas, R$ 51,90). Os artigos foram selecionados e organizados por Felipe Moura Brasil, um jovem de vinte e poucos — bem poucos — anos, que também cuida de notas explicativas e referências bibliográficas que remetem o leitor tanto à vasta obra do próprio Olavo como à teia de autores e temas com os quais seus textos dialogam ou polemizam. Moura Brasil informa que a seleção obedeceu a seu gosto pessoal e à necessidade de partilhar a sua experiência de leitor e estudioso da obra de Olavo. Esse moço é a prova de que a inteligência e a autonomia intelectual sobrevivem mesmo aos piores tempos. E os piores tempos podem não ser aqueles em que o amor à liberdade é obrigado a resistir na clandestinidade — afinal, resta a esperança no fundo da caixa —, mas aqueles em que a divergência se torna, por si, uma violência inaceitável. Nesse caso, a própria esperança começa a correr riscos. O livro, o que não chega a ser uma surpresa, provocou um enorme silêncio — que é uma das formas do moderno exercício da violência. Os leitores, no entanto, estão fazendo a sua parte, e ele já figura em 10º lugar na lista dos “Mais Vendidos”, na categoria “Não-Ficção”, na VEJA desta semana.
“O Mínimo…” reúne, basicamente, artigos que Olavo publicou em jornais e revistas, inclusive nas revistas “República” e “BRAVO!”, das quais fui redator-chefe — e a releitura, agora, em livro, me remeteu àqueles tempos. Impactam ainda hoje e podiam ser verdadeiros alumbramentos há 10, 12, 13 anos, quando o autor, é forçoso admitir, via com mais aguda vista do que todos nós o que estava por vir. Olavo é dono de uma cultura enciclopédica — no que concerne à universalidade de referências —, mas não pensa por verbetes. E isso desperta a fúria das falanges do ódio e do óbvio. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou não dele —, emprestar dignidade filosófica à vida cotidiana, sem jamais baratear o pensamento. Isso não quer dizer que não transite — e as falanges não o fustigam menos por isto; ao contrário — com maestria no terreno da teoria e da história. É autor, por exemplo, da monumental — 32 volumes! — “História Essencial da Filosofia” (livros acompanhados de DVDs). Alguns filósofos de crachá e livro-ponto poderiam ter feito algo parecido — mas boa parte estava ocupada demais doutrinando criancinhas… Há o Olavo de “A Dialética Simbólica” ou de “A Filosofia e seu Inverso”, e há este outro, que é expressão daquele, mas que enfrenta os temas desta nossa vida besta, como disse o poeta, revelando o sentido de nossas escolhas e, muito especialmente, das escolhas que não fazemos.
O livro é dividido em 25 capítulos ou macrotemas: Juventude, Conhecimento, Vocação, Cultura, Pobreza, Fingimento. Democracia, Socialismo, Militância, Revolução, Intelligentzia, Inveja, Aborto, Ciência, Religião, Linguagem, Discussão, Petismo, Feminismo, Gayzismo, Criminalidade, Dominação, EUA, Libertação e Estudo. Cada um deles reúne um grupo de textos, e alguns se desdobram em subtemas, como a espetacular seleção de textos de “Revolução”, reunidos sob rubricas distintas, como, entre outras, Globalismo, Manipulação e Capitalistas X Revolucionários.
Vivemos tempos um tanto brutos, hostis ao pensamento. Vivemos a era em que o sentimento de “justiça” ou o de “igualdade” — com frequência, alheios ou mesmo refratários a qualquer noção de direito — reivindicam um estatuto moralmente superior a conceitos como verdade e realidade; estes seriam, por seu turno, meras construções subjetivas ou de classe, urdidas com o propósito de provocar a infelicidade geral. Olavo demole com precisão e brilho a avalanche de ideias prontas, tornadas influentes pelo “imbecil coletivo” e que vicejam muito especialmente na imprensa — fenômeno enormemente potencializado pelas redes sociais.
