sábado, 10 de maio de 2025

A URSS foi, a Rússia é antifascista? - Paulo Roberto de Almeida, Gustavo Bezerra

A URSS foi, a Rússia é antifascista?

É correta a comemoração de uma “vitória sobre o nazifascismo”?

Totalmente errado, como discute, abaixo, meu colega diplomata e amigo historiador Gustavo Bezerra. Antes, também alinho meus argumentos sobre essa mentira histórica:


PRA: Cabe não esquecer que a guerra só começou porque Stalin se uniu a Hitler na conquista da Polônia. E sendo muito preciso historicamente, a URSS nunca combateu o nazifascismo, inclusive porque os regimes possuíam amplas similitudes. Os 20 milhões de mortes russas nunca foram comtra o nazifascismo, e sim porque o país— não importa se bolchevique ou da democracia burguesa — foi brutalmente traído EM SUA ALIANÇA com o nazifascismo e invadido de modo devastador. Foi uma guerra de pura defesa da pátria e não ideológica. E metade das vítimas russas se deve às táticas brutais de Stalin, de avançar contra as metralhadoras nazistas sem qualquer possibilidade de recuo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 10/05/2025


Gustavo Bezerra:

“FAKE NEWS HISTÓRICA 

A URSS NUNCA lutou contra o nazifascismo. Isso é uma mentira criada por Stálin e hoje replicada pela propaganda de Putin para justificar sua guerra de agressão imperialista contra a Ucrânia. É uma mentira deslavada, uma das maiores lorotas de todos os tempos, hoje a serviço de um ditador que repete os métodos e objetivos dos nazistas. 

A URSS não lutou contra o nazifascismo, nem contra o Terceiro Reich: lutou contra os invasores alemães. Lutou porque Hitler rasgou o pacto de não-agressão firmado com Stálin em 1939 e atacou o país em 1941. 

Não foi uma luta por democracia e liberdade, mas uma luta nacionalista, por território e poder. 

Não por acaso, a II Guerra Mundial é chamada na Rússia, até hoje, de "Grande Guerra Patriótica". Não por acaso, os países "libertados" pelas forças soviéticas viraram todos ditaduras totalitárias comunistas após a guerra (a "Cortina de Ferro"), ao contrário dos países ocidentais liberados pelos Aliados, todos democracias.

Quem lutou contra o nazifascismo, pela democracia e pela liberdade na Europa não foi Stálin e os comunistas, cúmplices de Hitler até 1941, mas sim Churchill, Roosevelt, De Gaulle. Foram os combatentes da resistência nos países ocupados pelas forças do Eixo (menos os comunistas), foram os pracinhas da FEB na Itália. Não o Exército Vermelho, não os agentes da NKVD.”

9/05/2025


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Ary Quintella vai lançar seu livro Geografia do Tempo em Brasília, na Travessa da Casa Park - estaremos lá, eu e Carmen Lícia

Ary Quintella, colega, amigo e distinguido intelectual diplomata, deve lançar o seu livro Geografia do Tempo, no próxima dia 28/05, na Livraria Travessa da Casa Park, Brasília, DF.


O livro tem prefácio duplo, de Cora Ronai e de Gustavo Nogy:



Um trecho da nota de Gustavo Nogy aparece na primeira orelha: 


Corai Ronai tem trechos de sua apresentação na contra capa: 


Finalmente, o autor aparece modestamente na segunda orelha, o que, aliás, é o normal:



Já postei diversas crônicas de Ary Quintella, várias constantes deste livro. Esta é uma outra postagem, sobre seu ingresso no Pen Club do Brasil, capítulo do Rio de Janeiro:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/06/ry-quintella-toma-posse-no-pen-club-do.html

Reproduzo uma outra crônica, esta constante do livro, que tem 32 no total, mais os agradecimentos do autor aos seus confrades das letras e das amizades:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/07/morte-e-renascimento-de-uma-biblioteca.html

Todos vão se deliciar com a escrita cativante de Ary Quintella.

