segunda-feira, 29 de abril de 2024

Mercosul: unificação monetária (2003) - Paulo Roberto de Almeida

 Mercosul: unificação monetária

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 5 mai. 2003, 5 p. 
Respostas a questionário voltado para preparação de tese sobre a possibilidade de um banco central no Mercosul, para doutorando em direito econômico internacional.
 

 

1. Objetivo:

 

A presente entrevista visa fornecer dados e elementos a fim de complementação de pesquisa cientifica realizada junto a Universidade de Paris I-Pantheon/Sorbonne.

 

  1. Pesquisadora/entrevistadora:  

    

(...)

 

  1. Tema de Tese 

 

“A criação de um Banco Central no Mercosul: viabilidade jurídica e sua relação com os bancos centrais nacionais” 

(Diretor : ...).

 

 

QUESTIONARIO PREVIAMENTE ELABORADO SOBRE O TEMA DE TESE

 

O presente trabalho tem por objetivo obter elementos e informações úteis ao bom desenvolvimento do tema que me foi proposto como sujeito de tese.  Este questionário é apenas um indicativo.  À critério do entrevistado poderão ser omitidas certas questões ou abordados temas não tratados.

 

1)    Entrevistado

Paulo Roberto de Almeida

 

2)    Profissão

Diplomata

 

3)    Cargo ocupado

Ministro Conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington

 

4)    Posição sobre o tema abordado : a) favorável  (X )    b) não favorável ( ) 

 

PLANO DO QUESTIONARIO:

 

1)    Lista de questões

2)    Observações pessoais do entrevistado


QUESTOES:

 

1)    Seria sustentável uma aproximação entre os sistemas monetários dos países membros do Mercosul?

 

 SIM ( X )    PORQUE

 

      Em termos, porque um projeto de aproximação, potencialmente tendente à união, implica em que os países envolvidos tenham decidido, efetivamente, implementar um mercado comum completo e acabado. Ou seja, a mera aproximação entre os sistemas monetários não é sustentável ou justificável em seus próprios termos, mas apenas como parte constitutiva de um projeto estratégico mais amplo visando à conformação de um espaço econômico unificado entre os países participantes.

      Se existe decisão e medidas efetivas em favor desse espaço unificado, então o objetivo de uma convergência monetária torna-se totalmente justificável e mesmo necessário.

 

NÃO (  )   PORQUE

 

1.     De que forma:

 

a)     moeda única              ( X ) 

b)    moeda de referencia  (  ) 

c)     taxa de cambio fixo   (  ) 

d)    outra                           (  ) 

 

Observação: a moeda única não pode ser vista como diferente das, ou oposta às demais alternativas oferecidas. Obviamente, para se chegar a uma moeda única tem de se passar por uma fase de convergência de políticas monetárias que normalmente envolvem a fixação do câmbio durante um certo período, como ocorreu na UE a partir de 1999 até a introdução da moeda única em 2001. Por outro lado, as moedas nacionais, antes e durante a fase de transição, adotam geralmente uma moeda de referência, que no caso tanto do peso argentino como do real brasileiro é o dólar. Essa referência pode ser flexibilizada pela adoção de um coquetel de moedas como referência.

 

2)    É sustentável uma zona monetária única para a região ?

 

Pode ser sustentável se as medidas corretas forem adotadas para assegurar a estabilidade dessa zona e a manutenção do poder de compra da nova moeda, ou seja, ela precisa ser aceita como reserva de valor, como instrumento de referência e como meio de intercâmbio, que são as funções clássicas de toda e qualquer moeda. Isso só se realiza quando existe confiança no novo meio circulante, o que depende basicamente do bom funcionamento das economias envolvidas no processo.

 

3)    A dolarização seria uma possibilidade de unificação monetária no Mercosul?

 

 

SIM  (  )    porque

 

NÃO ( X )   porque

            Dolarização NÃO representa unificação monetária, estrito ou lato senso, sendo única e exclusivamente uma renúncia a se ter moeda própria. Seria um simulacro de moeda única, pois que significando adesão ao padrão monetário de uma economia estrangeira, que continua a possuir os instrumentos e mecanismos de uma moeda (banco central emissor, agências reguladoras da oferta monetária, autoridades que fixam taxas de juros ou mesmo de câmbio, etc.). 

            Unificação monetária significa adoção independente e soberana daqueles mecanismos e instrumentos em torno de um padrão monetário livremente decidido.

