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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A inacreditavel compulsao estatizante do governo

Nao apenas compulsão, talvez obsessão estatizante, em atividades perfeitamente voltadas para o mercado, que poderiam ser resolvidas pelo mercado.
As únicas coisas que só o governo pode fazer, que é reforma tributária, para desonerar empresas, ele não faz.
Talvez porque esteja muito ocupado criando estatais...
Paulo Roberto de Almeida

Eximbank amarrado

Editorial - O Estado de S.Paulo
25 de agosto de 2010

Todos os membros do governo que tratam do assunto, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendem a urgência do início de operação do banco de financiamento do comércio exterior, o Eximbank brasileiro. Projeto discutido há décadas, a criação desse banco foi tardiamente anunciada no último dos oito anos do governo Lula. No entanto, previsto para estar em operação em outubro, o Eximbank, como outros projetos do governo do PT, corre o sério risco de não sair do papel, por discordâncias entre os Ministérios envolvidos.

A criação de uma instituição dedicada exclusivamente a financiar as exportações, como as que existem em outros países também com o nome de Eximbank (banco de exportação e importação), foi um dos principais itens do pacote de apoio ao comércio exterior anunciado em maio pelo governo, com o objetivo de estimular as vendas externas e conter a queda do superávit comercial brasileiro.

A nova instituição, de acordo com o modelo defendido pelo Ministério do Desenvolvimento (Mdic) e pelo BNDES - do qual será subsidiária -, deve oferecer serviços integrados de apoio ao exportador, incluindo garantia, seguro e financiamento. "Quando essas operações são combinadas, a instituição fica mais poderosa", disse há algum tempo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, citando o exemplo de bancos da Coreia do Sul e da China, que operam de acordo com o modelo por ele defendido.

O Ministério da Fazenda, porém, embora defenda a necessidade do seguro - "o Exim (brasileiro) não seria viável sem o seguro à exportação; é assim que os grandes países competem", afirmou o ministro Guido Mantega -, tem dito que empréstimos e seguros não devem ficar sob a responsabilidade de uma mesma instituição ou empresa.

Com base nesse argumento, o ministro da Fazenda anunciou, no mês passado, a criação também de uma nova estatal de seguros, argumentando que o setor privado - que não foi ouvido - é incapaz de atender às necessidades de seguros do País. Além de atender as empresas exportadoras, essa nova estatal deve oferecer todos os tipos de seguros oferecidos pelas companhias já em operação, com as quais concorrerá em regime ainda não devidamente explicado pelo ministro.

Agora, nem anda o projeto da grande seguradora estatal proposta pelo ministro, nem o do Eximbank brasileiro com competência para oferecer também serviços de seguros, defendido pelo Mdic e pelo BNDES.

Há, de fato, uma questão de competência legal que precisa ser resolvida. O Fundo de Garantia das Exportações (FGE), principal instrumento de seguro às exportações, é vinculado ao Ministério da Fazenda, tem como gestor o BNDES e tem suas regras definidas pelo Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig), cuja presidência cabe ao Ministério do Desenvolvimento. As operações do FGE são atribuição de uma empresa privada, a Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE), que tem como principal acionista a Coface, uma seguradora de capital francês. O Banco do Brasil e o BNDES também participam da SBCE. A nova seguradora proposta por Mantega substituiria a atual nas operações de comércio exterior.

Quaisquer que sejam os argumentos dos dois lados, a disputa mostra a dificuldade do governo para superar divergências internas que travam um projeto de interesse nacional e o desinteresse do presidente da República por questões que não digam respeito às eleições de outubro.

Ressalve-se, ainda, que, mesmo na remota hipótese de o governo do PT conseguir colocar em operação esse banco de apoio às exportações, ainda ficará devendo muito ao setor exportador. O sistema tributário, cuja reforma foi prometida no início do primeiro mandato de Lula, continua a onerar o setor, reduzindo-lhe dramaticamente a competitividade, os gargalos de infraestrutura - rodovias, ferrovias, portos e aeroportos - encarecem a logística das exportações e os controles burocráticos excessivos desestimulam as empresas que poderiam se interessar por exportar.

A tragedia educacional brasileira: um projeto para afundar o pais

Parece que é isso: políticos, militantes sindicais e políticos, responsáveis governamentais, agitadores de ONGs racialistas fizeram um complô para afundar a educação brasileira e imbecilizar o país.
Bem, não acredito em teorias conspiratórias, mas se acreditasse, eu teria todas as confirmações de que todos esses militantes de causas perdidas se organizaram para impedir o Brasil de se desenvolver.
Paulo Roberto de Almeida

Prometem cidadãos, entregam maus alunos
CARLOS ALBERTO SARDENBERG *
O GLOBO - 19/08/10

Há algum tempo, em visita ao Brasil, um diretor do Ministério da Educação da China alinhava as razões pelas quais seu país logo seria a segunda potência econômica do mundo. Além dos motivos clássicos - rápido crescimento, elevado nível de poupança e investimento, muita pesquisa em novas tecnologias, escola de qualidade - acrescentou um que chamou a atenção: na China, dizia, com orgulho, há 300 milhões de jovens estudando inglês, bom inglês. E isso é igual à população dos Estados Unidos, onde nem todo mundo fala inglês, acrescentava, com satisfeita ironia.
Quantos jovens estudam inglês a sério no Brasil? E quantos nas escolas públicas? Em compensação, nos últimos três anos, conforme leis aprovadas no Congresso, os alunos do ensino básico brasileiro passaram a ter aulas de filosofia, sociologia, artes, música, cultura afro-brasileira e indígena, direitos das crianças, adolescentes e idosos, educação para o trânsito e meio ambiente.
Como não aumentaram o número de horas/aula nem o número de dias letivos, é óbvio que o novo currículo reduz as horas dedicadas a essas coisas banais como português, matemática e ciências.
Vamos falar francamente: isto não tem o menor sentido. É um sinal eloquente de como estão erradas as agendas brasileiras.
Dirão: mas nossas escolas precisam formar cidadãos conscientes, não apenas bons alunos.
Está bem. Então vai aqui a sugestão: dedicar os sábados e talvez algumas manhãs de domingo para essa formação. Não há melhor maneira de conhecer a cultura indígena do que visitar aldeias, aos sábados, um passeio educativo. Artes plásticas? Nos museus e nas oficinas. Música? Que tal orquestras e bandas que ensaiariam aos sábados ou durante a semana depois das aulas? Meio ambiente? Visitas às florestas e parques. Consciência de trânsito? Um sábado acompanhando os funcionários pelas cidades.
E assim por diante. Como aliás se faz nos países asiáticos, conhecidos pela qualidade de seu ensino. Mas é mais complicado, exige organização, um pouco mais de dinheiro, mais trabalho, especialmente nos fins de semana, e professores e instrutores mais qualificados e entusiasmados com as funções, obviamente com boa remuneração.
Em vez disso, determina-se a inclusão de algumas aulas no currículo e está completa a enganação: ninguém vai aprender a sério nenhuma dessas "disciplinas do cidadão", assim como a maioria não aprende a contento português, matemática e ciências.
Inglês então, nem se fala, porque aí tem um componente ideológico. É a língua do imperialismo. (Embora seja provável que dentro em pouco seja a língua do imperialismo chinês).
Mas reparem que, quando se trata de estudar mesmo, nem essa ideologia esquerdo-latina ajuda. Diz o pessoal: como estudar inglês se somos todos latino-americanos, bolivarianos e amamos Chávez? Vai daí que vamos ensinar o espanhol a sério? Já seria uma grande ajuda, mas esquece.
Até já se disse que o espanhol seria obrigatório, mas não vingou. Talvez porque o espanhol seja a língua dos colonizadores? Não se espantem se alguma emenda mandar que todos aqui estudem as línguas dos índios.
A sério: todos os testes, nacionais e internacionais, mostram que nossos alunos vão mal em português, matemática e ciências. Todos os estudos mostram que isso cria um enorme problema para as pessoas e para o país. Para as pessoas, porque não conseguem emprego numa economia da era do conhecimento. E para o país, porque, com uma mão de obra não qualificada, perde a batalha crucial dos nossos dias, a da produtividade tecnológica.
Reparem: isso é sabido, provado e demonstrado. E fica por isso mesmo.
Por isso mesmo, não. Tiram tempo de português para incluir uma rápida enganação de cultura afro.
A agenda equivocada atravessa todo o ensino brasileiro. Nada contra as ciências sociais e as artes, mas, responda sinceramente, caro leitor, cara leitora, é normal, é razoável que a PUC-Rio tenha formado, no ano passado, 27 bacharéis em cinema, três físicos e dois matemáticos? É normal que, em 2008, as faculdades de todo o Brasil tenham formado 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 modistas? Como comentou o cineasta e humanista João Moreira Salles, em evento recente da Rádio CBN, nem Hollywood tem emprego para tantos cineastas quanto os que são formados por aqui. E sobre 128 cursos superiores de moda no Brasil: "Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes." Duvido. As escolas de moda precisariam ser eficientes, o que está longe da realidade.
Na verdade, há aqui uma perversidade sem tamanho. As pessoas das classes mais pobres e os pais que não estudaram já estão convencidos que seus filhos não vão longe sem estudo.
Tiram isso, com sabedoria, de sua própria experiência. E fazem um sacrifício danado para colocar os filhos nas escolas e levá-los até a faculdade, particular, paga, na maior parte dos casos.
Quando conseguem, topam com a perversidade: os rapazes e as moças pegam o diploma superior, mas não estão prontos para o trabalho qualificado.
Com o diploma, caro, guardado em casa, fazem concurso para gari, por exemplo.
Uma injustiça com as famílias pobres, um custo enorme para o país e a desmoralização do estudo.
Se tivessem planejado algo para atrasar o país, não teriam conseguido tanto êxito.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

http://aspirantesdiplomaticos.politicaexterna.com/2010/08/24/questionario-respondido-por-paulo-roberto-de-almeida/

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Brasil: os subterraneos do Estado policialesco e ilegal

Estamos falando não de simples golpes de alguns espertos, mas do próprio ovo da serpente totalitária, o Estado policialesco, como existia na RDA, com a Stasi, e como existe em Cuba, com o aparelho de segurança. A corja a serviço de uma causa política coloca o Estado como mero provedor de informações estratégicas para seu projeto de poder.
Não compreendo como as pessoas não se sentem pessoalmente atingidas por esse tipo de crime. É isto que nos espera...
Paulo Roberto de Almeida

Receita vasculhou sigilos de mais 3 pessoas ligadas a Serra e FHC
Leandro Colon e Rui Nogueira
O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2010

Investigação revela que Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Marin Preciado também tiveram sigilos quebrados

BRASÍLIA - Investigação interna da Receita Federal revela que acessos suspeitos aos sigilos fiscais de adversários do PT foram além do manuseio dos dados do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge. Os documentos mostram que, no mesmo dia, de um mesmo computador e em sequência, servidores do Fisco abriram os dados sigilosos de Eduardo Jorge e de mais três pessoas ligadas ao alto comando do PSDB. São elas: Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Marin Preciado.

O Estado teve acesso a informações do processo aberto pela Corregedoria da Receita para saber quem acessou e por que os dados de Eduardo Jorge foram abertos em terminais da delegacia da Receita Federal em Mauá (SP). Essas informações foram parar num dossiê que teria sido montado por integrantes do comitê de campanha da candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT). A oposição acusa funcionários do governo de violarem os sigilos fiscais de tucanos para fabricar dossiês na campanha eleitoral.

