segunda-feira, 14 de julho de 2025

4988) Destaques curiosos da Declaracao do Rio de Janeiro do Brics+, 2025 - Paulo Roberto de Almeida

 4988) Destaques curiosos da Declaracao do Rio de Janeiro do Brics+, 2025


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor
Ressaltando certas afirmações incongruentes da dita declaração, com pequenas observações contrarianistas.

Parto da “Declaração do Rio de Janeiro” da reunião de cúpula do Brics+, emitida em 6 de julho de 2025, apenas destacando o que me pareceu mais curioso dentre as dezenas de afirmações, promessas, compromissos do referido documento. Minhas observações seguem em meio ao texto, entre colchetes, ou ao final de cada frase destacada, sempre em itálico, atendendo à sua numeração. Três quintos, talvez mais, dos 126 parágrafos da declaração, cobrem todos os campos possíveis da cooperação internacional, bilateral, plurilateral, regional, multilateral e setorial, esgotando todas as possibilidades humanas e sociais, no mais perfeito mundo ideal dos sonhos de todos os internacionalistas, globalizadores e promotores do bem-estar coletivo e da felicidade geral dos povos. Vários deles contêm muita hipocrisia, ou mentiras flagrantes, como a tentativa de obscurecer a responsabilidade primordial da Rússia de Putin pelas ameaças à paz e a segurança internacionais, facilmente detectáveis pelas lacunas mais flagrantes dessa super-declaração, da qual vou destacar apenas as contradições mais chocantes.

(...)


domingo, 13 de julho de 2025

Entrevista com o presidente da Finlândia

 Finland’s President Alexandeer Stubb: The U.S. elected Trump. His foreign policy is transactional. 

You have to adapt and find ways to influence. Diplomacy is both state and personal, people make the decisions. My heart is often in North America. 1/

Stubb: I doubt we'll see a ceasefire before summer ends, there's no momentum. Thousands die weekly, and Russia keeps targeting civilians.

After NATO summit I felt hopeful long-term, but not about an immediate end. This war may grind on. 2/

Stubb: If you want to end this war you need 2 things. One is you need to continue to militarize Ukraine. 

Second thing, we need to put pressure on Russia so that it ends the war, so it doesn't have an incentive to continue anymore. 3/

Stubb: In today’s transactional world, U.S. actions in Iran could impact Ukraine. Trump has shown he’ll use force. 

A weakened Iran may stop arming Russia. Will Trump get tougher on Russia? Unclear, but he may hold the key to peace. 4/

Stubb: Ukraine is fighting for its independence, sovereignty, and territorial integrity. This is also a fight for the global order — rules, norms, and institutions. 

If might makes right, and borders can be redrawn by force, we risk descending into a lawless, unstable world. 5/

Stubb: You should never get flustered. Stay cool, calm and collected. 6X


Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida 


From anton_gerashchenko_en:

(E eu concordo inteiramente com o presidente da Finlândia nessa entrevista sobre a tragédia atual da Ucrânia; PRA.)


“I wanted to share with you several quotes from the interview of President Alexander Stubb of Finland to Peter Hartcher from The Sydney Morning Herald.


Ukraine is very grateful to the people and leadership of Finland for standing firmly with Ukrainians! 🇫🇮🇺🇦


◾️ "Within the next five to 10 years, two things will hold true with Russia. One is that they will not revert into a peaceful liberal democracy. And second, they will continue a military build-up."


Esta é a primeira e a mais patente e realística constatação, aliás, a única conclusão possível: a Rússia não vai se tornar, sob Putin, uma democracia liberal pacífica; não há nenhuma chance de que isso ocorra no futuro previsível, com Putin ou sem ele. 

Ela vai continuar na sua senda militarista, exatamente como ocorreu com as potências fascistas agressivas e expansionistas dos anos 1930. 

A segunda conclusão é de que, sob Putin (e talvez mesmo depois dele), a Rússia vai continuar a ser uma autocracia militarista, mesmo ao preço do bem-estar do seu povo e da estagnação econômica do país, na verdade um império nunca acabado e nunca realizado inteiramente em seu potencial produtivo, uma cleptocracia vivendo à custa de seus imensos recursos naturais. 

Não sei se isso é uma maldição eterna, mas parece ser o resultado de um império construído à base de violências inauditas e de uma selvageria vinda de épocas passadas, de puro despotismo oriental, bem mais do que o suposto modelo chinês rascunhado por Max Weber e descrito por Karl Wittfogel, que se revelou inovador e até avançado nas suas formas de organização estatal, marcadas por uma burocracia relativamente eficiente.