 

4)    Uma nova instituição para administrar uma política monetária comum seria necessária?

 

SIM  ( X )   porque 

 

            Não se concebe uma moeda, no mundo moderno, sem os mecanismos reguladores de sua oferta (volume de emissão) e de seu preço relativo (juros e câmbio). Esses mecanismos ou instituições costumam significar Banco Central, Autoridade Monetária encarregada da política monetária (que pode não ser a mesma que o BC) e instituições de fiscalização e controle do sistema financeiro e bancário (que podem também não ser as mesmas que as anteriores). Em suma, o que existe no plano nacional teria de ser reproduzido no plano supranacional ou intergovernamental.

 

NÃO (  )  porque 

 

5.      A nova Instituição teria :

 

a) poder  consultativo     SIM  (  X )    NÃO (   ) 

b) poder de decisão         SIM ( X )     NÃO (   ) 

 


6.      Quem designaria os membros da nova Instituição ?

 

a)  representantes de cada país membro  SIM ( X  ) Qual organismo?   Ministérios nacionais da economia (fazenda, finaças) de cada país designam seus representantes para a nova instituição 

                                                                NÃO (   ) 

 

b) pelos Bancos Centrais Nacionais   SIM (   )  NÃO (   ) 

 

c) eleitos pelo povo     SIM  (   )    NÃO (   ) 

 

d. Outra forma  (   )  QUAL 

 

      Observação: a alternativa (a) não exclui a (b), pois o tratado regulatório ou o instrumento diplomático da zona monetária comum pode decidir que esses representantes nacionais sejam os presidentes dos bancos centrais respectivos. A eleição direta não se justifica, pois que em nenhum país as autoridades monetárias são objeto de voto popular.

 

7Como seria constituída a nova Instituição :

 

                 Obs.: As alternativas NÃO são alternativas reais, ou seja, escolhas opostas e excludentes entre si; as opções podem ser combinadas. O tratado diplomático que definir a instituição regulará o seu modo de constituição e de funcionamento.

 

a)     Seria independente das autoridades políticas locais  

 SIM  (  X )    NÃO (   ) 

 

                 Obs.: A menção a autoridades locais não se justifica, pois não se trata de referência local ou nacional, já que se está falando de um órgão supranacional ou intergovernamental.

 

b)    Seria independente das autoridades econômico-financeiras locais  

 SIM ( X  )   NÃO (   ) 

 

  Obs.: Em termos, pois a nova instituição pode ter de responder a um comitê composto por autoridades econômico-financeiras NACIONAIS dos países membros.

 

c. Seria constituída por representantes do Estado de cada país membro

SIM ( X )  NÃO (   )  

 

  Obs.: É inevitável que sejam “representantes” de cada país membro, mas seu mandato (definido em estatuto) pode implicar que eles não possam mais receber instruções dessas autoridades nacionais, passando a atuar em colegiado independente.

 

d. Outra (   )   QUAL (   ) 

 

8.     Como seria a representação de cada país- membro  ?

 

a) numero idêntico de representantes para cada país-membro (   )

  Neste caso:

A .1   01 membro ( X )

A .2   02 membros (   ) 

A .3   outro             (   )

 

b) numero proporcional ( X  ) neste caso, considerando:

 

b. 1 PIB  (   )

b.2  Numero de habitants (  )

b.3 outros     (  X )  quais: Combinação desses elementos, mais comércio exterior.

 

            Obs. Importante:  Número de representantes não quer dizer igualdade de votos. Acredito que se possa ter UM representante por país membro, dotado de um poder de voto diferenciado, pois a instituição pode (E, A MEU VER, DEVE) funcionar segundo critérios de proporcionalidade, em função do peso relativo de cada país. O que não se pode ter seria um representante de um país minúsculo, com população diminuta, regulando matéria monetária para um vizinho dez ou vinte vezes maior do que o seu. Um banco central pode ser uma “sociedade por ações” com proporcionalidades diferentes refletidas em seu processo decisório.

 

9.     Como seria composta a direção da nova Instituição?

 

a) Diretoria  (   )

b) Conselho fiscal (   )

c) Conselho Geral  (   )

d) Autoridade independente (   )

e) Outros   (   )

 

      Obs.: Autoridade independente NÃO é o equivalente de Diretor ou Fiscal: trata-se de uma função ou qualidade, não de um cargo definido burocraticamente. Um Diretor pode ser independente em relação aos países membros, mas não independente em relação a uma comissão fiscalizadora. O Banco Central da zona monetária unificada terá diretores, fiscais, etc, mas pode OU NÃO, ser independente dos países membros. Isso depende inteiramente da vontade desses países. Normalmente, num processo desse tipo, primeiro os bancos centrais nacionais ficam independentes de suas próprias autoridades, depois o Banco Central comum fica independente dos países, mas essa independência sempre é muito relativa, pois ele precisa refletir preocupações e objetivos dos países membros.