Os dados da investigação revelam que as declarações de renda de Eduardo Jorge e dos outros três tucanos foram acessadas do mesmo computador, por uma única senha, entre 12h27 e 12h43 do dia 8 de outubro do ano passado. O terminal usado foi a da servidora Adeilda Ferreira Leão dos Santos. A senha era de Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva. Às 12h27, foi aberta a declaração de renda de 2009 de Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações do governo de Fernando Henrique Cardoso. Três minutos depois, às 12h30, acessaram os dados do empresário Gregorio Marin Preciado, casado com uma prima de José Serra. Às 12h31, a declaração de Renda de Ricardo Sérgio foi aberta. Ele é ex-diretor do Banco do Brasil no governo FHC. Às 12h43m41s daquele mesmo dia, o mesmo terminal acessou a declaração de renda de 2009 de Eduardo Jorge. Quatorze segundos depois, os dados referentes a 2008 foram abertos por um servidor da Receita.

Os nomes dos tucanos foram destacados pela própria investigação da Receita Federal, como "contribuintes que despertaram interesse na apuração". O trabalho de apuração da Receita compreendeu os acessos ocorridos naquela delegacia entre 3 de agosto e 7 de dezembro de 2009. Em depoimento à corregedoria da Receita, as duas funcionárias negam envolvimento na abertura desses dados. Dona da senha usada, Antonia Aparecida alega que repassou o código a outras duas colegas e que não sabe quem fez essas consultas.

Alemanha: governo projeta taxa bancaria

Alguns diriam que é o triunfo do Estado sobre os mercados desregulados: deixados à sua própria conta, eles provocariam crises e depressões, e precisam, portanto, ser "regulados" pelo Estado, e taxados em sua "ganância" exagerada.
Na verdade, o Estado só se mete a salvar os bancos porque se intrometeu demasiadamente nos assuntos bancários. Deixados à sua própria conta, os bancos teriam feito o que se chama comumento de seguro. Uma espécie de cooperativa de ajuda mútua...
Paulo Roberto de Almeida

Le gouvernement allemand adopte un projet de taxe bancaire
Le Monde avec AFP, 25.08.2010

Le gouvernement allemand a adopté mercredi 25 août un projet contesté de taxe sur les bénéfices des banques, qui doit éviter que l'Etat soit le seul à mettre la main à la poche pour sauver des établissements.
Les banques allemandes devront à l'avenir verser à l'Etat une partie de leurs profits, selon ce projet de loi qui doit être validé par le Parlement avant la fin de l'année. Le montant de la taxe sera fonction de la taille de l'établissement et du degré de risque de ses activités.

CONSTITUTION D'UN FONDS
Les sommes ainsi récoltées serviront à créer un fonds dans lequel on pourra puiser en cas de menace de faillite d'une banque jugée d'importance stratégique.
L'Allemagne, échaudée après des sauvetages publics très coûteux tel celui de l'établissement spécialisé dans l'immobilier Hypo Real Estate, pour plus de 100 milliards d'euros, est le premier pays à avoir lancé l'idée d'une telle taxe. Berlin espère convaincre d'autres Etats de faire de même, pour préserver la compétitivité de ses banques, mais jusqu'ici la France est l'un des seuls pays à s'enthousiasmer pour le projet.

PROJET FRANÇAIS À L'AUTOMNE
La taxe bancaire française devrait, pour sa part, être officiellement présentée fin septembre. Ce dispositif, qui sera inscrit dans le projet de loi de finances pour 2011, sera "assis" sur les actifs bancaires les plus risqués.
C'est ce qu'avait préconisé Jean-François Lepetit, l'ex-président du Conseil national de la comptabilité (CNC), dans un rapport remis mi-avril à la ministre de l'économie, Christine Lagarde : "Certaines activités dégagent des rendements et profits anormaux qui ont pour contrepartie un coût pour la société le jour où le risque systémique se réalise. Il est proposé de taxer ces activités afin de réduire les externalités ", avait-il expliqué.
Contrairement à son homologue allemand, qui veut créer un "fonds de résolution systémique", le gouvernement français a fait part de son intention d'affecter le produit de cette taxe au budget de l'Etat, comme il l'a fait pour la taxe sur les bonus.

Direitos humanos seletivos: o caso brasileiro

Não se pode estar certo de que direitos humanos seja a palavra adequada para o caso do Brasil. Talvez apenas política, na acepção mais vulgar do termo.
Paulo Roberto de Almeida

Direitos humanos a sério
Oscar Vilhena Vieira
O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2010

Em recente artigo publicado na imprensa, o ministro Celso Amorim busca refutar as crescentes objeções que vêm sendo feitas à política externa brasileira no campo dos direitos humanos. O fato de o chanceler vir a público justificar a condução da política externa é, em si, um avanço. A manifestação também é positiva na medida em que reitera o compromisso do governo com os direitos humanos. O que se pretende aqui questionar é se as premissas e as ações do governo são condizentes com esse compromisso, reiterado pelo ministro.

De acordo com Amorim "reprimendas ou condenações públicas" não constituem o melhor caminho para obter o respeito aos direitos humanos. A seu ver, é mais eficaz dar o "exemplo e, ao mesmo tempo, agir pela via do diálogo franco". Essa premissa, além de moral e juridicamente discutível, não pode ser comprovada faticamente. São inúmeras as experiências em que a denúncia e a pressão internacional desempenharam papel fundamental na derrubada de regimes violadores, como o emblemático caso sul-africano. Teria sido melhor se a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, em vez de denunciar e impor duras medidas ao regime racista, tivesse apenas buscado o diálogo respeitoso com seus líderes? Teria sido melhor que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que no final dos anos 1970 denunciou corajosamente a tortura e os desaparecimentos forçados na Argentina e no Chile, tivesse optado pelo diálogo com Augusto Pinochet ou Jorge Videla? Por acaso as denúncias feitas pelo presidente Jimmy Carter em 1977 sobre a tortura no Brasil não contribuíram para a redemocratização? Deveria ter optado por uma atuação mais discreta, para não incomodar nossos generais?

O diálogo e a persuasão são instrumentos não apenas válidos, como importantes, mas não podem dispensar o reconhecimento público das violações, a responsabilização dos violadores e a reparação às vítimas, especialmente pelos mecanismos internacionalmente concebidos para proteger os direitos humanos. Ao se propor uma atuação "conciliadora" não apenas de Estados, mas dos próprios mecanismos multilaterais de direitos humanos, a política brasileira tem contribuído para fragilizar esses mesmos mecanismos, com consequências nefastas para as vítimas.

Ao buscar superar o maniqueísmo e a seletividade que imperam na conduta de muitos países do Norte, o Brasil corre o risco de criar um novo maniqueísmo e uma nova seletividade. Muitas das recentes manifestações do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU têm causado inconformismo entre aqueles que tomam os direitos humanos a sério. É o que se pode identificar nos casos de Irã, Sri Lanka, Mianmar, Sudão (Darfur), República Democrática do Congo, em que a participação brasileira não se alinhou a resoluções voltadas para apurar as violações, responsabilizar os violadores ou mesmo manter mecanismos internacionais para aferição de tais violações. O Brasil parece estar criando uma nova seletividade, em que o que importa não é a natureza ou a gravidade das violações, mas a origem das acusações ou a proximidade política com o violador. No caso do Sri Lanka, o Brasil juntou-se ao próprio governo desse país, a Cuba, Paquistão, Irã e Sudão, entre outros governos não-democráticos, para derrubar uma resolução proposta pela União Europeia. O Brasil já vinha se comportando seletivamente na antiga Comissão de Direitos Humanos. Basta verificar como se manifestou em relação às resoluções que cuidavam de violações na China, na Chechênia, no Zimbábue e em Belarus. Esse mesmo padrão de diálogo não se aplica, por exemplo, quando o assunto é a condenação das violações promovidas por Israel no caso dos palestinos. O Brasil, porém, não ousa promover resoluções que condenem as violações sérias e existentes em países do Norte, como, por exemplo, as conhecidas manifestações contra os direitos básicos dos prisioneiros de Guantánamo.

O caso da Coreia do Norte talvez seja o mais emblemático. Apesar de gravíssimas denúncias de existência de campos de concentração e execuções de dissidentes políticos, e das inúmeras demonstrações de que o regime de Pyongyang não está disposto a cooperar, o Brasil vislumbrou uma "janela de oportunidades" e negou-se a apoiar uma resolução que propunha renovar o mandato do relator especial para aquele país. Somente depois de ver suas propostas ignoradas pelo regime totalitário de Pyongyang e ser interpelado pelo Ministério Público Federal, o Itamaraty finalmente mudou sua posição. O resultado desse processo foi o estabelecimento de um conjunto de recomendações ao governo para que não mais olvide suas obrigações constitucionais no trato das questões de direitos humanos.

A política de direitos humanos brasileira tem avançado em diversas frentes, como na discussão sobre propriedade intelectual, medicamentos, meio ambiente e luta contra a pobreza, porém tem se demonstrado ambígua quando se reporta às violações cometidas por regimes repressivos. Se o Brasil quer representar algo novo no cenário internacional, não apenas no aspecto econômico, mas também ético, não pode mais invocar o "simplório" e ultrapassado princípio da não-interferência; não pode mais praticar uma seletividade enrustida e ressentida; não pode mais fragilizar a autoridade dos mecanismos internacionais de direitos humanos e das ONGs que operam nesse campo.

Se a proposta é estabelecer um "diálogo franco", isso significa disposição para o reconhecimento das violações, responsabilização dos violadores e reparação às vítimas. Esta, porém, não parece ser a postura de muitos dos interlocutores do governo brasileiro.

DIRETOR JURÍDICO DA CONECTAS DIREITOS HUMANOS, É PROFESSOR DA ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

A frase da semana, da campanha eleitoral

Não sei exatamente quem formulou a frase, mas merece o prêmio do ano:

O horário político eleitoral é o único momento em que os bandidos estão em cadeia nacional.

A "maldicao" do poder nucelar: o caso de Israel (NYT)

Bringing Israel's Bomb Out of the Basement
By AVNER COHEN and MARVIN MILLER
I.H.T. Op-Ed Contributor
The New York Times, August 25, 2010

In the shadow of the Holocaust, Israel made a determined and ultimately successful effort to acquire nuclear weapons. Just as fear of genocide is the key to understanding Israel’s nuclear resolve, that fear has also encouraged nuclear restraint. After all, if Israel’s enemies also acquired the bomb, the small Jewish state might well face destruction. Moreover, the specter of killing large numbers of innocent people was morally unsettling.

This combination of resolve and restraint led to a nuclear posture known as opacity, which is fundamentally different from that of all other nuclear weapons states. Israel neither affirms nor denies its possession of nuclear weapons; indeed, the government refuses to say anything factual about its nuclear activities, and Israeli citizens are encouraged, both by law and by custom, to follow suit.

Opacity was first codified in a secret accord between President Richard Nixon and Prime Minister Golda Meir of Israel in September 1969. As long as Israel did not advertise its possession of nuclear weapons, by either declaring it had them or testing them, the United States agreed to tolerate and shield Israel’s nuclear program. Ever since, all U.S. presidents and Israeli prime ministers have reaffirmed this policy — most recently, President Obama in a July White House meeting with President Benjamin Netanyahu, during which Mr. Obama stated, “Israel has unique security requirements. ... And the United States will never ask Israel to take any steps that would undermine [its] security interests.”