Esta introspecção tem relevantes consequências — aparentemente não realizadas até aqui — para a diplomacia corporativa do Brasil, à qual eu servi zelosamente durante 44 anos (menos vários anos de ostracismo sob o chamado lulopetismo diplomático): eu nunca constatei qualquer reflexão crítica de diplomatas proeminentes a propósito da primeira configuração do BRIC proposto ardilosamente, quase em segredo operacional, nos anos imediatamente posteriores à suposta posta em marcha da assim chamada “diplomacia ativa e altiva” — uma espécie de congratulação pro domo sua — em torno de 2005-2006, uma transfiguração de uma simples proposta de plataforma de investimentos rentáveis para fundos financeiros institucionais em um projeto de bloco institucional de caráter diplomático, entre quatro Estados soberanos (duas autocracias e duas democracias de relativamente baixa qualidade), sem qualquer convergência política-estratégica, a não ser uma possível desconfiança de uma suposta “hegemonia ocidental” indesejável, mas com um quase indisfarçável oportunismo midiático.

Todos se dobraram às ordens vindas de cima, incorporando acriticamente essa nova configuração totalmente artificial, e até bizarra (dadas as notórias diferenças entre os quatro), sem que estudos técnicos mais abalizados pudessem coonestar ou abonar essa proposta tirada do bolso do colete, sem maiores reflexões sobre suas implicações estratégicas para a doutrina diplomática brasileira ou para seu projeto de segurança nacional, ou para as políticas de caráter relevante para o desenvolvimento do país no cenário geopolítico mundial. 

Nunca houve, da parte do Itamaraty, uma “Informação ao Presidente da República” — como feito, por exemplo, para o acordo binacional Brasil-Paraguai sobre a construção da usina de Itaipu, para o acordo tripartite Brasil-Argentina-Paraguai de 1979 sobre as cotas da nova usina em construção, ou para os tratados de 1988 de integração com a Argentina, e quadrilateral de 1991 sobre o Mercosul, todos eles de enormes consequências estratégicas para o Brasil — para o caso do BRIC em sua primeira conformação; não, tudo foi decidido e aprovado praticamente a duas cabeças exclusivamente, o chanceler “ativo e altivo” e o então presidente em seu primeiro mandato.

À falta de reações por parte das lideranças políticas da nação, e da própria diplomacia profissional, a aventura do BRIC, BRICS e agora BRICS+ continuou sua marcha em zigue-zague (mais zague do que zigue por parte das duas autocracias dominantes, no plano mundial e do próprio bloco), com cada vez novas implicações geoestratégicas para o Brasil como um todo, sem que, em qualquer momento, fossem questionados os fundamentos, a rationale e os objetivos maiores do novo grupo, ou bloco diplomático.

De memória “bibliográfica”, todas as publicações elaboradas sobre o novo grupo-bloco, com implicações da mais alta relevância para os destinos fo País, foram aparecendo de forma inquestionavelmente positiva, como se a aventura fosse um dado, uma configuração diplomática e um projeto inquestionavelmente positivos para o Brasil, sem maiores questionamentos por parte da sociedade brasileira, em primeiro lugar do próprio Itamaraty, sempre submisso a quaisquer tipos de ordens superiores. Ao contrário, a ideia contou com uma recepção praticamente entusiástica por parte da academia, assim como do jornalismo complacente com a “genialidade” da trouvaille, cuja sigla sempre foi saudada com uma aquiescência muito favorável.

O mundo foi sendo transformado pelas assim chamadas “forças profundas” da economia e da política mundiais, e o barco do BRICS foi navegando em águas aparentemente tranquilas, com muito assédio ao novo grupo por parte do mal chamado “Sul Global” (uma outra entidade fantasma criada por acadêmicos e jornalistas apressados), até que irromperam as demonstrações práticas do novo imperialismo russo, primeiro na Georgia, depois na Moldova, em seguida na península da Crimeia e no Donbas, e finalmente na Ucrânia como um todo, a partir de 2022. Mas já a partir de 2014, com a invasão e a anexação ilegais, por Putin (mais do que pela Rússia), da península ucraniana da Crimeia (historicamente russa, por ações anteriores do imperialismo grão-russo czarista), a geopolítica mundial foi transformada de forma irreversível, sobretudo por força da ruptura violenta da Carta da ONU e das sanções racionalmente adotadas por parte de diversas nações “ocidentais” (entre as quais não se incluiu o Brasil, já no terceiro mandato lulopetista).