 

10.  Como seriam adotadas as decisões no âmbito da nova Instituição ?

 

a) à unanimidade (   )

 

b) decisão majoritária  (   )  neste caso:

 

b.1 todas as decisões (   )

b.2 determinadas decisões  (   ) quais 

 

            Não pode haver UM único processo decisório. Determinadas decisões, digamos de natureza administrativa, podem ser adotadas por maioria simples. Outras decisões, de caráter substantivo, ou de política econômica, devem ser adotadas de modo qualificado, ou por maioria absoluta (NÃO necessariamente de países membros, ou votos nominais, MAS de peso político específico, ou seja, voto ponderado pelo peso dos sócios constitutivos).

            Outras decisões, finalmente, de natureza “constitucional”, só poderão ser adiotadas por unanimidade, ou pelo menos sem veto expresso por nenhum dos membros, como pode ser a modificação do mandato, estatuto ou o próprio tratado constitutivo da instituição. 

            Tudo é uma questão de adequação ao objeto próprio que está em causa.

 

11)   Qual seria a relação entre a nova Instituição e os países-membros?

 

a) independência total em relação ao respectivo governo ( X  )

 

            Obs.: Difícil dizer em abstrato o que significa essa independência, pois os representantes podem ter mandato fixo ou serem revocados e substituídos pelos seus governos.

 

b) independência relativa com o respectivo governo (   ) neste caso :

 

b.1 a partir de instituiçoes comunitarias (  )  quais

b.2 com instituições nacionais (   )  quais 

b.3 Outras  (   )  quais 

 

            Obs.: Instituições comunitárias pressupõem que a instituição seja supranacional, o que pode não necessariamente ser o caso. Ainda que isso possa parecer estranho, uma zona monetária unificada pode teoricamente ocorrer num processo apenas intergovernamental, como deve continuar sendo o Mercosul.

 

11.  Como seria a forma de controle da nova Instituição  ?

 

a) controlada por um Tribunal de Justiça Nacional  (   )

b) controlada por um Tribunal de Justiça Comunitário  (   )  neste caso :

b.1 todas as competências (   )

b.2 determinadas competências (   ) 

c) Pelos respectivos governos (   )  através de qual organismo  ?

 

c)     Outras possibilidades ( X ) quais ?


Tribunal de Justiça se dedica a regular diferenças entre países. No caso de uma instituição como um BC comum, deve haver um tribunal de contas, submetido ao Parlamento Comum (se houver) ou ao Conselho da zona, e deve haver auditoria independente também. Mas tudo depende das formas de controle: existe um controle contábil, de caráter técnico, e um controle político, sobre objetivos e mandatos fixados pelos países membros. Nesse caso, uma Comissão supranacional deveria preparar relatório para o Conselho dos países membros.

 

12.  Como se conceberia o sistema de responsabilidade da pessoa moral  ?

 

a) responsabilidade da Instituição  (   )

b) dos representantes (   )

c) dos Estados (   )

d) Outros (   )  quais


      São matérias que devem ser definidas pelo Estatuto da Instituição: normalmente deveria ser dos diretores do banco, que respondem a uma comissão em nome dos países membros.

 

13.  Quem constituiria o Capital da nova Instituição ?

 

a) Os Estados (   )

b) Os Bancos Centrais Nacionais  (   )

c) Outros (   )  quais


      Tanto faz serem os Estados membros ou os BCs nacionais: em ambos os casos e em qualquer dos casos, o dinheiro só pode sair dos governos dos países membros. Mas não se pode excluir participação de instituições multilaterais no capital do banco, ainda que isso seja estranho, pois não se trata de banco de desenvolvimento ou de investimento, e sim de órgão regulador.

 

14.  Quais seriam os critérios de subscrição do capital da nova instituição ?

 

a) seria igual entre os paises (   )

 

b) contribuição proporcional ( X  ) neste caso :

b.1 à partir do PIB (   )

b.2 numero da população (   )

b.3 Outra ( X  ) qual ______________

      A proporcionalidade deve levar em conta vários critérios: PIB, população e participação no comércio exterior, entre outros.