Opacity continues to have almost universal support among members of the Israeli security establishment, who argue that, by not publicly flaunting its nuclear status, Israel has reduced its neighbors’ incentives to proliferate and has made it easier to resist demands that it give up its nuclear shield before a just and durable peace is established in the Middle East.

But this policy has now become anachronistic, even counterproductive. In the early days of its nuclear program, Israel had no concerns about legitimacy, recognition and responsibility; its focus was acquiring a nuclear capability. Today, the situation is different. Israel is now a mature nuclear weapons state, but it finds it difficult under the strictures of opacity to make a convincing case that it is a responsible one. To the extent that opacity shields Israel’s nuclear capabilities and intentions, it also undercuts the need for its citizens to be informed about issues that are literally matters of life and death, such as: Whose finger is on the nuclear trigger and under what circumstances would nuclear weapons be used?

Opacity also prevents Israel from making a convincing case that its nuclear policy is indeed one of defensive last resort and from participating in a meaningful fashion in regional arms control and global disarmament deliberations.

Israel needs to recognize, moreover, that the Middle East peace process is linked to the issue of nuclear weapons in the region. International support for Israel and its opaque bomb is being increasingly eroded by its continued occupation of Palestinian territory and the policies that support that occupation. Such criticism of these policies might well spill over into the nuclear domain, making Israel vulnerable to the charge that it is a nuclear-armed pariah state, and thus associating it to an uncomfortable degree with today’s rogue Iranian regime.

Indeed, while almost all states publicly oppose the acquisition of nuclear weapons by Iran, there is also growing support for dealing with this problem in an “evenhanded” manner, namely, by establishing a nuclear weapons free zone across the entire region.

However, if Israel takes seriously the need to modify its own nuclear posture and its approach to the peace process, there will likely be stronger international support for measures designed to stop Iran from crossing the nuclear threshold and to contain a nuclear-armed Iran if those efforts fail.

Israel was not the first state to acquire nuclear weapons, and given its unique geopolitical concerns, it should not be expected to lead the world into the nuclear-free age. But in order to deal effectively with the new regional nuclear environment and emerging global nuclear norms, Israel must reassess the wisdom of its unwavering commitment to opacity and realize that international support for retaining its military edge, including its military edge, rests on retaining its moral edge.

Avner Cohen is a senior fellow at the James Martin Center for Non-proliferation Studies at the Monterey Institute of International Studies. Marvin Miller is a research associate in the Science, Technology, and Society Program at the Massachusetts Institute of Technology. A longer version of this article will appear in the September/October issue of Foreign Affairs.
Tribune Media Services

A "maldicao" do petroleo, estilo brasileiro...

Economistas e historiadores, leitores bem informados também, conhecem o que comumente se chama de "maldição do petróleo", ou seja, o fato de um país permanecer pobre, e aumentar tremendamente suas taxas de desigualdade, de corrupção, disfuncionalidades diversas, por causa desse produto natural que já foi chamado um dia, por um entendido -- ele vinha ele mesmo de um dos países amaldiçoados, a Venezuela, e foi, me parece, o primeiro diretor da OPEP -- de "excremento do diabo".
A disponibilidade, em abundância, desse mineral estratégico na atual conformação civilizatória e industrial, torna os países que o exploram "rentistas", no pior sentido da palavra. E ser rentista é a pior coisa que possa existir para um país.
Pois bem, o Brasil ainda não virou rentista do petróleo -- embora alguns prefeitos e o governo do Rio de Janeiro desejassem sê-lo, e de certo modo o são, ao se apropriarem de uma extraordinária renda, usada de forma irracional -- mas corre o risco de atrair desde já uma espécie de "maldição" financeira sobre a Petrobras, a partir das trapalhadas patéticas feitas desde o começo em torno dos recursos do pré-sal.
O governo ainda afunda a Petrobras, não só pela utilização política que ele faz dela, mas também por obrigá-la, por essa nova lei talhada para o pré-sal, a participar de absolutamente todas as etapas de todas as concessões a serem feitas, o que obriga a empresa a se capitalizar muito além de sua capacidade, gerando desconfiança nos investidores quanto aos bons fundamentos de sua gestão (politizada, claro).
Em lugar de o governo manter o regime anterior -- ele já teria arrecadado uma fábula das empresas estrangeiras interessadas nessa fabulosa província petrolífera, sem correr nenhum risco -- ele se meteu a sujar a mão de petróleo, literalmente, por pura demagogia, e também pela insanidade mental que atinge todos os políticos de países rentistas do petróleo.
Os nossos não poderiam ficar atrás, contaminando aliás a população, que também quer ser rentista.
Não existe coisa mais patética a que eu assisti na minha vida (pela TV e fotos nos jornais, claro) do que a tal "marcha" dos prefeitos e do governador do Rio de Janeiro "em defesa dos royalties" do petróleo: ou seja, eles querem ser rentistas...
Triste, se não fosse altamente perigoso para a psicologia nacional. Já tem um bocado de gente aprendendo a viver de esmola pública. Agora também tem gente que quer viver da esmola do petrólo.
Paulo Roberto de Almeida

PETROBRAS NA IMPRENSA
Inferno astral do pré-sal
Por Rolf Kuntz
Observatório da Imprensa, 24/8/2010

A Vale tornou-se em 19 de agosto a maior empresa brasileira em valor de mercado – R$ 254,9 bilhões naquele dia. A Petrobras ficou pouco abaixo, com R$ 253,1 bilhões. A ultrapassagem foi manchete do Valor, no dia seguinte, sexta (20/8), e ganhou destaque em toda a grande imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Mas a ultrapassagem foi apenas um evento espetacular, e talvez de curta duração, no meio de uma história muito mais importante e mais longa. As ações da petrolífera estatal perderam cerca de um quarto do valor desde o começo do ano. As cotações começaram a fraquejar antes disso, quando surgiram dúvidas sobre como seria a capitalização da empresa.

A Petrobras precisa de muito dinheiro para a exploração do pré-sal, um dos maiores desafios técnicos e financeiros de sua história, talvez o maior. Terá de levantar, em pouco tempo, pelo menos uns US$ 150 bilhões para enfrentar a tarefa. O empreendimento pode ser muito lucrativo no longo prazo, mas grandes investidores têm preferido evitar o risco, neste momento.

Dificuldades reconhecidas
A Petrobras atravessa um inferno astral desde as primeiras informações sobre a capitalização. Em um ano, até a semana passada, seu valor de mercado encolheu cerca de R$ 66 bilhões. O drama começou com as incertezas sobre como o governo participará do aumento de capital. Em princípio, a União cederá à empresa 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal, uma riqueza ainda enterrada vários quilômetros abaixo da superfície do mar. Na prática, a União entregará à empresa títulos da dívida, para adiantar sua participação no reforço do capital. A estatal ficará com o petróleo, mais tarde, e liquidará o financiamento recebido na fase inicial.

Até aí, nenhum grande mistério, apesar da aparente complicação. O grande problema está na avaliação dos 5 bilhões de barris. A Petrobras, segundo informações extraoficiais, apresentou avaliações entre US$ 5 e US$ 6 por barril. As cifras da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de acordo com as mesmas fontes, ficaram entre US$ 10 e US$ 12. A diferença é enorme e, quanto mais alto o preço de cada barril, maior será o desafio para os acionistas minoritários – hoje detentores, em conjunto, de 60,2% do capital total. A União detém 32,1% e a Bndespar, 7,7%. A maioria das ações com direito a voto pertence ao Estado brasileiro.

A história tem sido bem coberta pelos jornais, com detalhes suficientes para esclarecer o leitor medianamente informado. A hipótese de um novo adiamento da capitalização foi noticiada na semana passada e desmentido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Talvez não haja prorrogação, mas a hipótese foi certamente considerada em Brasília. O limite para encerramento da operação, 30 de setembro, é muito próximo das eleições.

No fim da semana, a ideia de um aumento de participação estatal na Petrobrás já estava em circulação, para o caso de uma contribuição insuficiente dos minoritários. Mas os conflitos entre a empresa e a ANP eram mais amplos. Envolviam também o grau de nacionalização de máquinas e equipamentos destinados à exploração do pré-sal e à produção de petróleo e gás na área. A indústria brasileira, segundo a estatal, será incapaz de fornecer todo o material necessário, pelo menos durante algum tempo. A ANP e o Executivo já reconheceram a dificuldade, mas a questão não está encerrada, como ficou claro em reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo na quarta-feira (19/8). Na fase de desenvolvimento do pré-sal, a presença de produtos e serviços nacionais poderá ficar abaixo dos 65% defendidos pelo governo, mas ainda seria preciso definir um número.

Tretas e mutretas
As polêmicas em torno da capitalização têm aparecido com destaque na imprensa internacional. Mas há muito mais especulações sobre o risco do investimento. O desastre com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México foi lembrado em matérias sobre o pré-sal, um projeto de exploração e produção em águas muito mais profundas. Além disso, sindicalistas denunciaram más condições de manutenção em plataformas brasileiras.

O assunto deixou de ser especulativo quando o Globo publicou fotos coloridas de equipamentos enferrujados. Sem poder continuar negando o problema, o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, acabou admitindo: algumas plataformas da Bacia de Campos, segundo ele, "realmente estavam feias, com problemas de conservação". A Petrobras divulgou uma nota sobre o programa de manutenção e negou haver risco para os trabalhadores. Mas as fotos forçaram a empresa a reconhecer a existência de algo fora dos padrões.

As plataformas não foram as únicas coisas feias mostradas pela imprensa na mesma semana. O Valor deu manchete com a tentativa de aumento e de indexação de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do pessoal da Procuradoria-Geral da União. Dois projetos foram enviados ao Congresso, um no dia 12, outro no dia 16, com as propostas de novos benefícios para suas excelências. Os dois textos são iguaizinhos exceto por um detalhe: um se refere ao STF, o outro à Procuradoria. As duas propostas incluem a substituição, a partir de 2012, de leis de reajuste aprovadas no Congresso por atos administrativos assinados pelos chefes do Judiciário e do Ministério Público. Levantada a história, outros jornalistas foram atrás dos detalhes e da reação dos congressistas.

O Brasil Econômico também deu uma boa contribuição para quem quer conhecer um pouco mais da administração pública brasileira. Auditorias da Controladoria Geral da União em cidades com menos de 500 mil habitantes detectaram indícios de fraudes em 95% das licitações. Foram encontradas, entre outras irregularidades, alterações em documentos já assinados e até casos de editais de concorrência sem divulgação.

Valeu a pena, ultimamente, gastar dinheiro com mais de um jornal.

A tragedia educacional brasileira (with a little help from someone you know...)

Este post necessita ser lido em conexão com este aqui:

O custo da ignorância: nunca antes em qualquer país...

ao qual ele sucede e complementa. O debate continua, seremos vencidos pelos ignorantes na prática, mas não pelos fatos e pela razão...
Paulo Roberto de Almeida

Mais um pouco do desastre da Educação no governo do PT: universidades precárias, a farsa do Fundeb e o aumento do analfabetismo
Reinaldo Azevedo, 25.08.2010

Lula exaltou ontem a sua condição de não-universitário que mais criou universidades. Provei com números que o que ele fez mesmo foi aumentar o cabide de empregos nas universidades federais, aumentar a evasão e o número de vagas ociosas. Suas supostas 14 novas universidades não passam, de fato, de quatro — seis com alguma boa vontade —, todas elas construídas à matroca. Leiam o texto de ontem. Quero tratar um tantinho mais da educação em mais este texto. E não será o último.

