Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Os americanos costumavam fazer isso antigamente. Agora, os chineses são os novos americanos, a sort of…
New York Times: China financia publicações de esquerda do Brasil
Uma reportagem do The New York Times desvendou uma rede de influência internacional bancada pela ditadura chinesa. Alguns desses braços estão no Brasil.
A investigação do jornal americano joga luz sobre a atuação de Neville Roy Singham, empresário de origem indiana ligado ao Partido Comunista da China. Singham mora em Xangai e produz, dentre outras coisas, um programa para o YouTube financiado pela cidade — leia-se o partido.
Mas a sua atuação vai muito além disso. Segundo o jornal, ele está na linha de frente de uma guerra silenciosa iniciada pelo Partido Comunista da China para influenciar a opinião pública fora do país. Em outras palavras: propaganda política apresentada como se não fosse.
Em 2017, Singham vendeu sua empresa do ramo da tecnologia, a Thoughtworks, por US$ 785 milhões (o equivalente a R$2,5 bilhões à época). Agora, o ativismo pró-ditadura chinesa é a sua principal ocupação. A rede movimentada por ele distribuiu pelo menos US$ 275 milhões nos últimos anos, de acordo com o jornal americano. O repasse do dinheiro é feito por manobras que dificultam o seu rastreio e utiliza quatro organizações não-governamentais de fachada com sede nos Estados Unidos. A única presença real dessas entidades são caixas postais. A legislação americana não exige que organizações sem fins lucrativos divulguem quem são os seus doadores.
Think tank marxista Singham financia uma teia de organizações que têm como objetivo divulgar propaganda (ou desinformação) sobre a ditadura chinesa. Um dos pontos centrais dessa teia é um think tank chamado Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. O instituto se apresenta como "uma instituição internacional orientada por movimentos e organizações populares do mundo, focada em ser um ponto de apoio e elo entre a produção acadêmica e os movimentos políticos e sociais".
Brasil, Índia, Argentina e África são o foco da organização, que cita Karl Marx e Antonio Gramsci como suas referências. Uma das sedes da organização fica no Brasil. Na página de apresentação do instituto, a palavra “China” simplesmente não aparece. O conselho consultivo não tem chineses — mas inclui Neuri Rossetto, do Movimento dos Sem-Terra.
Porta-voz da China no Brasil
A reportagem do jornal americano menciona especificamente um veículo brasileiro financiado pela rede de Singham: o Brasil de Fato, publicação de extrema-esquerda que faz apologia ao regime chinês. Entre ataques ácidos aos Estados Unidos, ao "neoliberalismo" e a políticos conservadores, a página publica notícias chapa-branca sobre o regime chinês. "China combate desertificação para garantir segurança alimentar e qualidade do ar", diz uma reportagem publicada em 15 de agosto. Pouco sutil, um artigo publicado em 30 de junho ganhou o seguinte título: "China cresceu e erradicou a pobreza porque fez tudo ao contrário do que pregam os neoliberais."
O Brasil de Fato é um veículo influente na esquerda brasileira. Em 2019, por exemplo, a publicação entrevistou Luiz Inácio Lula da Silva dentro da cadeia. O vídeo reúne quase 800 mil visualizações no YouTube. O grupo também já publicou entrevistas exclusivas com o ator Wagner Moura e o ex-presidente do MST, João Pedro Stédile. Mais recentemente, o canal passou a produzir conteúdo em inglês.
Em seu canal no YouTube, o Brasil de Fato publica semanalmente um programa chamado "Notícias da China", que traz uma versão pró-chinesa dos acontecimentos. O conteúdo é apresentado por Marco Fernandes. Ele, por sua vez, trabalha para um site chamado Donsheng News. A página apresenta-se apenas como “coletivo internacional de pesquisadores interessados pela política e sociedade chinesas”. Marco também se apresenta como pesquisador do Instituto Tricontinental e organizador do "No Cold War" — outra publicação pró-ditadura chinesa de perfil nebuloso e ligada a Singham. "Uma nova Guerra Fria contra a China vai contra o interesse da humanidade", proclama a página.
O fundador do site Spotniks, Rodrigo da Silva, também mostrou que outros sites brasileiros, como o Brasil 247 e o Opera Mundi, publicam artigos de Vijay Prashad, diretor do Instituto Tricontinental.