 

15.  Qual seria o principal objetivo da nova Instituição ?

 

A 1 estabilidade de preços  (  X )

A .2  desemprego                 (   )

A .3   outros                          (   ) 

      Na verdade, estabilidade de preços é decorrência da defesa do valor de compra da moeda: ou seja, o critério é a estabilidade macroeconômica de modo amplo. Não é função de banco central cuidar de emprego: isso incumbe a outros órgãos econômicos e sociais nacionais.

 

 

16.  Qual seria a competência da nova Instituição ?

 

a) competência geral (   )

 

b) competencia determinada (   )  neste caso :

b.1 politica monetaria ( X  )

b.2 politica econômica (   )

b.3 politica de credito (   )

b.4 politica de cambio (   ) 

b.5  Outra  (   )

 

      O critério principal é o da política monetária, mas a política de câmbio e indiretamente a de crédito também fazem parte de uma definição ampla da política monetária.

 

17.  Quais seriam os poderes deixados aos Bancos Centrais Nacionais?

 

a) poder residual  ( X  ) 

b) poder delegado (   )

c) outros (   )    quais


      Administração local do meio circulante, fiscalização financeira e bancária.

 

18.  A ALCA  tornaria inútil uma tentativa de unificação monetária no Mercosul ?

 

SIM (   )   porque 

 

NÃO (  X )  porque


            A Alca é um acordo meramente comercial, que não visa à constituição de um mercado comum, portanto não pode interferir nas políticas monetárias dos países membros. Na prática, a pressão pela dolarização vai aumentar e com isso as pressões sobre as políticas monetárias dos países membros.

 

19.  O (A) Entrevistado (a) conhece o Sistema Europeu de Bancos Centrais - SEBC?

 

SIM ( X  )  neste caso :

a)     uma comparação “latu sensu” com um sistema desejado para o Mercosul

b)    constata falhas no SEBC; quais ?

c)     Quais seriam as grandes dificuldades para o Mercosul?

 

Existem enormes diferenças, de NATUREZA, entre o Mercosul, e a UE, e não se pode pretender para o Mercosul o mesmo que existe no SME e SEBCs. Quando E SE o Mercosul evoluir para um mercado comum unificado e acabado, então se poderá falar numa comparação entre ambos, por enquanto isso se afigura impossível.

 

NÃO (   ) 

 

 

20.  O (A)  Entrevistado (a) conhece o Systema norte- americano – FED ?

 

SIM ( X  ) neste caso :

a) quais as observações consideradas úteis num sistema aplicável ao Mercosul?

            Trata-se, como o nome indica, de um sistema federal, ou seja, comissões monetárias regionais (não são estaduais), o que permite coletar dados sobre as várias regiões do país. 

            O processo de constituição do FED, no começo do século XX, de certa forma se aproxima do objetivo de constituição de uma zona monetária unificada, já que antes disso dólares eram emitidos por entidades diversas, não apenas o Tesouro, mas bancos estaduais e privados. O Mercosul pode se aproximar de um modelo do FED.

 

NÃO (   ) 


 

II – OBSERVAÇOES PESSOAIS DO ENTREVISTADO:

 

1.     Outras proposições; 

 

Não se pode conceber o processo de constituição de uma zona monetária unificada no Mercosul como independente da consolidação do mercado comum dessa zona.

 

2.     Críticas ao questionário;

 

Existem algumas “alternativas” que, de fato, não representam opções excludentes, pois que podem ser complementares ou sucessivas.

 

3.     Lacunas importantes no questionário;

 

Parte da ideia de uma zona monetária, não da preparação e dos requisitos para essa zona, ou seja, dos chamados critérios de Maastricht. Eles são importantes, pois sem eles não se conseguirá atingir o objetivo final que seria a zona monetária unificada.

 

4.     posição da nova moeda no cenário internacional:

 

4.1  qual seria o papel na economia internacional?

4.2  relação com o Dólar, IEN, Euro, por exemplo;

4.3  constituiria uma maior estabilidade, independência e autonomia da região?

 

Trata-se de questão dependente da existência dessa moeda. Se existir, poderá ser um pequeno fator de autonomia num mundo que caminha para a diminuição do número de moedas. As que sobreviverem terão de lutar pela sua independência. São fato de estabilidade, DESDE QUE administradas corretamente, isto é, com responsabilidade e realismo.