Em 2003, o jornal “O Globo” ainda publicava textos como “Orgulho do Fracasso”, de Olavo. E se podia ler (em azul):
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.
(…)
A experiência dos milênios, no entanto, pode ser obscurecida até tornar-se invisível e inconcebível. Basta que um povo de mentalidade estreita seja confirmado na sua ilusão materialista por uma filosofia mesquinha que tudo explique pelas causas econômicas. Acreditando que precisa resolver seus problemas materiais antes de cuidar do espírito, esse povo permanecerá espiritualmente rasteiro e nunca se tornará inteligente o bastante para acumular o capital cultural necessário à solução daqueles problemas. O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações alegadas — a exploração estrangeira, a composição racial da população, o latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a verdade que o tornaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm primeiro, a prosperidade depois.
(…)
Retomo
Grande Olavo de Carvalho! Dez anos depois, com o país nessa areia, como ignorar a força reveladora das palavras acima? Olhem à nossa volta. O que temos senão um governo incompetente, que fez refém ou tornou dependente (com Bolsa BNDES, Bolsa Juro, Bolsa Isenção Tributária) uma elite não muito iluminada, combatido, o que é pior, por uma oposição que não consegue encetar uma crítica que vá além do administrativismo sem imaginação, refratária ao debate, que foge do confronto de ideias como Lula foge dos livros e Dilma da sintaxe?
O país emburrece. Eu mesmo, mais de uma vez, em ambientes supostamente afeitos ao pensamento, à reflexão e à leitura, pude constatar o processo de satanização do contraditório. É mais difícil travar com intelectuais (ou, sei lá, com as classes supostamente ilustradas) um debate racional sobre a legalização do aborto do que com um homem ou uma mulher do povo, de instrução mediana. E não porque aqueles tenham os melhores argumentos. Ao contrário: têm os piores. Olham para a sua cara e dizem, com certo ar de trunfo, como se tivessem encontrado a verdade definitiva: “É uma questão dos direitos reprodutivos da mulher”. Digamos que fosse… Esses tais “direitos reprodutivos” teriam caído da árvore da vida, como caiu a maçã para Newton, ou são uma construção? Por que estaria acima do debate?
Mais um pouco das palavras irretocáveis de Olavo (em azul):
Na tipologia de Lukács, que distingue entre os personagens que sofrem porque sua consciência é mais ampla que a do meio em que vivem e os que não conseguem abarcar a complexidade do meio, a literatura brasileira criou um terceiro tipo: aquele cuja consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas ao lado dela, num mundo à parte todo feito de ficções retóricas e afetação histriônica. Em qualquer outra sociedade conhecida, um tipo assim estaria condenado ao isolamento. Seria um excêntrico.
No Brasil, ao contrário, é o tipo dominante: o fingimento é geral, a fuga da realidade tornou-se instrumento de adaptação social. Mas adaptação, no caso, não significa eficiência, e sim acomodação e cumplicidade com o engano geral, produtor da geral ineficiência e do fracasso crônico, do qual em seguida se busca alívio em novas encenações, seja de revolta, seja de otimismo. Na medida em que se amolda à sociedade brasileira, a alma se afasta da realidade — e vice-versa. Ter a cabeça no mundo da lua, dar às coisas sistematicamente nomes falsos, viver num estado de permanente desconexão entre as percepções e o pensamento é o estado normal do brasileiro. O homem realista, sincero consigo próprio, direto e eficaz nas palavras e ações, é que se torna um tipo isolado, esquisito, alguém que se deve evitar a todo preço e a propósito do qual circulam cochichos à distância.