O processo de ruptura com o Direito internacional conspurcado desde o início por Putin se agravou com a Operação Militar Especial de 2022, agora já secundado pela “aliança sem limites” com a RPC de Xi Jinping, na aparente indiferença dos demais três membros do BRICS, assim como do chamado Sul Global e também da comunidade acadêmica entusiasta da ideia e do projeto do BRICS.

Pode-se dizer que o BRICS+ é um resultado e uma consequência direta da aventura militar de 2022, forçado pelas duas autocracias aos demais três membros do bloco, talvez complacentes ou simpáticos em face do sucesso aparente do bloco, assediado por muitos representantes do indefinível Sul Global, ou dessa ideia questionável do “mundo pós-ocidental”.

A terrível realidade da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que se transmutou de guerra de conquista (frustrada pela resistência ucraniana) em guerra de pura destruição de vidas e patrimônio da nação brutalmente atacada por Putin, começou a emitir alguns sinais de desconfiança sobre esse novo bloco visivelmente contrário à chamada “hegemonia ocidental” e sobre sua ideia indefinida de uma “nova ordem global multipolar”, visivelmente nas antípodas da atual ordem onusiana, já declarada perempta e incompetente pelo presidente brasileiro em seu terceiro mandato (mas ainda solidamente comprometido com a sua ideia de uma nova ordem mundial “mais inclusiva e democrática”).

Assim estamos em 2025, num cenário conturbado por diversos conflitos em diferentes regiões do planeta, mas novamente confrontado a um presidente americano visivelmente imperialista em suas pretensões megalomaníacas de “fazer a Ameaça grande novamente”, ainda que à custa de ações unilaterais abusivas e muito agressivas, contra aliados e concorrentes tidos como adversários. 

A diplomacia presidencial brasileira, ainda mais personalista neste terceiro mandato do que nos dois anteriores, segue comprometida com o projeto iniciado em 2005, aparentemente disposta a continuar com as alianças feitas num passado bem diferente do atual, independentemente das mudanças estratégicas que já ocorreram no cenário geopolítico.

De minha parte, observo que a diplomacia profissional continua calada e obediente aos dogmas da hierarquia e da disciplina, mesmo se alguns sinais de inquietação possam ser fracamente percebidos. No que concerne, continuarei atento a novos desdobramentos desse cenário, postando ideias e reflexões em meu tradicional “quilombo de resistência intelectual” que é o Diplomatizzando, e já pensando em fazer uma nova edição do meu livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (2022), editado antes do BRICS+. 

Vale!

Paulo Roberto Almeida

São Paulo, 13/07/2025

sábado, 12 de julho de 2025

As tarifas e a Tarifa-Bolsonaro - Demétrio Magnoli Folha de S. Paulo

 As tarifas e a Tarifa-Bolsonaro

Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo, sábado, 12 de julho de 2025

Ninguém está a salvo da espada erguida pela Casa Branca

Trump declarou, vezes sem conta, sua tórrida paixão por tarifas. Celebremente, selecionou "tarifas" como sua palavra predileta, para depois corrigir-se colocando-a atrás de "Deus" e "amor". Na visão dele, tarifas desempenham três funções distintas. A Tarifa-Bolsonaro, de 50%, anunciada contra o Brasil, enquadra-se na terceira família.

Nas suas versões de esquerda e direita, o populismo econômico destina-se a impulsionar o consumo, angariar popularidade e colher triunfos eleitorais. No fim, o resultado é sempre a explosão da dívida pública. Pela esquerda, caso do Brasil, sob o dístico "gasto é vida", os gastos públicos crescem além das possibilidades de aumento da arrecadação tributária. Pela direita, ao estilo de Trump, sob o lema de que "redução de impostos é vida", comprime-se a receita tributária a patamares inferiores às necessidades orçamentárias.

A primeira função das tarifas de Trump é compensar a redução de impostos. O presidente imagina retroceder o relógio da história até o final do século 19, quando as taxas sobre importações representaram a fonte principal de arrecadação do governo dos EUA. Não funcionará: mesmo sob políticas suicidas de cortes de despesas, o Estado contemporâneo precisa arrecadar muito mais do que proporcionariam as tarifas alfandegárias.

A Lei de Tarifas de 1890, proposta por William McKinley, um herói de Trump, aumentou para 50% as taxas alfandegárias médias dos EUA. A ideia era proteger a manufatura nacional, estimulando a expansão industrial do país. Na época, funcionou –como, mais tarde, a substituição de importações aceleraria a industrialização do Brasil.