Mensagem do embaixador Rubens Barbosa sobre o IRICE e portal INTERESSE NACIONAL

 Caros amigos,

Neste mês de abril, em que o IRICE (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior) completou nove anos de existência, considero importante destacar as realizações do Instituto, bem como do portal INTERESSE NACIONAL, com o qual atua de forma articulada e complementar, como se pode verificar em seus respectivos sites: www.irice.com.br  e   www.interessenacional.com.br


As duas entidades têm contribuído, cada uma a seu modo, para o debate qualificado sobre o papel do Brasil no mundo, com foco em política externa, comércio internacional, defesa e segurança nacional. Fundadas com o objetivo de ampliar a reflexão estratégica sobre o futuro do país, vêm se consolidando como espaços apartidários, comprometidos com a democracia, o interesse nacional e o desenvolvimento sustentável.


O IRICE está, neste momento, reforçando sua direção com novos e qualificados nomes, ampliando sua atuação em meio a profundas transformações no cenário internacional. Em 2026, ano em que celebraremos o décimo aniversário do Instituto e haverá eleições nacionais, o IRICE apresentará aos partidos políticos um projeto de Brasil e de inserção internacional, fruto do trabalho coletivo desenvolvido ao longo desta trajetória.


Convidamos todos os que compartilham desses objetivos a conhecer e apoiar as atividades do IRICE, conforme indicado em nosso site. 


Com os melhores cumprimentos,

Rubens Barbosa 
Presidente do IRICE

Livro: Vanessa Kimberly Valdes; Earl E. Fitz (eds.): Machado de Assis, Blackness, and the Americas - Reviewed by Kenneth David Jackson

Greetings Paulo Roberto Almeida,
A new Review has been posted in H-LatAm.

Message from a proud sponsor of H-Net:

 

O Futuro da universidade Simon Schwartzman (O Estado de São Paulo)

O Futuro da universidade

Simon Schwartzman on May 09, 2025 06:30 am

(Publicado em O Estado de São Paulo, 9 de maio de 2025)

Não deve ter sido por acaso que,  na mesma semana, fui convidado para dois seminários sobre o mesmo tema, o futuro da universidade. A primeira coisa que digo sobre isto é que “a universidade” não existe, o que existe são milhares de instituições diferentes, desde grandes universidades com pesquisa, cursos de pós-graduação e milhares de estudantes, geralmente públicas, até gigantescas empresas com centenas de milhares de estudantes em cursos à distância, passando por um sem-número de pequenas faculdades isoladas com cursos noturnos em educação, administração ou saúde. Existem as públicas, gratuitas e financiadas pelo governo federal e alguns estados, e as privadas, algumas religiosas ou de orientação comunitária, e a grande maioria com fins de lucro.  Estamos falando de que?

Mas existe também, na cabeça das pessoas, uma ideia difusa de “universidade” como um lugar para onde os jovens vão no início da vida adulta, aprofundam seus conhecimentos, vivem a cultura da juventude,  criam redes de relacionamento que vão levar para toda a vida, e adquirem uma profissão que vai lhes dar um lugar seguro e muito mais rentável do que o de seus pais, se de famílias mais pobres, ou semelhante aos deles, se de famílias mais ricas e educadas. Quando milhões de jovens, todo ano, se inscrevem no ENEM, é esta ideia que estão perseguindo, embora saibam que poucos conseguirão a nota necessária para entrar em uma carreira de prestígio em uma boa universidade. Quando, depois, muitos dos que sobraram se inscrevem em cursos  baratos à distância, onde é mais fácil conseguir um diploma, é ainda a ilusão das carreiras universitárias que perseguem, embora  a maioria acabe abandonando os cursos ou só consiga um trabalho precário e mal pago.