Meu amigo Andrei Pleshu, filósofo romeno, resumia: “No Brasil, ninguém tem a obrigação de ser normal.” Se fosse só isso, estaria bem. Esse é o Brasil tolerante, bonachão, que prefere o desleixo moral ao risco da severidade injusta. Mas há no fundo dele um Brasil temível, o Brasil do caos obrigatório, que rejeita a ordem, a clareza e a verdade como se fossem pecados capitais. O Brasil onde ser normal não é só desnecessário: é proibido. O Brasil onde você pode dizer que dois mais dois são cinco, sete ou nove e meio, mas, se diz que são quatro, sente nos olhares em torno o fogo do rancor ou o gelo do desprezo. Sobretudo se insiste que pode provar.
Sem ter em conta esses dados, ninguém entende uma só discussão pública no Brasil. Porque, quando um brasileiro reclama de alguma coisa, não é que ela o incomode de fato. Não é nem mesmo que exista. É apenas que ele gostaria de que existisse e fosse má, para pôr em evidência a bondade daquele que a condena. Tudo o que ele quer é dar uma impressão que, no fundo, tem pouco a ver com a coisa da qual fala. Tem a ver apenas com ele próprio, com sua necessidade de afeto, de aplauso, de aprovação. O assunto é mero pretexto para lançar, de maneira sutil e elegante, um apelo que em linguagem direta e franca o exporia ao ridículo.
Esse ardil psicológico funda-se em convenções provisórias, criadas de improviso pela mídia e pelo diz que diz, que apontam à execração do público umas tantas coisas das quais é bom falar mal. Pouco importa o que sejam. O que importa é que sua condenação forma um “topos”, um lugar-comum: um lugar no qual as pessoas se reúnem para sentir-se bem mediante discursos contra o mal. O sujeito não sabe, por exemplo, o que são transgênicos. Mas viu de relance, num jornal, que é coisa ruim. Melhor que coisa ruim: é coisa de má reputação. Falando contra ela, o cidadão sente-se igual a todo mundo, e rompe por instantes o isolamento que o humilha.
Essa solidariedade no fingimento é a base do convívio brasileiro, o pilar de geleia sobre o qual se constroem uma cultura e milhões de vidas. Em outros lugares as pessoas em geral discutem coisas que existem, e só as discutem porque perceberam que existem. Aqui as discussões partem de simples nomes e sinais, imediatamente associados a valores, ao ruim e ao bom, a despeito da completa ausência das coisas consideradas.
Não se lê, por exemplo, um só livro de história que não condene a “história oficial” — a história que celebra as grandezas da pátria e omite as misérias da luta de classes, do racismo, da opressão dos índios e da vil exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita-cuja. Não há cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte, nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria.
Mas, sem uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam sua identidade de neo-oficialismo consagrado — balofo, repetitivo e caquético como qualquer academismo. Direi então que açoita um cavalo morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo o “debate brasileiro” é uma troca de coices num cemitério de cavalos.
Encerro
Leia esse livro de Olavo de Carvalho. Ninguém, no Brasil, escreve com a sua força e a sua clareza. Tampouco parece fácil rivalizar com a sua cultura, fruto da dedicação, do trabalho no claustro, da aplicação, não da busca de brilharecos. Leia Olavo: contra o ódio, contra o óbvio, contra os idiotas e a favor de si mesmo.
Por Reinaldo Azevedo

