terça-feira, 20 de setembro de 2022

Eleições brasileiras de 2022 num cenário de terra arrasada - Paulo Roberto de Almeida (InterAção)

 Meu trabalho publicado mais recente: 

4222. “Eleições brasileiras de 2022 num cenário de terra arrasada”, Brasília, 22 agosto 2022, 12 p. Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.


Eleições brasileiras de 2022: um cenário de terra arrasada

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Texto composto em 22/08/2022

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.

 

 

Estaria o Brasil evoluindo insidiosamente para um regime iliberal?

Uma primeira reflexão interrogativa sobre o atual cenário de grandes dúvidas a respeito do desenvolvimento normal das eleições de 2022 poderia ser feito partindo de um questionamento geral sobre nossa trajetória como nação política. Rupturas institucionais ou de regimes políticos só ocorrem excepcionalmente na vida das nações. As sociedades já constituídas politicamente não costumam fazer assembleias gerais para decidir sobre o seu próximo destino: normalmente, mudanças e reformas, inclusive no plano institucional, se dão no âmbito parlamentar, depois de ampla discussão no corpo representativo. 

Com efeito, rupturas radicais só ocorrem ao cabo de revoluções ou de guerras civis. Ainda não é o caso do Brasil. Pelo menos não na magnitude dos episódios antecedentes que podem ser aqui sumariados: a crise do regime imperial, que também se devia, além dos casos religiosos e militares, a grandes dúvidas sobre a sucessão da monarquia, dada a idade provecta do imperador; quando se deu o golpe militar em prol da República; a crise da primeira República, refletida na luta dos militares e da classe média contra os votos falsos, também estimulada pela crise econômica externa; a própria crise do regime getulista ao final da Segunda Guerra Mundial; o clima de radicalização que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros e o arremedo parlamentarista que levou João Goulart à presidência, mas precipitou o acirramento das oposições; o golpe de 1964, quando os militares decidiram não apenas intervir na política, mas “fabricar” um novo regime tecnocrático; finalmente, a crise de vinte anos de autoritarismo que soçobrou na crise econômica e na falta de legitimidade política. 

Essa foi a sucessão de rupturas desde o início do regime republicano, o que justificou que o principal brasilianista americano, Thomas Skidmore, examinando nossa trajetória dos anos 1930 ao golpe de 1964, desse como subtítulo de seu primeiro livro sobre a política no Brasil esse qualificativo dubitativo: Politics in Brazil, 1930-1964: an Experiment in Democracy (1967). Atualmente, o Brasil, definitivamente, não vive um ciclo toynbeeano de ascensão e declínio civilizatório. Nossa trilha é um pouco mais “abaixo”, não em termos de avanços materiais ou progressos tecnológicos, mas no terreno dos valores e princípios morais de uma sociedade que deveria ser regrada, mas não consegue encontrar as bases de um regime político definitivamente regido pelas leis, não pela esperança eleitoral de se encontrar o próximo “salvador da pátria”. Não escapamos do sebastianismo, mas tampouco somos capazes de degringolar em experimentos tão radicais como as vistas em outros países.

Certas sociedades, enfrentando profundas crises, como a República de Weimar ou a Venezuela dos anos 1990, acabaram se entregando a um bando de sacripantas criminosos que terminam por levá-la ao paroxismo da autodestruição. Estaria o Brasil se aproximando dessa “atração fatal”? Não parece ser o caso, pelo menos não ainda.

Não se pense que certas “deformações” de um ciclo normalmente e tendencialmente ascensional estejam restritas a países que passaram por profundas crises sociais e econômicas como a Alemanha de Weimar ou a Venezuela pré-Chávez. Elas podem afetar, igualmente, nações aparentemente bem-sucedidas, mas bastante diversas em sua composição “civil”, com estamentos privilegiados, mas decadentes, e diferentes estratos de “desclassificados”, mas dotados de franquias eleitorais, como ocorre atualmente com a maior parte dos Estados-nacionais do sistema onusiano. Os Estados Unidos recentes podem ser um exemplo disso, como já revelaram alguns estudiosos da própria franja avançada das democracias de mercado, que veem o liberalismo em crise e o declínio das democracias. Tais processos parecer ser bem mais o resultado do avanço da ignorância do que dos retrocessos da economia.

Nessas fricções do processo histórico e no itinerário da evolução de nações assim confrontadas a desafios adaptativos podem surgir espaços, abrir “janelas”, para que oportunistas dotados de “boa” retórica consigam empolgar as massas com suas propostas disruptivas. Pode ser o começo do declínio, mais ou menos dramático segundo as forças sociais mobilizadas ao redor do personagem: um Mussolini, um Hitler, um Chávez, um Trump, um Bolsonaro.

Não está claro o que pode advir desse tipo de “atração fatal”. O que está claro é que tal tipo de fenômeno deveria, pelo menos, afastar essas teorias deterministas da História. A história de cada nação em particular é um livro aberto ao imponderável, ao contingente, ao inesperado, ao acidental e até ao dramático. Apenas se espera que o Brasil não esteja no vórtice de alguma “atração fatal”.

 

Qual é a conjuntura política existente no Brasil semanas antes das eleições?

Duas semanas antes das supostas festividades pelos 200 anos de nossa independência como Estado autônomo e menos de 40 dias antes do próximo pleito presidencial, o contexto eleitoral que se observa, de um ponto de vista independente, é próximo de um cenário de terra arrasada. As razões não são difíceis de definir, bastando olhar o panorama político.

Nada do que venha a ocorrer no curso das próximas semanas, em plena campanha política presidencial, deveria poder nos impedir de reconhecer exatamente quem são os corruptos, os grandes mentirosos, os incompetentes e até um ou outro desequilibrado, entre os que estão na liça para a presidência nos próximos quatro anos, assim como entre os milhares de candidatos para os demais cargos em disputa. O que já vimos até aqui – em termos de emendas secretas, uso abusivo dos fundos eleitoral e partidário – também pode nos confirmar que o estamento político brasileiro é essencialmente predatório das riquezas duramente produzidas pelo povo trabalhador. Digo estamento num sentido flexivelmente weberiano, pois que a classe política de fato se converteu numa categoria à parte no cenário social brasileiro. Ela se apresenta hoje como sendo o pior inimigo do Brasil e dos trabalhadores brasileiros, que estão sendo sistematicamente extorquidos por ladrões organizados. Esta é uma constatação que se funda na observação dos crimes eleitorais, ou crimes comuns, perpetrados por vários dos candidatos e que, no entanto, estão em liça.

Vai ser difícil reparar tal sistema necrosado pela corrupção entranhada, totalmente alheio a qualquer ética no serviço público, servindo apenas a si mesmo e confiante na impunidade judicial que seus grandes integrantes construíram para si. 

Como chegamos a isso?

Foi um lento acumular de distorções e de deformações banais, que atingiram inclusive as mais altas corporações de Estado, e que produziram um mundo à parte das preocupações mundanas dos brasileiros do setor produtivo, um mundo focado exclusivamente na captura da riqueza criada pelo setor produtivo sob a forma de nacos cada vez maiores do orçamento nacional, sistematicamente desviados para ganhos prebendalistas, o que está no centro do patrimonialismo que nunca deixou de se fortalecer no Brasil.

Nossa decadência política é de um tipo diferente: ela não tem nada de ideológico, pois que todas as correntes de opinião política, todas as tendências do sistema partidário partilham do mesmo afã pelo ganho fácil, pela extorsão legalizada por um sem-número de dispositivos e mecanismos dedicados ao objetivo comum de extrair renda do Estado brasileiro.

Os rentistas do estamento político estão unidos no aprofundamento do declínio da nação e prometem aperfeiçoar o sistema de extorsão legalizada justamente no ano em que “comemoramos” o Bicentenário do Estado independente. Existe maior ironia do destino do que essa?

De fato, podemos proclamar desde já, ou seja, quarenta dias antes dos resultados dos escrutínios – para os cargos executivos e para todos aqueles representativos – que as próximas eleições podem ser totalmente inúteis para a correção das graves dificuldades que enfrenta o Brasil, como resultado do pior declínio político a que assistimos em nossa história republicana, um processo que se arrasta desde o início do século. 