 



1045. “Unificação do espaço monetário no Mercosul”, Washington, 5 mai. 2003, 5 p. Respostas a questionário voltado para preparação de tese sobre a possibilidade de um banco central no Mercosul, para doutorando em direito econômico internacional.

Moeda Única no Mercosul: uma agenda para os debates (2002) - Paulo Roberto de Almeida (Lista Mercosul)

 Moeda Única no Mercosul: uma agenda para os debates (2002) 

Paulo Roberto de Almeida

Circulado numa lista sobre o Mercosul

em 16/02/2002

 

Caro colegas interessados na moeda única do Mercosul,

“Que fazer?”, era o título de um panfleto de Lenin, num momento (1902) em que o partido socialdemocrata russo enfrentava graves impasses em seu programa político e em sua atividade prática, e ele pretendeu dar uma nova orientação ao movimento. Conseguiu, mas a custa da divisão dos social-democratas em bolcheviques e mencheviques, sendo que estes últimos seriam depois massacrados pelos primeiros, quando conseguiram tomar o poder em 1917. O resto é história...

A moeda única do Mercosul pode ter outra história, mas não podemos ser profetas, nem fazer construções utópicas. A pergunta é pertinente, desde que saibamos os limites de nossa atuação e os demais limites que nos impõem a realidade...

As recentes decisões tendentes a favorecer a agenda da moeda única no Mercosul são sem dúvida encorajantes, mas não nos deixemos iludir pelas circunstancias. Todo esse palavreado atual sobre a moeda única tem objetivo algo incantatórios, como se se tratasse de afastar maus espíritos e ameaças de catástrofe, como ocorre atualmente com a Argentina e a crise do Mercosul (criada, aliás, pelas malcriações do ex-ministro Cavallo).

Falar de IMM, agora, serve para criar um certo clima de confiança, sinalizar que os países membros continuam a avançar no caminho da integração, enfim exibir um certo otimismo de fachada, quando sabemos que os problemas reais permanecem intocados.

O objetivo é louvável, mas, sem querer tocar no velho refrão do carro na frente dos bois, sejamos realistas: não é o fato de falar da (ou tentar implementar, contraventos e mares, a) moeda única que vai resolver os graves problemas de instabilidade econômica na Argentina e dar uma nova impulsão ao Mercado Comum.

Uma moeda comum, nas circunstâncias de um processo de integração (isto e’, eliminando-se a adoção negociada, como Bélgica e Luxemburgo, incorporação estatal, renuncia unilateral de soberania etc.), significa, nada mais, nada menos, do que a concretização plena de um mercado comum: ela é a consequência lógica e, por vezes incontornável, dessa unificação do espaço econômico, de maneira tão completa que sua adoção se torna quase natural. Foi um pouco o que ocorreu na Europa, depois de realizado o Ato Único de 1986 e implementadas as medidas constantes do processo de unificação completa dos mercados em 1993. 

Convenhamos que o Mercosul está longe, muito longe, longíssimo mesmo dessas etapas necessárias e incontornáveis. Mais ainda: não existem, estruturalmente, as mesmas condições “naturais” de integração completa dos mercados como na Europa, e, no plano monetário, a situação é totalmente diferente (para o negativo), requerendo ainda muitos anos de completa estabilidade macroeconômica e de avanços reais no processo de integração para podermos realmente colocar o tema da moeda na agenda.

Mas, admitamos por um momento que chegou o momento de falar da moeda única. Que fazer então? Criar um IMM vai servir para alguma coisa? Não creio, sinceramente, mas para não parecer totalmente negativo, admitamos que ele possa servir para fazer avançar um pouco mais o DEBATE (não ainda as medidas reais) em torno da futura, eventual, hipotética, possível moeda comum (vocês estão vendo que se eu estou disposto a me sacrificar pelo Mercosul, não morreria pela moeda única, por razoes que já expus aqui). 

Mas, como tudo no Mercosul é político, e não exatamente econômico, temos de considerar a criação do IMM como uma espécie de fait accompli e partir dai para avançar um pouco mais. Ele pode servir para muita coisa, entre outras introduzir um pouco mais de constrangimentos racionais (e realistas) ao arbítrio econômico dos dirigentes nacionais. Sempre considerei o Mercosul um pouco como essa tia severa que não deixa seus sobrinhos irresponsáveis sair por aí fazendo bobagens (tarifarias, fiscais, setoriais, orçamentarias etc.). Se o IMM e a ideia de moeda única também servir para disciplinar nossos países na linha dos good fundamentals, excelente, esta poderia ser sua missão histórica. 