Big Brother, small brothers e escutas da NSA sobre presidentes do Brasil e do Mexico: alguma novidade?

A pergunta a ser feita aqui, sem qualquer hipocrisia, é esta:
Se o governo brasileiro tivesse a capacidade, a habilidade e a oportunidade, por meio dos seus arapongas da Abin, ou por qualquer outro meio, de ouvir, de ler, de saber o que Obama anda fazendo, lendo, falando, instruindo a seus auxiliares, ele deixaria de fazer isso, em nome de algum código de ética de sua agência de informações, ou apenas porque isso não se faz entre gente de bem?
Ele seria gentil a este ponto?
Perderia essa oportunidade apenas por pruridos éticos?
Bem, se me disserem que sim, concordo com os protestos. Se houver algum sorriso amarelo no meio de tudo isso, pode-se apenas dizer: much ado about nothing.
Paulo Roberto de Almeida

VEJA.com, 02/09/2013

Reportagem do Fantástico, da TV Globo, exibida na noite deste domingo afirma que as comunicações da presidente Dilma Rousseff foram alvo de espionagem por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos. A acusação foi baseada em um documento secreto obtido pelo jornalista americano Glenn Greenwald, do jornal inglês The Guardian. Greenwald foi um dos primeiros a revelar o sistemático esquema de espionagem eletrônica da agência americana e do governo Obama delatado pelo ex-analista da NSA Edward Snowden. O jornalista é namorado do brasileiro David Miranda, que foi detido no mês passado em Londres, quando transportava papéis entregues por Snowden. Greenwald disse que o material sobre a vigilância ao governo brasileiro também foi repassado a ele pelo ex-analista.
Segundo a reportagem exibida no programa, o nome de Dilma aparece em uma apresentação produzida internamente para funcionários da NSA e intitulada “Filtragem inteligente de dados: estudo de caso do México e do Brasil”. De acordo com o material, o objetivo do monitoramento ao Brasil seria “melhorar a compreensão dos métodos de comunicação” entre a presidente e seus assessores. No documento, o presidente mexicano Enrique Peña Nieto também é mencionado como alvo de vigilância. Datada de 20 de junho de 2012, quando Peña Nieto ainda era candidato, a apresentação mostra mensagens de texto interceptadas do celular do futuro presidente. Nelas, ele aparece especulando quais seriam os seus ministros caso viesse a ser eleito.
No caso de Dilma, o material exibido pelo Fantástico não indica o conteúdo de qualquer conversa ou texto que eventualmente tenha sido alvo de bisbilhotagem pela agência. Os trechos que citam a presidente mostram apenas organogramas de sua rede de assessores, que aparecem com os nomes apagados. A apresentação detalha que a coleta de dados para espionar os governantes seria feita pelo monitoramento de números de telefone, e-mails e IP (a identificação do computador).
Método
“Ficou muito claro, com esses documentos, que a espionagem já foi feita, porque eles não estão discutindo isso só como alguma coisa que eles estão planejando. Eles estão festejando o sucesso da espionagem”, analisa Greenwald na reportagem.
A apresentação interna termina explicando que o método de monitoramento consiste em uma filtragem de dados “simples e eficiente” e que sua execução pode vir a ser repetida. Segundo as conclusões da reportagem, a indicação de que o monitoramento pode vir a ser repetido significa que ele já foi usado uma vez. A reportagem do Fantástico afirmou que tentou entrar em contato com Snowden, mas o ex-analista, que atualmente está asilado temporatiamente na Rússia, disse que o governo local exigiu que ele não comente o conteúdo dos documentos.

Reação
A denúncia foi tema de reunião realizada domingo entre Dilma e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ficou decidido que o Itamaraty vai convocar o embaixador dos Estados Unidos para cobrar explicações e que o governo brasileiro irá recorrer à ONU e a outros órgãos internacionais contra ações de espionagem. “Se forem comprovados os fatos, estaremos diante de uma situação inadmissível”, disse Cardozo ao Fantástico.

Paulo Antonio Pereira Pinto: um africanista e um asianista exemplar, agora em Burkina Faso

Tenho o prazer de transcrever o mais recente artigo do meu amigo Paulo Antonio Pereira Pinto, o famoso PaPePinto do Itamaraty, provavelmente o único "tout-terrain" da carreira, como já provou diversas vezes nos mais diversos cantos do planeta, quase um Indiana Jones da diplomacia brasileira.
Paulo Roberto de Almeida