Quer ganhe um ou outro dos principais candidatos, segundo as pesquisas eleitorais, isso não parece ter a menor importância para a governança ou para as reformas necessárias no país, pois a cidadania votante nem se sabe se elas serão, ou não, feitas, algumas sim, outras não, ao sabor das coalizões sempre cambiantes e oportunistas no Parlamento. 

Quem continuará mandando, de fato, serão os políticos predadores e predatórios do largo estamento de hienas do orçamento, pois essa é a última instância de poder. O Centrão, na verdade, nem precisaria existir na sua forma e composição atuais: o que existe, de fato, é uma ameba sequiosa de verbas públicas em favor do seu enriquecimento pessoal, e isso de forma permanente. O velho patrimonialismo continua e continuará forte, feliz e seguro de si no Brasil do Bicentenário. Senão vejamos.

 

Estamos numa conjuntura “gatopardiana”? Mudar para nada mudar?

Menos de três semanas após a data dos 200 anos de independência e de construção tentativa de uma nação controlada e extorquida pelo Estado, o eleitorado brasileiro, independentemente de quem tenha sido o mais votado para a presidência, elegerá, de forma quase inconsequente e inconsciente, os mesmos sanguessugas para os diversos outros cargos — velhos ou novos, não importa— que continuarão a se locupletar com e a partir da riqueza duramente criada pelo povo trabalhador. 

Difícil acreditar, a essa altura das miseráveis negociações pouco republicanas que ocorrem à margem das candidaturas presidenciais, que algo de fundamentalmente diferente ocorra a partir dessas eleições, que tenhamos homens probos no Congresso, engajados por um momento, não em suas prebendas orçamentárias, mas em reformas estruturais no tocante à educação, infraestrutura, segurança, luta contra a corrupção e a insegurança jurídica.

O eleitorado continuará fixado no próximo salvador da pátria e, ao lado disso, os verdadeiros donos do poder — que nem é só o estamento burocrático de que falava Raymundo Faoro — continuarão suas soturnas maquinações em busca da preservação, da manutenção ou da conquista de mandatos parlamentares, que são os que determinam, em última instância, o destino das verbas públicas.

Podemos ter a certeza de que o estupro orçamentário continuará, com todos os tipos de emendas que a imaginação fértil dos sanguessugas congressuais concebeu, que isenções, subsídios e outros favores (sempre setoriais), que perdão de dívidas por impostos não pagos, que concursos públicos para lotar a máquina do Estado de centenas de funcionários muito bem remunerados, que milhares de cargos em comissão, tudo isso continuará a existir, que carros, imóveis e penduricalhos diversos a título de “auxílios” não tributáveis continuarão a existir e que novos serão criados. Enfim, basta dizer que o Brasil continuará sendo muito parecido com o Brasil que já conhecemos.

Não há nenhum pessimismo nesse tipo de afirmação. Basta observar o declínio de outras nações, a decadência democrática e a semiestagnação econômica, processos muito mais frequentes do que progressos fulgurantes em direção à prosperidade. Basta olhar em volta para conferirmos esse tipo de cenário de quase terra arrasada.

O Brasil não é muito melhor do que a Argentina aqui ao lado, que já nos provou que a pobreza pode, sim, voltar e se espalhar, pelas mãos e pés dos mesmos políticos que infelicitam a nação há décadas. O Brasil não é muito melhor, em sua democracia de baixa qualidade, do que os EUA, um exemplo lamentável de retrocessos inacreditáveis num processo de reforço de particularismos anacrônicos trazidos por carolice religiosa, ignorância cidadã e introversão nacionalista da mais baixa qualidade.

As eleições, finalmente, não são a grande festa da democracia, como nos quer fazer crer a propaganda ingênua do TSE. Elas são apenas a continuidade de um ritual compulsório, a que nos conduziram as hordas de políticos hábeis na manipulação de cidadãos — na verdade súditos de um Estado expropriador — com o único objetivo de se constituírem em governantes — federais, estaduais ou municipais — legitimamente mandatados para continuar o processo de extorsão.

O eleitorado se arrastará sem qualquer entusiasmo para as urnas de outubro, sem qualquer esperança de que 2023 será muito diferente do que já vimos nos anos precedentes. Esta descrição relativamente pessimista não é um impedimento absoluto quanto às possibilidades de o Brasil dar um grande salto para a frente na correção das suas piores iniquidades, a desigualdade social em primeiro lugar. Ela deve servir unicamente para nos guardar daquele otimismo reincidente a cada nova eleição: desta vez será diferente…

Será? Observando o cenário de terra arrasada, não existem razões para se acreditar que desta vez possa ser diferente. Inclusive porque, olhando a realidade de frente, a polarização promete tudo contaminar, antes, durante e após o próximo pleito eleitoral

 

O que nos promete o atual processo eleitoral? Nada de muito brilhante.

Parece que, por enquanto, temos pela frente dois responsáveis por dois grandes desastres, que ameaçam se repetir, um por corrupção e sectarismo, o outro por incompetência e perversidade negacionista. Sair dessa camisa de força, mesmo dispondo de alguns bons candidatos alternativos, não depende só deles, mas de um eleitorado pouco educado e muito castigado por frustrações contínuas.

Ninguém, nenhum partido ou movimento, dispõe da chave do futuro: este pode estar na acentuação da divisão do país, como até agora prometido pelas pesquisas eleitorais, ou numa longa caminhada para a normalização da nação, que será efetivamente muito difícil, e não apenas pela amplitude dos desafios econômicos e sociais, mas sobretudo pela péssima qualidade da representação política, que pode ainda se acentuar na próxima legislatura.

Cabe, portanto, ser moderadamente pessimista quanto aos próximos anos: tudo leva a crer que permaneceremos ainda, e durante bastante tempo mais, na mediocridade que tem sido a nossa por quase meio século, com poucos momentos de lucidez. Não somos, infelizmente, o que gostaríamos de ser. 

O Brasil vai saltando de salvador em salvador, continuando a afundar na mediocridade de esperar que um presidente “dê jeito nas coisas”. Construímos nós mesmos essa gaiola de ferro que não leva a nada, a não ser a novas frustrações. 

Ainda não crescemos o suficiente. Custa pensar?

Por que, como é que toda uma sociedade, que possui gente capaz, pesquisadores e professores que produzem obras magníficas de saber consistente, empresários inteligentes e batalhadores, e até alguns políticos sagazes, como é que tanta gente se deixa aprisionar e levar por um punhado de aproveitadores, mentirosos e incompetentes, que são saudados como “líderes”, dos quais se espera a solução a tantos problemas criados pelos mesmos mentirosos aproveitadores?

A sociedade como um todo, em sua grande maioria formada de cidadãos contribuintes e votantes, se deixa levar por alguns poucos pilantras, que continuam a praticar falcatruas a prazos regulares?

Mais de dez mil anos de “civilização”, religiões salvadoras, maravilhas da modernidade tecnológica, e até economistas competentes, para no final nos deixarmos levar por alguns espertinhos, que possuem a retórica adequada em face das dificuldades da vida e que continuam a apregoar falsas soluções? 

Somos tão crédulos assim, ou apenas passivos e acomodados?

Estamos no limiar de um novo exercício do mesmo gênero, mais um autoengano, que vai beneficiar velhos e novos espertinhos, e deixar a maioria mais ou menos como ela estava antes. 

Até a próxima vez…

É, parece que, finalmente, a humanidade, as sociedades nacionais, os povos constituídos em forma de Estados, nós não avançamos tanto assim: continuamos ingênuos e incapazes de cuidar de nós mesmos, e temos de recorrer a outros para organizar a bagunça. Tem um preço em tudo isso: não avançamos tanto quanto poderíamos: conflitos de opinião continuam possíveis. As paixões e os interesse ainda nos dominam.

Finalmente, não estamos tão longe assim da guerra de Troia. Mas mesmo que os brasileiros pretendessem voltar para uma Ítaca imaginária – alguns poucos bons governos no passado de duas ou três gerações: JK, FHC, quem mais? –, o caminho seria longo e semeado de escolhos. Existiria alguma outra via? 

