terça-feira, 1 de outubro de 2024

A caminho de uma nova conflagração mundial? - Paulo Roberto de Almeida

 Em meados de julho último, atendendo a um pedido externo sobre a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial, enviei um artiguinho improvisado rapidamente (que reproduzo abaixo), negando uma tal catástrofe, mas chamando a atenção para a acumulação de tensões entre as grandes potências. Obviamente, eu estava respondendo à demanda de uma “guerra mundial”, o que implica a chegada aos extremos entre esses atores, mas parece claro, desde logo, que qualquer conflito entre elas teria de começar por conflitos entre “proxies”, seus substitutos.

Seria por aí? A ver…

Em todo caso, reproduzo novamente esse artiguinho de julho último. (1/10/2024)

A caminho de uma nova conflagração mundial?

Paulo Roberto de Almeida

Revista da Rio Bravo Investimentos, 15/07/2025; link: https://www.riobravo.com.br/a-caminho-de-uma-nova-conflagracao-mundial/ 

Não se tem ainda uma visão clara de como poderão evoluir as relações internacionais no plano dos fatores essenciais de poder, uma vez que estamos contemplando uma possível nova bipolaridade em fase de construção, já chamada de “segunda Guerra Fria”. A situação atual é dominada pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, adicionalmente pela guerra entre o Hamas e Israel, que alterou o equilíbrio geopolítico no Oriente Médio, com o envolvimento do Irã, fornecendo armas a seus principais aliados naquele teatro de operações. Uma nova corrida armamentista entre as grandes potências deve se instalar no presente momento e pelo futuro previsível, levando o mundo a embarcar numa acumulação inútil de novas armas, sobrecarregando orçamentos já estrangulados pela demografia declinante e por gastos crescentes em saúde e aposentadorias.

A estrutura das relações internacionais contemporâneas, em especial na área econômica, pode estar sendo transformada, em função desta segunda Guerra Fria e das políticas nacionais das principais economias planetárias. Não cabe supor que a globalização venha a retroceder dramaticamente, nos anos à frente, mas é muito provável que ocorram mudanças nas configurações assumidas pelas cadeias de valor – a base da globalização econômica – e na forma de trabalho e nos respectivos mandatos assumidos pelas agências mais importantes do multilateralismo contemporâneo – a base da globalização política. 

Em que medida possibilidades desse tipo são suscetíveis de ampliar um alegado “declínio” dos Estados Unidos, e abrir ainda mais espaço para uma irresistível ascensão da China no cenário geopolítico mundial, permanecem questões sem respostas definidas no momento atual. Não se imagina uma nova hegemonia chinesa suplantando a atual hegemonia dos EUA e das principais potências ocidentais, uma vez que tal preeminência não se estabelece unicamente com base no poderio econômico. Ela também se apoia, se for consentida e não imposta, em outros vetores da globalização, aqueles da influência cultural, os das normas e dos padrões de conduta aplicáveis aos problemas de natureza global e plenamente respeitadores das liberdades individuais e dos direitos humanos, valores que não estão próximos de serem aposentados pela grande maioria das sociedades avançadas. 

Apresentam-se, contudo, cenários, não semelhantes, mas talvez similares aos que se manifestaram no entre guerras, mais especificamente nos anos 1930, quando potências expansionistas se lançaram em aventuras militares que acabaram precipitando a mais terrível guerra da história. O cenário seria ainda mais catastrófico atualmente, em vista da arma atômica, inexistente até o derradeiro final da Segunda Guerra Mundial. Desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o mundo não conhecia tal estado de tensão nas relações internacionais, vale dizer, nas relações recíprocas entre as grandes potências. No início dos anos noventa do século passado, o então presidente George Bush (pai) havia proclamado o nascimento de uma nova ordem mundial, com base no desaparecimento da potência que havia prometido enterrar o capitalismo. 