Burkina Faso – a Terra dos Homens Livres, onde a negociação continua

Paulo Antônio Pereira Pinto

Mundorama, 02/09/2013

Após a grata surpresa de que Burkina Faso significa “Terra dos Homens Justos”, fica-se sabendo que seu Ministro da Economia se chama Bem Bamba.  Mesmo assim, o país consta da lista dos cinco mais pobres. A impressão inicial, no entanto, é a de que esta parece ser uma daquelas estatísticas, que não se sabe direito como são feitas. Pelo menos na capital Uagadugu, a situação de miséria não é tão grave quando comparadas, por exemplo, com a Índia, onde entre os 700 milhões de miseráveis, os urbanos vivem ao relento. Aqui, há aquele comércio informal que persegue o visitante nas paradas de trânsito e em frente a estabelecimentos e mercados, mas também há muitas lojas, à beira das ruas, que expõem móveis e produtos diversos, indicando que há uma classe média ascendente bem bamba. As pessoas parecem alegres e simpáticas.
Costuma-se dizer que Burkina Faso é 50% cristã, 50% muçulmana e 100% animista. Um dos desafios intelectuais, portanto, será  procurar entender a boa convivência local com o Islã. No Mali vizinho, como se sabe, tal “coabitação” não tem sido bem sucedida.
De regresso temporário à África, após ter servido no continente, entre 1976 e 1982, sucessivamente em Libreville, Maputo e Pretória, procuro fazer breve exercício de reflexão, sobre os obstáculos que foram superados, naquelas décadas, e a atual satisfação que o trabalho de política externa pode proporcionar ao diplomata brasileiro em postos africanos.
Na África Ocidental de colonização francesa, quando da abertura de nossas Embaixadas, a partir da década de 1970, tratava-se mais de ouvir discursos nos quais seus dirigentes, com frequência, deixavam escapar frases como “nous les français”. Identificavam-se, dessa forma, como elite local, com valores semelhantes aos das depostas autoridades da antiga metrópole.
Gradativamente, cabia apresentar o Brasil não como um “candidato a mais a colonizador”, nem com projeto apenas mercantilista, mas como parceiro capaz de encontrar “soluções comuns para problemas comuns”. Por exemplo, na Libreville super-tropical, no início dos anos de 1970, os franceses haviam construído um hospital com “teto de proteção contra neve”, que contava, também, com cozinha não equipada para o preparo de comida africana. Eram trágicas, então, as imagens dos pacientes em quartos “aquecidos contra a neve” e seus familiares cozinhando alimentos nos corredores. Pouco a pouco empresas de engenharia nossas foram se apresentando como parceiros mais adequados e, como consequência, diferentes formas de cooperação científico-tecnológica e diálogo político se foram consolidando.
Em Moçambique, onde servi, entre 1977 e 79, logo após a Independência, não causava boa impressão dizer que “falamos a mesma língua”, pois, quase sempre a resposta dos dirigentes do novo país era a de que “nunca ouvimos o sotaque brasileiro, na luta contra os imperialistas portugueses”. Estava viva, ainda, na memória dos vitoriosos, que o Brasil votara, sistematicamente na AGNU, contra a condenação do colonialismo português. Foi necessário, então, trabalho de enorme paciência para identificar objetivos nacionais comuns – inclusive o da preservação do idioma herdado – graças à liderança do Embaixador Ítalo Zappa, um dos responsáveis, como se sabe, pela mudança de orientação em nossa política africana.
Exerci a encarregatura de negócios em Pretória, entre 1979 e 82, como Segundo Secretário, pois mantínhamos Embaixada, sem titular, a título de protesto contra o “apartheid”. No início dos três anos e meio de chefia, a primeira coisa que fiz, a título de protesto quanto ao racismo em vigor, foi contratar uma secretária negra – algo proibido pelo “Jobs reservation act”, que então determinava ser tal emprego ocupado apenas por brancos. Tive minha sala invadida três vezes por consulentes inconformados ao serem atendidos por uma africana.
Tive oportunidade de relatar ao Itamaraty, naquele período, encontros que mantive com lideranças anti-appartheid. Para visitar o Dr. Natho Motlana, tinha que ir a SOWETO, com escolta armada de aliados do dissidente, obtida pela já citada secretária africana. Fui o primeiro diplomata estrangeiro a oferecer jantar ao Bispo Tutu, que chegou atrasado, por ter que superar sucessivos obstáculos ao ingresso de negros à Residência, situada em bairro nobre da então Pretória branca. Restou-me uma grande frustração. Pedi e não fui autorizado, pelo regime militar brasileiro, a viajar à ilha  onde se encontrava preso  importante opositor do regime: Nelson Mandela.