Dito isto, volto ao Que fazer?

Não creio ue devamos comparar os estatutos do IMM (inexistente ao que saiba e aparentemente uma mera construção no papel, quando não uma simples decisão, sem qualquer coisa de concreto atras) com os do antigo IME, que se converteu em BCE seis meses antes da fixação irrevocável das taxas de cambio nos países candidatos a UEM europeia, ou seja, em junho de 1998. Não se pode comparar o incomparável ou o físico com o diáfano, inclusive porque, mesmo existindo essa obra de ficção cientifica que se da’ o nome de IMM, ele teria funções completamente distintas do finado IME, que era o BCE in pectore.

Não creio tampouco que se deva discutir agora a questão da supranacionalidade no (ou do) Mercosul, não porque me oponha a discussões teóricas (quem sou para proibir qualquer coisa?), mas porque simplesmente ela não está na agenda e não vai nos levar a nada.

Sou sim a favor de se começar a estudar as etapas e condições concretas que permitiram o surgimento, em última instancia, do euro. Isto implica em retomar o caminho não só da integração, na Europa e no Mercosul, mas também examinar as condições peculiares sob as quais foram dados os avanços monetários e de coordenação de políticas macroeconômicas naquele continente, e em circunstâncias adversas nos nossos próprios países.

Não quero parecer ambicioso demais, nem traçar um grande projeto de estudos jurídicos ou econômicos, mas a História sempre é boa conselheira (desde que não nos deixemos amarrar por ela, nem mitifiquemos seus itinerários, sempre únicos e originais).

Eu começaria, por exemplo, na própria União de Pagamentos Europeia, um sistema de clearing administrado pelo BIS nos anos 50, com dinheiro americano, que precedeu a decretação da conversibilidade das moedas europeias (1958) e o levantamento das restrições aos pagamentos correntes. Precisaríamos examinar depois os códigos da OCDE de liberalização de movimento de capitais e de transações correntes, ao lado das disposições do convenio constitutivo do FMI e o funcionamento do G-10 e do GAB. Podemos analisar também as diferentes fases da coordenação monetária europeia pós-Bretton Woods, os mecanismos de intervenção dos bancos centrais, o ERM e o SME, as bandas internas entre certas moedas europeias (sobretudo o bloco do deutsche mark) e as primeiras tentativas de unificação monetária (relatório Werner, por exemplo).

Fundamental, no entanto, será examinar as disposições relativas a UEM em Maastricht e o processo que se seguiu em três etapas desde 1993: independência dos bancos centrais e constituição do IME, decretação das paridades fixas das moedas candidatas, em janeiro de 1999 e, finalmente, agora em janeiro, a introdução do euro.  O mais importante será examinar os critérios de Maastricht e seus prerrequisitos, para ver até que ponto os países do Mercosul estão prontos ou dispostos a caminhar nessa direção (pois tudo é uma questão não apenas de vontade, mas de disciplina, o poder fazer seguido do agir).

Tudo isso obviamente sem prejulgar que o Mercosul deva necessariamente ter moeda comum, pois se você começa um processo com uma meta preestabelecida, independentemente das condições reais, isso não é união monetária, isto é fundamentalismo monetário.

Resumo o Que Fazer?: analisar o itinerário monetário europeu em todas as suas facetas, e estudar ao mesmo tempo nossas próprias particularidades, para ver se temos condições de seguir avançando na direção dessa “ideia”. Entendo que o IMM servira de “think tank” para tudo isso. Nos somos apenas livre atiradores, mas podemos ainda assim dar nossa contribuição ao debate, atuando como cidadãos e como estudiosos voluntários.

Tenho apenas uma condicionalidade nesse processo: para mim, Mercosul, moeda única e outros instrumentos integracionistas não são fim em si mesmos, mas apenas meios, mecanismos para realizar um fim desejável: o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Não me lanço nesse tipo de empreendimento por alguma bela ideia estética do Mercosul, mas por acreditar que ele possa contribuir para essa (esta sim) ideia fixa: o desenvolvimento do Brasil (não falo dos outros países, pois minha atuação refere-se apenas ‘as minhas obrigações e consciência como cidadão brasileiro, e acho que cada um deve cuidar do seu pais primeiro). Se a moeda única ajudar nessa meta, excelente, mas como disse não sou fundamentalista.