Sugestão de pauta
As fantásticas universidades de Lula, feitas às pressas para que ele possa exaltar o seu desprezo generoso com o ensino universitário, são, na média, um exemplo de precariedade. Em vez de boa parte da imprensa ficar refém do aspismo, deveria apurar como funciona, por exemplo, a Unipampa (Universidade Federal do Pampa), no Rio Grande do Sul. Há quatro anos, divide-se em em instalações provisórias, espalhadas em 10 cidades. Alunos e professores ficam zanzando entre os campi, onde faltam salas e laboratórios.

Funcionam em prédios improvisados a Universidade Federal do Oeste do Paraná (Ufopa), a Federal de Alfenas (MG) e a Universidade federal Tecnológica do Paraná. O mesmo vai acontecer com a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), que terá campus em Foz do Iguaçu (PR), com projeto de Oscar Niemeyer. Temporariamente, vai operar no Parque Tecnológico de Itaipu.

Outra boa pauta é a Ufersa (Universidade Federal Rural do Seminário), no Rio Grande do Norte. Eis aí: é só o rebatismo da Escola Superior de Agricultura de Mossoró, criada em 1967. O governo quadruplicou as vagas — as vagas! — em quatro anos e prometeu dois novos campi, que só existem no papel. Alunos reclamam que laboratórios projetos para 20 alunos estão abrigando 50.

Basta ir lá e ver. Como basta pedir ao Ministério da Educação que forneça aqueles números que publiquei aqui ontem. Alguns petralhas se fingindo de educadinhos espernearam: “Cadê a fonte?” Ora, perguntem ao ministro cut-cut da Educação, Fernando Haddad.

Fundeb
Ontem, no horário eleitoral de Dilma, apareceu lá: “O governo Lula criou o Fundeb”. Uma ova! Mentira! O governo lula mudou em 2007 o nome do Fundef — como mudou o nome do Bolsa Família, que já existia; como mudou o nome do Luz para Todos, que já existia; como, se me permitem a graça, mudou até o nome da política econômica, que já existia…. Além de atender ao ensino fundamental (como fazia o Fundef), o Fundeb se propôs também a auxiliar o ensino médio e o ensino infantil. Pois bem.

No ensino médio — área afeita aos governos de Estado, mas sob monitoramento do Ministério da Educação, que pode atuar —, o desastre é assombroso. Nos oito anos de governo FHC, houve uma expansão de 80%; nos seis primeiros anos de governo Lula, apenas 16%. Em 1995, 33% dos jovens brasileiros entre 15 e 17 anos estavam fora da escola. Em 2002, esse número havia caído para 18% — uma redução de 15 pontos percentuais. Em 2008, eram ainda 16% — redução de ridículos dois pontos.

Mais analfabetos
Cresceu o número de analfabetos no país sob o governo Lula — e eu não estou fazendo graça ou uma variante do trocadilho. Os números estão estampados no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE. No governo FHC, a redução do número de analfabetos avançou num ritmo de 0,5% ao ano; na primeira metade do governo Lula, já caiu a 0,35% - E FOI DE APENAS 0,1% ENTRE 2007 E 2008. Sabem o que isso significa? Crescimento do número absoluto de analfabetos no país. Fernando Haddad sabe que isso é verdade, não sabe?

O combate ao analfabetismo é uma responsabilidade federal. Em 2003, o próprio governo lançou o programa “Brasil Alfabetizado” como estandarte de sua política educacional. Uma dinheirama foi transferida para as ONGs sem resultado — isso a imprensa noticiou. O MEC foi deixando a coisa de lado e acabou passado a tarefa aos municípios, com os resultados pífios que se vêem.

A coisa acabou por aqui? Ah, não! Eu ainda tenho alguns posts para escrever sobre o trabalho de Lula e Fernando Haddad, estes notáveis patriotas do ensino. Falta falar do desastre do Enem, das mentiras sobre o ensino técnico, do relaxamento da aferição da qualidade do ensino superior privado, da porcentagem do PIB investido em educação…

Não adianta me xingar
É bobagem me xingar ou me acusar de “tucano” — como se fosse crime, mas não sou. Ou dizer que esses são números do PSDB ou que interessam ao partido. Ainda que tudo isso fosse verdade, seria o caso de se perguntar: são números falsos? Não são! Como sabe o ministro Fernando Haddad, como sabe o IBGE.

O governo Lula mente sobre a educação como mente sobre quase tudo. Duas coisas faltaram para que ele tivesse uma avaliação compatível com seus feitos — e não quero dizer, com isso, que estaria na lona: a) uma oposição sem medo de ser feliz, que não temesse os seus galopantes índices de popularidade, aceitando travar o bom combate, e b) uma imprensa — as exceções existem; não vou citá-las para não parecer cabotino ou corporativista — que tivesse se interessado em averiguar a verdade do discurso oficial, que fosse além do aspismo, que não considerasse que tudo não passa de uma questão de “lado” e “outro lado”.

O silêncio de uns e a omissão de outros transformaram o governo numa fantástica máquina de mentir, sob a liderança de uma figura de forte apelo publicitário e carisma inegável: Lula. “Ah, a vida melhorou!”, diria aquele subintelectual integrado, buscando ganhar uma boquinha num eventual governo Dilma. Melhorou, sim!, nas condições com as quais Lula contou, como melhorou nas condições com as quais FHC contou. O resto é conversa mole.

Encerrando por enquanto
Com mais este texto, deixo um aviso aos navegantes — inclusive àqueles que vêm por essas águas sem que eu os queira: aqui, a mentira não vai prosperar. Vamos lá, ministro Haddad:
- negue a precariedade daquelas universidades federais que citei;
- negue que o Fundeb é sucessor do Fundef;
negue a brutal desaceleração do ritmo da expansão do ensino médio;
- negue o desastre no combate ao analfabetismo.

Ele não vai negar nada disso porque não é bobo. Resposta política ou desaforada não serve. Tem de provar que os números estão errados.

E por último: no post de ontem, em que demonstro as mistificações de Lula no ensino superior, alguns petralhas reagiram mais ou menos assim: “E daí? Dilma vai ganhar mesmo assim!” Pode até ser - embora seja prudente que a vitória venha antes do festejo… E eu com isso? Não estou disputando um lugar à grama num eventual futuro governo. Prefiro o meu lugar ao sol dos fatos. Como se nota, caso a petista vença, ela pode contar comigo, se é que me entendem.

Estatismo e nacionalismo miope: as novas sauvas que atrasam o Brasil

Desde muito tempo, mas com mais intensidade desde o início do atual governo, existem planos para dotar a Amazônia de um centro de pesquisas biotecnológicas, sempre naquela fantástica suposição de que a região encerra riquezas naturais e recursos fabulosos da biodiversidade, que tornaram o Brasil e a região imensamente ricos, bastando investir um pouquinho e mobilizar os cientistas para pesquisarem esses recursos (que são, portanto, potenciais, não reais).
Pois bem, a perversa combinação do estatismo exacerbado -- que caracteriza o atual governo -- e do nacionalismo caolho -- que sempre foi brasileiro, mas que neste governo se alimentou e cresceu tremendamente -- está deixando a "fabulosa Amazônia" sem as suas fabulosas maravilhas da biodiversidade.
Acho que vai continuar assim pois as duas reações, junto com a paranóia tradicional do Brasil contra empresas multinacionais, deve manter no limbo esse possível centro, como referido abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

Indefinição quanto ao futuro do Centro de Biotecnologia da Amazônia
Guilherme Gorgulho
Inovação Unicamp, 23/08/2010

Comissão do governo recomenda que centro se torne empresa pública. Secretário do MCT teme demora e mais afastamento das empresas
Depois de dois anos de trabalho, um comitê interministerial da Presidência da República, liderado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e encarregado de coordenar a implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), recomendou, em relatório, sua transformação em empresa pública.

Para ser efetivada, a recomendação depende de o Congresso Nacional aprovar a mudança, por meio de projeto de lei - ainda não enviado pelo Executivo.

Desde o dia 16 de julho, o relatório espera a decisão do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), responsável por manifestar-se sobre a criação de empresas públicas. Só depois da decisão do Dest, o Executivo poderá preparar o projeto de lei. A Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), atual responsável pela administração do CBA, estima que a criação da empresa demore de dois a três anos a partir do início da tramitação no Legislativo.

O comitê, designado em janeiro de 2008 e que funcionou até abril de 2010, contava com membros de outros cinco ministérios: Ciência e Tecnologia; Meio Ambiente; Desenvolvimento Agrário; Saúde; e Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Procurado por "Inovação Unicamp", o engenheiro agrônomo Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) e titular do MCT no comitê interministerial, não se diz satisfeito com o modelo de gestão recomendado e afirma temer pelo futuro do CBA S/A se não houver participação mais efetiva do setor privado.

"Um centro de biotecnologia necessariamente deve ser financiado pelo setor privado; deveria ser gerenciado pelo setor privado, que estabeleceria suas demandas e aportaria recursos para desenvolvimento de projetos", diz Barreto, que considera como alternativa viável o compartilhamento da gestão, por meio de parceria público-privada.

De acordo com o secretário, a ideia que acabou prevalecendo dentro do comitê para o modelo de gestão, apesar de divergências, foi defendida pelo secretário de Inovação do MDIC, Francelino Grando.

"Ele usou o argumento de que a Ceitec [empresa pública federal ligada ao MCT] foi criada muito rapidamente; quer dizer, se houver vontade política, diz ele, pode acontecer a mesma coisa com o CBA", relatou Barreto. Para ele, "a empresa pública terá dificuldades". Também fizeram parte da pauta de discussões as opções de transformar o CBA em uma Organização Social (OS) ou em uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Ele defende a necessidade de um aporte de recursos "maciço" do setor privado no centro amazônico, caso contrário, vai continuar tendo um foco muito mais na ciência do que na tecnologia. O Brasil, na opinião de Barreto, tem condições de entrar no mercado farmacêutico global para o desenvolvimento de moléculas a partir da biotecnologia, mas para isso precisa de parcerias com empresas, já que o setor público não tem recursos para avançar em pesquisas com medicamentos, por exemplo, ficando limitado à fase 1 dos testes clínicos.

"Eu acho que o Brasil tem chance de entrar na chamada Big League, que é o mercado global farmacêutico de US$ 7 trilhões, e não ficar olhando para a ponta do dedo, só pensando aqui no SUS [Sistema Único de Saúde], que representa US$ 7 bilhões." Barreto afirma que o projeto de criação de uma plataforma que permita ao país desenvolver o setor de biofármacos já está sendo levada para empresas farmacêuticas brasileiras.

Para uma solução mais imediata, em curto prazo, o titular da SEPED defende que o CBA deveria ser vinculado ao MDIC como um departamento. A proposta seria fazer algo similar ao feito pelo ministro Sergio Rezende (MCT) com o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), instituição sediada em Recife que foi vinculada ao Instituto Nacional de Tecnologia (INT). "Com isso o CBA teria um status para funcionar minimamente."

Identidade jurídica
Para que o CBA ganhe condições de operar até que o governo decida ou não por sua transformação em empresa estatal, a comissão recomendou a criação de uma "instância público-privada". De acordo com informações fornecidas pela Suframa, essa seria uma saída provisória para a falta de "identidade jurídica" do Centro.