Além disso, o Brasil de Fato, o No Cold War e o Instituto Tricontinental realizaram um seminário online que teve a participação da ex-presidente Dilma Rousseff e de João Pedro Stédile, além do ex-chanceler Celso Amorim e do professor Elias Jabbour, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O evento aconteceu em 2021.
A influência chinesa mundo afora também se dá nos círculos acadêmicos. Como a Gazeta do Povo mostrou, o regime de Pequim utiliza os Institutos Confúcio para espalhar seus tentáculos.
No Brasil, onze universidades mantêm filiais do centro chinês.
19 de agosto: Vinte anos da morte de Sérgio Vieira de Mello
Amanhã, 19 de agosto, completam-se vinte anos da morte de Sergio Vieira de Mello, vitimado, junto com 21 outros funcionários e colaboradores das Nações Unidas, por atentado terrorista contra a sede da ONU em Bagdá, no Iraque.
Na ocasião, Vieira de Mello encontrava-se licenciado do cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, para atuar como Representante do Secretário Geral da ONU no Iraque, atendendo a apelo do então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan.
Em 2008, a Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução A/63/129, instituiu o dia 19 de agosto como Dia Mundial Humanitário, em homenagem a todos que perderam suas vidas na promoção da causa humanitária.
O brasileiro Sérgio Vieira de Mello ingressou na ONU, em 1969, como funcionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e atuou em operações humanitárias e de manutenção de paz em diversos países. No Camboja, coordenou a repatriação de 360 mil refugiados. Entre 1999 e 2002, Sérgio liderou a missão da ONU que acompanhou a transição do Timor Leste para a independência.
Dedicou sua vida a apoiar a reconstrução de comunidades afetadas por guerras e violências extremas, sempre atuando com independência e imparcialidade na negociação pacífica de conflitos e na defesa dos direitos humanos.
Renê Burri, Antigo Palácio de Verão. Flores de lótus mortas no lago Kunming. Pequim, 19
Por ISABELLA M. WEBER*
Introdução do livro recém-lançado
A China contemporânea está profundamente integrada ao capitalismo global. No entanto, o estonteante crescimento chinês não levou o país à completa convergência institucional com o neoliberalismo. Isso desafia o triunfalismo do pós-Guerra Fria, que previa a “vitória incondicional do liberalismo econômico e político” em todo o mundo. Embora a era da revolução tenha terminado em 1989, isso não resultou na aguardada universalização do modelo econômico “ocidental”. Acontece que a mercantilização gradual facilitou o crescimento econômico da China sem que isso a levasse à assimilação generalizada. A tensão entre a ascensão da China e essa assimilação parcial define nosso momento atual e encontra suas origens na abordagem das reformas de mercado pela China.
A literatura sobre as reformas da China é ampla e diversificada. As políticas econômicas que o país adotou em sua transformação a partir do socialismo de Estado são bem conhecidas e investigadas. Muito negligenciado, no entanto, é o fato de que a mercantilização gradual e guiada pelo Estado chinês foi tudo menos uma conclusão inevitável ou uma escolha “natural”, predeterminada pelo excepcionalismo chinês. Na primeira década da “reforma e abertura”, sob Deng Xiaoping (1978-1988), o modo de mercantilização da China foi cinzelado em um debate acirrado. Economistas que defendiam uma liberalização ao estilo da terapia de choque lutaram pelo futuro da China contra aqueles que promoviam a mercantilização gradual a partir das margens do sistema econômico. Por duas vezes, a China tinha tudo preparado para um “big bang” na reforma dos preços. Por duas vezes, absteve-se de implementá-lo.
O que estava em jogo no debate da reforma de mercado é ilustrado pelo contraste entre a ascensão da China e o colapso econômico da Rússia. A terapia de choque – a prescrição política quintessencialmente neoliberal – havia sido aplicada na Rússia, o outro ex-gigante do socialismo de Estado. O prêmio Nobel Joseph Stiglitz atesta “um nexo causal entre as políticas da Rússia e seu fraco desempenho”. As posições da Rússia e da China na economia mundial inverteram-se desde que implementaram modos diferentes de entrada no mercado. A participação russa no Produto Interno Bruto (PIB) mundial caiu quase pela metade – de 3,7% em 1990 para cerca de 2% em 2017 –, enquanto a participação da China aumentou quase seis vezes – de apenas 2,2% para cerca de um oitavo da produção global (ver figura 1).