Desde aquela época, o mundo caminhou na senda de uma globalização otimista, o que se desfez, infelizmente, nos embates criados desde as aventuras militares de Putin na Geórgia, na Moldávia e na Ucrânia, e novamente a partir de novos focos de tensão e de guerra no Oriente Médio, concomitantemente à emergência da “desglobalização”, ou de uma globalização fragmentada, tendência ainda mais reforçada pela política externa caótica do presidente Trump, entre 2017 e 2020. Às vésperas da Grande Guerra, 110 anos atrás, o jornalista inglês Norman Angel proclamava a impossibilidade prática de uma guerra total entre as grandes potências devido à imbricação de seus interesses econômicos e financeiros, o que ainda era o caso até recentemente. O seu otimismo se desvaneceu com os “canhões de agosto” de 1914, em grande medida o fruto de equívocos diplomáticos e da arrogância dos grandes impérios centrais, como demonstrado pela historiadora Barbara Tuchman. Esses interesses, agora, já não estão mais fortemente imbricados entre si, em função das sanções econômicas e políticas adotadas pelos países ocidentais contra a Rússia, e parcialmente contra a China. O momento é, portanto, de extrema tensão, o que mais uma vez exige que a diplomacia não incorra em novos e fatais equívocos, e que os atuais impérios não sejam tão arrogantes quanto o foram seus antecessores, os impérios centrais, na segunda década do século passado. 

Desta vez, não serão apenas os “canhões de agosto”, e sim mísseis balísticos e vetores nucleares, num volume jamais visto em qualquer época. Por ocasião da crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o presidente John Kennedy, assessorado por diplomatas e estrategistas competentes, conduziu o processo a uma definição aceitável, ou tolerável, por ambas as partes, abrindo espaço, pouco adiante, para tratados de limitação de armas e para foros de diálogo no Comissão do Desarmamento ou diretamente entre os grandes atores. Uma eventual falha nessa esfera, nas presentes circunstâncias, seria não apenas um fracasso da diplomacia, mas, sobretudo, uma derrota da racionalidade no teatro das fricções tectônicas entre os grandes impérios da atual geopolítica em ebulição. Se isso ocorrer, a História não absolverá quem quer que seja, diplomatas ou soldados.

Paulo Roberto de Almeida

A defesa de Israel como parte da preservação dos valores e princípios civilizatórios - Gerald Baker (WSJ)

Israel’s act of gallantry

OPINION    |    FREE EXPRESSION

Israel Defends Itself—and May Save Western Civilization

 Gerald Baker 

WSJ , Sept. 30, 2024


“The equivocation of Biden, Harris and other leaders should cause us all to feel a degree of shame.

How will we ever repay the debt we owe Israel?

What the Jewish state has done in the past year—for its own defense, but in the process and not coincidentally for the security of all of us—will rank among the most important contributions to the defense of Western civilization in the past three-quarters of a century.

Having been hit with a devastating attack on its people, beyond the fetid imagining of some of the vilest antisemites, Israel has in 12 months done nothing less than redraw the balance of global security, not just in the region, but in the wider world. 

It has eliminated thousands of the terrorists whose commitment to a savage theocratic ideology has claimed so many lives across the region and the world for decades. It has, with extraordinary tactical accuracy, dispatched some of the masterminds of the worst evil on the planet, including most recently Hassan Nasrallah, the Hezbollah leader in Lebanon. It has repelled and then reversed the previously inexorably advancing power of one of the world’s most terrifying autocracies, the Islamic Republic of Iran. It has demonstrated to all the West’s foes, including Iran’s allies in Moscow and Beijing, that our system of free markets and free people, and the voluntary alliance network we have constructed to defend it, generates resources and capabilities of vast technical superiority. Above all, it has provided an unexpected but crucial reminder to our enemies that there are at least some willing and able to pursue and defeat them whatever the risk to our own lives and resources. 

The only appropriate responses to Israel’s gallantry, fortitude and skill from us—its nominal allies, especially in the U.S.—are “thank you” and “how can we help?”

Instead, time and again Israel’s supposed friends, including the administration of Joe Biden and Kamala Harris, have, while expressing sympathy over the outrage of Oct. 7 and uttering the usual support for “Israel’s right to defend itself,” repeatedly tried to restrain it from doing just that. Their early, valuable support has been steadily diminished by the way they have too often connived with the anti-Israel extremists in their own party.