A incerteza sobre o futuro da universidade é a incerteza  crescente sobre esta ideia difusa, que reflete a incerteza sobre o futuro do país. Apesar das imensas desigualdades, predominava no Brasil até recentemente a sensação de que as coisas iam melhorar para todos, que amanhã seria melhor do que hoje, que a vida de nossos filhos seria melhor do que a nossa.  Esta sensação vinha da grande mobilidade econômica que social durou, com altos e baixos, até dez anos atrás, e que se interrompeu com a crise econômica e a desilusão com  governos, partidos políticos e instituições. Investir a longo prazo em uma carreira, esquentar a cadeira aprofundando conhecimentos, construir uma reputação profissional pelo trabalho sério e responsável, tudo isto perde sentido quando comparado com a fascinação do estrelismo prometido pelos meios de comunicação, o enriquecimento pela tacada de um grande negócio ou os números corretos na Mega Sena, e as certezas simples de entender disseminadas pelos influenciadores da Internet.

O que mais se ouve, conversando com professores universitários, é como os estudantes de hoje são apáticos, mal cumprem as obrigações escolares, e são muito mais ligados a suas redes de Internet do que ao que dizem seus professores. Pesquisas mostram que um terço dos jovens, no Brasil, gostariam de mudar para outro  país. Existem hoje mais de 4 milhões de brasileiros no exterior, comparado com 3 milhões dez anos atrás e menos de um milhão no ano 2000.

A incerteza, no entanto, vai além da estagnação do país e da apatia da juventude. A ideia de que as universidades, primeiro as públicas, depois as privadas, se aproximariam ao modelo tradicional, e que seriam acessíveis a todos, está cada vez mais distante, com 80% das matrículas em instituições privadas e mais da metade em cursos à distância.  Instituições públicas mal conseguem recursos para pagar salários a seus professores e manter os prédios que ocupam.  Poucas conseguem manter pesquisa e programas de pós-graduação de qualidade, e a distância entre a pesquisa brasileira e a dos países de ponta só aumenta. No setor privado, o espaço das instituições comunitárias e religiosas, criadas com a intenção de influenciar a sociedade com seus valores, vem diminuindo, na concorrência com os grandes conglomerados de ensino que dificilmente vão além de cursos empacotados nas profissões sociais mais simples e baratas de ministrar. E, com os novíssimos recursos da inteligência artificial, ninguém sabe mais o que, como e para quê ensinar.

As instituições de ensino superior, em suas diversas formas e com todas as suas dificuldades, não vão desaparecer, porque o mundo depende cada vez mais de conhecimentos e competências, e a capacitação intelectual e profissional continuará sendo a grande porta de entrada para a vida dos países, instituições e pessoas. Elas precisam, no entanto, se reinventar. Esta reinvenção passa por novos tipos e cursos e carreiras, novas formas de ensinar, novas maneiras de buscar recursos, e novos e mais relevantes temas para pesquisar. Para isto, elas contam com um recurso precioso, que é o capital intelectual de seus professores e a tradição de autonomia e audácia intelectual que muitas vezes acabaram perdendo, pelo peso da rotina, da burocracia ou dos resultados de curto prazo. É por aí que passa o futuro, se ele não trouxer mais desilusões.


Coleção PRA na Biblioteca do Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 Coleção PRA na Biblioteca do Itamaraty

        No início deste ano de 2024, efetuei um primeiro balanço e apresentação de uma pequena parte de minha biblioteca pessoal que está sendo progressivamente doada à Biblioteca do Itamaraty. Uma relação pessoal dos livros doados até fevereiro foi informada nesta postagem do meu blog Diplomatizzando:

4860. “Coleção Paulo Roberto de Almeida na Biblioteca do Itamaraty: continuidade das doações em 2025”, Brasília, 27 fevereiro, 2 março 2025, 8 p. Relação dos livros doados no início de 2025, para integrar a coleção PRA na Biblioteca Antônio Francisco Azeredo da Silveira, do Itamaraty. Arquivo parcial na plataforma Academia.edu (1/03/2025, link: https://www.academia.edu/127953067/4860_Colecao_Paulo_Roberto_de_Almeida_na_Biblioteca_do_Itamaraty_continuidade_das_doacoes_em_2025); apresentação parcial no blog Diplomatizzando (1/03/2025; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/03/colecao-pra-na-biblioteca-do-itamaraty.html


        Compareci no dia 8 de maio para verificar o "estado da arte" e me surpreendi com o crescimento da coleção, ocupando uma parede inteira de uma das salas da Biblioteca, no Anexo II (Bolo de Noiva) do complexo do Itamaraty. Tirei várias fotos, mas coloquei apenas, numa postagem anterior neste FB, uma geral. Vou apresentar algumas outras neste blog.