A segunda função das tarifas de Trump é provocar um renascimento manufatureiro dos EUA. Trata-se, também, de uma utopia reacionária. Atualmente, as grandes empresas assentam seus negócios em cadeias produtivas internacionalizadas, tirando proveito das vantagens comparativas de diversas economias nacionais. As tarifas de Trump tendem a inflacionar a economia doméstica sem restaurar os parques manufatureiros devastados pela história.

"America First" —a guerra tarifária orienta-se tanto contra adversários como contra aliados geopolíticos dos EUA. Em princípio, ninguém está a salvo da espada erguida pela Casa Branca. Contudo, a terceira função das tarifas é castigar governos que tornam-se alvos da ira sagrada de Trump. A Tarifa-Bolsonaro pertence a essa família de sanções ideológicas.

Lula tagarela à vontade sobre soberania nacional, mas só a respeita quando lhe convém. Já declarou apoio a candidatos estrangeiros, fez campanha para Hugo Chávez e, há pouco, exibiu-se na mansão onde Cristina Kirchner cumpre prisão domiciliar reivindicando a libertação da ex-presidente. Não teria o direito moral de exigir de Trump respeito à Justiça brasileira enquanto insurge-se contra sentenças judiciais argentinas.

Mas a Tarifa-Bolsonaro situa-se num pavilhão superior de interferência na soberania nacional. De fato, trata o Brasil como uma ditadura que emprega o sistema judicial para violar direitos humanos. Diante dela, Lula tem o dever de enrolar-se na bandeira auriverde e enfrentar a ameaça. De quebra, beneficia-se politicamente da submissão canina de Tarcísio de Freitas aos interesses de Bolsonaro que, à vista de todos, contrariam diretamente o interesse nacional.

O Brasil paralisado por impasses na governança - Paulo Baía

A tempestade e o fio: o Brasil entre poderes em fricção, fé em disputa e a urgência da escuta democrática

              * Paulo Baía 

O Brasil, em julho de 2025, é um país que caminha sob a vertigem. A paisagem institucional permanece em pé, mas há rachaduras nos pilares. As cores da democracia ainda estão nas bandeiras, nos tribunais, nas urnas e nas palavras dos discursos oficiais. No entanto, os três poderes da República caminham como corpos desajustados, um de costas para o outro, sem sincronia, sem harmonia, em fricção constante. A ideia de equilíbrio entre os poderes tornou-se peça de ficção constitucional. O que há é um embate silencioso e cotidiano entre instâncias que se desejam autônomas, mas que se sabotam mutuamente, num jogo de vaidades e estratégias dissimuladas. Neste palco de choques institucionais, pulsa a vida real de um país desigual, fatigado e ainda assim vivo.

Para compreender os últimos quinze anos da vida nacional é necessário nomear, sem rodeios, o lugar central que o Supremo Tribunal Federal passou a ocupar. O STF deixou de ser apenas o guardião da Constituição. Tornou-se ator de cena, não mais bastidor. Seus ministros passaram da toga ao microfone, do voto técnico à decisão com gestos dramáticos. O Supremo passou a ditar o ritmo da política brasileira, interferindo diretamente nos processos eleitorais, nas ações do Executivo, nas disputas legislativas, nos embates simbólicos do país. É um protagonismo visceralmente político, alimentado tanto pela omissão dos demais poderes quanto pela tempestade de crises que exigiram posicionamento. Seus votos tornaram-se editoriais. Suas decisões, capítulos do romance nacional. Seus ministros, personagens centrais da narrativa coletiva.

Mas o protagonismo do STF, ainda que por vezes necessário diante do colapso de outras instituições, é também sintoma. Sintoma de uma democracia tensionada, que transfere ao Judiciário o papel de árbitro quando a política perde sua capacidade de mediação. O Supremo preenche o vazio deixado por um Executivo sob constante cerco e por um Legislativo que se transformou num superpoder descontrolado. O Congresso Nacional já não é apenas uma casa de leis. Tornou-se o verdadeiro centro do governo, agindo sob um parlamentarismo informal, não declarado, mas operante. Um parlamentarismo de fato, em que deputados e senadores controlam a execução orçamentária por meio das emendas, exigem recursos, ministérios, cargos, favores. E tudo isso sem qualquer responsabilidade direta pelas consequências. A fatura é do Executivo. A cobrança é da população. A glória é do Legislativo.

Esse modelo deformado de governança cria um poder que governa sem governar, que executa sem responder, que pressiona sem assumir. O presidente da República torna-se um negociador permanente, um refém com caneta, um gerente de emendas. A responsabilidade pública permanece com o Executivo, mas o comando do orçamento está nas mãos do Parlamento. A inversão é brutal. É um regime de submissão consentida, em que o governo, para sobreviver, entrega partes da alma do Estado. O presidencialismo que resta é apenas uma imagem invertida no espelho da Constituição.