A ideia, sempre segundo a autarquia, consistiria na criação dessa instância por meio de um decreto presidencial; essa nova identidade jurídica seria formada por dois braços: um Conselho Estratégico e um Consórcio Executivo. O primeiro deve ser integrado por ministérios, autarquias e segmentos sociais relacionados ao setor; o segundo deve ser constituído por instituições federais da região com o objetivo de executar orientações, diretrizes e deliberações do Conselho.

As atividades do CBA
O CBA ocupa 12 mil metros quadrados de área construída em Manaus. O espaço, no entanto, está subaproveitado, principalmente pela falta de interação com a iniciativa privada para o desenvolvimento de produtos e processos inovadores. De 2002, quando a Suframa assumiu o projeto, até 2009, R$ 82 milhões foram investidos na instituição.

A Suframa informa que 90% da infraestrutura física e tecnológica do CBA está em operação, com cerca de 150 colaboradores - 80% desses profissionais em laboratórios e unidades de apoio tecnológico. Atualmente, grande parte das atividades se restringe à prestação de serviços laboratoriais de análises físico-químicas.

Somente para 2010, o MCT está destinando ao CBA R$ 700 mil em bolsas, segundo dados da Seped. Para Barreto, a falta de regras claras - assim como de estatuto, conselho gestor ou conselho diretor formalmente nomeado - faz com que não haja efetividade nas ações empreendidas pela instituição amazônica.

Desde que a Suframa assumiu o CBA, ações como contração de recursos humanos, compra de material de consumo, investimentos em laboratórios e manutenção são realizadas por meio de parcerias e convênios. Esses acordos incluem Fundações de Apoio à Pesquisa (FAPs), institutos de pesquisa e universidades, como a Federal de São Paulo (Unifesp), a Federal do Amazonas (Ufam) e a Federal do Pará (UFPA), informa a assessoria da Suframa.

O secretário da Seped estima que a produção científica atual do CBA é "muito pequena" em relação ao potencial da instituição. Barreto elogia a infraestrutura do Centro, mas critica a predominância do setor público na instituição. "Um quinto do CBA é uma incubadora de empresas e quatro quintos são para fazer ciência. Isso está errado, está construído ao contrário. Não será nunca um centro de biotecnologia dessa maneira."

Previsão para solução em longo prazo
Apesar de pessimista com os desdobramentos do caso, Barreto tem esperanças que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decida acelerar o processo de criação da empresa pública para não deixar o problema para o próximo governo. A previsão de demora de dois a três anos para aprovação da empresa no Congresso preocupa o secretário da Seped.

"Isso é uma eternidade. Em dois anos, hoje em dia, nós não podemos nem imaginar como será a cara do mundo", afirma. O fato de 2010 ser um ano de eleições, considera o secretário, pode atrasar ainda mais o processo. "É uma história triste o CBA, que está lamentavelmente caminhando para um desfecho ainda mais difícil, porque talvez ele nem aconteça, talvez nem se consiga criar [a empresa pública]."

Procurada por "Inovação Unicamp", a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento - pasta a que o Dest está vinculado - informou que, como esse departamento ainda está avaliando o relatório que sugere a criação do CBA S/A, não poderia dar detalhes sobre a tramitação nem previsão para conclusão dessa análise.

"Inovação Unicamp" também procurou a assessoria de imprensa da Suframa para solicitar uma entrevista com o superintendente-adjunto de Planejamento e Desenvolvimento Regional da autarquia, Elilde Menezes, que coordena o projeto de implantação do CBA, mas não foi atendido até o fechamento desta edição.

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Centro de Biotecnologia da Amazônia: impasse prejudica pesquisas
Guilherme Gorgulho
Inovação Unicamp, 23/08/2010

Pesquisadores da instituição vivem com bolsas e incubadora de empresas está ociosa
A demora na solução do problema institucional que afeta o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) prejudica o aproveitamento da biodiversidade da região na formação de cadeias produtivas e a capacitação de recursos humanos, segundo cientistas ouvidos pelo "Inovação Unicamp".

Desde 2002, o CBA está sob a responsabilidade da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e não tem personalidade jurídica própria. A falta de autonomia diminui a agilidade do centro na formalização de contratos com empresas e de convênios com instituições de ensino superior. Atualmente, está em tramitação no Executivo federal um relatório de um comitê interministerial que sugere a transformação do CBA em uma empresa pública.

Uma das instituições que desenvolvem pesquisas no CBA é a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O biólogo Spartaco Astolfi Filho, que participou da concepção do Centro em meados da década de 1990, lamenta a demora do Executivo federal na definição do modelo de gestão para o Centro. Para ele, a indefinição obrigou outras instituições a suprir lacunas deixadas por seu funcionamento parcial.

Para o pesquisador, que dirige o Centro de Apoio Multidisciplinar (CAM) da Ufam, o CBA deveria desempenhar um papel na parte final das cadeias produtivas, estimulando a interação de universidades com empresas, contribuindo para ampliar a escala dos processos e atuando nos testes clínicos, por exemplo. "O Centro não cumpre o papel para o qual foi desenhado", critica Astolfi. "Se cumpre uma parte, faz o CBA ter potência menor do que a necessária", continua.

Ele considera "inconcebível" que a instituição funcione sem um registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou um conselho científico que seja composto por instituições de pesquisa da Amazônia. Um dos papéis que caberia ao Centro seria a de incubadora de empresas, mas há apenas uma firma sendo incubada, do ramo alimentício.

"A Ufam montou uma incubadora de empresas. Nossos doutores estão saindo e criando as empresas na própria Universidade", afirma Astolfi. "A Ufam está fazendo o papel dela, mas poderia otimizar esses recursos." Há quatro empresas de biotecnologia incubadas atualmente na Universidade.

Astolfi é experiente na pesquisa na academia e na empresa. Na década de 1980, foi o principal pesquisador da Biobras, farmacêutica do empresário Guilherme Emmerich que desenvolveu uma tecnologia para fabricação de insulina sintética - uma das quatro patentes mundiais de fabricação do produto foi concedida à empresa.

Capacitação de pesquisadores
Na formação de recursos humanos para pesquisa, o CBA tem sido importante para a região amazônica, estima o professor da Ufam, principalmente nas áreas de farmacologia e toxicologia. No entanto, a falta de um sistema de gestão "dinâmico", entre outras coisas, tem causado um esvaziamento do quadro de funcionários.

Astolfi relata que são vários os casos de pesquisadores que trocam a instabilidade de uma bolsa de estudos no CBA por um concurso público. "O CBA começa agora a se esvaziar http://www.blogger.com/img/blank.gifpor essa falta de modelo de gestão", diz. "Se não tem um CNPJ, não pode ter um quadro de funcionários."

O mesmo problema de desestímulo para os pesquisadores foi detectado pelo engenheiro Tadao Takahashi, coordenador do Laboratório de Ensaios Avançados de Futuros (LEAF), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Entre junho e dezembro de 2009, a Suframa encomendou ao LEAF a elaboração de um plano diretor e de um plano de negócios para o CBA. Ambos os documentos foram anexados no início de 2010 ao relatório final do comitê interministerial que decidiu pela transformação do CBA em uma empresa pública.

Para Takahashi, os recursos humanos que o centro de biotecnologia conseguiu formar nos últimos anos estão sendo subutilizados, o que tem levado profissionais a deixar a instituição. "Contrataram bolsistas, colocaram algumas linhas de pesquisa para frente, mas obviamente não é possível montar um modelo ambicioso e estável quando a própria entidade que quer montar isso sequer tem razão jurídica", constata o pesquisador da PUC-Rio.

Spartaco Astolfi, no entanto, reconhece que há profissionais importantes atuando no CBA. "Conseguimos excelentes pesquisadores seniores e bons pesquisadores doutores, que estão sendo mantidos com bolsas do MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], enquanto a Suframa tem colocado recursos para equipar e fazer a manutenção." Esses profissionais qualificados trabalham em temas de pesquisa ligados à biodiversidade. As amarras institucionais, observa Astolfi, impedem trabalhos científicos de maior relevo pela falta de interação com o ambiente privado.

"Há atividade de pesquisa no CBA, mas tudo isso poderia estar sendo feito com muito mais potência e interação com as universidades, com o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e com as empresas se o CBA tivesse autonomia", afirma Astolfi, que costuma utilizar as instalações da instituição com seu grupo de pesquisa da Ufam, principalmente o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear da Central Analítica.

"Como não há grandes projetos transcorrendo no CBA com envolvimento de empresas grandes, como farmacêuticas ou empresas químicas, certamente a estrutura está sendo subutilizada", concorda Takahashi.

No trabalho de levantamento dos problemas que afetaram o CBA na última década, Takahashi concluiu que, desde que foi oficialmente criado, em 1998, o centro de biotecnologia foi "atropelado" várias vezes. Por exemplo, pelo impasse na criação de uma legislação sobre o acesso aos recursos genéticos e à biodiversidade; também pelas discussões sobre modelos de propriedade intelectual.

"Resumindo a história, em 2010, existe uma entidade que deveria ser absolutamente essencial para o país e que está em uma situação de 'vai, não vai', 'funciona, não funciona'", afirma o coordenador do LEAF. "Por incrível que pareça, de 2003 até 2009 não houve nenhuma decisão institucional acerca de o que fazer com o CBA."

Histórico tumultuado
A repercussão negativa do "acordo de bioprospecção", firmado em 2000, entre a empresa suíça Novartis e a Bioamazônia, organização social criada para colaborar com a implantação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem/Amazônia) e do CBA, marca o início dos impasses do Centro. Incumbida de atuar no desenvolvimento integrado da biotecnologia da Amazônia por meio de uma rede nacional, a Bioamazônia poderia também fazer convênios e participar de consórcios com instituições nacionais e estrangeiras.

O acordo consistia no isolamento de microorganismos da biodiversidade amazônica, que seriam enviados ao exterior para pesquisa e desenvolvimento de produtos farmacêuticos pela Novartis. O contrato acabou sendo suspenso por questões legais naquele mesmo ano pelo governo federal em meio às críticas ao negócio feitas por setores da sociedade civil, principalmente da comunidade científica. A controvérsia ia além da questão da bioprospecção e envolvia também os direitos das comunidades tradicionais da Amazônia sobre a biodiversidade da região.

"Muita coisa atrapalhou o CBA, desde o início conturbado. O acordo com a Novartis foi interpretado por muitos como uma iniciativa que iria comprometer a Amazônia", disse a "Inovação Unicamp" Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Esse início atrasou tremendamente o CBA."

Para ele, a "alternância de poder político" também foi um dos fatores que "condenaram" o CBA. "Ele ficou existindo sob o estigma de ser uma instituição cujo primeiro contrato seria responsável por um escândalo total de entregar nossos recursos genéticos e nossa biodiversidade para uma multinacional."

Spartaco Astolfi Filho participou da criação do Probem. Em meados da década de 1990, quando era professor da Universidade de Brasília (UnB), Astolfi trabalhou em um primeiro plano do que viria a se transformar no CBA, a convite do então governador amazonense Gilberto Mestrinho (na gestão 1991-1994), com o objetivo de desenhar o desenvolvimento da biotecnologia amazônica. Depois, em 1995, Astolfi se transferiu para a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Com os ideais de agregar valor aos produtos da floresta, desenvolver bioprocessos e contribuir para a conservação da Amazônia, o Probem definiu um desenho final do CBA que acrescentava a questão da integração nacional nas pesquisas. "Depois que a Bioamazônia, que era uma organização social, se desqualificou para gerir o CBA, nunca mais se conseguiu ajustar o modelo de gestão", explica o professor da Ufam.