 

Sobre a natureza do declínio relativo do Brasil no último meio século

Não existe qualquer fatalidade interna ou externa que explique a perda de impulso para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social que afeta o Brasil desde a fase final, de crises e desacertos, do regime militar. As razões são essencialmente políticas e self-made.

O Brasil afundou menos pela ação persistente de algum projeto organizado de pensamento equivocado aplicado à nação — como podem ter sido os fenômenos do bolchevismo e do peronismo, nos casos bem mais graves dos desacertos ocorridos na Rússia e na Argentina durante décadas— e mais pela inconsciência geral quanto aos destinos do país por parte daqueles que ascenderam ao poder, de esquerda ou direita, desde aquela época.

Os problemas foram se acumulando lentamente, asfixiando não só a possibilidade de correções pontuais pela via da política, como a própria consciência de que problemas conjunturais estivessem reforçando tendências estruturais negativas, já longamente estabelecidas, como por exemplo a persistência de baixos níveis de educação na população.

A correção dos desacertos é difícil e incerta, ao observarmos o cenário de curto prazo, uma vez que ainda persistimos em identificar um improvável “salvador da pátria” como o redentor dos nossos males, sendo que este pode estar tanto à direita quanto à esquerda. Tais são as indefinições que persistem, e que mostram a divisão do país, num quadro de incerteza geral quanto a um programa geral de ajustes. As “soluções” ainda são buscadas em nível de pessoas, não de políticas.

Difícil vislumbrar qualquer inversão da atual tendência declinante e de recuperação da nação como um processo longo e desgastante, tantas são as deformações criadas por políticos desonestos e medíocres no comando do país — de esquerda e de direita —, ao lado da incultura ainda largamente predominante em todos os estratos sociais.

Não há nenhuma dúvida quanto a inexistência de fatalidades inevitáveis, pois todos os nossos problemas são o resultado de disfuncionalidades cumulativas criadas domesticamente. Mas muitas são as dúvidas de que possamos ter, no ambiente atual da fragmentada política brasileira (ou seja, as “elites dirigentes”) e da virtual inexistência de qualquer consenso sobre a natureza dos desafios entre as elites verdadeiramente dominantes (ou seja, os donos do capital), alguma possibilidade de correção de rumos no futuro previsível.

Em resumo: a retomada do dinamismo é incerta e provavelmente tomará mais de uma geração. Perdemos o rumo e até a consciência de que devemos ter algum tipo de rumo, qualquer que seja ele. Vai demorar para encontrar algum outro, tal a rigidez de interesses consolidados na atual anomia societal.

Se ousarmos pensar no Brasil como “país do futuro”, 80 anos depois que Stefan Zweig ousou predizer boas promessas nessa perspectiva, em boa medida pelo caráter plástico de nossas relações raciais, parece que até isso se perdeu, uma vez que o politicamente correto continua a criar arestas de uma divisão cultural racial que não existia antes da importação das ideias americanas sobre a “afro” descendência. Paramos de insistir naquilo que nos distingue como povo tolerante e culturalmente integrado, e começamos a construir uma sociedade demarcada por conceitos raciais, como os Estados Unidos?

 

A trajetória perversa do estamento político no Brasil

O Brasil está economicamente estagnado há muito tempo. Isso é certo e conhecido.

Mas, uma outra economia cresceu bastante nos últimos anos, a da criminalidade, não necessariamente aquela “normal”, bem conhecida, e sim uma especificamente política, ou melhor, dos políticos. 

Esse aumento da corrupção política dos “representantes do povo” foi acelerado na era Lula, que, para ter maioria no Congresso, passou a comprar, literalmente, parlamentares e bancadas inteiras com dinheiro público e das estatais. Tudo isso está muito bem documentado, embora os lulopetistas pretendam agora reescrever a história.

Daí o processo de corrupção política se desenvolveu enormemente depois, passando de fenômenos como Mensalão e Petrolão para processos endógenos de sustentação financeira, como os fundos e as emendas (de vários tipos), cobrindo todo o espectro do leque político, de um extremo a outro, sem exceções ou muito poucas. Isso também é conhecido.

Um governo fraco, débil, improvisado e caótico, como é o atual desgoverno do psicopata perverso, tornou ainda mais resiliente a criminalidade política, assim como estimulou a criminalidade comum, não só pela crise, pandemia e guerra, mas porque isso corresponde à sua natureza profunda; ele vem desses meios.

Essa é a verdadeira “herança maldita” a ser legada por um ladrão ordinário, fraudador como muitos outros colegas de Parlamento do dinheiro público, via rachadinhas e outras falcatruas, mas que virou, voluntária e involuntariamente, um grande criminoso político. Alguma dúvida? Essa triste trajetória já pode ter ocorrido em diversos outros países, em especial na América Latina, mas o Brasil ingressou, definitivamente, na era da grande criminalidade política. 

Não se pode esperar que o “fenômeno” se dissolva rapidamente. Ele acompanha o processo de deterioração educacional e moral da sociedade, inclusive porque já adentramos num regime “parlamentar”, mas um parlamentarismo de fachada.

O Brasil já chegou ao “parlamentarismo”, mas de um tipo disfarçado, deformado e até criminoso, pois que apenas exercido no sentido da apropriação, em vários casos da extorsão, de recursos públicos por parte dos “parlamentares”, com finalidades exclusivamente patrimonialistas.

Isso se deve ao fato de que o presidente atual é um completo inepto em matéria de governança e por isso transferiu — ou transferiram — a essência do seu desgoverno aos profissionais do ramo, os mesmos que elevaram os fundos indecentes a extremos de apropriação.

Se trata de um “parlamentarismo” podre, no qual os parlamentares não assumem nenhuma responsabilidade pela gestão, apenas se dedicam a arrancar nacos do orçamento para seus fins pessoais e familiares. Tudo isso sob o controle de uma espécie de familiocracia miliciana.

 

O Brasil “presidencialista” acabou? 

Com efeito, tudo indica que o Brasil “presidencialista” de tempos atrás, acabou: entramos num híbrido institucional não formalizado, próximo de um parlamentarismo de fachada, que vai nos levar à anarquia política nos anos à frente

Votos à parte, a desorganização financeira e orçamentária promovida pelo atual governo vai impactar negativamente as contas públicas estaduais e da União durante anos à frente. Não existe mais processo orçamentário, e sim uma extrema fragmentação dos recursos públicos em milhares de emendas paroquiais, sem qualquer sentido de planejamento racional e com amplo espaço para a corrupção.

Esta é a verdadeira herança maldita a ser deixada pelo desespero eleitoral do atual dirigente, ao lado da destruição total da cultura, da educação e do fomento à C&T. O Brasil se degrada politicamente pela pior gestão administrativa na história e pelo avanço de um falso parlamentarismo criado e mantido pelo estamento político predatório que se firmou no país.

O número de partidos pode até diminuir — embora apenas formalmente—, mas os caciques partidários passam a controlar um volume exponencial de recursos públicos, dados os fundos Partidário e Eleitoral ao lado do estupro orçamentário de todos os tipos de emendas. Conseguimos nos rebaixar deliberadamente, pela completa ausência de estadistas, ou de dirigentes responsáveis, seja na classe política, seja entre as elites econômicas.

O Brasil se suicida lentamente, não por um projeto consciente, mas pela extrema mediocridade dos que estão no comando político e econômico do país, não excluindo as corporações de Estado desse processo, mandarins do Estado focados exclusivamente em seus ganhos patrimonialistas, inclusive militares e aristocratas do Judiciário. 

Cabe, portanto, prepararmo-nos para uma mudança institucional para pior no Brasil, nos próximos anos, independentemente dos que forem eleitos, em todos os cargos em outubro de 2022. A ideia de uma nação voltada para o futuro terminou: os feudos cuidam apenas de si mesmos. A degradação interna e internacional do Brasil já se tornou visível aos olhos do mundo inteiro. Cada vez mais quadros formados estão abandonando o país. 

 

Sobre algumas das razões de nosso atraso político e econômico

Não existe nenhuma novidade ao se afirmar que o cenário visível do desalento nacional é caracterizado pelo aumento da miséria e da pobreza da população mais carente e a total falta de educação cívica em amplos setores do eleitorado, dois fatores potencializados pelo crescimento do evangelismo extrator, isto é, a indústria religiosa predatória dos pobres e deseducados. 