        Este primeiro bloco de livros, à esquerda, contém a coleção do Correio Braziliense, em edição facsimilar, como organizada por Alberto Dines e Isabel Lustosa em 2000. Eu colaborei num dos últimos volumes, um ensaio sobre o nascimento do pensamento econômico em Hipólito da Costa.



        Este segundo bloco contém livros de história das relações internacionais:

Esta outra estante concentra livros sobre política brasileira (tenho dezenas mais, mas preciso selecionar cuidadosamente, pois ainda trabalho sobre eles):


Aqui figuram obras relativas ao pensamento marxista e movimentos socialistas:

Aqui abaixo reprodução da mesma estante, com todo o Capital (em espanhol) e História do Marxismo (em italiano) sob a direção de Hobsbawm:


Aqui um pouco de tudo o que selecionei até aqui sobre Direito Internacional:

Mais relações internacionais e história mundial de maneira geral:

Nesta última estante, bastante História do Brasil e vários outros sobre o contexto regional:


Tem muito mais para colocar, mas estou selecionando cuidadosamente entre milhares de livros ainda caoticamente dispersos em minha kit-biblioteca ...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de maio de 2025

Conselheiros do Príncipe: de Maquiavel a Lula 3 - Paulo Roberto de Almeida

Conselheiros do Príncipe: de Maquiavel a Lula 3

Paulo Roberto de Almeida

        No capítulo 22 da sua magnífica obra, dedicada ao aconselhamento dos príncipes, Maquiavel se refere aos seus ministros: La scelta dei ministri non è una cosa da poco per il principe; essi saranno buoni o cattivi a seconda della sua capacità di sceglierli bene. (“A escolha dos ministros não é uma coisa menor para o príncipe; eles serão bons ou maus, dependendo de sua capacidade de bem escolhê-los.”)
        Como escreveu Niccolò, os ministros são bons ou não, segundo a prudência do príncipe. “E a primeira conjetura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam; quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube reconhecê-los competentes e conservá-los. Mas quando os que o cercam não são assim, sempre se pode fazer mau juízo do príncipe, porque o primeiro erro por ele cometido reside nessa escolha.”
        Ter, junto de si, assessores competentes é, obviamente, do interesse primordial do próprio príncipe, como bem sabia Maquiavel. Deles dependerá, finalmente, toda a obra de importância a ser realizada em favor dos seus súditos ou cidadãos, conforme o caso. Como o príncipe só consegue se ocupar pessoalmente dos grandes assuntos do estado – segurança, defesa, relações exteriores, estabilidade do valor da moeda, manutenção de um ambiente receptivo para os negócios dos particulares, visando à maior riqueza e prosperidade do principado –, não podendo ele, em consequência, dar atenção à administração diária das pequenas coisas, torna-se imprescindível a assistência de pessoas habilitadas em todas as matérias que não dependem diretamente dele, mas que exigem um conhecimento técnico especializado ou que requerem políticas setoriais específicas. Secretários, ministros, chefes de área, ou de departamentos, não importa o nome que tenham, são pessoas versadas no seu campo de atuação e, via de regra, competentes para o exercício das funções para as quais foram designadas pelo príncipe.
        Não se compreende, assim, um soberano que escolha seus secretários apenas por indicação de terceiros, por recomendação de chefes de partidos, ou ainda para contentar algum amigo necessitado de emprego público. A rigor, o secretário não pode ser amigo, pois, caso o seja, fica mais difícil cobrar resultados ou despedi-lo em caso de incompetência. Essa incompetência é tanto mais disseminada quanto maiores forem os cargos de livre provimento do príncipe ou de seus conselheiros imediatos. Daí o interesse do príncipe em restringir ao máximo esses cargos.