Verifica-se, atualmente, que a emergência da Nova África sofre ainda de condicionamentos de seu passado colonial, no que diz respeito à visualização de suas trajetórias estratégicas no século XXI. Países africanos avançam em processo de autonomia e desenvolvimento ancorado em imensos recursos naturais de que dispõem. Em sua trajetória para a construção de uma sociedade urbano-industrial, precisam integrar-se a diferentes sub-regiões para desenvolver espaços econômicos, políticos, socioculturais, técnico – científicos capazes de sustentar projetos nacionais.
Nesse sentido, caberia efetuar o reconhecimento do avanço das diferentes formas de cooperação científica e tecnológica e intercâmbios comerciais, já existentes entre o continente e o Brasil. O autor não está habilitado a relatar em detalhes todos os projetos já realizados, nem seria possível contê-los neste curto espaço. O trabalho de implementação das soluções comuns para problemas compartilhados e o incremento das trocas de bens e conhecimentos é, sem dúvida, enorme e gratificante desafio para as Embaixadas brasileiras em capitais africanas.              Há que ter cuidado, contudo, para não identificar, em cada manifestação de apreço por líder africano pelo Brasil, uma busca por modelo de governança nosso a ser adaptado a este continente.
Quanto ao momento atual do cenário afro-ocidental, conforme visto de Uagadugu, registro, por exemplo, a situação quase inusitada, na política internacional, em que um país, considerado como dos mais pobres do mundo, o Burkina Faso, é capaz de desempenhar mediações regionais, como o fez com papel definitivo na questão do Mali e, segundo consta, teria atuado também na crise da Costa do Marfim.
Nas décadas de 1970-80, quando servi na África Austral, foram indispensáveis aos movimentos de libertação nacional os então chamados “países da linha de frente” – entre outros, Tanzânia e Zâmbia desempenharam este papel com respeito à FRELIMO, de Moçambique e, como se sabe, este agiu da mesma forma quanto à ZANU, no caso do Zimbabwe. Tratava-se, naquela época, de fornecer refúgio, em território vizinho, para “freedom fighters”. Em retaliação, sofria-se com bombardeios das potências coloniais, que faziam numerosas vítimas, entre a população civil do anfitrião dos guerrilheiros. Não havia registro, no entanto, de algum ator regional capaz ou desejoso de atuar como mediador.
De acordo com registros disponíveis, o “país dos homens justos” substituiria, hoje, o lema, em vigor há  mais de trinta anos, de “a luta continua”, pela persistência na negociação.
Obtém, como resultado, recompensas na atração de auxílio financeiro externo para o reforço da governabilidade interna. Despojados de riquezas próprias, os “burquinabés” se beneficiariam, econômica e politicamente, da mediação de conflitos entre países vizinhos.
Assim, a organização de frequentes conferências regionais e internacionais mais amplas gera atividades econômicas nesta capital, enquanto personalidades associadas ao Governo, como recompensa pelos serviços de mediação executados, são elevadas a posições de realce em organizações dedicadas à promoção da paz e do desenvolvimento.
O Burkina Faso depende fortemente de ajuda do exterior, que corresponderia a cerca de 80% de seus investimentos públicos. Os aportes externos totalizariam US 400 milhões anuais. O país conta, ademais, com estimadas 16000 organizações não governamentais, que trariam outras centenas de milhões de US para sua economia.
Registre-se a abertura de Ouga – na versão simplificada do nome complicado da cidade – a todas as formas de cooperação externas. É um dos poucos aliados diplomáticos de Taiwan e, até recentemente, se identificava com a Líbia, tendo o falecido Cel. Kadhafi investido em projetos locais. O principal hotel desta capital exibia enorme fotografia do ex-líder.
França e Estados Unidos parecem atribuir importância ao Estado burkinabé. A visível parceria militar favoreceria a França, por resultados positivos, repetidamente obtidos pelo Burkina Faso, em negociações para a libertação de prisioneiros capturados por movimentos islamistas na área do Sahel.
Washington teria superado antipatias quanto a Ouga, a partir da década de 1990, durante a qual, sempre como resultado da vocação local para estabelecer vínculos de cooperação externa, este país cultivou laços com Charles Taylor e Mouammar Kadhafi. A partir do início do milênio em curso, no entanto, melhorou o diálogo entre as duas capitais, inicialmente pela disposição burkinabé, segundo consta, de permitir o cultivo, neste país, de algodão por controvertido método da empresa norte-americana Monsanto.