Se a Receita Federal tivesse condições de avaliar o volume de dinheiro que é carreado de forma praticamente subterrânea para as arcas dos pastores – um indústria que talvez iguale, ou supere, os tráficos de todos os tipos – constataria que ele é muitas vezes maior do que todo o "maná" governamental sob a forma de "auxílio à pobreza", sobretudo porque o maná dos pastores passou do dízimo arrecadado voluntariamente ou das bolsinhas circulando nos cultos, para a forma mais moderna do Pix oficial das "igrejas" (o que aliás facilitaria a avaliação do oceano de dinheiro manipulado por esses "pastores da fé").

O crescimento da demagogia religiosa juntou-se ao velho populismo eleitoral para levar o Brasil para trás, e não apenas no sentido cívico, mas propriamente educacional. Daí decorrem políticas gerais, inclusive econômicas, altamente equivocadas que rebaixam o capital humano daqueles mais desprovidos.

É um imenso problema, nunca resolvido mesmo nos anos de estabilização macroeconômica e que está arrastando o Brasil para trás e para baixo. A diminuição da renda e o aumento dos pobres e famintos são visíveis a olho nu, o que não é só uma decorrência da crise da epidemia e da guerra. A má qualidade do estamento político faz o resto, ao produzir baixo crescimento (ou nenhum em termos per capita, e até recuando), pela adoção de políticas inconsistentes ou simplesmente direcionadas a privilegiar os já ricos.

As políticas de “assistência à pobreza” não eliminam na verdade a pobreza, apenas subsidiam o consumo dos mais pobres, e podem até provocar efeitos deletérios, sobre o mercado de trabalho, por um lado (ao alterar o custo desse fator no plano microeconômico), e, por outro lado, sobre a chamada agricultura de subsistência ou atividades muito elementares que atuavam como “renda” não monetária (e, portanto, não computada nos levantamentos baseados em moeda circulante). 

Se havia desnutrição, subnutrição ou até surtos epidêmicos de fome localizada (secas em determinadas regiões do agreste, por exemplo), não havia gente condenada a morrer de fome pela ausência de ajuda assistencial do governo ou inexistência de alternativas. Um equilíbrio precário, mas não o quadro de pessoas realmente passando fome extrema, pela ausência de algum maná público. 

O desequilíbrio ou interrupção das ajudas levou à dependência passiva, e, portanto, a casos agudos de fome, pois a expectativa era a ajuda, não a busca ativa ou desesperada de uma solução ao nível individual. O tão apregoado e incensado “maior programa de assistência social do mundo” pode ter criado uma cultura da dependência nefasta no plano dos comportamentos sociais e individuais. 

O “Estado” — isto é, políticos demagogos do governo — perpetuam a solução da ajuda pública, pois parece um expediente mais fácil — ou útil eleitoralmente— do que a educação de massa de qualidade e políticas de produtividade do capital humano. As políticas de combate à pobreza podem estar perpetuando a pobreza. 

Poderemos superar os tremendos obstáculos políticos que obstam, presentemente, um processo sustentado de crescimento econômico, com transformação produtiva e distribuição socialmente equitativa dos frutos desse crescimento? Talvez, mas para isso seria necessário um grande esforço da cidadania no sentido de renovar a representação política, empreender as reformas institucionais e econômicas indispensáveis e renovar o sentido de união nacional em torno dos legítimos interesses da população mais pobre. Persistem fundadas dúvidas sobre se tal esforço tem condições de ser levado adiante por estadistas responsáveis, inclusive porque uma das razões do declínio relativo é justamente a falta de estadistas responsáveis que se apresentem à sociedade com um discurso renovado de unidade nacional em torno de metas e objetivos efetivamente conjugados. 

O principal obstáculo parece residir, como já se afirmou repetidas vezes, na notória mediocridade de nossas elites. O atraso não é tanto material, quanto ele é essencialmente mental. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4222: 22 agosto 2022, 12 p.

Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.




 


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Eleições 2002: nota da Comissão Brasileira Justiça e Paz: por eleições democráticas e livres de manipulações religiosas

 Comissão Brasileira da Justiça e Paz (CBJP), unindo-se com dezenas de organizações, lança nota sobre o cenário eleitoral de 2022:  

 

Prezado/a,

Nesta Nota denuncia-se “Pessoas de boa fé e devoção se sentem confusas quando representantes políticos fazem uso indevido do nome de Deus. Ainda mais desnorteadas se sentem quando líderes religiosos acusam apenas uma parte política de “não valorizar a família e a vida”, ao ponto de condenar quem votar nela. O voto é um direito democrático e deve ser exercido com liberdade a partir do discernimento consciente de cada pessoa”.

E finalmente, conclama-se “que o direito ao voto seja exercido com consciência e de forma livre para eleger, democraticamente, governantes e parlamentares que promovam realmente “o bem comum, a justiça social, a defesa integral da vida, da família e da Casa Comum” (Mensagem dos Bispos ao povo de Deus, setembro 2022) e que os resultados das urnas eletrônicas sejam respeitados e as pessoas eleitas possam exercer seus mandatos”!

Confira o texto integral em anexo e divulgue, por favor.

Abraço fraterno,

Prof. Daniel Seidel

secretário executivo da CBJP

Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP

Organismo da CNBB

+55 (61) 98526-9212

cbjpagenda@gmail.com



 Comissão Brasileira Justiça e Paz Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 


 Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP Fone: (61) 3274.3009 (recados na portaria do CCM) SGAN 905 – Conjunto “C” – Sala Brasil E-mail: cbjpagenda@gmail.com 70790-050 – Asa Norte – Brasília / DF 


 Nota Pública 

POR ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS E LIVRES DE MANIPULAÇÕES RELIGIOSAS! 

Deve-se reconhecer que os fanatismos, que induzem a destruir os outros, são protagonizados também por pessoas religiosas, sem excluir os cristãos, que podem «fazer parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia»1

1 Papa Francisco, Exortação Apostólica Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), nº 115. 

2 Conheça a Mensagem citada na íntegra: https://www.cnbb.org.br/bispos-reunidos-na-59a-assembleia-geral-da-cnbb-divulgaram-a-mensagem-da-cnbb-ao-povo-brasileiro-sobre-o-momento-atual/ 

Agindo assim, qual contribuição se dá para a fraternidade que o Pai comum nos propõe? 

(Papa Francisco, Encíclica Fratelli Tutti, 46) 

À medida que o dia das eleições vem se aproximando, posicionamentos muito superficiais, fundamentalistas, agressivos e sem embasamento circulam nas redes sociais e, de forma inexplicável, também em algumas programações de emissoras católicas e em celebrações religiosas. 

Os próprios bispos da CNBB alertaram, na Mensagem ao Povo de Deus recém-publicada: 

É motivo de preocupação a manipulação religiosa e a disseminação de fakes-news que têm o poder de desestruturar a harmonia entre pessoas, povos e culturas, colocando em risco a democracia. A manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil2

Pessoas de boa fé e devoção se sentem confusas quando representantes políticos fazem uso indevido do nome de Deus. Ainda mais desnorteadas se sentem quando líderes religiosos acusam apenas uma parte política de “não valorizar a família e a vida”, ao ponto de condenar quem votar nela. O voto é um direito democrático e deve ser exercido com liberdade a partir do discernimento consciente de cada pessoa. 

A família e a vida foram gravemente feridas e ameaçadas pelo descuido criminoso do atual governo federal durante a pandemia da Covid-19 (conforme apurado pela CPI sobre o tema no Senado Federal), pelos cortes na educação e na saúde, pelos ataques, a maioria deles impunes, aos territórios das comunidades indígenas e tradicionais, pelo incentivo ao uso de armas de fogo e às manifestações racistas e pela falta de respeito às mulheres! 

Que o direito ao voto seja exercido com consciência e de forma livre para eleger, democraticamente, governantes e parlamentares que promovam realmente “o bem comum, a justiça social, a defesa integral da vida, da família e da Casa Comum” (Mensagem dos Bispos ao povo de Deus, setembro 2022) e que os resultados das urnas eletrônicas sejam respeitados e as pessoas eleitas possam exercer seus mandatos! 

Brasília (DF), 16 de setembro de 2022. 