Before Israel had even buried its dead last October and as Hamas was busy murdering its hostages, there were calls for Israel to cease fire. For a year we have heard our leaders’ “balanced” condemnations of Hamas and its terror masters on the one hand and the Jewish state on the other, a false equivalence that says more about the moral disorder in our own politics than about Israel’s motives and actions.

In Europe, they have gone even further, as usual, rewarding Hamas and Hezbollah by nominally recognizing a nonexistent Palestinian state and prosecuting Prime Minister Benjamin Netanyahu on bogus war-crimes charges.

Do they not get that in the end we have to make a choice: our ally, on the front lines of defense against barbarism or our enemies, those who literally want to see us all buried? 

Fortunately for all of us, it seems Israel is prevailing despite the chorus of hecklers.

Perhaps all this sounds too blithe for skeptical readers; or at least premature given the rising expectation of a much wider conflict to come. And it is true that there has been awful loss of innocent lives in Gaza, Lebanon and elsewhere that undoubtedly fuels the ire of the enemy across the world. What if Mr. Netanyahu and his government’s aggressive prosecution proves a Pyrrhic victory?

But that wider conflict was perhaps always inevitable, given Iran’s stated objectives and its consistent efforts to achieve them. We can say two things tentatively about that long-feared wider confrontation. First, the strategic tactical, intelligence and technological genius Israel has demonstrated over the past year might have done so much damage to Iran’s proxy armies and their military and political leaders that they will be ill-prepared and equipped for the bigger struggle to come, and Israel—and, let’s hope, reliable allies—better placed to defeat its enemies. Second, having observed this Israeli superiority over that time and eagerness not to bring the destruction on itself a wide war would surely bring, perhaps Iran will be deterred.

Never in the field of human conflict has so much been owed by so many to so few, Winston Churchill said of the men of the Royal Air Force after they had repelled Hitler’s Luftwaffe during the Battle of Britain. (Reminder to some recently confused “conservatives”: The former were the good guys; the latter the real villains.)

We should echo those words today as we watch in awe what a country smaller in area than New Jersey, with a population less than North Carolina’s and an economy smaller than that of Washington state, has done for all of us.

As Israelis solemnly mark a year since Oct. 7, we should not only redouble our expressions of sympathy and solidarity. We should show them our gratitude, and if we are willing to be really honest, acknowledge a little of our own shame.”

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Comentário PRA:

“Salvando” a civilização ocidental à custa de milhares de civis inocentes. A liderança atual de Israel se entregou à mesma fé de outrora dos conquistadores cristãos de povos supostamente adeptos do paganismo.


O baixo desempenho do governo no Congresso- Ranking dos Políticos, Paulo Roberto de Almeida

Informação do Ranking do politicos sobre o desempenho medíocre do governo Lula no Parlamento com base em matéria de jornal:

“ A governabilidade do presidente Lula em seu terceiro mandato enfrenta desafios na Câmara dos Deputados. Segundo um levantamento do Jota, o índice de governismo – que mede a taxa média de apoio ao governo em votações nominais na Câmara – revela que o governo Lula obteve somente 69% de apoio nas votações orientadas pelo Planalto.

O percentual é inferior à média histórica de 75,8% e pior do que o desempenho de Jair Bolsonaro (79,3%), Michel Temer (77,8%) e de Dilma 1 (77,9%). Dos últimos mandatos, supera somente o segundo mandato de Dima Rousseff (67,1%), que não à toa sofreu o impeachment.

O resultado sinaliza uma relação mais frágil e complexa entre o governo e o parlamento em comparação a governos anteriores, exigindo um esforço maior de articulação política para avançar a agenda do governo.”

https://www.folhavitoria.com.br/economia/data-business/2024/10/01

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Comentário Paulo Roberto de Almeida:

Existem duas explicações para esse mau desempenho do governo em seus projetos enviados ao Parlamento: 1) eles são inquestionavelmente ruins ou inadequados ao país, numa avaliação racional de sua substância por parte das principais lideranças no e do Congresso; 2) os projetos sofrem a contaminação política da imensa divisão politica na casa legislativa, em função da polarização ideológica do ambiente político, dominado pelos dois extremos mais evidentes e à falta de um Centro moderado mais consistente.