E nesse campo de distorções, reina também o bolsonarismo. Não como governo, mas como assombração. Jair Bolsonaro, ainda que fora do cargo, permanece como centro simbólico de um movimento que sobrevive a ele. O bolsonarismo é hoje um sistema articulado, operante, incrustado em igrejas, câmaras, corporações, escolas militares, polícias e redes sociais. Alimenta-se do ressentimento, da desconfiança, da descrença na política, da fé manipulada, do medo como método. Atua como vírus ideológico e cultural, contaminando o debate público, deslegitimando as instituições, instilando a lógica da ruptura permanente. Já não depende de Bolsonaro. Tornou-se maior que ele. Respira por aparelhos próprios.


A ofensiva internacional de Donald Trump, ao impor um tarifaço de cinquenta por cento sobre produtos brasileiros, foi mais que hostilidade econômica. Foi um gesto político, um aceno internacional à extrema direita brasileira, uma tentativa de desestabilizar o governo Lula e reforçar a ideia de que o Judiciário brasileiro age por vingança, não por justiça. Foi uma interferência grosseira nas escolhas internas do Brasil. Uma aliança explícita com o bolsonarismo em versão transnacional. Uma diplomacia da intimidação. Um gesto simbólico que buscava empurrar o Brasil de volta ao mundo das tutelas coloniais.


A resposta de Lula foi serena e firme. Acionou os canais diplomáticos, convocou a embaixadora brasileira nos Estados Unidos, prometeu reciprocidade, falou como chefe de Estado de uma nação que não aceita ser humilhada. O gesto teve peso. E reverberou. Porque há momentos em que é preciso erguer a voz com sobriedade, para que o país se reconheça em sua própria dignidade.


As ruas, até então dispersas, reagiram. Em 10 de julho, dezenas de milhares de pessoas tomaram praças e avenidas em várias capitais. A convocação partiu das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, com apoio do MST, da CUT, da UNE, do PT, do PSOL. O grito não era apenas contra Trump, mas contra a tentativa de submeter o Brasil a um jogo autoritário global. Era um grito por soberania, por justiça tributária, por proteção ao Judiciário, por respeito à democracia. Era, sobretudo, um ato de memória coletiva. Uma lembrança de que o povo ainda sabe reconhecer os momentos em que a história exige presença.


O impacto foi imediato. O instituto Quaest registrou interrupção na curva de queda da aprovação do governo Lula. A tendência mudou. O povo entendeu o gesto. A firmeza diante da agressão externa foi compreendida como força, não como confronto gratuito. O episódio devolveu ao governo a capacidade de recompor sua narrativa. Recolocou Lula como protagonista. Mas essa recuperação, embora simbólica, não basta. O campo democrático precisa de mais que gestos pontuais. Precisa de enraizamento. Precisa de escuta.


Escutar as vozes do país profundo. Escutar as igrejas, sim, mas todas elas. Ouvir padres, pastores, bispos, cardeais, pregadores, líderes evangélicos, teólogos populares. Ouvir os terreiros, os babalorixás, os pais e mães de santo, os dirigentes de casas de Umbanda. Ouvir também os espíritas kardecistas, os médiuns, os esotéricos. Ouvir os que vivem da fé, que comungam com a espiritualidade de um povo que é profundamente religioso, místico, plural. Esses espaços não são apenas templos. São centros de escuta, redes de cuidado, territórios de acolhimento. São onde o povo busca sentido, refúgio, força. Negar isso é negar o coração do Brasil.


É preciso também escutar os adversários que não se tornaram inimigos. Aqueles que votaram contra, mas que não entregaram sua alma ao bolsonarismo. Gente comum. Trabalhadores, estudantes, pequenos empreendedores, donas de casa, motoristas de aplicativo, jovens desiludidos, mães aflitas. Gente que sente, sofre, espera. Muitos não escolheram a extrema direita por convicção, mas por solidão. Por ausência de alternativa. Por desinformação. Por medo. Esses não devem ser atacados, mas ouvidos. Porque ali também está o futuro.


Lula começou a reencontrar esse caminho. Rompeu o silêncio estratégico. Assumiu as rédeas. Recompôs a base, reorganizou as prioridades, enfrentou a chantagem institucional com mais firmeza. Mas o desafio é imenso. A engrenagem é pesada. O centrão exige mais. O STF seguirá intervindo. Trump não recuará. O bolsonarismo avançará pelas bordas, pelas frestas, pelos corpos.