CBJP – Comissão Brasileira Justiça e Paz 

CNLB - Nacional – Conselho Nacional do Laicato do Brasil 

Núcleo de Estudos Sociopolíticos - Nesp – PUC/Minas 

6ª Semana Social Brasileira 

Comissão Pastoral da Terra – CPT Nacional 

Rede Eclesial Pan Amazônica - REPAM Brasil Comissão Brasileira Justiça e Paz Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 

Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP Fone: (61) 3274.3009 (recados na portaria do CCM) SGAN 905 – Conjunto “C” – Sala Brasil E-mail: cbjpagenda@gmail.com 70790-050 – Asa Norte – Brasília / DF 


Conselho Pastoral dos Pescadores- CPP 

Comissão Regional Justiça e Paz CNBB-Oeste 1 MS 

Comissão de Promoção da Dignidade Humana - CPDH – Arquidiocese de Vitoria ES 

Comissão Justiça e Paz do Regional Sul 1 da CNBB – SP 

Comissão Justiça e Paz de Brasília – CJP-DF 

Comissão Justiça e Paz Arquidiocese de São Luís do Maranhão 

Comissão Justiça e Paz -CNBB Norte 3, Palmas/TO 

Comissão Justiça e Paz de São Paulo, São Paulo SP 

Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil 

Comissão Justiça e Paz da Diocese de São José do Rio Preto - SP 

Articulação das Pastorais da Ecologia Integral do Brasil do Brasil 

Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) 

JPIC da Família Salvatoriana 

VIVAT Internacional-BRASIL 

Fraternidade Secular Charles de Foucauld do Brasil 

Comissão Episcopal Pastoral para Ação Social Transformadora – CNBB NORTE 3, Palmas/TO 

CEFEP – Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara, Brasília DF 

Centro Burnier Fé e Justiça, Cuiabá MT 

Centro de Assistência Social Divina Misericórdia, Curitiba - PR 

Centro de Direitos Humanos de Cristalândia, Paraiso do Tocantins - TO 

Centro de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia TO 

Centro Popular de Formação da Juventude - Vida e Juventude - DF 

Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de SP, São Paulo/Capital 

Movimento Nacional Fé e Política 

MEB - Movimento de Educação de Base 

Ampliada do CEFEP / Regional Sul 2, Guarapuava/PR 

AMTBRAN- Associação de Mulheres Trabalhadoras do Município de Brasil Novo/PA 

Articulação da Pastoral da Ecologia Integral do Regional Sul 2 - Paraná 

Associação Defesa Direitos Humanos e Meio Ambiente –ADHMA – Santarém/PA 

Caritas Núcleo Lapa da Arquidiocese de São Paulo/SP 

CASA LAUDELINA de Campos Mello - Organização da Mulher Negra, Campinas, SP 

CEBI Pará 

CEBI -SC (Centro de Estudos Bíblicos) 

CLASP - Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo/SP 

CNLB - Arquidiocese de Vitória da Conquista - BA 

CNLB - Norte 3, Palmas/TO 

CNLB Aracaju - SE 

CNLB Manaus/AM 

CNLB Regional Norte 1 AM e RR 

CNLB Regional Oeste I (MS) 

CNLB Regional Sul 2 – Curitiba/PR 

CNLB Sul 1 - São Paulo 

Coletivo de Fé e Política da Arquidiocese de BH 

Coletivo de Mulheres Negras “Maria, Maria”, Altamira/PA 

Coletivo Popular Direito à Cidade/ Porto Velho - Rondônia-RO 

Comunidade Eclesial de Base - Lago da Pedra-MA 

Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas Comissão Brasileira Justiça e Paz Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 

Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP Fone: (61) 3274.3009 (recados na portaria do CCM) SGAN 905 – Conjunto “C” – Sala Brasil E-mail: cbjpagenda@gmail.com 70790-050 – Asa Norte – Brasília / DF 


Conselho Indigenista Missionário CIMI GO/TO 

Conselho Regional da Ordem Franciscana Secular de São Paulo 

Curso de Teologia para Agentes de Pastoral – CTAP, São Paulo 

Escola de Fé e Política Dom Joaquim Carreira SP 

Fórum de Direitos Humanos de da Terra MT 

Fraternidade São Francisco da Ordem Franciscana Secular, São Paulo 

Fraternidade São Francisco de Assis da Vila Clementino da OFS do Brasil, São Paulo 

GEEMA - Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente Rio de Janeiro, RJ 

Instituto Padre Ticão - São Paulo - SP 

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) 

Movimento Equipes Docentes de São Paulo 

Movimento Xingu Vivo Para Sempre Altamira Pará - Amazônia 

Núcleo Diocesano de Formação de Fé, Política e Cidadania D. Amaury Castanho - Jundiaí/SP 

OFS Fraternidade Sagrado Coração de Jesus e de Maria - Piracicaba (SP) 

OFS Ordem Franciscana Secular, SUDESTE 1/MG 

OLMA – Observatório Socioambiental Luciano Mendes de Almeida 

Pastoral Ambiental- Arquidiocese de Olinda e Recife-PE 

Pastoral da Cidadania - Diocese de Santos SP 

Pastoral da Ecologia Integral - Macaé RJ Diocese de Nova Friburgo 

Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá/MT 

Pastoral da Ecologia Integral da Diocese de Umuarama/PR 

Pastoral da Educação do Regional Sul1 da CNBB, São Paulo/Capital 

Pastoral da Pessoa Idosa e Catequese - AC 

Pastoral da Saúde Roraima 

Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de SP, São Paulo/Capital 

Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte/MG 

Pastoral Fé e Política do Regional Sul 1 da CNBB, São Paulo 

Pastoral Fé, Política e Cidadania Dom Amaury Castanho Jundiaí-SP 

Eleiões 2022: voto em Bolsonaro é mais emocional do que racional - Philipp Lichterbeck (Deutsche Welle)

O que leva eleitores a votar em Bolsonaro?

Coluna Brasil

Deutsche Welle, 19/09/2022

Apoiadores do presidente quase não têm respostas plausíveis sobre a sua escolha. São movidos sobretudo por emoções, fake news e ideais conservadores vendidos como cristãos. 

Há um fenômeno nesta campanha eleitoral: quando eleitores de Jair Bolsonaro são questionados sobre os motivos de sua escolha, geralmente não lhes ocorre nenhuma resposta plausível.

Ouvem-se com frequência frases como: "ele representa o povo" ou "ele é um patriota". Quando se pergunta o que de concreto Bolsonaro fez pelo povo, obtém-se, na maioria das vezes, o silêncio como resposta. São comuns respostas como: "ele construiu estradas e levou água para o Nordeste". Outros dizem que ele acabou com a corrupção – porém, quando se menciona o escândalo dos pastores no Ministério da Educação ou a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro, às vezes admitem que talvez possa ter havido corrupção.

Alguns também admitem não saber o que Bolsonaro fez pelo Brasil, mas que isso não importa. Eles votariam em Bolsonaro de qualquer jeito, ele seria o "mito", aquele que representa o Brasil e que acredita em Deus.

Deus é uma resposta frequente para a pergunta sobre a motivação para votar no presidente. Durante um evento eleitoral no 7 de Setembro em Copacabana, um casal de Nova Iguaçu afirmou que Bolsonaro representa os valores cristãos que eles também defendem. Quais seriam esses valores? A primeira resposta é "a família": homem, mulher e filhos. A família, porém, não é um valor cristão. Valores cristãos são fé, amor, esperança, misericórdia, justiça, amor ao próximo. Família, ao contrário, é um ideal conservador que se vende como cristão.

De eleitores do Bolsonaro, ouve-se também frequentemente que ele é o único que pode derrotar Lula – o ladrão que quase arruinou o Brasil. Não é um argumento para Bolsonaro, mas contra Lula. Como o esperado, há também muitas fake news, por exemplo, de que Lula quer instaurar o comunismo, fechar igrejas ou que a "ideologia de gênero" seja ensinada nas escolas.