A Rússia passou por uma drástica desindustrialização, enquanto a China se tornou a notória fábrica do capitalismo mundial. A renda média real de 99% dos russos foi menor em 2015 que em 1991, enquanto na China, apesar do rápido aumento da desigualdade, esse número mais que quadruplicou no mesmo período, superando o da Rússia em 2013 (ver figura 2). Como resultado da terapia de choque, a Rússia teve um aumento de mortalidade acima de qualquer experiência anterior em um país industrializado em tempos de paz.
Dado o baixo nível de desenvolvimento da China em comparação com o da Rússia no início da reforma, a terapia de choque provavelmente teria causado um sofrimento humano em escala ainda maior. Teria minado, se não destruído, as bases para o crescimento econômico chinês. É difícil imaginar como seria o capitalismo global hoje se a China tivesse seguido o caminho da Rússia.
Apesar de suas importantes consequências, o papel fundamental que o debate econômico desempenhou nas reformas de mercado na China é amplamente ignorado. O famoso economista do desenvolvimento Dani Rodrik, professor de Harvard, representa a profissão de economista de forma mais geral quando responde a sua própria pergunta se “alguém [pode] nomear os economistas (ocidentais) ou [foi] a pesquisa que desempenhou um papel fundamental nas reformas da China” afirmando que “a pesquisa econômica, pelo menos como convencionalmente entendida”, não desempenhou “um papel significativo”.
Figura 1. Participação da China e da Rússia no PIB mundial (1990-2017)
Fonte: Banco Mundial, “GDP (Constant 2010 US$)”. The World Bank Data, 2019.
Figura 2. Renda média por adulto na China e na Rússia por quantis populacionais (1980-2015)
Nos capítulos seguintes, volto à década de 1980 e pergunto quais razões intelectuais desviaram a China da terapia de choque. Revisitar o debate acerca da reforma de mercado revela a economia da ascensão da China e as origens das relações entre o Estado e o mercado chineses.
O desvio da China em relação ao ideal neoliberal reside não no tamanho do Estado chinês, mas principalmente na natureza de sua governança econômica. O Estado neoliberal não é pequeno nem fraco, mas forte. Seu objetivo é fortalecer o mercado. Em termos básicos, isso significa proteger a liberdade de preços como mecanismo econômico central. Em contraste, o Estado chinês usa o mercado como ferramenta na busca de seus objetivos mais amplos de desenvolvimento.
Como tal, preserva um grau de soberania econômica que protege sua economia contra o mercado global – como demonstraram de forma contundente a crise financeira asiática de 1997 e a crise financeira global de 2008. Abolir essa forma de “isolamento econômico” é um objetivo de longa data dos neoliberais, e nossa atual governança global foi projetada para acabar com a proteção nacional contra o mercado global. O fato de a China ter escapado da terapia de choque mostrou que o Estado manteve a capacidade de isolar os setores estratégicos da economia – aqueles mais essenciais para a estabilidade e o crescimento econômico – à medida que se integrava ao capitalismo global.
Para estabelecer as bases de minha análise da escapada da China, primeiro recapitularei brevemente a lógica da terapia de choque.
A lógica da terapia de choque
A terapia de choque estava no centro da “doutrina de transição do Consenso de Washington”, propagada em países em desenvolvimento, Europa oriental e central e Rússia pelas instituições ligadas aos acordos de Bretton Woods. Em aparência, tratava-se de um amplo pacote de políticas que seriam implementadas de uma só tacada, para causar um choque nas economias planejadas, transformando-as de uma só vez em economias de mercado. O pacote consistia de: (i) liberalização de todos os preços em um único big bang; (ii) privatização; (iii) liberalização do comércio; e (iv) estabilização, na forma de políticas fiscais e monetárias rígidas.
As quatro medidas da terapia de choque, implementadas simultaneamente, deveriam, em teoria, formar um pacote abrangente. Uma análise mais atenta revela que a parte desse pacote que podia ser implementada de uma só tacada resume-se a uma combinação dos itens 1 e 4: liberalização de preços e austeridade estrita.
David Lipton e Jeffrey Sachs falaram pelos proponentes da terapia de choque de forma mais geral quando admitiram complicações com relação à velocidade da privatização na prática. Eles reconheceram a magnitude da tarefa de privatização em uma economia com propriedade principalmente pública. Comparando o grande número de empresas estatais nas economias socialistas com o histórico de privatizações no Reino Unido, apontaram que “Margaret Thatcher, a maior defensora mundial da privatização”, havia liderado a transferência de apenas algumas dezenas de empresas estatais para o setor privado no decorrer da década de 1980.