É nesse cenário que se impõe a urgência de escolhas. Há decisões que não podem mais ser adiadas. Há pactos que não podem mais ser mantidos. Há zonas de conforto que se tornaram campos de rendição. A estabilidade não vale a perda da alma. A governabilidade não pode custar a dignidade do projeto. A conciliação não pode se transformar em traição. É preciso ter coragem para dizer não. Para traçar limites. Para afirmar valores.


Como escreveu a jornalista Silvia Debossan Moretzsohn, em seu artigo “Sobre escolhas difíceis — e óbvias”, publicado no site Come Ananas, há momentos em que já não se pode continuar fingindo que tudo é questão de cálculo. Há horas em que o óbvio se impõe, não por ser simples, mas por ser urgente. Porque há lutas que não admitem postergação. Porque há uma história que precisa ser escrita com coragem.


O fio da história foi reencontrado. Mas segurá-lo exige firmeza, escuta, clareza e, sobretudo, compromisso. O futuro do Brasil, entre as fricções dos poderes, as tormentas externas e os fantasmas internos, dependerá da capacidade de enfrentar o que precisa ser enfrentado. Com beleza. Com dureza. Com generosidade. E com a coragem de não desistir. Porque, no fundo, é disso que se trata: de não desistir. De novo. E sempre.


               * Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ


https://agendadopoder.com.br/a-tempestade-e-o-fio-o-brasil-entre-poderes-em-friccao-fe-em-disputa-e-a-urgencia-da-escuta-democratica/ 

A “era das incertezas certas” no Brasil, riscos para as empresas - Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi (Linkedin), comentário PRA

A “era das incertezas certas” no Brasil, riscos para as empresas - Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi (Linkedin), comentário PRA

O Prof. Celso Grisi resumiu com especial acuidade osprincipais fatores de risco derivados da situação econômica do Brasil, mas principalmente resultante das politicas macro e setoriais do atual governo Lula. Confirma-se, assim, a condição do Brasil como país vocacionado, pela incompetência de suas elites econômicas e politicas, para o baixo crescimento, para a inflação resiliente, para os juros altos, para o agravamento dos desequilíbrios fiscais, e, portanto, para o aumento do endividamento público e privado e o aumento dos riscos sistêmicos, até nova crise nas transações externas.

Querem um cenário pior? A continuidade da polarização política e aumento das tensões sociais geradas pelo virtual estrangulamento geral das despesas públicas em setores cruciais para a população, como saúde, segurança civica (a externa já é o caso) e educação, com algum aporte estrangeiro na infraestrutura física. Grato ao professor Celso Grisi por resumir tão bem os fatores de risco no Brasil, que são TODOS de governança, nenhum trazido de fora, todos made in Brazil.  PRA

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Professor Celso Cláudio Hilbebrand e Grisi, via Linkedin:

Vamos falar de certezas (3)

Em meio a tantas incertezas, os planejamentos empresariais devem ter presentes algumas certezas. Vamos enumerá-las?

 1.⁠ ⁠O atual governo não fará cortes expressivos em suas despesas.

 2.⁠ ⁠O quadro fiscal não passará por ajustes

 3.⁠ ⁠Benefícios sociais não serão reduzidos, ao contrário, serão ampliados

 4.⁠ ⁠Reformas e mesmo as  micro reformas internas serão postergadas

 5.⁠ ⁠Expansões monetárias tornarão a inflação resiliente.

 6.⁠ ⁠Um crescimento mais forte da economia ficará dependente dos investimentos estrangeiros.

 7.⁠ ⁠Os confrontos com o legislativo serão evitados, mesmo assim isso não se traduzirá em apoio ao atual governo

 8.⁠ ⁠O governo buscará por medidas que tragam novos benefícios ao dia a dia do eleitor (desenrola rural, ampliação do programa Farmácia Popular, Gás para todos)

 9.⁠ ⁠As Limitações políticas e o desejo de preservar apoios, diante de um cenário de baixa popularidade, imobilizam medidas estruturantes

10.⁠ ⁠O desembarque de políticos do navio do Presidente será ainda maior, ampliando a imobilização de novos avanços.

Oportuno será preparar aempresa para esse cenário.




Uma pequena grande história do Brasil contemporâneo- Arnaldo Barbosa Brandão

 A HISTÓRIA DO BRASIL (que não está nos livros)

Do a.b.b.