Para resumir, não se ouvem respostas convincentes sobre as razões de votar em Bolsonaro. Com os outros candidatos é diferente. Quem vota no Lula muitas vezes cita motivos pessoais, por exemplo, a influência positiva de políticas sociais em sua própria vida ou o fato de que pela primeira vez alguém da família pôde ir para a universidade. Motivos políticos também são citados, como o desejo de mais direitos para trabalhadores informais. Quem vota no Ciro Gomes argumenta sobre a terceira via, que quer acabar com a polarização. Ciro representa uma política fiscal e econômica sensata e equilibrada. Quem defende Simone Tebet usa argumentos parecidos, mas espera uma política econômica mais liberal.

Pode-se, portanto, constatar que os eleitores de Bolsonaro tomam uma decisão mais emocional que racional. Muitos brasileiros se identificam com o que ele representa – como o anticomunismo, o machismo ou a loucura por armas. O agronegócio, que nunca cresceu tanto e recebeu créditos tão baratos como no governo Lula, gosta da hostilidade de Bolsonaro ao MST e aos indígenas.

Bolsonaro conseguiu uma façanha. Ele transmitiu à sua base a impressão de que as instituições, a imprensa e a elite intelectual não falam mais a verdade. E de que ele, ao contrário, se atreve a proferir a verdade – rude, mas autêntico e sem floreios. A imagem do agente simples e franco a serviço do Brasil, excluído do establishment, é com certeza um dos motivos para a popularidade de Bolsonaro. Mas não é um bom motivo.

Pois, com demasiada frequência, eleitores votam contra os próprios interesses. Os republicanos nos Estados Unidos mostraram como conquistar eleitores brancos e pobres dos estados sulistas, que antes votavam nos democratas, com temas que mexem com as emoções, como aborto e casamento gay. Esses eleitores deixaram, de repente, de votar no partido que prometia melhorar sua situação econômica e passaram a votar no partido antiaborto. Bolsonaro também obteve sucesso com uma manobra semelhante, especialmente entre os evangélicos, que muitas vezes pertencem às camadas mais pobres da população. Ele costurou seu sucesso com conceitos emocionais, como Deus, nação, família e liberdade. São as palavras que ele repete em todos os eventos de campanha – enquanto evita conteúdos políticos concretos, possivelmente porque estes não existem.

Assim como o trumpismo, o bolsonarismo é um movimento sustentado pelo sentimento de que algo não está certo, de que a sociedade perdeu as estribeiras. Sua inquietação se volta contra mudanças sexuais, a ascensão dos pobres, a educação "muito liberal" ou a suposta "ameaça socialista". Em 2018, Bolsonaro conseguiu unir esses ressentimentos quando o Brasil se encontrava numa crise profunda. Tempos de crise são bons momentos para extremistas, e Bolsonaro agarrou essa oportunidade.

Mas agora a receita não parece funcionar mais. Um chefe de Estado precisa oferecer mais do que palavras emocionais, mas vazias.

No final, é exatamente como Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação de Bolsonaro, disse há alguns dias: "O bolsonarismo é uma farsa (...) que usa religião para enganar." 

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

I-Liberalismo: a nova tendência nas políticas domésticas e no plano global - Opinião O Globo

 Liberalismo é principal alvo da agressão russa à Ucrânia

O Globo | Opinião O Globo
19 de setembro de 2022
Conflito opõe democracias liberais ao 'iliberalismo' de Putin - valores antagônicos que definirão nosso futuro.

C omo em todas as guerras, princípios e valores estão em jogo na invasão da Ucrânia. De um lado, a Rússia de Vladimir Putin repetindo os mesmos devaneios imperialistas da Rússia czarista e da União Soviética. De outro, a Ucrânia de Volodomyr Zelensky, invadida por querer compartilhar com a União Europeia (UE) valores democráticos liberais, no momento em que a velha ordem mundial do Pós-Guerra se desintegra e surgem autocratas em busca de espaço.

O maior exemplo - e uma espécie de pioneiro - desses autocratas é Putin, já há quase 23 anos no poder. O ex-agente apagado da KGB soviética na Alemanha Oriental consolidou a doutrina que os cientistas políticos têm chamado de "iliberalismo" - regime em que, embora haja eleições periódicas, as instituições democráticas são solapadas para dobrar-se aos interesses do homem forte que governa, com restrições às liberdades de expressão, pensamento, comportamento etc. Da Venezuela à Hungria, de El Salvador à Polônia, os passos dos autocratas repetem o roteiro criado e executado primeiro por Putin.

Do outro lado da guerra, as democracias liberais do Ocidente, sobretudo os Estados Unidos sob o governo de Joe Biden, têm fornecido o apoio financeiro e militar sem o qual Zelensky não teria conseguido suas importantes vitórias militares nos últimos dias.

A motivação do conflito na Ucrânia tem sido comparada com frequência à da Segunda Guerra, quando o Ocidente também se uniu contra o nazifascismo de Hitler, Mussolini e seus aliados japoneses. "Os nazistas e o Império do Japão também acreditavam que os Estados Unidos estavam fracos devido à decadência do capitalismo e à diversidade racial", escreveu em artigo recente o economista americano Noah Smith. O choque entre o liberalismo tradicional e esse novo "iliberalismo" tende, segundo ele, a ocupar o espaço deixado vago pelo fim da dicotomia entre comunismo e capitalismo que alimentou a Guerra Fria durante décadas.

A extrema direita apoia Putin. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que usou o termo "iliberal" para definir o arremedo de democracia em seu país, recusou o pedido de Zelensky para não comprar petróleo e gás russos. Também impediu que armas enviadas à Ucrânia por europeus e americanos passassem por território húngaro. No mesmo contexto está a visita descabida do presidente Jair Bolsonaro a Putin pouco antes da invasão. No Kremlin, Bolsonaro prestou sua "solidariedade" ao autocrata, embora seu apoio não tenha se refletido na postura do Itamaraty em organismos internacionais.

A garantia contra agressores como Putin é a união de países para se defenderem juntos. E o que acontece na Ucrânia, com a feliz coincidência de os Estados Unidos aproveitarem a chance para dar um recado direto à Rússia e indireto à China. Se a defesa da Ucrânia for bem-sucedida, segundo Smith, os projetos expansionistas imperiais sofrerão um forte baque, enquanto o mundo busca uma nova ordem. Que ela preserve o liberalismo.

Un moment historique pour l'Ukraine et l'Europe - Luuk van Middelaar (Institut Montaigne)

 Institut Montaigne, Paris – 16.9.2022

Grand entretien

Luuk van Middelaar

Un moment historique pour l'Ukraine et l'Europe

Guerre en Ukraine, Union européenne, États-Unis ... L'historien et théoricien politique Luuk van Middelaar répond aux questions de notre conseiller spécial, Michel Duclos. Au fil de l'échange, trois concepts parcourent sa réflexion: la puissance, la géographie, et le récit. Un entretien qui figurera dans un ouvrage à paraître en 2023 sur l'ordre mondial fracturé suite à la guerre en Ukraine, sous la direction de Michel Duclos.


Luuk Van Middelaar est un historien et théoricien politique. Il est professeur de droit européen à l'Université de Leyde et commentateur pour NRC Handelsblad. Auteur de l'ouvrage primé Le passage à l’Europe, il a publié plus récemment Quand l'Europe improvise (2019) et Pandemonium (2021) - tous disponibles dans plusieurs langues, ainsi que Le réveil géopolitique de l'Europe (2022) en Français. Van Middelaar a publié son premier livre Politicide en 1999. Il a été le rédacteur en chef des discours du président du Conseil Européen Herman Van Rompuy (2010-2014), ainsi qu’un de ses proches conseillers. Depuis 2018, il est membre du Conseil consultatif sur les affaires internationales (AIV).  

 

Si l'on reprend le fil de l'histoire et que l'on remonte à 2013-2014 notamment, c'est l'Union européenne et non l'OTAN que l'on retrouve aux prémisses de la crise ukrainienne. Comment a-t-on pu en arriver là ? Dans cette histoire qui se joue avec la Russie, quelle a été la part, sinon la responsabilité, des Européens eux-mêmes ?