Assim, observaram que o “grande enigma é como privatizar uma vasta gama de empresas de maneira equitativa, célere, politicamente viável e suscetível de criar uma estrutura efetiva de controle corporativo”. Recomendaram vagamente que “a privatização talvez deva ser feita por muitos meios” e que o “ritmo deve ser rápido, mas não desenfreado”. O relatório conjunto sobre a economia da União Soviética também alerta contra o avanço muito rápido da privatização, “quando os preços relativos ainda não estão estabilizados”. Da mesma forma, a liberalização do comércio aos olhos dos defensores da terapia de choque tem como precondição a liberalização dos preços internos. Um big bang na liberalização dos preços aparece, assim, como condição tanto para a privatização quanto para a liberalização do comércio e constitui o verdadeiro “choque” da terapia de choque.
O que foi apresentado como um amplo pacote de reformas acabou sendo uma política extremamente enviesada para apenas um elemento da economia de mercado: a determinação de preços pelo mercado. No entanto, essa unilateralidade não foi mero resultado de viabilidade. A razão mais profunda do viés voltado para a liberalização de preços está no conceito neoclássico do mercado como um mecanismo de preços que se abstrai das realidades institucionais. De modo mais geral, na visão dos neoliberais, o mercado é a única forma de organizar racionalmente a economia, e seu funcionamento depende de preços livres.
De acordo com a lógica da terapia de choque como a entendem, por exemplo, Lipton e Sachs, a liberalização de todos os preços “de uma só vez” corrigiria os preços relativos distorcidos, que, em consequência da herança stalinista, eram muito baixos para a indústria pesada e os bens de capital e muito altos para a indústria leve, os serviços e os bens de consumo.
De maneira similar, o relatório conjunto sobrea economia da União Soviética realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial, pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (Berd) advertiu: “Nada será mais importante para a realização de uma transição bem-sucedida para uma economia de mercado do que a liberação dos preços para orientar a alocação de recursos. A liberalização ampla e antecipada dos preços é essencial para acabar com a escassez e os desequilíbrios macroeconômicos que afligem cada vez mais a economia”.
Essa liberalização generalizada dos preços precisaria ser combinada com uma política de estabilização para controlar o nível geral dos preços. Desde que macromedidas complementares fossem implementadas, a liberalização dos preços “poderia levar a um salto único nos preços, mas não a uma inflação contínua”, alegaram os defensores da terapia de choque. Segundo eles, as verdadeiras causas da inflação persistente nas economias socialistas estatais eram o excesso de demanda (em razão dos grandes déficits orçamentários), a “restrição orçamentária branda”, as políticas monetárias frouxas e os aumentos salariais resultantes da política de desemprego zero. Na visão deles, esses problemas poderiam ser aliviados com uma “forte dose de austeridade macroeconômica”, pois eram, em essência, monetários e não estruturais.
O “salto único nos preços” que se esperava como resultado da liberalização generalizada dos preços era bem-vindo, pois “absorveria o excesso de liquidez” e, desse modo, reforçaria a austeridade. Em outras palavras, um aumento no nível geral de preços desvalorizaria a poupança e, assim, reduziria o excesso crônico de demanda agregada que se experimentava nas economias socialistas. O custo de privar os cidadãos da modesta riqueza que haviam acumulado sob o socialismo de Estado era considerado um mal necessário. Com efeito, tratava-se de uma redistribuição regressiva que beneficiava as elites detentoras de ativos não monetários. A redistribuição de baixo para cima fazia parte da terapia de choque desde o início, desde a reforma monetária e de preços do pós-guerra na Alemanha ocidental, sob Ludwig Erhard. Forçar relações de mercado na sociedade da noite para o dia dependia da imposição de uma maior desigualdade.
A natureza e as estruturas das instituições predominantes que comporiam a nova economia de mercado não receberam muita atenção dos defensores da terapia de choque. O pacote recomendado por Lipton, Sachs e muitos outros, entre eles economistas do mundo socialista da época, não “criava” uma economia de mercado, como sugere o título do importante estudo desses economistas sobre a Polônia. Ao contrário, esperava-se que a destruição da economia de comando desse automaticamente origem a uma economia de mercado. Era uma receita para a destruição, não para a construção. Uma vez que a economia planificada estivesse “morrendo sob o choque”, esperava-se que a “mão invisível” operasse e, de maneira um tanto milagrosa, permitisse o surgimento de uma efetiva economia de mercado.