        Quando Brasília foi fundada, dezenove prédios oficiais orlavam a Esplanada dos Ministérios, sendo quatro deles dedicados aos militares (e muitos se exerceram, logo em seguida, como conselheiros dos seus “príncipes-generais”). Os anos foram passando e os ministérios se acumulando, chegando ao dobro disso nos anos recentes, se espalhando por anexos improvisados ou por escritórios em vários pontos da capital. Cabendo ao príncipe receber a todos, tardaria algumas semanas para se entreter com cada um detalhadamente.
        Uma das políticas setoriais mais relevantes, em qualquer época, sempre foi a externa, dividida, como necessário, em duas vertentes: o conteúdo estrito da política, determinado pelo próprio príncipe, e a diplomacia, ou seja, seu lado operacional, geralmente a cargo de um corpo profissional, bastante competente para as tarefas da área. Durante todo o Império, na Velha República e mesmo de 1946 em diante, os ministros eram geralmente políticos eleitos, ou magistrados e outras personalidade de alta cultura e educação, para bem representar o país no exterior. A diplomacia geralmente ficava mesmo a cargo do secretário geral da pasta. Mas foi justamente no período da ditadura militar quando muitos diplomatas profissionais foram designados para a chancelaria, uma comprovação de que soldados e diplomatas são “duas almas quase gêmeas”, dedicados à defesa dos interesses nacionais em suas respectivas funções a serviço do Estado: hierarquia e disciplina são os dois dogmas que os unem.
        Depois da volta de políticos e outras personalidades à diplomacia da Nova República, os governos do PT fizeram novamente apelo aos diplomatas profissionais para o cargo de chanceler, provavelmente por carecerem de quadros competentes nos temas internacionais. Mas esses governos, dada a natureza “gramsciana” do partido e suas concepções políticas conhecidas no espectro ideológico, também trouxeram uma inovação indesejada para a política externa do país: sua partidarização e uma inclinação por teses e posturas que já eram anacrônicas bem antes da implosão final do socialismo, justamente na década posterior à sua fundação. Muitos militantes, futuros quadros dirigentes, passaram por Cuba ou confirmaram uma retardada adesão às velhas teorias do anti-imperialismo tipicamente latino-americano.
Uma prática geralmente seguida nas presidências brasileiras, desde a era Vargas, foi a dos chefes de Estado contarem com experientes assessores diplomáticos junto a si, no próprio palácio de governo, geralmente na Casa Civil ou em algum outro cargo especial. Assim foi praticamente durante toda a República de 1946 e também sob o regime militar. Sarney, na redemocratização, começou com o embaixador Rubens Ricupero, e os presidentes seguintes também contaram com diplomatas de relevo em suas assessorias especiais.
        A primeira ruptura com essa prática começou exatamente com os governos do PT, a partir de 2003: durante os treze anos dos três mandatos e meio das administrações petistas, um apparatchik do PT monopolizou essa assessoria, Marco Aurélio Garcia, um fellow traveler dos comunistas cubanos, por eles designado para coordenar o Foro de São Paulo, uma espécie de Cominform castrista numa era em que a própria União Soviética e o socialismo real estavam se desfazendo. Sua “competência” para dirigir nacos da política externa era tão “especializada” que os diplomatas profissionais o apelidaram de “chanceler para a América do Sul”. Não obstante a limitação geográfica, sua preeminência sobre certas decisões da política externa lulopetista se estendeu a diversas outras áreas, sendo que várias delas não emanavam da chancelaria, mas eram determinadas na própria presidência, ao arrepio do Itamaraty.
        Marco Aurélio Garcia se exerceu até o impeachment de Dilma Rousseff e veio a falecer um ano depois. Os conselheiros diplomáticos de Michel Temer foram todos diplomatas, mas os do governo seguinte, um parêntese na história da diplomacia, foram tão abomináveis que nem merecem ser lembrados, a começar pelo próprio chanceler acidental, teleguiado por uma tropa de amadores que levou o Brasil a um completo isolamento internacional. Por paradoxal que possa parecer, o chanceler mais longevo da história do Itamaraty, que serviu fielmente a Lula 1 e Lula 2 – e a Dilma como ministro da Defesa –, retornou ao Palácio do Planalto na exata função do apparatchik que serviu aos governos petistas até 2016, mais um sinal de que o PT realmente carece de quadros competentes na área internacional.