Washington, 16 fev. 2002, 3 p. 

Contribuição ao debate sobre a moeda única, no âmbito da lista Mercosul de direito internacional.

Em busca de um paradigma diplomático: resenha de livro de Celso Lafer: Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos (1999) - Paulo Roberto de Almeida

 Em busca de um paradigma diplomático

Paulo Roberto de Almeida

 

Resenha de:

Celso Lafer:

Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática

São Paulo: Paz e Terra, 1999. 

 

            Desde o final dos anos 60, quando publicou um artigo pioneiro nesta mesma revista (“Uma interpretação do sistema das relações internacionais do Brasil”, RBPI, Rio de Janeiro: ano 10, n. 39/40, 1967, pp. 81-100), o professor e empresário Celso Lafer tem sido uma das presenças mais constantes, se não a mais frequente, na bibliografia brasileira de relações internacionais. Gerações de estudantes das universidades e da academia diplomática (o Instituto Rio Branco do MRE) debruçaram-se sobre seus artigos e livros, dali retirando reflexões inovadoras sobre o papel do realismo e do idealismo na política internacional, lições enriquecedoras sobre as desigualdades intrínsecas entre as nações na ordem política e na economia internacional, sobre a situação do Brasil no comércio internacional, bem como contribuições de alto sentido filosófico e moral sobre a defesa dos direitos humanos e das causas humanitárias num mundo em mudança. Mas Celso Lafer não apenas desempenhou-se como intelectual de grande brilho nas lides acadêmicas; ele também exerceu seu talento na gestão prática das relações internacionais e na política exterior do Brasil, retomando com isso uma herança familiar, pois que é sobrinho do falecido político Horácio Lafer, que foi ministro da Fazenda do segundo governo Vargas e Chanceler de Juscelino Kubitschek.

            O livro aqui resenhado combina um pouco de todas essas aquisições intelectuais ao longo de uma vida dedicada ao estudo e ao trabalho em suas diferentes vertentes práticas de defesa dos interesses nacionais do Brasil no plano externo, pois que reunindo o que o autor chamou de “reflexões sobre uma experiência diplomática”. Ele já tinha tido a oportunidade de demonstrar suas qualidades à frente da chancelaria brasileira, num curto, porém profícuo período do início dos anos 90. Os textos coletados neste livro remetem à sua estada em Genebra, como representante brasileiro junto à OMC (que recuperou e desenvolveu o legado institucional do antigo GATT) e os demais organismos internacionais ali sediados, com destaque para a Conferência do Desarmamento e a Comissão dos Direitos Humanos (conformando as três seções em que se divide o livro). 

Em Genebra, Celso Lafer não foi, porém, um simples representante “burocrático” dos interesses brasileiros nesses órgãos cruciais para nosso desenvolvimento econômico e nossa imagem externa, mas atuou propriamente no sentido de elevar o status do País no diálogo que ali se trava sobre temas comerciais, estratégicos e humanitários. Seus “relatórios” de gestão sobre os mecanismos de revisão de políticas comerciais ou sobre o órgão de solução de controvérsias, por exemplo, ou suas considerações sobre o “prosaico” regime de origem são invariavelmente recheados de argumentos de ordem geral, retirando ensinamentos sobre as formas de melhor inserir o Brasil no plano econômico mundial. Um dos melhores textos do volume é, precisamente, o que apresenta suas reflexões sobre os 50 anos do sistema internacional de comércio, do qual o Brasil é um dos founding fathers, tendo estado presente na criação do GATT em 1947-48. Essa primeira parte do livro de certo modo retoma e completa sua contribuição anterior oferecida em A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998).

            No plano estratégico, igualmente, as conhecidas lições do intelectual dos anos 70 e 80 – sobre a conhecida disjunção entre ordem e poder no plano mundial ‑ são retomadas em seus argumentos sobre o novo quadro estratégico surgido com o final da Guerra Fria e a perspectiva concreta de um processo realista de desarmamento nuclear. Suas reflexões sobre as nova dimensões do desarmamento incorporam aliás a primeira “racionalização” de amplo escopo sobre a política externa brasileira depois da decisão corajosamente assumida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997 de fazer o Brasil aderir ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear – durante anos denunciado pela diplomacia brasileira como discriminatório e ineficaz – e de inserir o País nos mais importantes esquemas de controle de armas de destruição em massa e seus vetores (Nuclear Suppliers Group, Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis, CTBT, etc.). Esse mesmo texto, preparado originalmente para seminário organizado pela Fundação Alexandre de Gusmão e pelo IEA-USP, encontra-se aliás reproduzido em outro volume recentemente publicado, digno de registro: O Brasil e as novas dimensões da segurança internacional, organizado por Gilberto Dupas e Tullo Vigevani (São Paulo: Alfa-Ômega, 1999). Num outro artigo dessa mesma seção, sobre os chamados “dividendos da paz”, Celso Lafer lembra que já em 1960 o Chanceler Horácio Lafer propunha que se criasse um fundo internacional para o desenvolvimento, com recursos da corrida armamentista, que tinha de ser detida.