A principal importância do Burkina Faso para a França e os EUA parece ser a atual utilização deste país por bases militares para os conhecidos “drones” que policiam “movimentos terroristas” no Sahel.
Quanto ao efeito de toda a cooperação externa para a governabilidade interna, há controvérsias. Por um lado, seu regime tem sido blindado contra críticas do exterior, em benefício das bem sucedidas parcerias mencionadas acima e pelo livre exercício de milhares de ONGs, também já citadas.
Por outro, a ausência de condenações, a “imperfeições”  de suas formas de governança, atrasa reformas necessárias ao aperfeiçoamento político interno e a introdução de novos mecanismos de inclusão social. Seria ingênuo imaginar que é “impossível de prever ou inacreditável não antecipar” que a África Ocidental permanecerá imune às turbulências políticas vizinhas.
Aprendi, a propósito, que a « parenté à plaisanterie » é uma prática social utilizada no Burkina Faso e outros países desta região, que consiste em brincadeira com a troca de “insultos simulados” entre indivíduos de diferentes famílias e etnias, como forma de aliviar tensões do convívio diário, bem como evitar confrontações, como resultado de heranças de conflitos históricos, rivalidades religiosas ou étnicas. Este ritual de “indelicadezas”, que inclui diferentes xingamentos, sinceros ou não, contribui para uma tolerância sustentável, entre grupos com identidades distintas que, como se sabe, foram forçados a conviver, pelo colonialismo europeu, em unidades políticas, cujo futuro é ainda incerto.
A leitura dos jornais aqui publicados, a propósito, transmite a impressão de que o mesmo conceito lúdico se aplica ao debate político. Assim, metade de cada diário parece dedicar-se a “cartas abertas” de personalidades que criticam ou apoiam medidas governamentais. Não me é possível, ainda, concluir quando e como a oposição de ideias, sinceras ou não, levarão a políticas de interesse público. Pode tratar-se, apenas, de prática política da tal “parenté à plaisanterie”
Aproveito para citar, a respeito da influência aqui exercida por nosso País, que: “Pôr-se-ia, como hipótese, que o Brasil, apesar de todos os seus recursos, ainda não se deu a trabalho que o valesse, não por obstáculos internos ou externos, mas simplesmente porque o não concebeu suficientemente claro. E, se algum trabalho tem, é esse de ajudar a sair de suas indeterminações os povos do mundo que não encontram, nas grandes nações, guia algum que valha a pena seguir; primeiro a África.” Agostinho da Silva, in Perspectiva brasileira de uma política africana.
Finalmente, cito que, por ocasião de encarregatura em Maputo, em algum período entre 1977 e 79, compareci, com outros representantes estrangeiros, ao aeroporto, para despedida de praxe do Presidente Machel, que viajava ao exterior. Ao cumprimentar-me Samora Machel se defrontou com um Terceiro-Secretário, envergando terno comprado em Paris, me questionou sobre as relações bilaterais e, diante de minha aparência e postura sofisticada nas respostas, observou ao então Vice-Presidente Marcelino dos Santos: “Este jovem é muito frio para ser brasileiro”. Prontamente, tendo uma recaída carioca, lhe respondi: “O que o Sr. esperava, que eu estivesse fantasiado de baiana e assoviando a Aquarela do Brasil?”. Ele sorriu, satisfeito por me ter transmitido lição sobre como os africanos enxergam os brasileiros. A partir de então, para não ser mais confundido, só usei aqueles “safari suits”, a exemplo das autoridades e funcionários locais e voltei a falar como o fazia na Praia de Ipanema, onde me criei.
Logo após minha chegada a Uagadugu, em agosto, recebi a visita do jovem brasileiro Hugo Reichenberger, funcionário da UNHCR, que cuida de refugiados do Mali no Burkina Faso, que me informou haver lugares, em sua área de trabalho, onde o ingresso de “homens brancos” não é permitido. Rindo, me disse ainda já ser do conhecimento dos grupos armados da região, que ele não é branco – é brasileiro.
Paulo Antônio Pereira Pinto é Diplomata. Em Missão Transitória na Embaixada em Uagadugu, Burkina Faso. Chefe do Escritório de Representação do MRE no Rio Grande do Sul (ERESUL). Foi  Embaixador do Brasil em Baku, Azerbaijão, entre 2009 e 2012, e Cônsul-Geral em Mumbai, entre 2006 e 2009. Serviu a partir  de 1982, durante vinte anos, na Ásia Oriental, sucessivamente, em Pequim, Kuala Lumpur, Cingapura, Manila e Taipé. Na década de 1970 trabalhou, na África,  nas Embaixadas em Libreville, Gabão, e Maputo, Moçambique e foi Encarregado de Negócios em Pretória, África do Sul.  As opiniões expressas são de sua inteira responsabilidade e não refletem pontos de vista do Ministério das Relações Exteriores.