Aujourd’hui, cette question n’est pas une question d’historien, c’est une question hautement politique, comme l’Histoire peut l’être. D’importants travaux ont déjà été menés, je pense bien sûr au livre de la Pr. Sarotte de Yale, “Not One Inch”, qui retrace la “préhistoire” de ce conflit en revenant sur la relation amerciano-russe pendant les deux décennies clés 1990-2000. Mais pour comprendre ce qui se joue aujourd’hui avec l’Europe au sens large, il faut revenir à la fin de la guerre froide, et notamment aux élargissements successifs de l’UnionDes États appartenant à la sphère soviétique rejoignent l’UE à partir de 2004 : Pologne, Hongrie et République Tchèque - des pays qui avaient déjà rejoint l’OTAN dès 1999. Tous sans exception ont rejoint l’OTAN avant de rejoindre l’UE. Quand on se replonge dans cette époque et que l’on s’intéresse aux positions du président Mitterrand, du chancelier Kohl, de Jacques Delors ou de Margaret Thatcher, pour eux, l’Europe c'était Prague, Budapest et peut-être Bucarest. Mais personne ne pensait à Kiev. L’Ukraine était alors perçu et traité comme un voisin. C’est bien une politique de voisinage qui a été mise en place vis-à-vis du pays, à la différence des autres États qui ont rejoint l’UE en 2004 puis en 2007.Contrairement aussi aux pays des Balkans, à qui l’on a donné une “perspective européenne” dès 2003. Tous avaient vocation à entrer dans l’UE un jour. Mais pas l’Ukraine ni la Moldavie ou la Georgie. La commission de Romano Prodi en 2003 a conçu cette politique de voisinage comme une alternative à l’adhésion et ne laissait donc aucune place à l'ambiguïté. C’est par la suite que les ambiguïtés ont commencé. Non pas vis-à-vis de nos voisins du Sud - c’est le seul rapport géographique que nous envisageons sans ambiguïté - songeons ici à la demande d’adhésion du Roi du Maroc en 1985, qui a suscité une réponse sans équivoque : le Maroc n’est pas un pays européen au sens géographique (l'ambiguïté est arrivée plus tard, avec la Turquie, mais c’est un autre sujet).

La période d'ambiguïté commence avec l'entrée de pays comme la Pologne dans l'UE en 2004. Une Pologne qui pouvait espérer que son voisin rejoigne un jour l'Union et que la notion de "partenariat oriental", différemment interprétée, nourrissait : s'agissait-il d'un simple partenariat ? Ou de l'antichambre de l'élargissement ? Côté russe, le Kremlin développait ses projets alternatifs, et l'Ukraine, déjà, était prise en étau entre ces deux projets. 

 Vue de Russie, la première décennie, de 1989 à 2000, est celle de l'impuissance. Puis, à partir de 2000, les choses se renversent avec l'arrivée d’un dirigeant russe qui n’accepte plus la perte de puissance trop visible de son pays. Un président qui, à la conférence de Munich en 2007, lance un véritable défi à l'hégémonie américaine.

L'année 2008 marque ensuite un tournant, avec le sommet de Bucarest de l'OTAN. Suite à une série de malentendus et d'incompréhensions entre Américains et Européens, l'OTAN mentionne pour la première fois une perspective d'adhésion de l'Ukraine et de la GéorgieCertes sans donner de date, mais sur l’insistance du président Bush et de son Vice-Président Dick Cheney (contre, semble-t-il, la quasi-totalité de leurs conseillers). Poutine à l'époque aurait alors déclaré au Secrétaire général de l'OTAN : "This will not happen", affichant clairement une position qui ne devait pas être démentie par la suite. 

Côté européen, le fameux accord d’association avec l'Ukraine, négociée avec un Président Viktor Ianoukovitch hésitant, portait aussi les prémices de cette crise. C'était une époque où l'Europe dans son ensemble raisonnait en termes "post-historiques", comme si le triomphe du libéralisme avait aboli les lois de l'Histoire, et que tout se déroulait sur un plan universel et atemporel. Les Russes sentaient au contraire la dimension géopolitique de ce projet, qui ne se limitait pas à un simple partenariat économique, comme l'ont conçu les Européens à l’époque. Cela coïncide aussi avec l’émergence, au sein d'une partie du peuple ukrainien, d'une envie d’aller vers l'Europe, alors que le président Ianoukovitch est mis en difficulté sur l'accord, sous la pression russe en 2013. La suite est connue : la révolte de Maïdan, la fuite du président en 2014 et l'annexion de la Crimée. 

Revenons sur ces années clés et sur ce fameux accord. Des témoignages divergent : pour certains, l'accord d’association était inacceptable pour Poutine. Pour d’autres, Poutine ne mentionnait même pas le sujet lorsqu'il parlait aux dirigeants des institutions européennes. Quels rôles les Suédois et les Polonais ont-ils joué ? Et pourquoi les grandes démocraties européennes ont-elles laissé faire ? 

Le problème fondamental de cette période est que chacun semblait travailler dans son coin en Europe. Sarkozy avait ses initiatives sur la Méditerranée, d’autres avaient des vues plus à l'Est. Et tout cela manquait de cohérence. Des deals plus politiques et opportunistes que stratégiques guidaient les choix de l'époque. Quant aux voisins de l'Est, dans le langage officiel l'Union européenne "reconnaissait les aspirations européennes de…" - traduisez  : vous avez le droit d'y croire mais on ne s’engage à rien - au détriment de toute lisibilité. Nous étions dans une ambiguïté qui n'avait plus rien de constructif, il s'agissait d’une ambiguïté néfaste. 

C'est dans ce contexte particulier qu'est négocié l'accord de Minsk, par François Hollande et Angela Merkel, selon un format inventé par le Président français en marge des commémorations du débarquement de Normandie en 2014. Une réunion entre le président Porochenko fraîchement élu, Vladimir Poutine et les deux dirigeants européens se tient à ce moment-là. Début 2015, un cessez-le-feu est négocié à Minsk. Quand on relit toute cette séquence aujourd'hui on peut reconnaître qu'il s'agissait d’un compromis qui ne satisfaisait véritablement personne, mais qui permettait de revenir à une situation de conflit gelé, sans renoncer pour autant à une solution plus durable pour l'avenir de l'Ukraine. Il était alors sous-entendu que l'Ukraine ne rejoindrait pas les structures militaires de l'OTAN, sans qu'il soit question pour autant de l'UE. Mais cet accord n’a jamais eu le soutien complet de l'OTAN, ni des Américains, de Londres ou des Polonais. Et d’ailleurs certainement pas des Russes non plus. Il aurait fallu, pour que tout cela fonctionne, que des efforts soient faits des deux côtés. Washington et le Kremlin auraient dû pousser leurs protégés dans le conflit. Mais la volonté n'était pas au rendez-vous. Disons qu’il y a eu de la mauvaise foi et des renoncements d’un côté comme de l’autre.  

Avec Minsk, sommes-nous encore dans une accord "post-historique" ? Les Français et les Allemands n'ont ils pas commis une erreur stratégique en n'associant pas les Polonais et les institutions européennes à l'accord ? 

La première question est de savoir comment apprécier la formule diplomatique du format Normandie, qui impliquait deux dirigeants nationaux et n’associait pas les institutions européennes. J'ai suivi de très près le déroulement de ce format. À un moment donné, en mars 2014, le Président du conseil européen, Herman Van Rompuy, aurait pu prendre l'avion pour Moscou. C’était d’ailleurs quasi fait mais il y a finalement renoncé. À partir de ce moment-là, il n'y avait plus de rôle pour les institutions de l'UE. Si l'on repense à Sarkozy en 2008, il avait l’énorme avantage d'êtrePrésident du Conseil en exercice, et Président de la France ! Lors de la guerre du Caucase, il arrive donc à Moscou avec les deux drapeaux, français et européens. En 2014, le contexte est très différent, il fallait improviser autrement. Les deux plus grands États européens ont pris l’initiative, ce qui n’était pas choquant à l'époque. On aurait pu attendre une implication britannique mais David Cameron se désintéresse de l'affaire. Or, s'agissant de l'UE, Merkel et Hollande ont bien pris soin de mettre l'Union de côté. Ils ont passé une nuit à négocier puis ont pris l'avion directement de Minsk à Bruxelles, pour y présenter un deal déjà bouclé à leurs collègues des 27, réunis au Conseil européen. Alors oui, quand on relit toute cette séquence aujourd’hui, il apparaît de façon assez claire que l’on aurait pu faire autrement. Il y avait d'ailleurs beaucoup de méfiance à l’égard des initiatives franco-allemandes en la matière. 