Ainda na expectativa sobre os desdobramentos da tramitação no Executivo e no Legislativo da proposta de criação da empresa CBA S/A, Astolfi se diz otimista com as perspectivas futuras do centro amazônico de biotecnologia. "A ideia original era de que uma OS é que seria adequada, mas parece que esse governo não aceita mais criar OSs", diz Astolfi, apesar de considerar o modelo de empresa pública satisfatório.

"Sou muito otimista. O CBA vai funcionar sim, mas gostaríamos que ele não demorasse mais três anos para funcionar, porque o tempo está correndo e o pessoal está derrubando a Amazônia. Nós temos que agregar valor aos produtos da floresta, não podemos esperar mais três anos." (G.G.)

Maniqueistas e maniqueismo: qualquer semelhanca...

Do blog de meu colega e amigo blogueiro Orlando Tambosi, a quem agradeço por mais esta trouvaille absolutamente pertinente para os tempos que correm:

Maniqueísmo renascido
Do sociólogo italiano Luciano Pellicani, em seu alentado estudo sobre La società dei giusti. Parabola storica dello gnosticismo rivoluzionario (Milão, Etas Libri, 1995):

No maniqueísmo - que é a forma mais elaborada e perfeita que o gnosticismo alcançou antes do advento do marxismo-leninismo - a superioridade intelectual e moral daqueles que possuem a verdade libertadora se traduz na organização de uma Igreja concebida, de maneira típica, como instrumento de salvação. Nesta, a centralização é levada ao extremo, tudo é ordenado de cima para baixo e se apóia na autoridade de um chefe espiritual que é superior à própria igreja e a domina completamente. Ele é o "mestre dos mestres", além de mestre dos simples ouvintes, e sua autoridade é francamente carismática, enquanto desenvolve a função de guardião sacerdotal da mensagem salvífica. Por consequência, a jurisdição de seu poder não tem limites. A Gnosis põe o "mestre dos mestres" fora e acima da moral comum e disso extrai a fonte única de todo valor e de todo juízo de valor.
(Gnosis: "tentação permanente do espírito humano, nascida do ardente desejo de possuir um saber capaz de resolver todos os enigmas do mundo e de indicar o método para por fim ao escândalo do mal").

Qualquer semelhança do seguidores de Maniqueu com as hordas lulistas/petistas, o comportamento de seu chefe e de sua "eleita" não é mera coincidência. Também não é coincidência a semelhança dos maniqueístas com aqueles que ainda dividem o mundo entre "esquerda" e "direita", "nós" e "eles", "amigos" e "inimigos".

Fonte: BLOG DO ORLANDO TAMBOSI 8/25/10 9:00 AM Orlando Tambosi o.tambosi@uol.com.br http://www.blogger.com/profile/14946018475927273129

O Islam nao apresenta problemas - um especialista ex-CIA

Bem, se o Islã não apresenta problema nenhum, por que é que o essencial, a quase totalidade dos atentados terroristas no mundo, atualmente, estão, de alguma forma, vinculados ao fundamentalismo islâmico, ocorrem em países muçulmanos, são cometidos por pessoas que supostamente se apresentam (e se legitimam) como devotos do Islã, se orgulham de seu gesto -- como se pode comprovar por dezenas de vídeos, dos próprios terroristas e de suas famílias, que louvam o gesto cometido em nome do Islã, contra os "infiéis" -- e são perpetrados fundamentalmente contra alvos identificados, de perto ou de longe, com autoridades e representantes de países não islâmicos (ainda que potências supostamente agressoras, invasoras e colonialistas ou imperialistas) e atingem, na grande maioria dos casos, alvos islâmicos, ou seja, matam muito mais civis inocentes de religião islâmica do que os "infiéis" visados???
Se esse especialista souber me explicar essas razões, vou concordar com ele. Se não, vou continuar acreditando que existe, sim, um problema com o Islã, a começar pelo fato de que raramente vi, ou ouvi, qualquer autoridade religiosa do Islã condenar esses atos e atentados, que supostamente seriam "anti-islâmicos".
Ou seja, para esse "especialista" (me perdõem as aspas, mas não consigo vê-lo apenas como acadêmico), tudo estaria bem se as potências ocidentais não tivessem se metido com o Oriente Médio e com os países islâmicos, se elas os tivessem deixado em seu esplêndido isolamento e jamais ido à conquista de terras, petróleo, poder e influência, no mundo. Infelizmente, o mundo não funciona assim, com cada povo metido nos seus próprios assuntos, se dedicando a vida pacífica, quase pastoril e inerte, sem qualquer desejo de conhecer outros lugares, eventualmente de se apropriar de riquezas de outros povos, para construir sua própria riqueza. Desde os albores da humanidade, tivemos guerras de conquista, busca de escravos, de ouro, de mulheres, de terras, de recursos, enfim, e esta lógica está no coração dos processos civilizatórios. Pode ser que algum zelo religioso figure nessas aventuras de conquista, mas tampouco se pode esquecer que o Islã, tal como existiu de fato (não na cabeça dos relativistas culturais), também partiu à conquista do mundo tão pronto sistematizado enquanto "fé verdadeira", saiu pela África, Oriente Médio, Europa e Ásia, conquistando povos, convertendo-os, submetendo-os à jurisdição dos "verdadeiros fiéis" e fazendo com que os dominados pagassem pela dominação, em outros termos praticando colonialismo, imperialismo e até terrorismo (matando no fio da espada, e depois apedrejando os idólatras, iconoclastas ou simples transgressores da palavra escrita no Corão).
Tudo o que esse "especialista" diz sobre o Ocidente, pode ser revertido contra o Islã, mesmo se em outra época...
Paulo Roberto de Almeida

Graham Fuller: “O islã não é o problema”
Letícia Sorg
Revista Época, 23/08/2010

Em seu novo livro, o especialista em Oriente Médio recorre à história para defender que a religião não é a causa dos conflitos da região

Por ter trabalhado de 1964 a 1987 para a CIA, ter morado na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen e falar cinco línguas árabes, o ex-espião Graham Fuller tem razões para ser considerado um especialista em Oriente Médio. Hoje, Fuller dá aulas sobre o assunto no departamento de história da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá, onde mora, e acaba de lançar mais um livro sobre a questão, A World Without Islam, em que argumenta que o islamismo está longe de ser a causa dos conflitos atuais entre Ocidente e Oriente. "É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos."

ÉPOCA – O senhor afirma que a religião não é a causa dos conflitos no Oriente Médio. Como chegou a essa conclusão?
Graham Fuller – Desde muito cedo me interesso pelo Oriente Médio, morei lá vários anos e, na última década, tenho pensado cada vez mais sobre as raízes dos problemas da região. E muitas delas não têm relação com o islã. Especialmente depois dos atentados ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, surgiram vários artigos tentando entender qual era o problema com o Oriente Médio, com a Arábia Saudita, com o islã. Eles diziam que o islã talvez fosse a origem do problema, a questão maior. Minha primeira irritação foi com as tentativas de todos em Washington, não só políticos mas "think tanks", de escrever essas análises sobre as dificuldades desses países, da dificuldade de reformar o islã. Essas análises não deixam de ter razão, mas ninguém disse, em nenhum momento: "Espere um minuto! Não é possível que os Estados Unidos - o único super poder mundial hoje, com quase mil bases militares espalhadas pelo mundo e intervenções em praticamente tudo - tenham causado algum impacto nos acontecimentos a região?" Era isso que estava faltando de quase todos os debates nos EUA. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais claro ficava que havia problemas no Oriente Médio; mas eles não estavam vindo do islã. O islamismo é o veículo, a bandeira, o símbolo, não a origem. Assumindo que o islã é uma bandeira, e não a causa do conflito, é preciso repensar a solução. Se o problema é o islã, a solução passa pelo Islã. Mas se o problema não é o Islã, a solução passa por outras coisas – e isso não é conveniente para o Ocidente. É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor diz que o mundo teria conflitos bastante semelhantes, mesmo se o Islã não existisse e a religião predominante no Oriente Médio fosse o Cristianismo. O que, então, causa os conflitos na região?
Fuller – Há elementos geopolíticos por trás da maioria deles. Retomando a história, mesmo antes do surgimento do Cristianismo já havia conflitos entre o Oriente Médio e o Ocidente. Considerando a Grécia como o Ocidente em relação ao Império Persa, houve embates por centenas e centenas de anos. Alexandre, o Grande, por exemplo, marchando a partir da Grécia, conquistou tudo quase até a Índia, travando várias batalhas pelo domínio de Anatólia. Depois do surgimento do Cristianismo houve o conflito da Igreja Oriental em Constantinopla, hoje Istambul, com a Igreja Ocidental, em Roma. Os dois lados eram católicos mas houve muita rivalidade, brigas e conflitos até que eles se dividiram completamente. Isso antes do Islamismo e depois do seu aparecimento. As Cruzadas também eram motivadas por razões políticas e econômicas. Levar a bandeira do Cristianismo para o Oriente Médio era muito conveniente para justificar uma campanha militar, mas não era exatamente a verdade. Jerusalém estava sob o domínio islâmico há 500 anos. Os cristãos levaram 500 anos para notar isso e para tomar uma atitude? Analisando o período mais moderno de colonialismo ocidental e imperialismo, europeus dominando várias partes do mundo, incluindo o Oriente Médio, e, então, há guerras pela independência dos países muçulmanos. A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais começaram com os europeus, que acabaram arrastando o Oriente Médio para o conflito. Durante a Guerra Fria, o Oriente Médio foi novamente arrastado ao conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. E há também as empresas de petróleo que querem controlar o petróleo da região sem pagar. E quando o Irã tentou nacionalizar a indústria petrolífera, em 1953, as inteligência americana e britânica derrubaram o primeiro-ministro democraticamente eleito [Mohammed Mossadegh]. A região conviveu com a constante intervenção política e militar americana promovendo golpes de Estado, apoiando líderes impopulares, ditadores... A lista é interminável. E nenhum dos conflitos tem a ver com o islã.

ÉPOCA – É possível dissociar completamente o Mundo Muçulmano do Islamismo?
Fuller – É importante esclarecer que meu livro é sobre as relações entre o Oriente Médio e o Ocidente. Não estou tentando imaginar como seria o Oriente sem o islã. Estou só dizendo que, sem o islã, a relação entre o Oriente Médio e o Ocidente não seria muito diferente. Quando a região foi dominada por árabes, depois por turcos, por otomanos, os estados adotaram as políticas dos períodos anteriores. Não houve grandes mudanças. O Império Otomano cobria quase a mesma área que o Império Bizantino, que era Cristão, cobria. As relações com o Ocidente não mudaram muito. Não acho que seja o islã que esteja causando o conflito, embora seja muito conveniente para justificar a guerra. Nenhum país quer admitir que entra em guerra por causa de petróleo, com o objetivo de dominar. É sempre pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, pela cristandade ou pelo islã. Todos os Estados e religiões usam essas bandeiras, mas não devemos confundir as bandeiras com as verdadeiras causas dos conflitos.