Essa é uma perversão da famosa metáfora de Adam Smith. Smith, um observador atento da Revolução Industrial, que se desenrolava diante de seus olhos, viu a “propensão humana a intercambiar, permutar e trocar uma coisa por outra” como o “princípio que dá origem à divisão do trabalho”, mas imediatamente advertiu que esse princípio era “limitado pela extensão do mercado”. O mercado, de acordo com Smith, desenvolvia-se devagar, à medida que eram construídas as instituições que facilitavam as trocas de mercado. Nesse processo, a mão invisível entraria em jogo apenas gradualmente e, com ela, o mecanismo de preços. Em contrapartida, a lógica da terapia de choque nos leva a crer que é possível um país “saltar para a economia de mercado”.
A destruição prescrita pela terapia de choque não se atém ao sistema econômico. Uma segunda condição deve ser cumprida: uma “mudança revolucionária nas instituições”. Ou, como disseram Lipton e Sachs, o “colapso do regime comunista de partido único era a condição sine qua non para uma transição efetiva para uma economia de mercado”. De fato, foi necessário o colapso do Estado soviético e do regime comunista de partido único em dezembro de 1991 para que o big bang pudesse ser implementado; o presidente russo Boris Iéltsin eliminou quase todos os controles de preços em 2 de janeiro de 1992. Sob o secretário-geral Mikhail Gorbatchov, a reforma radical dos preços estava na agenda desde 1987, mas nunca foi realizada, pois os cidadãos russos reclamavam em massa e os intelectuais alertavam sobre uma possível inquietação social. Gorbatchov tentou o gradualismo ao estilo chinês, mas em vão.
Prometendo ganhos de longo prazo, o big bang prescrevia males de curto prazo que afetavam imediatamente os interesses dos trabalhadores e das empresas, bem como dos departamentos governamentais. A liberalização radical dos preços tornou-se politicamente viável apenas após a dissolução do Estado soviético. “O colapso do regime comunista de partido único” acabou sendo, de fato, “a condição sine qua non” para o big bang, mas o big bang não conseguiu alcançar “uma transição efetiva para a economia de mercado”. Em vez do aumento pontual previsto no nível dos preços, a Rússia entrou em um longo período de inflação altíssima, queda na produção e baixas taxas de crescimento (ver figura 3).
Quase todos os países pós-socialistas que implementaram alguma versão da terapia de choque experimentaram uma recessão longa e profunda. Além da devastação documentada pelos indicadores econômicos (ver figura 2), a maioria dos indicadores de bem-estar, como acesso à educação, ausência de pobreza e saúde pública, entrou em colapso.
*Isabella M. Weberé professora de economia na University of Massachusetts Amherst, EUA.
Referência
Isabella M. Weber. Como a China escapou da terapia de choque. Tradução: Diogo Fernandes. Revisão técnica: Elias Jabbour. São Paulo, Boitempo, 2023, 476 págs (https://amzn.to/447aDoD).