Qual seria a razão mais provável? 

Paulo Roberto de Almeida



Atirando no que viu, esquecendo o que não pretende ver: mais um improviso do presidente brasileiro - Paulo Roberto de Almeida

Atirando no que viu, esquecendo o que não pretende ver: mais um improviso do presidente brasileiro.

A frase de Lula aponta obviamente para o primeiro ministro de Israel, na destruição indiscriminada de Gaza e do Libano. Mas ela se aplica inteiramente, completamente, exatamente ao presidente da Rússia, em sua insana e criminosa guerra de agressão contra a Ucrânia, que nem foi motivada por qualquer ataque ou ameaça deste país contra o maior país do mundo:

 “A guerra é a prova da incapacidade civilizatória do cidadão, que acha que ele pode, na explicação de que ele precisa se vingar de um ataque, fazer matança desnecessária com pessoas que não tem nem como se defender.” 

Por que seria tão dificil à dupla Lula-Amorim reconhecer que Putin é o principal responsável pela maior violação à Carta da ONU desde 1950, o ataque das forças de Kim Il Sung contra a Coreia do Sul? 

Tratou-se da primeira transgressão aos princípios do Direito Internacional da ordem jurídica do pós-Segunda Guerra Mundial e a primeira missão de imposição da paz da ONU: três anos de combates devastadores e um armistício que nunca foi convertido em acordo de pacificação e de estabelecimento de relações diplomáticas.

Uma prova, talvez, de que a humanidade não está tão longe assim da guerra de Troia: paixões e interesses, mais estes que aquelas, continuam a prevalecer sobre qualquer conduta racional.

A racionalidade nem sempre prevalece quando o personalismo toma o lugar de decisões ponderadas de um conjunto mais amplo de responsáveis bem informados e formados. Personalidades despreparadas também podem exercer carisma sobre sociedades pobremente educadas.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 1/10/2024

Guerra no Oriente Médio: de local a regional - Jamil Chade (UOL)

 A guerra já é regional

 Um ano depois dos ataques do Hamas contra Israel e da operação devastadora de Benjamin Netanyahu contra Gaza, é impossível - e irresponsável - continuar a nutrir a narrativa de que a diplomacia vem atuando nos bastidores para conter o conflito.

Jamil Chade, colunista do UOL

1/10/2024

O primeiro-ministro de Israel terminou seu discurso na última sexta-feira na sede da ONU, em Nova York, e ordenou um ataque a um grupo inimigo em um outro país. Impossível imaginar que tal operação tenha ocorrido sem uma chancela, ainda que discreta, dos EUA.

Uma vez mais, como tem feito ao longo de meses, o governo norte-americano apelou para que o conflito "não saia do controle" e pediu moderação às partes. Não foi a primeira vez. Há poucos meses, ouvi essa frase aqui nos EUA:

"Até agora, não há um conflito regional mais amplo", afirmou o porta-voz do Pentágono, Pat Ryder.

Mas nos corredores da ONU, essa narrativa é recebida com ironia e até acusações. Diplomatas do mundo árabe alertam que a pressão para se evitar uma escalada do conflito vale para todos. Menos para Israel, que mantém sua ofensiva para redesenhar o mapa do Oriente Médio, enquanto recebe armas e é blindado pelo veto americano no Conselho de Segurança.

Depois de borrar cidades inteiras do mapa e deixar quase 2 milhões de pessoas desalojadas em Gaza, Israel atacou Teerã, Beirute e continuou a lançar mísseis sobre a Síria. A partir do Iêmen, milícias disparam seus foguetes em direção às cidades israelenses, enquanto o Hezbollah e o Hamas mantêm seus ataques, muitas vezes indiscriminados, contra civis.

Há poucos meses, quando Israel atacou o Irã e o regime teocrático ensaiou um resposta com mais de uma centena de mísseis e drones, o governo americano estabeleceu em silêncio uma rede de aliados. Ela incluiu baterias de mísseis instaladas em Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e Israel.