 Mais la dimension la plus intéressante est que l'accord de Minsk était fondamentalement historique. On prenait acte, par cet accord, du tragique de l’Histoire. Il traduit cette compréhension qu’il existe des choix tragiques, des dilemmes auxquels nous sommes confrontés. Si nous voulions rétablir la paix, il fallait accepter une forme d'injustice par rapport au droit international, y compris l'annexion de la Crimée - qui pourtant à l’époque était sans précédent en termes de land grabbing pour le continent européen depuis 1945.

La dimension la plus intéressante est que l'accord de Minsk était fondamentalement historique.

Et à l'inverse, si l'on voulait défaire cette flagrante injustice, cela signifierait la guerre, des morts. On a donc choisi le moindre mal. Mais ce n'était qu'un début d’entrée dans l'Histoire. 

Je voudrais m'attarder maintenant sur des notions plus théoriques, afin de contextualiser la difficulté pour les Européens de penser le pouvoir et la géopolitique. Trois concepts clé permettent de comprendre le rendez-vous manqué entre l'Europe et la géopolitique. La puissance d’abord, la géographie ensuite, le récit enfin. Sur cette dernière notion, qui manque tout particulièrement aux Européens, disons qu’un acteur géopolitique doit faire appel à une communauté en jouant sur la dimension narrative, en proposant un récit à même d’étayer des choix souverains et un certain nombre de politiques. Si nous n'avons pas cette combinaison de puissance, de géographie (une vraie interrogation sur l'espace et les frontières) et de récit, on ne peut pas être un acteur géopolitique. Depuis le 24 février, l'UE semble extrêmement mal équipée pour déployer cet appareil géopolitique. C'est parfaitement compréhensible quand on reprend la genèse du projet européen, celle, après deux guerres mondiales, d’abolir les inégalités de puissances et de pouvoirs, d'abolir les frontières aussi. Au point d'oublier cette dimension géographique, cette réflexion sur le territoire, c'est-à-dire la question : "qui est notre voisin ?" 

Depuis le 24 février, il semble pourtant que l'UE a utilisé un peu de sa puissance - par les sanctions ou l’aide militaire à l'Ukraine. Elle s'est aussi intéressée au territoire, puisque c'est bien de frontière dont il est question depuis des mois. C'est donc essentiellement sur le récit qu’elle a failli ? 

Oui, sur la puissance et le territoire, énormément de choses changent. 

 Sur la puissance d'abord, je mentionnerais deux aspects : d'une part, la reconnaissance de l'importance du pouvoir militaire : on assiste au retour d’une guerre classique avec son funeste arsenal fait de tanks et de soldats qui meurent au combat. Sur ce retour de la guerre, le retournement allemand est historique. Quand, le 27 février 2022, le chancelier Olaf Scholz admet dans son discours que son pays assiste à un "changement d’époque", qu'il investira 100 milliards d’euros dans la défense, une étape est franchie. Souvenons-nous que Berlin, comme Bruxelles d’ailleurs, était le centre de la post-histoire européenne. Deuxième prise de conscience : celle de la dimension nucléaire de ce conflit. Elle demeure sous-estimée par les Européens, contrairement à la vision américaine, bien plus réaliste sur la question. Enfin, les Européens prennent conscience, trop tard probablement, que toute politique relève de la stratégie. Cela apparaît très clairement s'agissant de la politique énergétiquePoutine, avec cette guerre a déployé deux très puissants atouts : le "général famine" et le "maréchal du froid". Et l'on sort de considérations strictement économiques. Le sous-jacent c'est, demain, de la famine en Afrique, des mouvements migratoires en Europe, un marché de l'énergie où l'énergie est une arme géopolitique déployée par un chef de guerre depuis le Kremlin. Le 20 juillet 2022, la Commission européenne présente un plan d'urgence pour l’hiver, elle souhaite pouvoir obliger les États membres à économiser jusqu’à 15 % de l'usage du gaz au nom de la solidarité. Elle se place dans une économie de guerre dans le domaine de l'énergie, qui rappelle l’économie de guerre dans le domaine médical pendant la pandémie du Covid-19. Et cela change tout le logiciel de l'UE sur le le dogme du "marché ouvert". Désormais, cette prise de conscience doit s'institutionnaliser, se consolider, pour être plus qu'éphémère. Pour y arriver, il faut impérativement "repondérer la sécurité" dans toutes les politiques de l'UE - je reprends là une formule de Pierre Sellal. C’est un changement de méthode très radical qui est nécessaire. 

 J'en viens maintenant au territoire. Deux points me fascinent depuis le 24 février : d'une part, le durcissement des frontières entre l'Europe et la Russie. Dans l'esprit des Européens, jusqu’à l’accord de Minsk II, l'Ukraine était, disons, "entre les deux". Pas vraiment l'Europe, pas vraiment la Russie non plus. Or, depuis le début du conflit, on assiste à un renversement de cette vision, avec la disparition de cette notion même d’espace "entre les deux". Grâce à la perspective d’adhésion de l'Ukraine à l'UE, d'une part (même si elle ne sera pas suivie d’effets immédiatement, comme l’a rappelé le Président français, on ne pourra pas revenir dessus).

On voit aussi la disparition du non alignement de pays comme la Suède et la Finlande qui étaient dans l’UE mais pas dans l'OTAN. Sans ces "pays tampons" on assiste bien à un durcissement des frontières. Les appartenances à l'UE et à l'OTAN vont se chevaucher de plus en plus, également avec presque 67 % des Danois qui ont voté en faveur d'une intégration à la politique de défense de l'UE, dont le Danemark était le seul pays à être exempté. L'autre évolution, très logiquement, c’est le glissement du centre de gravité européen vers l'Est. Phénomène que l'on observe depuis la chute du mur de Berlin mais qui s’accentue aujourd’hui de façon considérable. Des pays comme la France, les Pays-Bas représentent désormais le front occidental d'une union qui va jusqu’à la Mer Noire et même au-delà. Si l'on ajoute le Brexit à ce tableau, on voit à quel point la géographie européenne a évolué. 

C'est donc à l’émergence d’une nouvelle Europe que l'on assiste. Nos institutions permettront-elles à cette Europe d’entrer dans l’Histoire ? Va-t-on conserver notre unité ? Les clivages franco-allemands d’un côté, polono-suédois de l’autre ne vont-ils pas réapparaître très vite ? 

Le changement nécessaire est avant tout un changement mental, et je ne crois pas qu’il faille appeler de nos vœux un grand soir institutionnel. C'est la thèse que j’ai toujours soutenu, y compris avant la guerre. Il nous faut une prise de conscience politique et géopolitique, sans doute accompagnée de nouveaux instruments - pour pondérer la dimension stratégique dans les politiques, ajouter un conseil de sécurité compétent sur les questions de défense, scruter les investissements étrangers, être moins naïfs… Mais il ne faut pas forcément réinventer une nouvelle Union européenne. 

J'ai vécu d'autres crises, notamment la crise financière de la zone euro, la crise migratoire. À aucun moment je n'ai jugé souhaitable de refondre nos institutions de fond en comble. D'autant qu'il nous faut prendre acte de l'unité remarquable dont l'UE fait preuve depuis le 24 févrierUne unité doublée d’une capacité d’action inédite, à une échelle inconcevable en 2014-15. Tout ça ne se passe pas uniquement au niveau politico-diplomatique. Les vibrations irriguent les sociétés européennes, et l'on assiste à un choc de nos opinions publiques, confrontées à une guerre et à un peuple auxquels on peut très facilement s'identifier.

La victoire de l'Ukraine à l'Eurovision est l'illustration la plus éloquente, elle dit beaucoup de cette sympathie à l’égard du peuple ukrainine. C’est là dessus qu’un accord et une unanimité ont pu se construire. Mais les difficultés sont devant nous : avec les problématiques énergétiques,  la guerre va entrer jusque dans les ménages. Cela va créer des clivages entre Européens, selon les dépendances énergétiques des uns et des autres. 

 

Para acessar a íntegrra:

https://www.institutmontaigne.org/analyses/un-moment-historique-pour-lukraine-et-leurope

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