No plano da defesa dos direitos humanos, finalmente, não é preciso relembrar o papel de intelectual engajado e de promotor ativo desses direitos que Lafer exerceu durante toda a sua vida, aspecto já refletido, aliás, em muitos de seus trabalhos anteriores. Junto com Antônio Augusto Cançado Trindade, Lafer forma no batalhão de frente da proteção dos direitos humanos no plano interno brasileiro, tendo patrocinado a incorporação vários instrumentos que se encontravam numa espécie de “limbo” diplomático ou legal. A comemoração dos 50 anos da Carta da ONU e, logo em seguida, os da Declaração Universal de 1948 oferecem-lhe oportunidade para ressaltar o papel da organização na defesa desses direitos, no qual se destacam as atividades da CDH, criada já em 1946.

No conjunto, os textos coletados oferecem mais do que simples “reflexões sobre uma experiência diplomática”, de fato várias, pois que eles consolidam também os ensinamentos de sua gestão anterior como Chanceler à época da Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). Eles conseguem realizar, na verdade, a virtude rara de combinar o insight diplomático com a sistematização teórica de quem, tendo começado sua carreira numa perspectiva quase que “kantiana” de observações e comentários gerais sobre a natureza do poder, teve em seguida a oportunidade de exercer seus talentos na vida prática de negociador internacional engajado na defesa dos interesses do País. 

 

Paulo Roberto de Almeida

[Washington, 716: 02/11/1999]

 

Ciro Gomes denuncia a corrupção “legal” das “emendas PIX”, dezenas de bilhões, PT em primeiro lugar

Ciro Gomes, via X, 29/04/2024

“Volto a chamar a atenção para a gravíssima deterioração institucional brasileira. A prática corrupta e clientelista que nossa “gentil” imprensa chama de “emenda pix”, que vem a ser a disseminação da prática da liberação de emendas bilionárias sem nenhuma transparência, impedindo cinicamente qualquer fiscalização por parte dos órgãos de controle, ou mesmo da população. 

O ministro do STF Flavio Dino intimou Lula e os chefes do parlamento para se explicarem dado que, nas antecedências do Governo Lula, o STF, que havia fechado, no governo Bolsonaro, os olhos para esta prática ilegal, imoral e corrupta, ao agir assim, havia decretado sua ilegalidade. 

Lula não só ressuscitou a bandalheira, como bate recordes por cima de recordes, nos valores entregues à picaretagem institucionalizada (deve haver exceção a confirmar a regra). Como era de se esperar, tal prática, que não existia em nenhum estado brasileiro, passou a ser imitada pela maioria deles. 

Anotem os valores: Lula já autorizou nada menos do que R$ 53 BILHÕES do precário orçamento da União, para esta esculhambação. Os estados já liberaram R$ 9,6 bilhões pelo mesmo ralo. No quadro abaixo, você pode ver quem são os campeões da farra da corrupção. Enquanto criticava Bolsonaro pela mesma esculhambação, o PT, claro, lidera a orgia.

Esta deterioração trata de matar valores centrais da democracia e cada dia mais nos oferecerá exemplos caricatos para nos fazer descrer destes valores. Por exemplo, o deputado federal Josimar de Maranhãozinho, flagrado pela polícia federal manuseando montanhas de dinheiro vivo e pagando despesas pessoais com estas verbas liberadas generosamente por Lula, contratou como seu advogado, o grão-petista José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça do governo do PT. 

Como advogado sei que não temos nada a ver com os delitos de nossos possíveis clientes, mas o episódio é típico da degradação que me preocupa.

- Leia a análise completa na newsletter desta semana. Este espaço é um convite para refletirmos juntos sobre o futuro do Brasil. Participe: cirogomes.com.br “


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...