Quatro navios americanos desempenharam um papel central para impedir ataques do Irã, atuando tanto no Mar Vermelho como no Golfo de Aden. Esses mesmos navios passaram pelo Omã, Arábia Saudita e Djibuti.

Em Gaza, os deslocados chegam a 1,8 milhão de palestinos. No Líbano, mais 1 milhão. Depois de fugir de sua própria guerra, 100 mil sírios deixaram o Líbano nos últimos dias, voltando a seu país. Fogem de guerra em guerra.

Como continuar, portanto, a falar que um conflito regional está sendo evitado?

No mundo árabe, o assassinato de Ismail Haniyeh chacoalhou as lógicas de poder. Nesta semana, observadores ainda destacaram como, para o mundo árabe, a morte de Hassan Nasrallah poderia ser comparada à derrota do egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1967.

Não foram apenas americanos e israelenses que comemoraram sua morte. Em certos rincões da Síria, o assassinato foi motivo de festa. Para a resistência síria, o Hezbollah foi chave para garantir a permanência do ditador Bashar Al Assad no poder.

Com um poder militar dos mais sofisticados, com a decisão política de não parar mais nas fronteiras, com o apoio implícito e cínico dos EUA e com o reconhecimento do colapso do sistema internacional, Israel sabe que poucos hoje terão como frear sua ambição.

Ameaçado e acuado, Teerã observa como sua estratégia de criar um eixo de defesa desmonta a olhos nu.

A guerra já não é mais um cálculo apenas de israelenses ou do Hamas. Talvez nunca tenha sido. A guerra não está nas ruas destruídas de Gaza. Nem nas periferias de Beirute. Estamos diante de uma guerra regional, com consequências imprevisíveis.

Leia coluna completa: 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/10/01/a-guerra-ja-e-regional-e-suas-consequencias-sao-imprevisiveis.htm

Argentina e Venezuela, à frente da história latino-americana de fracassos - Paulo Roberto de Almeida

Argentina e Venezuela, à frente da história latino-americana de fracassos

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota de caráter histórico sobre retrocessos ocorridos na América Latina, com destaque para Argentina e Venezuela, na economia, na educação, na política, no social.

Fazem muitos anos que o Brasil é ultrapassado pela Argentina nos exames do PISA-OCDE, o que para mim constitui talvez o sinal mais eloquente e dramático dos retrocessos do país em décadas, destruindo tudo o que Sarmiento e Alberdi haviam legado de positivo para o único pais no mundo capaz de andar para trás por seus próprios meios e decisões soberanas. 

Mas antes da Argentina, a Venezuela ganha a Palma de Ouro de uma destruição completa de um país pelos seus próprios dirigentes. São coisas surpreendentes na história do mundo: na Argentina foram os peronistas os principais responsáveis, na Venezuela os chavistas, duas tropas organizadas para dois retrocessos exemplares. 

Fenômenos como esses me deixam estupefato sobre como determinados países se deixam conduzir para o abismo. Em ambos, qualquer recuperação, quando começar, vai levar décadas para recompor o país, na Venezuela de forma ainda mais determinada, pela “exportação” de um quarto de sua população, algo extraordinário e devastador, incluindo quadros qualificados, não apenas refugiados econômicos. 

Certos países africanos talvez superem os dois “campeões latino-americanos” em decadência, pois convivem ademais com guerras civis, inter-étnicas e religiosas.

O caso do Brasil é muito diferente, pois se trata apenas de um país lentíssimo em se desenvolver, com pequenos retrocessos apenas pontuais na esfera das políticas econômicas. Em todos os casos registrados sobre esse tipo de processo exasperante em sua lentidão as causas nunca são choques externos; sempre se trata de populismo e incompetência nas políticas públicas. O que mais uma vez remete à má qualidade da educação para explicar a baixa qualidade da governança. 

Pessoas, povos inteiros podem sim se tornar deseducados. Basta piorar na qualidade da educação, o que resulta de má formação de capital humano dedicado ao setor. O Brasil é um exemplo disso, mas num processo geral de incorporação progressiva dos mais pobres (um grande estoque) aos benefícios democratizantes da inserção social. Somos lentos nesse processo, por falta de prioridades claras na casta dos políticos, sempre selecionados entre os piores e mais oportunistas. Mas o que mais me tem impressionado nos últimos tempos é o crescimento da estupidez entre segmentos outrora aparentemente bem educados da população branca majoritária mos EUA: senão como explicar a resiliência e a extensão do trumpismo ignaro? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4745, 1 outubro 2024, 2 p.