Onde eu parei mesmo? Ah, foi em Getúlio. Houve uns 5 Getúlios. O jovem que se vestia como um lorde e usava aqueles sapatos de duas cores e terno branco e que pegava as gaúchas. O político preferido do Borges de Medeiros(governador do Rio Grande), com quem aprendeu todas as artimanhas pra se manter no poder por anos e anos. O Getúlio que chegou nos braços do povo ao poder em 1930 e que governou cem certa flexibilidade. O ditador que governou com mão de ferro o país, de 1937 até 46 e o presidente eleito em 1950 que enfrentou uma oposição feroz do udenismo com Carlos Lacerda à frente, e que acabou suicidando-se em 1954. Talvez, sabendo do que ocorreu entre 30 e 55, fique mais fácil para os mais jovens entenderem porque houve o golpe ou revolução de 64, sei lá. Pois é, quando eu era jovem achava que foi golpe, agora, sei lá. Vou ficar com o que disse FHC quando era sociólogo em 1972: “O golpe de 64 acabou por ter consequências revolucionárias no plano econômico”. Não foi só o Jango. É que os militares (nem todos), não perceberam que os tempos eram outros e o Brasil, bem, o Brasil tinha estado na 2ª Guerra e houve o governo JK ( 50 anos em 5 não digo, mas 10 em 5, quem sabe). Bem que fiquei tentado, mas não há como fazer comparações entre a ditadura de Getúlio e a dos militares em 64. Mundos diferentes, Getúlio mudou o Brasil e JK ajudou. Os militares pós-64 também mudaram o Brasil. Sem eles não haveria Brasília, que JK deixou 5% pronta e eles completaram, nem Petrobrás, que Getúlio criou e não se interessou (perguntou aos gringos se queriam o petróleo), nem EMPRAPA, que Rockefeller criou com o nome de Ceres e que viabilizou a soja e o milho no cerrado, e de quebra o gado. Nem haveria as estradas que JK começou e eles esticaram, nem energia elétrica (Itaipu), nem as universidades. Sem eles estaríamos no escuro, depois dos militares não me lembro de nada que alguém tenha feito (infra-estrutura), nem os portos, nem o FGTS(invenção do Roberto Campos). Pensando bem, até o Lula é criação dos militares, que desejavam uma esquerda desvinculada do comunismo que dominavam os sindicatos. O fato é que nos governos militares teve de tudo, mas dá pra separar o trigo. Castelo era feio como uma trombada  de trem, mas era trigo, Geisel se escondia atrás dos óculos escuros, falava pouco, mas era trigo, Golbery era trigo, sem eles estaríamos numa enrascada política e econômica. Glauber percebeu isso antes de todos. Bem, depois dos militares, veio o Sarney que fez o Plano Cruzado 1, 2 e não deu em nada, depois Collor que fez merda, depois Itamar que conta, fez o Plano Real, depois FHC que deu uma estabilizada na economia e na política, depois veio o Lula e sua gente: fez-nos lembrar que havia pobreza no país, e também lembrou-nos que o sindicalismo continua o mesmo de sempre.  Voltemos a Getúlio. Lembre-se que ele não admitia adversários, já os militares de 64, mais ou menos. Getúlio eliminou logo os dois principais: comunistas e fascistas. Morreu muita gente e muitos foram exilados, a mulher do Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, foi entregue ao Nazistas, Prestes foi preso e torturado. Getúlio enfrentou de cara a “revolução constitucionalista de 32”, na verdade uma contra-revolução. São Paulo (leia-se a elite paulista) rebelou-se. Até o Mario de Andrade lutou por São Paulo, quem diria. Não pegou no fuzil, usava uma caneta, que, às vezes pode ser mais letal. O problema é que São Paulo queria o divórcio (e na certa iria ficar com a casa e os móveis). Lembrem-se que Getúlio prendeu até Graciliano Ramos, foi bom (nada, prisão é péssimo, já fui preso, sei como é), porque daí saiu o “Memórias do Cárcere”. A outra diferença é que Getúlio tinha uma visão mais “compreensiva” das relações sociais e principalmente, trabalhistas. Getúlio, como todos os ditadores, comunicava-se diretamente com as “massas” e centralizava todo o poder. Nomeou interventores para quase todos os estados, a maioria militares, muitos se perpetuaram no poder. Diferente dos militares em 64. Voltando a subir o morro, nesta época também aparecem uns sambas ressaltando a liberdade nas favelas, ao contrário da ordem e das normas mais rígidas no chamado asfalto. Confiram as letras do próprio Herivelto e de outros. Já estamos falando dos anos 50, e eu já residia no Morro da Coroa e via o “pau comer” todos os dias, porque a chamada “malandragem” descia de vez em quando e aprontava