ÉPOCA – O senhor trabalhou para a CIA entre 1965 e 1987 e viveu na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen. Poderia imaginar que as relações entre os Estados Unidos e o Oriente Médio chegariam no ponto em que estão hoje, com duas guerras?
Fuller – Sim e não. Quem trabalhou no Oriente Médio todos aqueles anos sabia que a situação estava ficando cada vez pior. Quando voltava aos Estados Unidos, via que as pessoas não percebiam nenhuma mudanças. As pessoas diziam em Washington: "Eles estão sempre infelizes. Talvez aconteçam algumas revoltas, mas nada de mais". E assim foi por um bom tempo. Mas, de repente, um dia, tivemos o 11 de setembro. Foi um choque, mas não uma surpresa. Sabíamos que, um dia, algo ruim ia acontecer. Ninguém sabia o que, quando, onde, mas claro que seriam os elementos mais radicais os primeiros a agir numa situação desse tipo. Osama Bin Laden vinha avisando sobre os atentados há algum tempo. Não disse que ia atacar os Estados Unidos, mas vinha falando há anos sobre o ódio no Oriente Médio por causa da presença de tropas americanas na Arábia Saudita.

ÉPOCA – Mas os atentados de 11 de setembro poderiam ter sido evitados?
Fuller – Muitos problemas poderiam ter sido evitados. Os sauditas discutiram muito antes de permitir a presença americana no país. Mas concordaram sob a condição de que as tropas americanas se retirassem assim que a guerra do Kuwait acabasse. Mas elas não saíram. Isso, é claro, foi uma questão. A presença militar americana só cresceu antes dos atentados de 11 de setembro. Nesse período, os Estados Unidos apoiaram quase incondicionalmente a política israelense, o que gerou raiva em outros países do Oriente Médio. Esse ódio poderia ter sido evitado se os Estados Unidos se dispusessem a ser um intermediário equilibrado entre os dois.

ÉPOCA – Em um artigo, o senhor diz que a política externa americana é, provavelmente, a maior contribuição para a unidade do Mundo Muçulmano desde o profeta Maomé. Por quê?
Fuller – Nos dias de Maomé não havia comunicação, mas, hoje, com a internet e outros meios, o mundo islâmico - inclusive o norte da África, a Malásia, a Indonésia - sabe o que está acontecendo. Agora, quando os Estados Unidos decidem tomar uma atitude como a "guerra contra o terrorismo", todo mundo fica sabendo. Os palestinos veem na TV afegãos sendo mortos. Indonésios veem iraquianos sendo mortos. Hoje, a consciência de ser muçulmano é global. E há comunidades islâmicas nos Estados Unidos, na Europa. A maioria delas é pacífica, mas pode estar infeliz com a política americana. A identidade islâmica, portanto, é um resultado da política externa americana - e não a sua causa.

ÉPOCA – O presidente Barack Obama disse que os Estados Unidos deveriam buscar uma nova relação com o Mundo Árabe, em um discurso celebrado pela comunidade internacional, no Egito, em maio do ano passado. Há motivos para comemorar?
Fuller – Sim. Mesmo durante a campanha presidencial, estava claro que Barack Obama, até por seu histórico pessoal, tinha sensibilidade para tratar de questões étnicas e raciais. O problema é que os Estados Unidos nos últimos 50 anos ou mais se tornaram um império. E o país é, agora, como um navio petroleiro. É muito difícil mudar a sua direção. Obama pode ver o problema e querer mudar a direção. Mas vai conseguir corrigir o rumo em poucos graus. O discurso de Obama foi bom e necessário, mas criou expectativas no Mundo Árabe. E ele não tem correspondido a essas expectativas.

ÉPOCA – Embora Obama não tenha fechado a possibilidade de diálogo com o Irã, as chances de isso acontecer vêm diminuindo. E, em agosto, o almirante Mike Mullen admitiu que os Estados Unidos têm planos para um ataque ao país. Como o senhor avalia as relações dos Estados Unidos com o Irã?
Fuller – Os planos de ataque são uma notícia irrelevante. Os Estados Unidos têm planos para atacar todos os países do mundo. Não porque isso vá acontecer, mas porque essa é a função da inteligência. Muitos burocratas com muito tempo à disposição... Não fiquei particularmente interessado pela notícia. Até porque, a essa altura, depois de 30 anos de hostilidade ao Irã, há pelo menos 50 planos diferentes de atacar o Irã. A declaração foi apenas uma tentativa de elevar o tom, de intimidar.

Obama claramente quis melhorar as relações com o Irã mas a situação é muito mais complicada do que já foi. Os Estados Unidos perderam uma bela oportunidade de negociar quando o país era liderado por Mohammad Khatami, que era moderado. Mas nós nos recusamos a lidar com ele. Agora temos Mahmoud Ahmadinejad e uma situação muito pior no Irã. A situação é pior e os Estados Unidos ainda não são flexíveis o suficiente para lidar com ela.

ÉPOCA – Mas os Estados Unidos deveriam ser mais flexíveis para negociar com um líder considerado radical, como Mahmoud Ahmadinejad?
Fuller – É preciso negociar com o líder que existe, não dá para esperar vir um outro melhor. É preciso enfrentar as questões, negociar. Hoje a situação é muito mais complexa, envolve identidades, emoções, ressentimentos, os problemas psicológicos, além dos políticos.

ÉPOCA – Enquanto Obama se distanciava de Ahmadinejad, o presidente brasileiro, Lula, abriu diálogo com o iraniano, um movimento que recebeu críticas porque poderia, entre outras consequências, isolar o país no cenário político internacional. Qual a sua opinião sobre a aproximação de Brasil e Irã?
Fuller – O ato de Lula foi inspirado, criativo, corajoso, eficiente, um novo passo na diplomacia brasileira, uma forma de sair do isolamento na América do Sul e ter um papel no mundo. A aproximação do Irã e a parceria com a Turquia devem trazer outros benefícios no futuro. O mundo precisa de países maturos, razoáveis, que ajudem a dividir a responsabilidade pelos eventos globais. Nenhum país do mundo deveria ser o grande responsável pelos rumos do mundo. Nem Washington, nem China, nem Rússia, nem Brasil. Gostaria de ver mais poderes sérios e pragmáticos envolvidos na diplomacia.

ÉPOCA – Um dos esforços do Departamento de Estado americano para melhorar a relação entre o Ocidente e o Oriente Médio tem sido enviar imames americanos a países muçulmanos para falar de pluralismo religioso e tolerância nos Estados Unidos. Na semana passada, o imã Feisal Abul Rauf, responsável pelo projeto Cordoba House, a ampliação da mesquita próxima ao Marco Zero, em Nova York, estava em uma dessas missões. Como o senhor vê essa iniciativa do governo americano?
Fuller – O papel dos imames é muito importante, especialmente aqueles que cresceram na cultura ocidental e a entendem. Os muçulmanos nascidos no Ocidente podem ser fundamentais na construção de um diálogo com o Mundo Árabe. Desde que esses imames não sejam vistos como instrumentos de Washington e mantenham sua credibilidade. Precisam manter sua independência, sua voz – não fazer parte de um programa do governo americano. Não estou dizendo que, em princípio, a ideia do governo não é boa. Mas, hoje em dia, há tantas suspeitas sobre a intenção dos Estados Unidos que alguns podem acreditar que é apenas mais uma desculpa para pressão e intervenção. Alguns imames ocidentais podem manchar suas reputações se forem ao Oriente Médio em viagens pagas pelo governo americano. É importante que eles vão para lá, mas é melhor que vão como indivíduos e enriqueçam o pensamento sobre a religiosidade no mundo muçulmano.

ÉPOCA – O senhor acredita que a polêmica em torno da construção da mesquita pode abalar ainda mais a relação já estremecida entre os Estados Unidos e o Oriente Médio?
Fuller – A fúria e a controvérsia a respeito da mesquita em Nova York e a tentativa de criar um dia para queimar o Corão em outros estados americanos ajudam a destruir mais e mais a imagem dos Estados Unidos perante o Mundo Árabe. É bastante prejudicial.

ÉPOCA – Pressionado a falar sobre a polêmica da mesquita próxima do Marco Zero, Obama fez um discurso sobre a liberdade religiosa nos Estados Unidos. No dia seguinte, ele disse que não havia feito referência à mesquita, o que foi visto como uma meia retratação. Qual a sua opinião sobre a posição de Obama a respeito do assunto?
Fuller – Obama tem sido cauteloso demais em vários assuntos internacionais e muitos americanos progressistas têm se decepcionado com ele por causa dessa cautela constante. Mas gostei muito do fato de ele ter se posicionado a respeito da mesquita porque ele não precisaria fazê-lo. Não foi algo popular a dizer, ele não ganhou nenhum voto por isso, provavelmente perdeu alguns, por isso respeito a atitude dele. Ele sabia o que estava dizendo e só espero que ele não se torne, de novo, cauteloso demais, porque é uma questão importante de princípios.

ÉPOCA – Qual a sua opinião sobre o projeto da mesquita que vem causando tanta celeuma?
Fuller – Em primeiro lugar é preciso lembrar que a mesquita está lá há muitos anos e o projeto atual é apenas uma expansão. E uma expansão para unir as três religiões monoteístas. É importante lembrar que o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que é judeu, apoiou veementemente o centro, assim como vários rabinos. Eles se lembram dos dias em que os judeus eram proibidos de construir sinagogas nos Estados Unidos. O projeto, a longo prazo, é ótimo, mas o momento para a sugestão é delicado porque a questão seria politizada.

ÉPOCA – Existe uma tentativa, por parte de alguns radicais americanos, de criar um dia para queimar edições do Corão em protesto à construção da mesquita. Os Estados Unidos estão ficando mais intolerantes?
Fuller – É possível encontrar pessoas em qualquer país dispostas a queimar alguma coisa. A vasta maioria dos americanos sabe que isso é estúpido e ignorante. Mas cria uma má imagem e exacerba um problema que não tem melhorado nada, mesmo durante o governo Obama.

ÉPOCA – Mas, na Suíça, a população votou, em plebiscito, contra a construção de novas minaretes. E a França proibiu o uso da burca em lugares públicos.
Fuller – Não acredito que esse resultado na Suíça tenha a ver com o islã. O islã se tornou um símbolo para os dois lados. No caso da Europa há uma situação econômica delicada, uma população envelhecendo e trabalhadores vindo de outros países. A Europa nunca foi, verdadeiramente, multicultural, e especialmente países pequenos se sentem ameaçados pela entrada de estrangeiros. Poderiam ser de qualquer lugar, da China, da Índia, do Brasil, e causariam estranhamento por ter outra cultura, outra língua, outro estilo de vida. Os europeus estão se tornando xenofóbicos e os muçulmanos estão entre os grupos de estrangeiros mais numerosos e evidentes, pelo jeito de se vestir, por exemplo. Mas acredito que a questão de fundo sejam os problemas sociais europeus. O caso da burca é um pouco diferente, porque ela é um símbolo negativo do islã. Ela não é exigida pelo Corão. Ela deixa uma má impressão para o Ocidente sobre a religião. Mas os franceses deveriam proibir essa manifestação primitiva ou deveriam deixar que ela morresse de morte natural? Será que os franceses estão proibindo a burca ou estão banindo os problemas de que ela se tornou símbolo – o problema da imigração? É um fenômeno muito mais amplo do que o islã.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O culto da ignorancia: nunca antes, em qualquer pais...

A fabulosa farsa de “Lula, o maior criador de universidades do mundo”
Ou: desmonto com números essa mentira. Ou ainda: a ignorância é mais veloz que a luz
Reinaldo Azevedo, 24.08.2010

“Para a democracia funcionar, deve estar (…) protegida de usurpadores que se pretendem representantes absolutos do bem sobre a Terra.”