Não é segredo para ninguém que ambos, o aparatchik e o profissional, conduziram, naqueles anos, uma diplomacia ao gosto do príncipe, feita certamente de muito ativismo. Mas a “altivez” alegada consistiu bem mais numa aliança com ditaduras execráveis, na região e fora dela, numa época em que a ascensão econômica da China e a retomada do crescimento mundial permitiram uma projeção inédita do Brasil em várias frentes. Essa fase foi marcada pela estabilidade que tinha sido criada pelo tripé macroeconômico dos tucanos e por uma face mais “risonha” da globalização, quando a Rússia ainda pertencia ao G8 e a China, recém-admitida na OMC, em 2001, começava a fortalecer seus músculos econômico-comerciais.
        Muito diferente é a situação internacional, e a do próprio Brasil, na atualidade. O cenário é mais desafiador, e as exigências diplomáticas bem mais difíceis, numa conjuntura de dissociação, ou de ruptura aberta, entre os dois grandes polos da governança global: de um lado, a velha hegemonia “ocidental”, que muitos julgam já declinante (sobretudo no atual governo); de outro, os dois impérios autocráticos, que parecem ter colocado o Brics a seu serviço, e que pretendem seduzir novos candidatos dentre os países do chamado Sul Global. Desde a invasão e anexação ilegais da Crimeia pela Rússia de Putin, e a guerra de agressão que ele deslanchou contra a Ucrânia, com a explícita complacência da China – que talvez visse na aventura de Putin um “laboratório avançado” para algo similar em Taiwan –, a agenda mundial se viu não apenas fragmentada, mas praticamente despedaçada por um bizarro projeto de formação de uma “nova ordem global multipolar”, ideia à qual Lula parece ter aderido desde a campanha presidencial de 2022.
        Numa tal conjuntura, e admitindo o pressuposto que a política externa profissional já foi escanteada pela diplomacia presidencial excessivamente personalista do próprio Lula, a função de um assessor presidencial deveria ser literalmente estratégica para conduzir os interesses nacionais em face dessa multiplicidade de crises diplomáticas, na própria região e ao redor do mundo: guerras na Europa e no Oriente Médio, crises com a Argentina, com a Nicarágua e, sobretudo, no caso da fraude eleitoral chavista na Venezuela, iniciativas próprias no G20, no Mercosul, no Brics, presença nos encontros do G7, ademais da guerra comercial persistente entre os EUA e a China, para nada dizer das sanções econômicas e diplomáticas contra a Rússia de Putin (as quais o Brasil vem eludindo desde o governo Bolsonaro).
        O retorno da “ativa e altiva” não se confirmou como esperado. Ao contrário: a liderança e a credibilidade diplomática do Brasil vêm sendo postas em questão na própria região e no mundo, em vista dos improvisos do presidente e os passos mais do que incertos dados pelo assessor presidencial em várias dessas crises e desafios. O PT, aliás, não ajuda em nada para uma condução propriamente profissional da política externa, adotando diretivas e “conselhos” absolutamente contrários aos que seriam e são recomendados pelo Itamaraty.
        O assessor presidencial sempre foi considerado, pelo lado da mídia, como o verdadeiro chanceler de Lula 3: talvez fosse o caso de revisar esse título, mais de origem jornalística do que propriamente efetivo, com base no bizarro modus operandi da diplomacia presidencial. Com efeito, o chanceler real tem sido o próprio Lula, que também parece atuar como uma espécie de “conselheiro dos conselheiros do príncipe”, aliás, orgulhoso de sê-lo, ao distribuir prodigamente recomendações a seus ministros, em monocráticas reuniões.
Maquiavel provavelmente não aprovaria...

Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor
[Brasília, 25 agosto 2024]

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...