Anticomunista ferrenha, 1ª embaixadora do Brasil teve cargo poderoso no Itamaraty
Odette de Carvalho e Souza chefiou postos no exterior e soube navegar em ambiente masculino apesar de resistências Odette de Carvalho e Souza foi a primeira mulher promovida a ministra de primeira classe no Brasil, em 1956, quando também se tornou diretora do Departamento Político e Cultural (DPC) do Itamaraty. Poderoso, o órgão lidava com relações bilaterais e organismos multilaterais durante a expansão da então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática, segundo a estrutura do ministério à época, o posto fazia de Odette a número 3 da pasta, abaixo apenas do chanceler e do secretário-geral. A diplomata também foi chefe dos Serviços de Estudos e Investigações do Ministério das Relações Exteriores a partir de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas iniciou o Estado Novo (1937-1945). Mais tarde, já na chefia do DPC, participou do controle de atividades políticas de funcionários da casa. Os Serviços de Estudos e Investigações tinham por objetivo "tratar da obra de repressão ao comunismo, mediante estudo especializado da doutrina marxista, sua infiltração no nosso país e meios de combatê-la de maneira prática e eficiente", segundo memorando escrito por Odette como argumento para a criação do órgão, após a Intentona Comunista de 1935, e acessado pela pesquisadora Adrianna Setemy. Nessa época, Odette lidou com autoridades de segurança, como Filinto Müller, chefe da polícia política do período repressivo sob Vargas e senador na ditadura militar pela Arena, sigla que sustentava o regime. Na Suíça durante a Segunda Guerra Mundial, ela chamou a atenção como conselheira técnica e secretária de delegações do Brasil em conferências internacionais de trabalho e paz. Nesse período, também foi representante do país na Entente Internacional Anticomunista. Embora seu papel na organização ainda não esteja claro, seu trabalho sugere que ela se conectava com grupos anticomunistas para além da atuação pública no ministério e na imprensa, para os quais escreveu com regularidade artigos sobre esse e outros temas, assinando "O. de Carvalho e Souza". Se, por um lado, sua presença destacada no país europeu mostra como ela desbravou território até hoje muito masculinizado, ela reflete também as dificuldades das mulheres na diplomacia naquele período. Odette articulara para trabalhar na representação brasileira em Londres, mas viu a designação publicada no Diário Oficial perder efeito antes que assumisse o posto devido à atuação do próprio embaixador no país, Raul Regis, que sugeriu a Odette o cargo na Suíça. "Num país [Reino Unido] que expressamente condenou a entrada de mulheres para o corpo diplomático, e numa corte de tradições conservadoras, só lhe adviriam inúmeros embaraços decorrentes da sua inclusão na lista diplomática. A aparição dessa senhora, como única mulher [...], a quanto comentário irônico não nos iria expor", escreveu Regis. A forma com que era chamada exemplifica o sexismo refletido na justificativa. "Dona Odette" estava em funções semelhantes ou hierarquicamente superiores a homólogos homens, que recebiam o título de seus cargos antes de seus nomes. A ela, porém, muitas vezes eram destinadas outras formas de tratamento, como "dona", "senhora" e "senhorita". Também sobravam comentários sobre sua aparência física, por vezes acompanhados de elogios a seu profissionalismo, humor e inteligência. "Quando o nome dela é mencionado no Itamaraty, normalmente isso é feito como galhofa, dizia-se que era uma pessoa que perseguia os outros. No máximo é isso que se fala, não do legado profissional dela: quem era, o que fez de bom e de ruim", diz a diplomata Carolina von der Weid, autora, com Eduardo Uziel, do capítulo sobre Odette no livro "DiplomatAs: Sete Trajetórias Inspiradoras de Mulheres Diplomatas". E, a despeito de suas ideias, ou talvez em parte devido a elas —a embaixadora defendia o lugar central da mulher na família, com abordagem conservadora em que tomava distância das discussões sobre liberdade sexual, por exemplo—, Odette soube navegar em um ambiente pouco afeito às mulheres. "A presença dela no ministério fez com que eu não tivesse a ideia de que ali pudesse ser uma casa machista quando ingressei no Instituto Rio Branco. Ela era respeitada. As pessoas que encontrei em Bruxelas tinham carinho por ela", afirma a embaixadora Thereza Quintella, primeira mulher egressa do Instituto Rio Branco a alcançar o cargo —ela também foi pioneira na direção da escola de diplomatas. Odette começou a atuar profissionalmente sem passar pelo instituto; na Bélgica, chefiou a delegação do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia, para onde foi Quintella quando a embaixadora já havia deixado o posto. Além dos cargos em Israel e Bélgica, Odette chefiou postos na Costa Rica e em Portugal. Há, entretanto, poucas publicações sobre a trajetória da diplomata, que vem sendo resgatada recentemente em livros, artigos e documentários. Sua relação (ou a ausência dela) com movimentos feministas de seu tempo, diante de seu pioneirismo, e seu papel na organização internacional anticomunista são exemplos de facetas da embaixadora que ainda carecem de estudos mais detalhados. "Odette era sábia para jogar com os grupos da época. Independentemente da filiação política, ela deixava clara sua ambição e tinha proeminência. Chama a atenção o silenciamento de seu legado", afirma Weid. Odette de Carvalho e Souza foi aposentada em 2 de outubro de 1969, por ter completado 65 anos de idade. Faleceu no ano seguinte, aos 66, na cidade do Porto, em Portugal. Não deixou filhos.