São palavras do vereador Francisco Telles, de Dois Córregos, ao saudar o título de Cidadão Emérito que recebi. Esta é a minha tarefa: contestar os “absolutistas”, que só podem existir como tal recorrendo à mentira. Eu os contesto com fatos. À diferença do que fazem crer os setores áulicos da imprensa, a Educação, no governo Lula, é uma das áreas em que se andou para trás. Mais tarde, escrevo mais a respeito. Agora, quero contrapor OS FATOS a um discurso que Lula fez hoje em Dourados, no Mato Grosso do Sul.

Falando a uma platéia de quase dois mil estudantes, afirmou que, no dia 31 de dezembro, último dia de seu mandato, será o homem “mais feliz do mundo”. E emendou, naquele seu doce e habitual obscurantismo: “Eu vou olhar para mim e dizer que não tenho curso superior, mas fui o presidente que mais abriu universidade no Brasil.” Lula estava na cidade para inaugurar quatro prédios da Universidade Federal de Dourados.

Muito bem! Isso é o que Lula diz. Agora há os fatos — e o que segue abaixo é elaborado com dados do próprio Ministério da Educação.

1 - Lula afirma por aí ter criado 13 universidades federais. É mentira! Com boa vontade, pode-se afirmar que criou apenas seis; com rigor, quatro. Por quê? A maioria das instituições que ele chama “novas universidades” nasceu de meros rearranjos de instituições, marcados por desmembramentos e fusões. Algumas universidades “criadas” ainda estão no papel. E isso, que é um fato, está espelhado nos números, que são do Ministério da Educação;

2 - Poucos sabem, certa imprensa não diz, mas o fato é que a taxa média de crescimento de matrículas nas universidades federais entre 1995 e 2002 (governo FHC) foi de 6% ao ano, contra 3,2% entre 2003 e 2008 - seis anos de mandato de Lula;

3 - Só no segundo mandato de FHC, entre 1998 e 2003, houve 158.461 novas matrículas nas universidades federais, contra 76.000 em seis anos de governo Lula (2003 a 2008);

4 - Nos oito anos de governo FHC, as vagas em cursos noturnos, nas federais, cresceram 100%; entre 2003 e 2008, 15%;

5 - Sabem o que cresceu para valer no governo Lula? As vagas ociosas em razão de um planejamento porco. Eu provo: em 2003, as federais tiveram 84.341 formandos; em 2008, 84.036;

6 - O que aumentou brutalmente no governo Lula foi a evasão: as vagas ociosas passaram de 0,73% em 2003 para 4,35% em 2008. As matrículas trancadas, desligamentos e afastamentos saltaram de 44.023 em 2003 para 57.802 em 2008;

7 - Sim, há mesmo a preocupação de exibir números gordos. Isso faz com que a expansão das federais, dada como se vê acima, se faça à matroca. Erguem-se escolas sem preocupação com a qualidade e as condições de funcionamento, o que leva os estudantes a desistir do curso. A Universidade Federal do ABC perdeu 42% dos alunos entre 2006 e 2009.

8 - Também cresceu espetacularmente no governo Lula a máquina “companheira”. Eram 62 mil os professores das federais em 2008 - 35% a mais do que em 2002. O número de alunos cresceu apenas 21% no período;

9 - No governo FHC, a relação aluno por docente passou de 8,2 para 11,9 em 2003. No governo Lula, caiu para 10,4 (2008). É uma relação escandalosa! Nas melhores universidades americanas, a relação é de, no mínimo, 16 alunos por professor. Lula transformou as universidades federais numa máquina de empreguismo.

Voltarei a este tema mais tarde para abordar outras “conquistas” do Ministério da Educação. O que vai acima não é assim porque eu quero. É assim porque esses são os números. Mas vivemos os tempos do aspismo. E, infelizmente, o jornalismo online — também estou nele, mas reconheço os problemas — tem sido útil aos mentirosos. Antigamente, o jornalista tinha ao menos tempo de verificar se os números lançados ao vento eram ou não verdadeiros. Agora, corre-se para ser o “primeiro” a pôr a fala de uma autoridade no ar. E a mentira se propaga. É verdade que muitos repórteres poderiam recorrer ao Google e aos arquivos dos jornais e desfazer a farsa na hora. Mas poucos se dão ao trabalho. Nesse caso, por exemplo, só o Google não resolve.

A menos que o Ministério da Educação corra para maquiar os números, a verdade é essa que segue acima, não o que disse Lula em seu discurso. Telefonei para o ex-ministro da Educação e atual secretário da área em São Paulo, Paulo Renato, para comentar a fala do presidente:
“O Lula é um usurpador de obras passadas e futuras; toma para si o que outros fizeram e também o que outros ainda farão depois dele; algumas das suas universidades estão apenas no papel e ainda têm de ser criadas”.

Obscurantista
Muito bem! A farsa histórica está desmontada. Encerro comentando a undécima fala em que Lula faz a apologia da ignorância. Jactando-se de ser o maior criador de universidades do mundo — o que, sabemos, é mentira! —, orgulha-se de não ter curso superior, anunciando ao mundo a irrelevância não de um diploma, mas do estudo. É evidente que Lula, ao tentar destacar o que seria uma contradição — o não-universitário que cria universidades — , acaba estabelecendo uma relação de causa e efeito: porque ignorante, decidiu investir nas luzes. Logo, as luzes se transformam num apanágio da ignorância.

O efeito prático disso é que a ignorância se propaga já que, infelizmente, se move numa velocidade superior à da luz.

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Complementação (pelo próprio RA):

Só a verdade
Reinaldo Azevedo, 25.08.2010

Publiquei hoje um post desmontando a farsa de que Lula foi o maior criador de universidades federais do mundo mundial. Os números são do Ministério da Educação; não adianta espernear. O programa eleitoral de Dilma, nesta terça, foi dedicado à educação. E doses cavalares de mistificação e conversa mole foram ao ar. Passei aqui um bom tempo pesquisando dados técnicos a respeito. Volto à questão mais tarde. É tão impressionante que essa gente tenha prosperado!!!

Lula tem “credibilidade”, certo?, e afirma o que bem entender. Acredito que muitos telespectadores pensem algo como: “Bem, eu não vi nada disso do que eles falam, mas deve ser mesmo verdade”. Sei que as campanhas não são tão ousadas, claro! Mas fico aqui a imaginar o tucano José Serra indagando no ar: “Você conhece alguém que recebeu ou ganhou alguma casa de Dilma?” Poderiam dizer: “Isso seria uma loucura! Logo apareceria um grupo de 100, 200 pessoas”. Pois é. Eles prometeram um milhão até o fim do ano. A pergunta continua a ser esta: “Você conhece alguém que recebeu uma casa de Dilma?

O fato é que, em qualquer área que se queira, Lula infla os dados da sua própria gestão e se apropria de programas alheios com uma sem-cerimônia espantosa. Há pouco, no horário eleitoral, informou-se que foi ele que criou o Fundeb? Foi? O Fundeb é o sucessor do Fundef, com algumas diferenças sobre as quais falarei depois. E essa foi a prática constante do governo: apropriar-se de programas alheios, dar-lhe nomes novos e anunciar práticas supostamente inaugurais.

Por que escrevo essas coisas e outras que virão? Porque é verdade. Pouco me importa se são úteis ou não à candidatura Serra; pouco me importa se o candidato tucano poderia ou não levar essas informações ao ar.

A mim basta isto: que seja a verdade. E é o que continuarei a fazer, pouco importa quem vença a eleição.

Nacionalismo aquatico: a psicultura nacional contra o bagre vietnamita

O bagre já foi um contencioso nas relações EUA-Vietnã, sempre no sentido protecionista. O Brasil segue o mesmo caminho...

Peixe contrapõe ministérios
Mariana Mainenti
Correio Braziliense, 23.08.2010

Um peixe está sendo motivo de discórdia dentro do governo federal. Pressionado há três meses pelos produtores nacionais que estão tendo indigestão com a entrada do bagre vietnamita no país a preços abaixo do mercado brasileiro, o ministro da Pesca e da Aquicultura, Altemir Gregolin, prometeu há duas semanas solicitar ao colega da Agricultura, Wagner Rossi, a suspensão das importações enquanto faz uma análise do risco do produto. A iniciativa de Gregolin, no entanto, foi freada por um terceiro ministério, o das Relações Exteriores, que alertou as outras pastas envolvidas para um fato que agora parece ser maior do que o problema do pangasius(1): uma medida como essa poderia prejudicar as relações entre os dois países.

“O Itamaraty nos chamou a atenção para a questão de que a corrente de comércio entre o Brasil e o Vietnã saltou de US$ 60 milhões para quase US$ 1 bilhão (1.567%) nos últimos quatro anos. A importação do pangasius é pequena dentro disso. Agora, estamos tentando dentro do governo encontrar formas de resolver o problema sem prejudicar as relações do Brasil com o Vietnã”, disse ao Correio o secretário-executivo do Ministério da Pesca, Cleberson Zavaski.

Diplomatas examinam com técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior formas de tratar a questão dentro das regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Eles avaliam se, em vez de suspender as importações do pangasius do Vietnã, o país poderia adotar procedimentos de salvaguarda, medidas antidumping ou elevação das alíquotas de importação.

Enquanto o peixe vietnamita — que gosta mesmo é de água doce — fica nadando nesse mar de possibilidades, não é confortável a situação do ministro da Pesca, cada vez mais pressionado pelo setor, que questiona as condições do produto para o consumo. “O peixe brasileiro é criado em águas limpas, o do Vietnã vem do Rio Mekong, que é poluído”, disse o presidente do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe), Fernando Ferreira, que virá a Brasília novamente hoje para uma reunião na qual irá cobrar de Gregolin uma solução.

Substância proibida
O setor afirma que os produtores no Vietnã adicionam tripolifosfato de sódio, uma substância branqueadora que também faz o peixe “inchar” porque provoca retenção de água. O uso dessa substância é proibido pelo Ministério da Agricultura no Brasil. A eliminação dela pelos sistemas de esgotos sem adequado tratamento causa elevação da concentração de fósforo nas águas, o que acarreta a proliferação de algas. Em excesso, esses organismos usam grandes quantidades de oxigênio e evitam que os raios de sol entrem na água, prejudicando a sobrevivência dos peixes.

De acordo com o secretário de Monitoramento e Controle da Pesca e Aquicultura, Eloy de Sousa Araújo, na análise do risco do produto que o ministério está fazendo são levados em conta os riscos ao meio-ambiente. “Analisamos até mesmo as caixas do produto que chegam do Vietnã, para ver se há algum resíduo que possa provocar contaminação após o descarte da embalagem”, explicou.

Segundo o secretário, o ministério já fez este ano a análise de risco do salmão chileno, cuja conclusão foi de que o produto tem nível de qualidade adequado. Nesse caso, não houve suspensão das importações durante a análise, mas agora um acordo de cooperação entre as pastas da Pesca e da Agricultura permite que as duas medidas sejam tomadas em paralelo.

1 - Invasão perigosa
O pangasius é um peixe de água doce que, no Brasil, é conhecido como bagre. De janeiro a junho deste ano, o Brasil importou 3.300 toneladas do pangasius do Vietnã. O setor alega que há produtos similares nacionais, vindos, inclusive, da aquicultura familiar, como o mapará e a piramutaba, na Amazônia. O peixe do Vietnã entra no Brasil a US$ 2 o quilo, enquanto o brasileiro pode custar até o dobro do preço. Segundo o presidente do Conepe, depois da entrada do pangasius do Vietnã no Brasil, 3 mil funcionários já foram demitidos em indústrias de Santa Catarina e 2 mil na Região Norte