Luiz Felipe Lampreia: hierarquia e disciplina, com atenuante, no caso Eduardo Saboia


Uma fuga inédita

Luiz Felipe Lampreia
Folha de S. Paulo, 01/09/2013 


Luiz Felipe Lampreia Instituto Millenium

O caso da fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina é inédito na história diplomática do Brasil.

Nunca um diplomata brasileiro tomou, como o funcionário Eduardo Saboia, de sua própria cabeça e sem autorização nem conhecimento de seus superiores a decisão de retirar clandestinamente do país um asilado de nossa embaixada.

Isso foi feito com graves riscos, que puseram em perigo a vida do próprio senador boliviano, do jovem diplomata brasileiro Saboia e de seus acompanhantes.

Como disse em palavras lapidares o novo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado: “Não estaremos num bom caminho se permitirmos que se percam aspectos essenciais de nossa cultura institucional, como o princípio da hierarquia. O Itamaraty que eu entendo é também aquele que atua decisivamente no cumprimento das instruções recebidas e no estrito respeito à lei”.

Por outro lado, a questão tem um outro aspecto relevante que é a não concessão pelo governo boliviano do salvo-conduto que permitiria ao senador Pinto uma saída honrosa e legal. O princípio de direito internacional que rege essa matéria é o seguinte: “O embaixador (ou o encarregado de negócios), que é a autoridade asilante, analisará a presença de natureza política da perseguição que sofre o asilado potencial e a atualidade do ocorrido e reclamará da autoridade local a expedição de um salvo-conduto”.

O Brasil deveria ter feito exigência mais enérgica da concessão de salvo-conduto pela Bolívia, em cumprimento ao direito internacional

Isso foi feito, mas o governo boliviano recusou-se, durante mais de um ano e meio, a conceder o salvo-conduto, sob alegações diversas. O novo procurador-geral da República disse-o bem no Senado Federal: “O Estado boliviano, para permitir a consequência lógica do que é o asilo territorial, deveria ter concedido, sim, o salvo-conduto”.

É de grande relevância registrar que existe uma Convenção sobre Asilo Diplomático firmada em Caracas no dia 28 de março de 1954, que se acha em pleno vigor e da qual a Bolívia é signatária desde o primeiro dia, assim como nosso país.

Essa convenção reza que “concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias a que se refere o artigo 5º e o correspondente salvo-conduto”.

Como o senador Roger Faria é opositor ferrenho do presidente Evo Morales, o governo boliviano decidiu ignorar as regras do direito internacional, violando a Convenção de Caracas de 1954.

A meu juízo, o governo brasileiro deveria ter tratado do assunto com mais firmeza. Estando em jogo questão de tal delicadeza, impõe-se uma posição firme e categórica. Em outras palavras: exigência mais enérgica do cumprimento do direito internacional em seus dispositivos pertinentes.

Porém, diante do fato consumado da evasão do senador Roger Pinto com a cooperação total de um funcionário diplomático, creio que o Itamaraty fez bem em abrir um inquérito administrativo para apurar responsabilidades no caso. Espero, contudo, que sejam levados em conta os atenuantes de tipo emocional que levaram o jovem Eduardo Saboia a cometer a grave quebra das normas que disciplinam o serviço diplomático brasileiro.


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