Nota da ABRI, ABEPSS, SOCICOM, ABRALIC, ABPI e ANPOLL sobre o novo PAC
Nós, da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM), da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), da Associação Brasileira dos Professores de Italiano (ABPI) e da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística ( ANPOLL) manifestamos publicamente nossa grande preocupação com a forma de alocação de investimentos do Novo PAC do Governo Federal.
O Novo PAC foi lançado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, nesta sexta-feira, dia 11 de agosto. Conforme as informações divulgadas, o programa tem um orçamento total de R$ 1,7 trilhão, sendo que os recursos do Orçamento Geral da União são de R$ 371 bilhões; o das empresas estatais, R$ 343 bilhões; financiamentos, R$ 362 bilhões; e setor privado, R$ 612 bilhões.
Ainda que a iniciativa de grandes recursos públicos em áreas estratégicas seja muito bem-vinda, a forma com que os investimentos foram distribuídos revela problemas que persistem no Brasil. Em particular, o investimento em DEFESA de R$ 53 bilhões, o que supera os investimentos em SAÚDE, de R$ 31 bilhões, e em EDUCAÇÃO, de R$ 45 bilhões, é algo que chama nossa atenção.
A priorização de investimentos em DEFESA em detrimento de outras áreas mais prioritárias e necessitadas revela um descompasso com uma sociedade que ainda luta para se tornar menos desigual, mais plural e mais democrática. Nós, enquanto associação de estudiosas e estudiosos de Relações Internacionais, manifestamos nosso profundo pesar com a desconexão dessa decisão com os interesses nacionais e internacionais do Brasil. As brasileiras e os brasileiros precisam de mais emprego, educação, saúde e menos desigualdade e pobreza, sobretudo após terrível quadra histórica que o país enfrentou nos últimos anos.
Nossa preocupação é ainda mais candente em um cenário em que membros das Forças Armadas manifestaram suas opiniões e práticas anti-democráticas. Sem uma reforma institucional que considere o papel constitucional das Forças Armadas e as relações civis-militares como base de uma sociedade democrática, o autoritarismo continuará à espreita
Nos somamos a outras associações como a ABED, ANPOCS e ABCP em nosso apelo ao Governo Federal. Esperamos que a alocação de recursos no Novo PAC seja reconsiderada e que haja mais diálogo com as representações da sociedade civil no futuro.
Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI),
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)
Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM)
Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC)
Associação Brasileira dos Professores de Italiano (ABPI)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística ( ANPOLL)
O SEBC (Sistema Europeu de Bancos Centrais) é constituído pelo BCE (Banco Central Europeu) e pelos BCN (Bancos Centrais Nacionais) de todos os Estados-Membros da UE, independentemente de terem adotado, ou não, o euro.
Em vista doa acima exposto todos os Bancos Centrais dos países membros do euro continuam existindo, conforme estudo abaixo:
BCE, SEBC e Eurosistema
Desde 1 de janeiro de 1999, o BCE é responsável pela condução da política monetária na área do euro – a maior economia do mundo, a seguir aos Estados Unidos.
A área do euro tornou-se uma realidade quando a responsabilidade pela política monetária foi transferida dos bancos centrais nacionais (BCN) de 11 Estados‑Membros da União Europeia (UE) para o BCE, em janeiro de 1999. A Grécia aderiu à área do euro em 2001, seguindo-se a Eslovénia em 2007, Chipre e Malta em 2008, a Eslováquia em 2009, a Estónia em 2011, a Letónia em 2014, a Lituânia em 2015 e a Croácia em 2023. A criação da área do euro e de uma nova instituição supranacional, o BCE, constituiu um marco histórico no longo e complexo processo da integração europeia.
Para aderirem à área do euro, os países tiveram de cumprir os critérios de convergência, assim como terão de o fazer os restantes Estados-Membros da UE antes de adotarem o euro. Os critérios de convergência estabelecem as condições prévias em termos económicos e jurídicos para que os países possam participar, com êxito, na União Económica e Monetária (UEM).
A base jurídica subjacente à política monetária única é o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e os Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. De acordo com os seus estatutos, o BCE e o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) foram instituídos em 1 de junho de 1998, tendo o BCE sido definido como o núcleo do Eurosistema e do SEBC. O BCE e os BCN executam, em conjunto, as funções que lhes foram atribuídas. Ao abrigo do direito público internacional, o BCE tem personalidade jurídica.