 

 

 

Não existe uma “batalha do BRICS” pela ordem mundial; existe uma batalha CONTRA a atual ordem parcialmente mundial - Paulo Roberto de Almeida

Esclarecendo o verdadeiro sentido da “batalha do BRICS”: rumores sobre o futuro da ordem global são notoriamente exagerados e distorcidos. 

Paulo Roberto de Almeida 

Nunca deixei de considerar a aventura inicial do BRIC ministerial (2006), depois oficializado como foro em nivel de cúpula (2009), expandido sorrateirameente pela China como BRICS (2011), dotado de um banco de fomento em 2014, a despeito do brutal imperialismo aberto demonstrado pela Rússia na Crimeia poucos meses antes, e agora continuamente ampliado para abrigar, no chamado BRICS+, novos membros criteriosamente escolhidos pelas duas grandes autocracias no encontro da África do Sul (2023) e agora novamente em Kazan (2024), retomo, nunca deixei de considerar toda essa aventura, mal pensada e mal concebida desde o início, como um insensata iniciativa da diplomacia lulopetista, animada em seu ativismo antiamericano como potencialmente PREJUDICIAL ao Brasil e à sua diplomacia, pois que submetendo nossa tradicional autonomia e independência nos assuntos de política internacional aos interesses nacionais e diplomáticos de duas grandes autocracias, cujos interesses geopolíticos são essencialmente diferentes — em vários sentidos CONTRÁRIOS— aos do Brasil como país em desenvolvimento plenamente integrado às tradições culturais ocidentais e alheio a todas as disputas interimperiais entre grandes potências. Infelizmente, o gesto insensato de Lula e de Amorim, em 2005-2006, converte, de certa forma, nossa diplomacia em CAUDATÁRIA das decisões e interesses dessas duas grandes potências, cujas motivações e iniciativas passam ao largo dos interesses e necessidades do Brasil como nação soberana e plenamente autônoma no cenário internacional.

O fato é que, em lugar de ser um ativo em nossa diplomacia, o BRICS+ se tornou agora um imenso passivo a ser administrado com todo cuidado pela diplomacia profissional, uma BOLA DE FERRO atada aos pés de um país que sempre desejou exercitar uma diplomacia completamente autônoma em relação aos interesses de grandes potências, pois que ingressamos agora numa etapa anti-G7, anti-OCDE e anti-Ocidente, que não corresponde EM NADA aos reais interesses do país. A outra ilusão da diplomacia lulopetista é, obviamente, essa pretensão tresloucada de ser lider de um diáfano e inexistente Sul Global, o que não a converte em coordenadora de NADA CONCRETO, a não ser de continuar a ser um conceito inventado por acadêmicos e usado de maneira oportunista por politicos sedentos de algum palanque internacional. Nossa “liderança” na América do Sul já é uma ilusão completa, para continuarmos ainda a ser um joguete no contexto de um bizarro e contraditório BRICS+.

Lamento pelo Brasil e por sua diplomacia profissional, embarcada involuntariamente numa aventura que nunca fez parte de seus estudos técnicos ponderados ou de um planejamento diplomático consciensioso, sendo apenas uma inserção política e ideológica, um contrabando totalmente artificial e desconectado de nossos reais interesses externos.

Ao que me consta, fui, e sou, o único diplomata da ativa, agora aposentado, a me manifestar ceticamente sobre as virtudes alegadas do BRIC-BRICS, e agora muito criticamente sobre esse BRICS+, desfigurado e desviado de suas pretensões originais, posto a servir a objetivos próprios de duas autocracias, e que não responde mais a nossas necessidades diplomáticas ou a nossos interesses nacionais.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 25/09/2024

The Battle for the BRICS

Why the Future of the Bloc Will Shape Global Order

Foreign Affairs, October 24, 2024

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...