alguns roubos e assaltos nos bairros onde as favelas estavam estabelecidas, ou vocês pensam que os tiroteios nas favelas começaram agora. É bem verdade que a arma mais poderosa era o 45, embora meu pai usasse um parabélum. Há alguns estudiosos que tem uma visão romântica dos chamados “malandros”, é porque nunca moraram nas favelas. Nesta época(anos 40 e 50) chegaram os nordestinos (do sertão e adjacências, não do litoral), o que deu uma mistura interessante nos morros, uma argamassa explosiva, a julgar pela reação do meu pai, que detestava candomblé, samba, barulho e outras “pataquadas desses crioulos safados”, como dizia, mas um de seus melhores amigos era negro e veio da Bahia com ele, na quarta classe de um navio. Os nordestinos, em geral, preferiam os subúrbios, foi o período de crescimento dos subúrbios e da Baixada Fluminense e das cidades do ABC em São Paulo. Getúlio, que já era chamado “o pai dos pobres”, cria então, a “polícia especial”, que, como diz o nome, era especial, ou seja, podia fazer qualquer violência que quisesse. Lembro que usavam uns cassetetes de borracha, em substituição aos de madeira, porque doía, mas, não quebrava nada. Foi um grande avanço social. A polícia era a lei e acabou-se, entenderam porque até hoje não temos noção de justiça e morremos de medo da polícia, até hoje não aprendemos na escola que um processo começa com uma investigação policial, acompanhado por um promotor, e que vai para um juiz que manda prender. Aqui os processos começam com a “prisão do meliante para averiguações”. Aprendam mais esta: Só quem pode mandar prender é um juiz, a não ser em flagrante delito, mas até hoje qualquer policial de meia-tigela prende você na rua e tu ficas(atenção revisora, é assim mesmo) mofando dias e dias, se for pobre, meses e meses e até anos. Outro fato importante, é que Getúlio fazia uma diferenciação muito grande entre pobres e trabalhadores. Pobres eles sequer reconhecia, dirigia-se aos “Trabalhadores do Brasil”. E como nas favelas só moravam pobres e alguns poucos “trabalhadores formais”, as favelas sequer eram reconhecidas. Alguns podem pensar: “mas Getúlio era um ignorante”. Não, Getúlio era culto, ele não era do time relativista, mesmo porque, na época quem mandava era o positivismo. Melhor ler o Pedro Demo(Metodologia Científica em Ciências Sociais) pra entender essas questões teóricas, em vez de ficarem se escorando no Google ou perdendo tempo com os filósofos franceses.  Todas essas coisas que estou contando aqui, tiveram e ainda produzem, repercussões sobre o crescimento das favelas, e da criminalidade. Interessante, é que Brizola, um político oriundo do Getulismo, foi um dos primeiros a compreender que as “favelas” não eram só um fato físico, mas também social. E olha que eu não gostei do governo Brizola no Rio, mas isso não é vantagem, não gosto de nenhum governo, e por incrível que pareça, foi o governo que construiu o maior número de viadutos, claro, por influência do Jaime Lerner (linha amarela, linha vermelha), mais ainda, foi um dos primeiros governos que pensou em aproximar ricos de pobres, via transporte coletivo, lembro das madames de Ipanema indignadas por causa de uma linha de ônibus que fazia Ipanema-Metrô. Bem, agora o Metrô chegou a Ipanema, aquilo vai ficar igual churrascaria de subúrbio aos domingos. O jeito é escapar pro Leblon e pra Barra. Voltemos a subir o Morro. Se os morros eram territórios que o governo não reconhecia, e a polícia só aparecia de vez em quando, quem mandava nas favelas? Digamos no dia-a-dia? Os primeiros que se apresentaram com algum programa de governo foram os bicheiros, depois veio a Igreja católica, por causa de Dom Helder, se bem que conheci um padre que tinha “pontos” de jogo. Alguns bicheiros ficaram famosos, caso do Natal da Portela, que começou de baixo como apontador e virou banqueiro, isso com um só braço, imagine se tivesse os dois. Os bicheiros e sua influência sobre as favelas dariam um livros de milhares de páginas, mas não sou eu quem vai escrever, é coisa pra quem? Sociólogos? Conheci poucos que se interessaram, digamos o Carlos Nelson Pereira dos Santos e a Lícia do Prado Valadares, nome bonito? Ela também. Cheguei a namorá-la, mas não deu certo, por minha culpa. Houve também o Artur Rios, e os estrangeiros. O mais importante deles foi, sem dúvida, o (CONTINUA OUTRO DIA).

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