Sistema Europeu de Bancos Centrais
O SEBC é constituído pelo BCE e pelos BCN de todos os Estados-Membros da UE, independentemente de terem adotado, ou não, o euro.
Eurosistema
O Eurosistema é constituído pelo BCE e pelos BCN dos Estados-Membros da UE que adotaram o euro. Coexiste com o SEBC enquanto houver Estados‑Membros da UE que não façam parte da área do euro.
Área do euro
A área do euro compreende os Estados-Membros da UE cuja moeda é o euro.
Pois, a título de informação, notadamente aos leitores da colunista, me valho do oportuno comentário do pensador-economista Ronald Hilbrecht, esclarecendo que o EQUADOR, PANAMÁ E PORTO RICO NÃO TÊM BANCOS CENTRAIS. Mais: ALEMANHA, FRANÇA, ITÁLIA, ESPANHA E OUTRO PAÍSES QUE COMPÕEM A UNIÃO EUROPEIA, também ACABARAM com seus Bancos Centrais duas décadas atrás. Atenção: nenhum desses países se tornaram ASSUSTADORES, como refere a lamentável e despreparada colunista -petista-.
Itamaraty diz que 22 países oficializaram pedido para entrar no Brics
Número foi apresentado nesta quarta-feira (16) pelo secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, Eduardo Paes Saboia
Por Agência Brasília, Valor — Brasília
17/08/2023 01h15 Atualizado há 14 horas
O Ministério das Relações Exteriores informou que 22 países já manifestaram formalmente interesse em integrar o Brics, grupo formado “até o momento” por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
O número foi apresentado nesta quarta-feira (16) pelo secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, Eduardo Paes Saboia, durante um briefing sobre a viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará para África do Sul, Angola e São Tome e Príncipe.
Em Joanesburgo, África do Sul, Lula participará, entre os dias 22 e 24 de agosto, da 15ª Cúpula do Brics. De lá, segue para Angola nos dias 25 e 26. Na sequência, visitará no dia 27 São Tomé e Príncipe, onde participará da 14ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Brics
De acordo com o embaixador Saboia, a reunião de cúpula do Brics contará com a participação de 40 chefes de governo ou de Estado dos continentes africanos e asiático, além de América Latina e Oriente Médio. Todos com presença já confirmada para esta que será a primeira reunião presencial pós-pandemia. Saboia disse que apenas o presidente da Rússia, Vladimir Putin, participará de forma virtual do encontro.
O embaixador destacou algumas questões que deverão pautar a reunião entre os representantes do bloco. Uma delas, relativa à entrada de novos integrantes. “Serão discutidos critérios e princípios a serem adotados para embasar a entrada de novos membros no grupo”, disse.
Saboia lembra que este não é um tema novo. “Desde 2011 discute-se como seria a interação com países de fora do bloco. Foi então observada a necessidade de se organizar e estabelecer critérios”.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, segundo o embaixador, deverá ser discutida apenas internamente, durante o chamado “retiro”, quando os chefes de Estado e de governo do Brics se encontrarão de forma fechada. “Certamente o tema será discutido de forma mais aprofundada do que [deverá constar] na declaração [ao fim do evento]”, antecipou Saboia.
Outra questão a ser discutida pelo grupo será o uso de moedas locais ou de uma eventual unidade de referência do Brics para transações comerciais.
“É provável que haja algum resultado nessa área”, antecipou Saboia, referindo-se aos planos para o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), mais conhecido como Banco do Brics. “Este é um ativo muito importante do bloco”, segundo Saboia.
Angola e São Tomé
Sobre a viagem a Angola, o embaixador disse que o encontro reforçará a parceria estratégica entre os dois países, que se desdobra em vários setores. “A Angola é um país importante no contexto africano, com o qual desde 2010 temos parceria estratégica e densidade de relações”.
Estão previstos encontros com o presidente angolano, João Lourenço; e com empresários angolanos e brasileiros. “Sessenta empresas brasileiras já confirmaram presença em um evento empresarial”, informou Saboia. Além disso estão previstas as assinaturas de atos e memorandos nas áreas de agricultura, processamento de dados, saúde e educação.
Em São Tomé, Lula participará da 14ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Saboia destacou o apoio mútuo que os países d